REJEIÇÃO DA IMPUGNAÇÃO DA MATÉRIA DE FACTO
BENFEITORIAS
INDEMNIZAÇÃO POR BENFEITORIAS
Sumário


A falta de especificação nas conclusões do recurso dos concretos pontos de facto que o recorrente considera incorretamente julgados acarreta a rejeição da impugnação da decisão sobre a matéria de facto.

Texto Integral


Acordam no Tribunal da Relação de Guimarães:

I – Relatório

1.1. AA intentou ação declarativa, sob a forma de processo comum, contra BB (por si e na qualidade de herdeiro da Herança Aberta por óbito de CC), DD, EE e FF (todos na qualidade de herdeiros da Herança Aberta por óbito de CC), requerendo a intervenção principal provocada de DD, onde termina pedindo que «Devem os Réus ser condenados a pagar ao Autor e à Interveniente Principal a quantia de €68.000,00, acrescida de juros de mora, desde o acto de citação, até efectivo e integral pagamento.»
Para o efeito, alegou, em apertada síntese, que durante o casamento com a Ré DD foram residir numa casa que está implantada num prédio que pertence ao 1º Réu e à herança da sua falecida mulher, que nessa casa, com autorização dos donos, fizeram obras que a melhoraram, as quais foram custeadas pelo casal.

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Os Réus contestaram, sendo que os Réus BB e EE deduziram reconvenção, pedindo que «o A./reconvindo e a Interveniente DD se[jam] condenados a pagar e aos RR. no peticionado montante de 56.181,46 (cinquenta e seis mil, cento e oitenta e um euros e quarenta e seis cêntimos)», alegando, para o efeito, que as obras foram autorizadas na condição de nada ser exigido e que o 1º Réu e a sua falecida mulher pagaram parte dessas obras e emprestaram diversas quantias ao casal, que não as restituiu.
Alegaram ainda que acordaram que o casal pagasse uma renda mensal, o que nunca fizeram, assim como nunca pagaram qualquer despesa relativa à água e luz.
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O Autor apresentou réplica, onde terminou pedindo a condenação dos Réus como litigantes de má-fé.
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1.2. Dispensada a audiência prévia, proferiu-se despacho saneador, definiu-se o objeto do litígio e enunciaram-se os temas da prova.
Tendo o Réu FF falecido, foi habilitado o Réu BB como seu sucessor.
Realizada a audiência de julgamento, lavrou-se sentença, que julgou a ação parcialmente procedente e a reconvenção improcedente, a «[c]ondenar o réu BB e a herança aberta por óbito de CC (cujos herdeiros são o réu BB, DD e EE) a pagar ao autor a quantia de €34,000,00, acrescida de juros civis desde a citação até integral e efectivo pagamento, sendo que quanto à segunda condenada a dívida é a satisfazer pelos bens da herança».
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1.3. Inconformados com a sentença, os Réus BB e a Herança Aberta por óbito de CC, representada pelos Réus BB, DD e EE, interpuseram recurso de apelação, formulando as seguintes conclusões:

