Ups... Isto não correu muito bem. Por favor experimente outra vez.
ENRIQUECIMENTO SEM CAUSA
CORREÇÃO DA PARTILHA
Sumário
I - Não se verificam os pressupostos do enriquecimento sem causa na circunstância de parte das herdeiras se verem avantajadas por referência ao quinhão que lhes caberia na decorrência estrita das normas da sucessão, se os herdeiros acordaram na divisão em errónea proporção. II - Tendo posteriormente os herdeiros acordado em corrigir a partilha em conformidade com as regras da sucessão, inclusivamente comunicando o facto à autoridade tributária, esse acordo constitui fundamento bastante para que as herdeiras que receberam a mais se vejam condenadas a entregar o excesso ao herdeiro prejudicado.
(Sumário da responsabilidade da Relatora)
Texto Integral
Processo: 8711/23.6T8VNG.P1.
*
Sumário
………………………….
………………………….
………………………….
Relatora: Teresa Maria Fonseca
1.º adjunto: José Nuno Duarte
2.ª adjunta: Ana Paula Amorim
Acordam no Tribunal da Relação do Porto
I - Relatório:
AA intentou a presente ação de processo comum contra BB e marido CC e DD.
Pede que os RR. sejam condenados a pagar-lhe € 8 443, 87, sendo os primeiros RR. condenados solidariamente a pagar-lhe € 4 221, 94 e a 2.ª R. € 4 221,94, montantes estes acrescidos de juros de mora à taxa legal, desde a citação até pagamento.
Subsidiariamente, pede que os RR. sejam condenados a entregar-lhe, na proporção das respetivas responsabilidades, € 7 694,26 a título de enriquecimento sem causa, acrescidos de juros de mora à taxa de 4%, desde a citação até pagamento.
Alega que em ../../2019 faleceu EE, tia do A. e das RR., deixando como herdeiros quatro sobrinhos.
O cargo de cabeça de casal da herança coube à R. BB, que procedeu à participação do imposto de selo no serviço de finanças de ..., efetuando a liquidação do quinhão de cada um dos herdeiros como sendo de ¼.
Procederam por acordo à divisão de contas, dinheiro e do produto da venda de bens imóveis.
Houve lapso na proporção das quotas do quinhão hereditário e em 4-6-2021, a R. BB procedeu à retificação das quotas ideais, sendo para o A. e para a também herdeira FF 1/3 e para as RR. 1/6.
As RR. não lhe entregaram, cada uma, € 4 081, 78, quantias que, considerando o lapso no cálculo do quinhão hereditário, indevidamente receberam.
Ao valor devido pelas RR. deverá ser deduzido, a cada uma, € 234, 645 (x 2= 469,29) porque aquando da liquidação do imposto de selo pagaram esse valor a mais do que o devido.
Os RR. contestaram, alegando que os impostos relativos à herança foram liquidados com dinheiro da herança pela herdeira FF e que a cabeça de casal não distribuiu qualquer quantia em dinheiro, pois quem tinha conhecimento dos valores monetários da herança e os podia movimentar era a co-herdeira FF.
Alegaram que nenhum herdeiro exigiu a devolução de qualquer quantia, nem a retificação da participação nas finanças.
Foi a solicitadora GG que alertou a co-herdeira FF que, na sequência, solicitou em maio de 2021 que os herdeiros se reunissem para discutir a situação.
A reunião ocorreu na casa do A. e a herdeira FF propôs que a partir daquele momento a herança fosse divida por três. Foi acordado por todos que o que tinha sido partilhado anteriormente ficaria como estava, tendo o A. declarado que aceitava. A alteração foi remetida para o serviço de finanças.
Posteriormente efetuaram-se duas vendas de valores mais avultados e em nenhuma das vendas se falou de ou se exigiu o acerto de contas. O A. e a co-herdeira FF renunciaram ao direito de exigir dos RR. o pagamento de qualquer quantia para compensar a divisão efetuada por quatro.
Ao propor a presente ação, o A. incorreria em abuso do direito na modalidade de venire contra factum proprium.
Pedem a condenação do A. como litigante de má-fé em multa e no pagamento de indemnização de € 1 500,00.
O A. respondeu pugnando pelo desatendimento do pedido de condenação como litigante de má-fé.
Teve lugar audiência prévia, em que foram julgados verificados os pressupostos processuais. Identificou-se o objeto do litígio e fixaram-se temas de prova.
Após audiência de julgamento, foi proferida sentença que:
- condenou os RR. BB e CC a pagarem ao A. € 3 847,13, acrescidos de juros à taxa legal de 4% ao ano desde a citação até pagamento;
- condenou a R. DD a pagar € 3 847,13 ao A., acrescidos de juros de mora à taxa legal de 4% ao ano, desde a citação até pagamento;
- absolveu o A. do pedido de litigância de má-fé.
*
Inconformados, os RR. interpuseram o presente recurso. Remataram com as conclusões que em seguida se transcrevem.
I - Entendem os apelantes, salvo melhor opinião, que a prova produzida em audiência de julgamento impunha uma decisão diferente quanto à matéria de facto dada como provada.
II - Assim, a factualidade oautorestevesempremuitocaladoetaciturnonareuniãonãoo ouvindodizernada devia ter sido dada como provada.
III - Tal conclusão resulta: do depoimento da testemunha FF (aquela que o Tribunal considerou ser a mais desinteressada e independente), inquirida na audiência de discussão e julgamento no dia 10 de Julho de 2024, in depoimento gravado no sistema informático H@bilusMediaStudio, com inícios: 00h21m0139s a 00h25m14s e 01h04m01s a 01h06m11s.
IV - Ora, sendo tal matéria dada como provada, juntamente com a proposta apresentada nessa mesma reunião pela FF no sentido de queapartirdessemomentooquesepartilhasse”fossepor3eoquejáestavapartilhadoficavapor4 (ponto 20 dos factos dados como provados) e acrescentando-se, ainda, que após aquela reunião (em maio de 2021) os herdeiros (Autor, Réus e FF) procederam à venda, em 23.07.2021 e 17.07.2023, respetivamente de um prédio rústico, sito em ... e a um prédio misto, sito no Quintal ... (ponto 23 dos factos dados como provados), sem qualquer oposição do Autor ou “pedido de contas” por parte deste, então devemos concluir, salvo melhor opinião, que o Autor aceitou, de forma pelo menos tácita, a proposta apresentada pela herdeira FF, no sentido de queapartirdessemomento(dareuniãodemaiode2021)oquesepartilhassefossedivididopor3eoquejáestavapartilhadoficavapor4, isto é, sem alteração.
V - Não se pretende atribuir ao silêncio o valor de declaração negocial, mas sim avaliar um conjunto de comportamentos incluindo o silêncio (não oposição à proposta), por parte do Autor, no sentido de aceitar, pelo menos tacitamente, a proposta de divisão apresentada pela herdeira FF.
VI - De resto, qualquer declaratário normal, colocado na posição do real declaratário, inferia face à posição ou comportamento do Autor na reunião e à falta de reação durante mais de dois anos, que a proposta da FF teria sido aceite.
VII - Acresce que a factualidade em análise integra um erro de direito (e não responsabilidade civil extracontratual, como alegado pelo Autor), na partilha de alguns bens operada por óbito da falecida EE, erro esse que levaria a uma ação de anulação da partilha com todas as consequências, maxime, a emenda da partilha, tendo-se em consideração as receitas, mas também as despesas que os Réus efetuaram.
VIII - A, aliás, douta sentença em crise assim não o entendeu, e recorreu ao instituto do enriquecimento sem causa para ressarcir o Autor pelo prejuízo sofrido.
IX - Acontece que não estão reunidos, incasu, e salvo melhor opinião, os pressupostos do enriquecimento sem causa.
X - Desde logo, por violação do artigo 474º, do Código Civil, que preceitua: “Não há lugar à restituição por enriquecimento, quando a lei facultar ao empobrecido outro meio de ser indemnizado ou restituído, negar o direito à restituição ou atribuir outros efeitos ao enriquecimento”.
XI - Ora, no caso subjudice, existia outro mecanismo para indemnizar o Autor, concretamente, a ação de anulabilidade ou nulidade da partilha parcial, por erro.
XII - Na verdade, tratando-se, como era o caso, de um erro numa partilha extrajudicial, o mesmo teria de ser emendado ou corrigido de acordo com uma ação de anulabilidade ou nulidade dessa partilha, ou seja, a partilha teria de ser impugnada como são os contratos. - cf. p.f., o artigo 2121º, do Código Civil.
XIII - Assim sendo, violou-se o princípio da subsidiariedade do enriquecimento sem causa.
XIV - Acresce que a existência de enriquecimento dos Réus à custa do Autor teve uma causa justificativa: a partilha extrajudicial que os herdeiros (Autor, Réus e FF) levaram a cabo.
Finalmente, o abuso do direito por parte do Recorrido.
XV - De facto, se atentarmos no comportamento contraditório do Autor - dá a sua aprovação tácita a um acordo e posteriormente, atua ao arrepio desse mesmo acordo, frustrando as expectativas nele depositadas pela outra parte - concluímos que o mesmo age com abuso do direito,
XVI - Assim não o entendendo, a aliás douta sentença em crise violou, além de outros, os artigos 236º, 334º, 473º, 474º e 2121º todos do Código Civil, razão pela qual deve ser revogada e substituída por douto Acórdão que atenda ao exposto.
XVII - Decidindo em conformidade, V. Ex.as farão, como sempre, inteira e sã Justiça!
*
O A. contra-alegou. Finalizou nos seguintes moldes:
I. A. pretensão dos Recorrentes não tem qualquer razão, sentido ou fundamento, pois de acordo com a prova produzida, com os documentos juntos, a decisão não podia ter sido outra que aquela que efetivamente foi proferida pela Meritíssima Juiz a quo.
II. Dúvidas não podem subsistir que, ao contrário do que os Recorrentes pretendem inculcar com o meio facto que pretendem dar como provado, a verdade é que em nenhum momento, do comportamento do Réu se poderia retirar que o mesmo havia aceite, ainda que tacitamente, o acordo proposto.
III. Acresce que, a matéria de facto dada como provada, ancora na totalidade quer com a prova documental junta aos presentes autos quer com a prova testemunhal produzida em sede de audiência de discussão e julgamento e bem assim, com a motivação apresentada para elenco dos factos dados comprovados e não provados.
IV. Nos trechos supratranscritos, não se retira que o Autor/ Recorrido se comportou como se não pretendesse a correção das divisões efetuadas com base nas proporções que por direito cabiam a cada um.
V. A introdução da matéria de facto aqui pretendida trata-se de uma inovação em face dos factos por si alegados, mormente, por nunca se terem referido ao alegado silêncio do Autor /Recorrido na sua Contestação e articulados.
VI. Os Réus na sua Contestação e bem assim, no decurso do julgamento, pretenderam inculcar no espírito do tribunal a quo a convicção de que o Autor de forma expressa havia renunciado à possibilidade de reclamar o que era seu por direito.
VII. O alegado pelos Recorrentes era de que o Autor de forma expressa havia renunciado ao seu direito de peticionar a correção dos valores que, entretanto, haviam sido indevidamente recebidos pelos Recorrentes.
VIII. E este foi o facto que estava sujeito a prova e que a meritíssima Sra. Juiz - e bem - considerou como não provado. A saber: “J) O autor de forma expressa declarou que aceitava o referido em 20.”