«A) O 1.º Recorrente e a sua falecida esposa são donos e legítimos proprietários de um prédio urbano destinado a habitação, sito na Travessa ..., freguesia ... (...), concelho ..., descrito na Conservatória do Registo Predial ... sob o n.º ...74, código postal ..., .... Nesse mesmo prédio, existia ainda um anexo, sem qualquer licenciamento e condições de habitabilidade, apenas existindo para suporte da casa principal, onde residia o 1.º Recorrente e a sua falecida esposa.
B) O Recorrido e a 2.ª Recorrente DD decidiram remodelar o anexo e fazer do mesmo a habitação do seu agregado familiar, contra a vontade do 1.º Recorrente, por conhecer que o anexo não dispunha de qualquer licenciamento e nada lhe poderem exigir.
C) As obras realizadas pelo Recorrido e a 2.ª Recorrente ficaram concluídas em finais do mês de abril de 2019, tendo ambos ido para lá residir em maio do mesmo ano, na condição de pagarem uma renda mensal de €500,00 (quinhentos euros) aos proprietários do prédio (1.º Recorrente e falecida esposa), uma vez que estariam a usar a sua propriedade e os restantes filhos do casal, não podiam ficar prejudicados com tal decisão.
D) O Recorrido e a 2.ª Recorrente viveram no referido anexo até à sua separação, sem que nunca tivessem pago qualquer valor a título de renda (compensação monetária pelo uso do espaço e propriedade a ser dividida e entregue aos restantes dois filhos do casal), nem qualquer valor referente a despesas com luz e água, tendo estas sido sempre suportadas pelo 1.º Recorrente e sua falecida esposa, apesar do Recorrido e 2.ª Recorrente terem anuído pagar metade das mesmas e de serem interpelados para o efeito, nunca o fizeram.
E) Realizada a audiência de discussão e julgamento da causa, com a prestação de declarações de parte dos Recorrentes, BB, DD, EE, e do depoimento de parte do Recorrido, bem como das testemunhas GG, HH e II, o tribunal a quo não valorou devidamente as declarações e os depoimentos.
F) Com a postura manifestada, na apreciação das declarações de parte produzidas pelos Recorrentes em audiência de julgamento, e nos depoimentos das testemunhas arroladas pelos Recorrentes, fixou prematuramente o Tribunal recorrido o valor probatório das declarações produzidas pelos Recorrentes, bem como do depoimento das testemunha, desconsiderando-as, alicerçando a sua posição, exclusivamente, no interesse do Requerido quanto ao desfecho dos autos e, por isso, negando, à partida, a verificação dos parâmetros materiais de objetividade e coerência que possam ter resultado das declarações produzidas.
G) Ficou provado que existia um acordo quanto ao pagamento de uma renda mensal de €500,00, bem como ao pagamento de metade das despesas com água e luz, foram realizados múltiplos mútuos pelo 1.º Recorrente e pela 3.ª Recorrente ao casal Recorrido e 2.ª Recorrente e uma condição expressa de que as obras seriam realizadas a expensas do casal, sem direito a qualquer compensação futura por parte do 1.º Recorrente, o que;
H) Apesar disso, o Tribunal a quo optou por desconsiderar em bloco essa confluência de elementos probatórios, como se a coincidência entre prova documental, declarações de parte e prova testemunhal fosse fruto do acaso ou, pior, de uma conspiração argumentativa, tendo proferido sentença em senti9. Resulta da douta decisão que agora se recorre que, “A presente acção consubstancia uma acção de indemnização com base no regime de benfeitorias.”, no entanto, como provado em sede de julgamento que as obras (designadas pelo Tribunal a quo de - melhorias) foram realizadas num anexo, num terreno pertencente ao 1.º Recorrente e sua falecida esposa. Também ficou provado que tal anexo é impróprio para desanexação e não tem qualquer viabilidade de obtenção de licenciamento, com ou sem condições para o efeito. Também se logrou provar que as partes envolvidas nas obras sabiam e não tinham como desconhecer tal facto. Ademais, consta dos autos que da perícia requerida pelo Recorrido, ficou inequívoca a ideia de que jamais seria viável uma desanexação e/ou legalização da suposta habitação.
I) Decorrendo daqui, naturalmente, que a casa/anexo em questão não aumentou o valor da parcela de terreno onde foi construída (imóvel do 1.º Recorrente), já que, a ter de ser demolida/o, não só não lhe aumentou o valor, como o diminui, atentos os gastos inerentes à sua destruição.
J) O anexo, na situação atual, não representa qualquer enriquecimento para os Recorrentes, mas sim um ónus e causa de empobrecimento, dado o custo potencial da sua demolição e impedimento da alienação do imóvel.
K) Por conseguinte, a lei não estabelece qualquer critério para apurar a indemnização pelas regras do empobrecimento que tais obras vieram (e estão) a causar ao aqui Recorrente. A presente ação nunca pode consubstanciar numa ação de indemnização com base no regime de benfeitorias, porquanto o mesmo não tem qualquer cabimento.
Pelo exposto, requer a V/ Exas. que seja dado provimento ao presente Recurso, declarando-se o erro do Tribunal recorrido na valoração da prova declarativa, testemunhal e documental, na apreciação da matéria de facto provada e não provada e na apreciação da relação jurídica subjacente aos pedidos da ação, proferindo V. Exas Douto Acórdão que revogue a decisão recorrida, proferindo justo, de que farão V. Exas. A costumada Justiça!».
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O Recorrido apresentou contra-alegações, pugnando pela manutenção do decidido.
O recurso foi admitido.
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1.4. Questões a decidir

Atentas as conclusões do recurso, as quais delimitam o seu objeto (artigos 608º, nº 2, 635º, nº 4, e 639º, nº 1, do CPC), sem prejuízo da apreciação de eventuais questões de conhecimento oficioso, suscitam-se as seguintes questões:

i) Impugnação da decisão sobre a matéria de facto (conclusões E) a H), 1ª parte[1]);
ii) Inexistência de enriquecimento para os Recorridos (conclusões H), segunda parte[2], a k)).
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II – Fundamentos