IX. Neste sentido, não existe enquadramento jurídico ou fáctico para a alteração pretendida pelos Réus/ Recorrentes quanto à matéria de facto que consta da douta sentença e a mesma não merece qualquer tipo de alteração ou censura.
X. Por outro lado, com as conclusões do recurso, os Recorrentes pretendem sindicar ainda a matéria de direito constante da douta sentença proferida pelo Tribunal alegando que «o Autor nada exigiu nem “pediu contas” quanto à partilha antes operada».
XI. Decorre do trecho do depoimento transcrito, da prova documental junta aos autos, onde se inclui o e-mail remetido por intermédio da Dra. HH (antes das últimas vendas operadas) e as cartas remetidas pelo Autor/ Recorrido também em momento anterior que tal não corresponde à verdade.
XII. Não existe qualquer fundamentação para alegação de que tacitamente haveria qualquer tipo de acordo quanto a esta questão.
XIII. No mais, desconhecemos o fundamento legal, e fáctico, para a existência de uma alegada presunção tácita de uma aceitação de uma proposta que nem tampouco foi apresentada pelos Recorrentes nem pelo Recorrido mas por uma terceira pessoa que declarou em sede de julgamento só poder vincular-se a si com o que referiu.
XIV. No mais, o silêncio não tem valor negocial.
XV. Alegam ainda os recorrentes que ao caso em concreto não se aplicaria o instituto do enriquecimento sem causa por alegadamente não se encontrarem preenchidos os pressupostos.
XVI. Dispõe o n.º 1 do artigo 473.º do Código Civil que aquele que, sem causa justificativa, enriquecer à custa de outrem é obrigado a restituir aquilo que injustificadamente se locupletou, sendo que, em conformidade com o n.º 1 do artigo 479.º do mesmo diploma legal, a obrigação de restituir fundada no enriquecimento sem causa compreende tudo quanto se tenha obtido à custa do empobrecido ou, se a restituição em espécie não for possível, o valor correspondente.
XVII. O enriquecimento carece de causa justificativa quando o direito não o aprova ou consente, dada a inexistência de uma relação ou facto que, em conformidade com os princípios do sistema jurídico, justifique a deslocação patrimonial (cf. Almeida Costa, Direito das Obrigações, 5.ª Ed., Almedina, Coimbra, 1991, pág. 400; Pires de Lima e Antunes Varela, Código Civil Anotado, Vol. I, Coimbra Ed. Coimbra, 1987, pág. 456).
XVIII. o autor/recorrido logrou provar ter existido lapso nas quotas do quinhão da herança por óbito de EE e que por conta do referido lapso os 1.º réus e a 2.ª ré locupletaram-se no valor global de €7.694,27 e individualmente os 1.º réus no valor de €3.847,14 e a 2.ª ré no valor de €3.847,14, tendo esta vantagem patrimonial sido obtida à custa do património do autor que peticiona a sua restituição.
XIX. no que concerne aos prejuízos sofridos pelo Autor/ Recorrido e o enriquecimento dos Réus/ Recorrentes, decorre quer da matéria de facto dada como provada, quer inclusive de matéria assente e consensual entre as partes, que inclusive não foi objeto de impugnação por partes dos recorrentes.
XX. não existe norma ou causa justificativa para a deslocação do património do autor/ Recorrido para os réus/ Recorrentes, nem tampouco e demonstrado pelos mesmos qualquer motivo justificativo ou legal para esse facto.
XXI. O caso em sindicância trata-se de uma situação jurídica complexa que envolveu uma multiplicidade de situações, negócios e intervenientes.
XXII. Atendendo à anormalidade e excecionalidade da situação jurídica em causa, não existia ao contrário do alegado pelos Recorrentes uma ação normal capaz de dar resposta à presente contenda, sendo o instituto do enriquecimento sem causa aquele que melhor se adequa à tutela da situação aqui em apreço.
XXIII. Diga-se ainda, que o que está em causa não é a validade de qualquer negócio ou partilha realizada, nem tampouco o pedido/ reconhecimento de um alegado erro de partilha – esse foi admitido pelas partes, foi corrigido com a correção do imposto de selo e portanto, é pacifico entre todos –, o que está aqui verdadeiramente em causa, é a recusa dos Recorrentes em restituir ao Autor/ Recorrido o valor que sabiam ter indevidamente integrado o seu património.
XXIV. Estão preenchidos todos os pressupostos do enriquecimento sem causa conforme decorre da sentença recorrida.
XXV. Não existe qualquer fundamento para o peticionado pelos Recorrentes, devendo manter-se a sentença recorrida inalterada, condenando-se os Réus nos seus precisos termos.
XXVI. No que concerne ao alegado abuso do direito, adere-se em absoluto à sentença recorrida.
XXVII. A conduta do Autor foi sempre a mesma.
XXVIII. Com base na prova produzida e nos factos dados como provados e não provados se demonstra que em nenhum momento foi aceite pelo aqui Autor que se perpetuasse o erro inicialmente cometido na participação do imposto de selo apresentada a 30/11/2019 e junta com a petição inicial sob o doc. n.º 2.
XXIX. O Autor nessa altura como agora, apenas está a peticionar o que é seu por direito.
XXX. O Autor/ Recorrido nunca renunciou ao direito de exigir dos Réus o pagamento das quantias que os mesmos indevidamente receberam e que por via desta ação se reclamam.
XXXI. Estes valores integraram o património dos aqui Réus, sem qualquer justificação legal, tendo existindo um enriquecimento dos Réus à custa do património do Autor.
XXXII. Não houve qualquer reparação por parte dos Réus ao Autor, nem qualquer intenção de o fazer.
XXXIII. A Meritíssima Juiz a quo decidiu corretamente ao condenar os Recorrentes, sendo a sentença recorrida insuscetível de qualquer tipo de censura e de alteração.
*
II - Questões a dirimir:
a - da reapreciação da matéria de facto;
b - se se mostram reunidos os pressupostos do enriquecimento sem causa;
c - se existe outro fundamento para julgar verificado o direito do A.: do acordo das partes em partilhar a herança cabendo um terço ao A..
d - se o A. age em abuso do direito.
*
III - Fundamentação de facto
Factos provados
1. Aos ../../2019, na freguesia ..., faleceu EE, no estado de solteira, tendo deixado como seus únicos e universais herdeiros os sobrinhos:
a. BB e DD, ambas filhas do irmão germano da “de cujus” pré-falecido II;
b. AA, filho do irmão germano da “de cujus” pré-falecido JJ; e,
c. FF, filha do irmão germano da “de cujus” pré-falecido KK;
2. BB exerceu as funções de cabeça de casal da herança aberta por óbito de EE.
3. A cabeça de casal, em 08.11.2019, procedeu à participação de imposto de selo e entrega do comprovativo de participação de transmissões gratuitas (modelo 1), no serviço de finanças de ..., com o registo n.º ...43, por óbito de EE.
4. Na participação referida em 3. foi efetuada a liquidação do quinhão de cada um dos herdeiros em ¼, no valor de €5.631,42.
5. O Autor procedeu ao pagamento da quota parte de ¼ do respetivo imposto no valor de €1.407,85.
6. Procedeu-se à divisão dos seguintes bens que constavam na herança:
a. PPR no valor global de €34.562,85, que foi dividido na proporção de ¼ para cada um dos herdeiros, com base na participação do IS, tendo recebido o aqui Autor €8.640,72 (oito mil seiscentos e quarenta euros e setenta e dois cêntimos);
b. Conta bancária, domiciliada na Banco 1..., no montante de € 22.000,00 (vinte e dois mil euros), que foi dividido na proporção de ¼ para cada um dos herdeiros, com base na participação do IS, tendo recebido o aqui Autor um cheque no valor de €5.500,00;
c. valores monetários no montante global de €27.000,00 (vinte e sete mil euros), que foi dividido na proporção de ¼ para cada um dos herdeiros, com base na participação do IS, tendo recebido o aqui Autor €6.750,00
7. Procedeu-se ainda à venda de prédios rústicos da herança e efetuou-se a divisão dos valores consoante o imposto de selo referido em 4., da seguinte forma:
a. Em 19.09.2020, autor, rés e a herdeira FF venderam a LL o prédio rústico, descrito na Conservatória do Registo Predial de Alijó sob o n.º ...88 e inscrito na matriz predial rústica sob o artigo ...83, sito em ..., da União de Freguesias ... e ..., Concelho de Alijó, pelo preço de €1600,00 e recebeu cada herdeiro €400,00.
b. Em 19.09.2020, autor, rés e a herdeira FF venderam a MM os prédios rústicos, descrito, respetivamente, na Conservatória do Registo Predial de Alijó sob o n.º ...90 e ...89 e inscrito na matriz predial rústica sob o artigo ...85 e ...84, sitos em ... ou ..., da União de Freguesias ... e ..., Concelho de Alijó, pelo preço global de €8800,00 e recebeu cada herdeiro €2.200,00.
c. Em 14.12.2020, autor, rés e a herdeira FF venderam a NN e OO o prédio rústico, não descrito na Conservatória do Registo Predial de Alijó e inscrito na matriz predial rústica sob o artigo ...12, sito em ..., da União de Freguesias ... e ..., Concelho de Alijó, pelo preço de €4000,00 e recebeu cada herdeiro €1.000,00.
8. Após a partilha dos bens referidos em 6. e 7. verificou-se que existia um lapso na atribuição das quotas do quinhão hereditário.
9. Em 04.06.2021 procedeu-se à retificação do imposto de selo por óbito de EE, declarando-se as seguintes quotas: a. BB - 1/6; b. DD - 1/6; c. AA - 1/3; e, d. FF- 1/3. a. A divisão dos bens por 3; b. A venda de um prédio da herança, sito em ....
10. A retificação referida em 9. deu origem a uma nova liquidação de imposto de selo.
11. O autor na divisão de valores referidos em 6. e 7. ficou prejudicado em €8.163.56.
12. Os 1.º e 2.º réus beneficiaram do valor referido em 11..
13. O autor beneficiou aquando da liquidação referida em 4. e 5. do valor de €469,29.
14. Os 1.º e 2.ª ré ficaram prejudicadas no valor referido em 13.
15. O autor, em 11.08.2023, através da sua Il. Mandatária remeteu às rés missiva com o seguinte teor “devem a quantia de 7.694,26€ (sete mil seiscentos e noventa e quatro euros e vinte e seis cêntimos), relativo à partilha dos bens que faziam parte do acervo hereditário de EE, vossa tia e do qual V. Exa. É herdeira. (…) antes de recorrer aos Tribunais, cumpre-me convidar V. Ex.ª (…) a proceder ao pagamento dos montantes em dívida, no prazo máximo de 8 (oito) dias, a contar da data da assinatura do aviso de receção (…)”.
16. A retificação foi efetuada por acordo após o alerta da Solicitadora GG à herdeira FF.
17. A herdeira FF contactou as primas a dar-lhes conhecimento de que a herança referida em 1. devia ser dividida por 3.
18. Nesse seguimento, a herdeira FF através de e-mail em maio de 2021 solicitou uma reunião que tinha a seguinte ordem de trabalhos:
a. A divisão dos bens por 3;
b. A venda de um prédio da herança, sito em ....
19. A reunião referida em 18. ocorreu em dia não concretamente apurado de maio de 2021, na sala de leitura da casa do autor, encontrando-se presentes:
a. Autor;
b. Réus;
c. Namorado da 2.ª ré;
d. A herdeira FF e o seu marido.
20. A herdeira FF propôs que a partir desse momento o que se partilhasse fosse por 3 e o que já estava partilhado ficava por 4..
21. Foi decidido, nessa reunião, proceder-se à alteração da participação para efeitos de imposto de selo, nas Finanças.
22. A Il. Mandatária HH elaborou o respetivo documento que foi assinado por todos os herdeiros e remetido pela herdeira FF para o serviço de finanças.
23. Em 23.07.2021 e 17.07.2023 procederam à venda, respetivamente, de um prédio rústico, sito em ... e de um prédio misto, sito no Quintal ....
24. A carta referida em 15. remetida para a 1.ª ré foi devolvida ao remetente.
*
Factos não provados
A) Os valores referidos em 6. foram divididos pela cabeça de casal.
B) Foi a 1.ª ré que procedeu à retificação do imposto de selo.
C) O lapso da participação do imposto de selo foi criado pela 1.ª ré.
D) O pagamento do imposto relativo à herança foi efetuado com o dinheiro da herança, pela herdeira FF.
E) A herdeira FF era cotitular das contas bancárias da falecida EE.
F) Foi a herdeira FF que distribuiu os valores referidos em 6.
G) Nenhum herdeiro exigiu qualquer quantia por negócios anteriores.
H) Nenhum herdeiro exigiu a retificação da participação das finanças para efeitos de imposto de selo.
I) Era vontade da falecida EE que os bens da herança fossem divididos por 4.
J) O autor de forma expressa declarou que aceitava o referido em 20.
K) A Il. Mandatária HH assessorou juridicamente os quatro herdeiros logo após o falecimento de EE.
L) Nas circunstâncias referidas em 23. não foi exigido o encontro de contas.
*
IV - Fundamentação jurídica
a - Da reapreciação da matéria de facto
Os apelantes sustentam que deveria ter sido dado como assente que oautorestevesempremuitocaladoetaciturnonareuniãonãoo ouvindodizernada.
Esteiam a sua pretensão na alegação de que a testemunha FF depôs neste sentido.
O teor do depoimento da testemunha no que concerne a esta matéria é, essencialmente, o seguinte: (…) OAAesteveextremamentecaladoareuniãotoda,eutambémquerodeixaraqui,(impercetível)desalvaguarda,nósestávamosemplenapandemia,reunidosindevidamente,portantonósatétínhamossugeridofazerestareuniãoviaZoom,maspronto,depoisoAAtemumacasaenorme,eofereceu,defacto,umcompartimento,eestávamosdevidamenteespaçados,nãoestávamostodosjuntos,emcimaunsdosoutros,estávamosemplenapandemia,entãoestávamostodosrelativamenteafastados.EeuviqueoAAestevemaioritariamentecalado.Estevebastantecaladoetaciturno. AdvogadadoAutor:MaselealgumavezconcordoucomaposiçãomanifestadapelaFF? Testemunha:Não,eunãoouvi,eunãoouvinada. AdvogadadoAutor:Nãoouviunada,relativamenteaisso?Estevesemprepresentenomesmoespaço? Testemunha:Estiqueiaspernitasumavezououtra,masachoquefoiumacoisarápida. AdvogadadoAutor:Nãoouviudizerqueconcordavacomessasituação? Testemunha:Eunãoouvidizernada.Eunãoouvidizernada.”
É certo que a matéria de facto deve espelhar de forma concreta, mas tão ampla quanto possível, atentas todas as soluções plausíveis de direito, quanto foi possível apurar, com vista à consecução de um resultado de justiça material.
A este propósito importa atentar, por um lado, em que a pretensão há de incidir sobre efetiva matéria de facto, por outro lado, em que, para que se proceda à reapreciação da matéria de facto, esta há de ser suscetível de mudar o direito.
Só acontecimentos ou factos concretos podem integrar a seleção da matéria de facto relevante para a decisão.
O Prof. Alberto dos Reis definia como questão de facto tudo o que tende a apurar quaisquer ocorrências da vida real quaisquer eventos materiais e concretos, quaisquer mudanças operadas no mundo exterior» e como questão de direito tudo o que respeita à interpretação e aplicação da lei (Alberto dos Reis, Código de Processo Civil Anotado, Volume III, 4.ª edição, Coimbra Editora, Coimbra, 1985, pp. 206-207).
Segundo Larenz, a questão de facto reporta-se ao que efetivamente aconteceu, enquanto a questão de direito se identifica com a qualificação do ocorrido em conformidade com os critérios da ordem jurídica (Karl Larenz, Metodologia da Ciência do Direito, tradução portuguesa, Fundação Calouste Gulbenkian, 1997, p. 43).
No âmbito da matéria de facto, processualmente relevante, inserem-se todos os acontecimentos concretos da vida, reais ou hipotéticos, que sirvam de pressuposto às normas legais aplicáveis: os acontecimentos externos (realidades do mundo exterior) e os acontecimentos internos (realidades psíquicas ou emocionais do indivíduo), sendo indiferente que o respetivo conhecimento se atinja diretamente pelos sentidos ou se alcance através das regras da experiência (juízos empíricos) (cf. Manuel Andrade, Noções Elementares de Processo Civil, Coimbra Editora, pp. 180/181 e Artur Anselmo de Castro, Direito Processual Civil Declaratório, vol. III, Almedina,, p. 268).
Questão de facto é, seguramente, tudo o que se reporta ao apuramento de ocorrências da vida real e de quaisquer mudanças ocorridas no mundo exterior, bem como à averiguação do estado, qualidade ou situação real das pessoas ou das coisas. Além dos factos reais e dos factos externos, a doutrina também considera matéria de facto os factos internos, isto é, aqueles que respeitam à vida psíquica e sensorial do indivíduo, e os factos hipotéticos, ou seja, os que sereferem a ocorrência virtuais (Henrique Araújo, A Matéria de Facto no Processo Civil (da petição ao julgamento) consultável in https://carlospintodeabreu.com/public/files/materia_facto_processo_civil.pdf).
A pretensão dos recorrentes reporta-se a uma mera interpretação pessoal do estado de espírito do recorrido, perfeitamente insuscetível de demonstração, assinaladamente no que se refere à condição taciturna e ao grau em que o apelante se manteve calado (muito calado).
Diga-se que do depoimento da testemunha em causa será apenas possível inferir que a testemunha pouco falou, o que, em si mesmo, é por demais vago. A pretensão dos apelantes, por isso, sempre seria de improceder.
Em todo o caso, entende-se que a apreciação da matéria resulta inócua para o desenlace do processo. A matéria eventualmente relevante para a decisão prende-se, não com o nível de intervenção do apelante na reunião havida entre os herdeiros, mas sim na existência de concordância relativamente a manter a divisão na proporção até então efetuada de um quarto para cada um dos herdeiros.
Lê-se no ac. desta Relação do Porto de 4/10/2021 (proc. 142/19.9T8BAO.P1, Carlos Gil) que a reapreciação da matéria de facto não é um exercício dirigido a todo o custo ao apuramento da verdade afirmada pelo recorrente mas antes e apenas um meio do mesmo poder reverter a seu favor uma decisão jurídica fundada numa certa realidade de facto que lhe é desfavorável e que pretende ver reapreciada de modo a que a realidade factual por si sustentada seja acolhida judicialmente, pelo que logo que faleça a possibilidade de uma qualquer alteração da decisão factual poder ter alguma projeção na decisão da matéria de direito em sentido favorável ao mesmo deixa de ter justificação a reapreciação requerida.
E no ac. Relação de Guimarães de 22-10-2020 (proc. 5397/18.3T8BRG.G1, Maria João Matos): por força dos princípios da utilidade, da economia e da celeridade processual, o Tribunal ad quem não deve reapreciar a matéria de facto quando o(s) facto(s) concreto(s) objeto da impugnação for(em) insuscetível(eis) de, face às circunstância próprias do caso em apreciação e às diversas soluções plausíveis de direito, ter(em) relevância jurídica, sob pena de se levar a cabo uma atividade processual que se sabe ser inútil.
Veja-se ainda o ac. do S.T.J. de 9-2-2021 (proc. 26069/18.3T8PRT.P1.S1, Maria João Vaz Tomé): segundo a jurisprudência do STJ, nada impede a Relação de apreciar se a factualidade indicada pelos recorrentes é ou não relevante para a decisão da causa, podendo, no caso de concluir pela sua irrelevância, deixar de apreciar, nessa parte, a impugnação da matéria de facto por se tratar de ato inútil.
Deste modo, sendo a factualidade que se pretende ver aditada insuscetível de gerar alteração à solução jurídica da causa, cumpre concluir que conhecer da respetiva inclusão corresponderia à prática de um ato inútil, como tal proibido por lei (art.º 130.º do C.P.C.).
*
b - Se se mostram reunidos os pressupostos do enriquecimento sem causa
A sentença recorrida considerou que se mostravam reunidos os requisitos do enriquecimento sem causa, condenando os RR. com base neste instituto.
Nos termos do disposto no art.º 473.º/1 do C.C. constituem pressupostos do enriquecimento sem causa:
a) a existência de um enriquecimento;
b) a obtenção desse enriquecimento à custa de outrem;
c) a ausência de causa justificativa para o enriquecimento.
É sabido que para a verificação de enriquecimento sem causa não basta que uma pessoa tenha obtido vantagem económica à custa de outra, sendo ainda necessária a ausência de causa jurídica justificativa da deslocação patrimonial. Impõe-se a ausência de causa jurídica para a receção da prestação que foi realizada.
A ausência de causa justificativa para o enriquecimento é o conceito mais indeterminado no âmbito do enriquecimento sem causa. Considera-se, em regra, que o enriquecimento não terá causa justificativa quando, segundo os princípios legais, não haja razão de ser para ele, quando, segundo o sistema jurídico, deva pertencer a outrem e não ao efetivo enriquecido.
Quem invoca o instituto do enriquecimento sem causa tem o ónus de alegação e prova (por força do preceituado no art.º 342.º/1 do C.C.) da deslocação patrimonial e da inexistência de causa justificativa do enriquecimento.
O recurso a este meio só é possível se não existir outro meio, de entre as normas jurídicas aplicáveis, para se conseguir o ressarcimento do lesado, ou seja, o instituto do enriquecimento sem causa é subsidiário (art.º 474.º do C.C.).
Revertendo ao caso concreto, recorde-se que o direito de representação se verifica nas situações em que a lei chama os descendentes de um herdeiro ou legatário, que não pode ou não quis aceitar a herança. Os descendentes vão ocupar o lugar deixado vago pelo sucessível (art.º 2039.º e ss. do Código Civil).
Foi o que ocorreu no caso vertente, em que todos os herdeiros de EE foram chamados à sucessão por força do direito de representação que lhes adveio da circunstância de seus pais, irmãos da autora da sucessão, lhe terem pré-falecido.
É incontroverso que, de acordo com as regras que regem a sucessão, a herança deveria ter sido partilhada na proporção de 1/3 para o A., 1/3 para a R. FF, 1/6 para BB e 1/6 para DD.
Não oferece, assim, dúvidas que os RR. viram o seu património avantajado na decorrência da forma pela qual as próprias, juntamente com os demais herdeiros de EE, de todos tia, partilharam informalmente a herança, na proporção de ¼ para cada um dos herdeiros. A causa do excesso ingressado na esfera patrimonial das RR. esteia-se na partilha que os herdeiros (A., RR. e FF) levaram a cabo, dividindo o produto da venda de bens da herança, forma por aqueles, ao que se alcança, encontrada de porem cobro à comunhão hereditária.
A proporção e modo pelo qual a partilha se foi verificando emerge da análise conjugada da matéria assente, com relevo para os factos 4 a 7: - 4. Na participação referida em 3. foi efetuada a liquidação do quinhão de cada um dos herdeiros em ¼, no valor de €5.631,42; - 5. O Autor procedeu ao pagamento da quota parte de ¼ do respetivo imposto no valor de €1.407,85. - 6. Procedeu-se à divisão dos seguintes bens que constavam na herança: a. PPR no valor global de €34.562,85, que foi dividido na proporção de ¼ para cada um dos herdeiros, com base na participação do IS, tendo recebido o aqui Autor €8.640,72 (oito mil seiscentos e quarenta euros e setenta e dois cêntimos); b. Conta bancária, domiciliada na Banco 1..., no montante de € 22.000,00 (vinte e dois mil euros), que foi dividido na proporção de ¼ para cada um dos herdeiros, com base na participação do IS, tendo recebido o aqui Autor um cheque no valor de €5.500,00; c. valores monetários no montante global de €27.000,00 (vinte e sete mil euros), que foi dividido na proporção de ¼ para cada um dos herdeiros, com base na participação do IS, tendo recebido o aqui Autor €6.750,00. - 7. Procedeu-se ainda à venda de prédios rústicos da herança e efetuou-se a divisão dos valores consoante o imposto de selo referido em 4., da seguinte forma: a. Em 19.09.2020, autor, rés e a herdeira FF venderam a LL o prédio rústico, descrito na Conservatória do Registo Predial de Alijó sob o n.º ...88 e inscrito na matriz predial rústica sob o artigo ...83, sito em ..., da União de Freguesias ... e ..., Concelho de Alijó, pelo preço de €1600,00 e recebeu cada herdeiro €400,00. b. Em 19.09.2020, autor, rés e a herdeira FF venderam a MM os prédios rústicos, descrito, respetivamente, na Conservatória do registo Predial de Alijó sob o n.º ...90 e ...89 e inscrito na matriz predial rústica sob o artigo ...85 e ...84, sitos em ... ou ..., da União de Freguesias ... e ..., Concelho de Alijó, pelo preço global de €8800,00 e recebeu cada herdeiro €2.200,00. c. Em 14.12.2020, autor, rés e a herdeira FF venderam a NN e OO o prédio rústico, não descrito na Conservatória do registo Predial de Alijó e inscrito na matriz predial rústica sob o artigo ...12, sito em ..., da União de Freguesias ... e ..., Concelho de Alijó, pelo preço de €4000,00 e recebeu cada herdeiro €1.000,00).
Da enunciação desta factualidade decorre que as apelantes se viram avantajados por referência ao quinhão que efetivamente lhes cabia na sequência do acordado entre os herdeiros quanto à divisão de quantias monetárias e de produto da venda de imóveis.
Esta, pois, a causa do invocado enriquecimento. É quanto baste para que não possamos fazer uso deste instituto subsidiário.
Afigura-se-nos, todavia, em contrário do vertido na sentença recorrida, que existe fundamento outro para o lesado lograr o pretendido ressarcimento, como se passará a expor.
*
c - Se existe outro fundamento para julgar verificado o direito do A.: do acordo das partes em partilhar o produto da venda de bens da herança cabendo um terço ao A..
O A. viu-lhe negada a possibilidade de se ver indemnizado no quantitativo pelo qual as RR. receberam a mais do que seria o seu quinhão - e que integrava o quinhão do A. - com fundamento em responsabilidade civil, por, na sentença recorrida se ter entendido não se verificarem os pressupostos da responsabilidade civil, assinaladamente que tenha existido ato culposo ou negligente dos RR., mormente da R. BB.
No que à responsabilidade da apelante BB respeita, confiram-se os seguintes artigos da petição inicial: 20.º - Todavia, só após a partilha dos valores das contas, do dinheiro e da venda dos imóveis supra descritos é que, o Autor e demais herdeiros, constataram a existência de um lapso nas quotas atribuídas a cada um na participação do imposto de selo com base no qual foram efetuadas as vendas e divisões supra identificadas e, nessa sequência, exigiram a retificação dessa participação e a entrega dos montantes indevidamente recebidos pelas Rés. 28.º - Assim, os Réus beneficiaram indevidamente de um lapso que foi criado pela 1.ª Ré, aquando da indicação do quinhão correspondente a cada um dos herdeiros e que foi replicado depois na partilha dos saldos bancários, contas, produtos financeiros, dinheiros, e na divisão do produto da venda dos imóveis supra identificados. 29.º - Não obstante mais tarde se ter procedido à retificação da participação do imposto de selo, a verdade é que os negócios jurídicos acima identificados foram realizados com base na deturpação dos valores que realmente eram devidos ao aqui Autor e, consequentemente, às aqui. Rés.
O A. alega ter havido lapso da R. BB (art.º 20.º), criado pela mesma (art.º 28.º) e classifica o lapso de deturpação (art.º 29.º).
Considera o A. que, por se terem apercebido da existência de lapso e por o terem reconhecido, a circunstância de os RR. se terem, ainda assim, mantido na posse dos quantitativos que perceberam a mais dos respetivos quinhões é ilícita e os constitui na obrigação de indemnizar.
Afigura-se-nos que a matéria apurada sustenta a pretensão do A. sem recurso à responsabilidade civil.
O que os factos assentes evidenciam é que as partes acordaram partilhar a herança em erro acerca da proporção que cabia a cada uma. Tendo tomando consciência do ocorrido, a herdeira FF contactou as primas, para lhes dar conhecimento de que a herança devia ser dividida por 3 (facto 17).
Segue-se a seguinte factualidade: 18. Nesse seguimento, a herdeira FF através de e-mail em maio de 2021 solicitou uma reunião que tinha a seguinte ordem de trabalhos: a. A divisão dos bens por 3; b. A venda de um prédio da herança, sito em .... 19. A reunião referida em 18. ocorreu em dia não concretamente apurado de maio de 2021, na sala de leitura da casa do autor, encontrando-se presentes: a. Autor; b. Réus; c. Namorado da 2.ª ré; d. A herdeira FF e o seu marido. 20. A herdeira FF propôs que a partir desse momento o que se partilhasse fosse por 3 e o que já estava partilhado ficava por 4. 21. Foi decidido, nessa reunião, proceder-se à alteração da participação para efeitos de imposto de selo, nas Finanças. 22. A Il. Mandatária HH elaborou o respetivo documento que foi assinado por todos os herdeiros e remetido pela herdeira FF para o serviço de finanças.
Nessa sequência, o produto da venda de prédio rústico, sito em ... e de um prédio misto, sito no Quintal ..., foi dividido por três.
Reproduzimos ainda os factos que diretamente demonstram que os herdeiros reconheceram a falha no cálculo da proporção que cabia aos herdeiros e qual a respetiva reação àquela: 8. Após a partilha dos bens referidos em 6. e 7. verificou-se que existia um lapso na atribuição das quotas do quinhão hereditário. 9. Em 04.06.2021 procedeu-se à retificação do imposto de selo por óbito de EE, declarando-se as seguintes quotas: a. BB - 1/6; b. DD - 1/6; c. AA - 1/3; e, d. FF- 1/3. a. A divisão dos bens por 3; b. A venda de um prédio da herança, sito em .... 10. A retificação referida em 9. deu origem a uma nova liquidação de imposto de selo.
É certo que nos termos do disposto no art.º 2121.º do C.C. a partilha extrajudicial só pode ser impugnada nos casos em que o sejam os contratos.
À impugnação da partilha extrajudicial são aplicáveis as disposições referentes aos contratos em geral, bem como as disposições sobre impugnação dos negócios jurídicos em geral - as normas relativas à anulabilidade, à nulidade e inexistência do negócio jurídico
Assim, mediante ação judicial, a partilha extrajudicial pode ser declarada inexistente, nula ou anulada, conforme a natureza dos vícios que a afetem, bem como pode ainda ser declarada ineficaz stricto sensu (cf. Rabindranath Capelo de Sousa, Lições de Direito das Sucessões II, pp. 367 e 368).
Tendo, porém, sido reconhecida a existência de falha na atribuição das quotas e corrigida a liquidação do imposto em conformidade, é totalmente desnecessário que o A. intente ação para anulação da partilha. Esta já se encontra em conformidade, quer com a vontade das partes, quer com as normas sucessórias aplicáveis. Não há motivo para impugnar a partilha, pois que as partes, no exercício da sua autonomia da vontade, a alteraram/corrigiram voluntariamente.
Todos os intervenientes na partilha reconheceram a desconformidade praticada relativamente ao ditado pelas regras da sucessão. Nessa sequência, autodeterminaram-se a corrigir o ocorrido, inclusivamente apresentando declaração perante a autoridade tributária. O acordo dos herdeiros em proceder à alteração da participação nas Finanças para efeitos de imposto de selo equivale a acordo em como a herança se dividiria por três.
Os RR. procuram ainda obstaculizar ao direito do A., por eles reconhecido, invocando que este deu o seu assentimento a que a partilha se mantivesse intocada por referência ao momento que antecedeu o reconhecimento do lucro. Não lograram produzir prova de tal aquiescência.
Nos termos do preceituado no art.º 342.º/1 do C.C., impendia sobre o A. fazer prova do seu direito. Impendia sobre os RR. ónus de demonstrarem factos, impeditivos, modificativos ou extintivos do direito do A. (art.º 342.º/1 do C.C.). Não lograram produzir prova de factos integrantes de exceção.
Em súmula, num primeiro momento, o A. aceitou receber menos do que lhe cabia em face do regime sucessório aplicável. Num segundo momento, o A., as RR. e a também herdeira FF acordaram em que a divisão da herança seria efetuada cabendo, na parte de que aqui interessa cuidar, a proporção de 1/3 ao A.. Por via do acordado, tem o A. direito a que as RR. lhe paguem as quantias por si peticionadas.
*
d - Se o A. age em abuso do direito
As apelantes procuram sobrestar na sua condenação invocando que o apelado age em abuso do direito.
Sendo as normas jurídicas gerais e abstratas, nem sempre conduzem diretamente a soluções de justiça e de equidade. É neste contexto que surge o instituto do abuso do direito, figura recondutível ao âmbito mais vasto da boa-fé expressamente prevista no art.º 334.º do C.C..
Segundo o disposto neste art.º 334.º, é ilegítimo o exercício de um direito quando o titular exceda manifestamente os limites impostos pela boa-fé, pelos bons costumes ou pelo fim social ou económico desse direito.
Ocorre abuso do direito se o detentor de um determinado direito previsto no ordenamento jurídico o exercita desenquadrado da razão que levou o legislador a prevê-lo.
A pretensão dos recorrentes a não ver o direito do A. reconhecido esteava-se na alegação de que este incorria em abuso do direito na modalidade de venire contra factum proprium. Isto porque, segundo invocaram, teria dado o seu assentimento a que a partilha da herança se mantivesse na proporção previamente acordada até ao momento em que a partilha foi corrigida. Como se viu, não lograram produzir prova de tal facto.
Improcede, por conseguinte, esta linha de argumentação dos apelantes.
*
V - Dispositivo
Nos termos sobreditos, acorda-se em julgar improcedente o recurso, mantendo-se a decisão recorrida
*
Custas pelos apelantes, por terem sucumbido na sua pretensão (art.º 527.º/1/2 do C.P.C.).