2.1. Fundamentação de facto

2.1.1. Na decisão recorrida julgaram-se provados os seguintes factos:
«1) O Autor em ../../2013 casou com a ré DD no regime de bens de comunhão de adquiridos.
2) O referido casamento veio a ser dissolvido por divórcio em ../../2022.
3) A ré DD é filha do Réu BB e da falecida CC.
4) O Réu BB e a falecida JJ são ex-sogros do Autor e eram casados no regime de comunhão de adquiridos.
5) JJ faleceu no dia ../../2021.
6) Os 3º e 4º Réus (este último falecido na pendência da presente acção) são filhos do Réu BB e da falecida JJ.
7) O 1.º Réu e a sua falecida esposa eram proprietários desde o ano de 1997 de um prédio inscrito na matriz predial urbana sob o artigo ...92 da freguesia ... (...), concelho ... e descrito na Conservatória do Registo Predial ... sob o n.º ...74 – Freguesia ..., sito na Travessa ..., ... – ..., código postal ... ....
8) O autor e a ré DD foram residir para uma casa situada naquele prédio, a 01-05-2019.
9) O supra referido prédio dispunha de uma casa em que o 1.º Réu BB e a falecida esposa habitavam e ainda uma outra casa térrea, com cerca de 62,7m2, em grosso (doravante designada como anexo).
10) Por acordo entre autor e DD, BB e CC, estes dois permitiram ao Autor e a DD que residissem no anexo, autorizando-os a realizar as obras necessárias para o anexo possuir condições de habitabilidade.
11) O Autor e DD foram os únicos a contribuir para a realização destas obras, contraindo, inclusive, dois empréstimos.
12) Na conclusão da referida habitação foi gasta a quantia de €68.800,00.
13) A referida quantia foi despendida pelo Autor e pela Interveniente Principal em obras de reconstrução e alargamento do imóvel.
14) Designadamente, autor e ex mulher decidiram alargar a área coberta do imóvel passando a ter 136m2, sobre o terreno envolvente, procederam ainda à divisão interior da referida habitação, que não dispunha de quaisquer divisórias e passou a possuir 3 quartos (um deles com suite), uma casa de banho, um corredor e uma sala – cozinha open space, fizeram as paredes interiores em tijolo rebocado e pintado e as paredes exteriores foram forradas a capoto, fizeram tectos interiores com placa e pladur (tecto falso), colocaram chão em madeira nos quartos e em tijoleira na casa de banho, sala e cozinha, assim como portas interiores, tendo colocado cobertura em toda a habitação existente, bem como na área de ampliação do prédio em painel sandwich, fizeram as necessárias instalações eléctricas e sanitárias, equipando todas as divisões com a referida instalação eléctrica, e colocaram na casa de banho e na cozinha canalizações, loiças sanitárias e torneiras, aplicando nomeadamente nas paredes da casa de banho azulejos, no chão da casa de banho e cozinha, e no demais chão flutuante, colocaram ainda caixilharia exterior de alumínio, nomeadamente, portadas e porta, e no logradouro do prédio foi ainda, construída uma lavandaria com cerca de 10m2 resguardada por dois estores.
15) Antes das obras o anexo valia €17.550,00, sendo que hoje em dia vale a soma daquele valor mais o custo das obras (17.550,00€ + 68.800,00€ = €86.350,00), uma vez que a desanexação desta área construída exige acesso directo da via pública e que existe a possibilidade do anexo ser demolido face à ausência de licenciamento actual, sendo que a actual edificação terá de ser intervencionada/reparada pois apresenta vários focos de infiltrações de humidades no interior dos compartimentos habitáveis.
16) No mercado de arrendamento, o anexo tem o valor locativo de, pelo menos, 500,00 €.
17) O Autor/Reconvindo separou-se da ré DD antes do divórcio, concretamente no dia ../../2022.
18) O R. BB e a falecida esposa, desde que o A. e a R. DD foram viver para o anexo, que os primeiros suportaram todas as despesas com luz e de água, na totalidade, respectivamente nos valores aproximados de 130,00€/mês e de 40,00€/mês, sem que os segundos pagassem qualquer valor durante os 45 meses que o extinto casal viveu lá.»
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2.1.2. Factos não provados

O Tribunal a quo considerou que não se provaram os seguintes factos:

«a) O acordo referido em 10 foi realizado com a anuência dos restantes filhos de BB e sua falecida mulher.
b) Era intenção do 1.º Réu e da falecida esposa tentar desanexar a parcela de terreno onde a referida casa térrea estava implantada, por forma a poder ser doada ao Autor e à Interveniente Principal.
c) O A. e a R. DD decidiram remodelar o anexo e fazerem dos mesmos a habitação
do agregado familiar, na condição de nada ser exigido ao R. BB e à falecida esposa.
d) O A. e a R. DD comprometeram-se a pagarem uma renda aos R. BB e à falecida esposa assim que começassem a viver no anexo, no caso concreto, a partir de Maio de 2019, o valor mensal de 500,00€ (quinhentos euros).
e) O que o 1.º Réu BB e a falecida esposa acordaram com o A. e a R. DD que quaisquer alterações ao anexo que fossem solicitadas e pagas pelos segundos não haveria lugar a qualquer pedido de restituição dos valores aos primeiros, ficariam a cargo exclusivo dos segundos, condição essa que foi aceite por todos.
f) O R. BB e a falecida esposa colaboraram com o pagamento de algumas despesas que foram feitas na readaptação do referido anexo.
g) Autor e ex mulher solicitaram também a ajuda do 1.º R. e da falecida esposa, para que os anexos fossem remodelados sem o recurso a empréstimos.
h) O R. BB colaborou com o pagamento de algumas despesas que foram feitas na readaptação e no recheio do referido anexo.
i) O R. BB e a falecida esposa por várias ocasiões realizaram mútuos ao dissolvido casal na constância do matrimónio destes, especificadamente nos últimos anos perfez um valor de 28.825,00€ de mútuos efectuados.
j) Designadamente o montante de 15.000,00 € (quinze mil euros), em 07-04-2021, para o pagamento de um crédito bancário contraído pelo dissolvido casal interveniente/R. DD e o A.; o montante de 6.000,00 €, realizado em diversos mútuos para o pagamento de mobiliário e recheio e ainda para a economia comum do agregado familiar, entre o ano de 2019 e 2022; e o montante de 3.000,00 €, mútuo realizado na constância do casamento, para pagamento de uma cirurgia da Interveniente DD; o montante de 3.825,00 €, referente ao pagamento de água e luz, num valor mensal de pelo menos 85,00 €, desde 01-05-2019 até 02 de fevereiro de 2023; e o montante de 1.000,00€, em 28-04-2021, referente ao pagamento na oficina para o carro do A.
k) O R. BB por diversas vezes, e por solicitação do A. e da R. DD, emprestou várias quantias, por exemplo, para pagamento do IUC, pagamento de mensalidades com o colégio/escola dos filhos, dinheiro para despesas correntes da vida familiar e ainda para as obras nos referidos anexos, quantias essas que nunca foram restituídas.
l) A R. EE também efectuou um mútuo ao A. e à R. DD para o pagamento de um empréstimo bancário vencido e efectuado na constância do matrimónio pelos segundos, tendo sido realizada a transferência em 11-05-2023, no valor de 4.719,01€.
m) E foram celebrados vários mútuos do R. EE ao A. e à R. DD, no valor global de 137,45 €, que aqui se discriminam: montante de 77,45 €, pagamento em 01/03/2023, do IUC do carro utilizado pelo A.; e o montante de 60,00 €, para o pagamento de colégio do filho do autor e da Interveniente DD, em 02/08/2022.
n) O acordado era o A. e a R. DD pagarem metade das despesas de luz e água, ao R. BB e falecida esposa.»
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2.2. Do objeto do recurso

2.2.1. Impugnação da decisão da matéria de facto

Resulta da motivação das suas alegações que os Recorrentes pretendem impugnar a decisão relativa à matéria de facto.

Para que a Relação possa conhecer da apelação da decisão sobre a matéria de facto é necessário que se verifiquem os requisitos previstos no artigo 640º do CPC, que dispõe assim:

«1. Quando seja impugnada a decisão sobre a matéria de facto, deve o recorrente obrigatoriamente especificar, sob pena de rejeição:
a) Os concretos pontos de facto que considera incorretamente julgados;
b) Os concretos meios probatórios, constantes do processo ou de registo ou gravação nele realizada, que impunham decisão sobre os pontos da matéria de facto impugnados diversa da recorrida;
c) A decisão que, no seu entender, deve ser proferida sobre as questões de facto impugnadas.
2. No caso previsto na alínea b) do número anterior, observa-se o seguinte:
a) Quando os meios probatórios invocados como fundamento do erro na apreciação das provas tenham sido gravados, incumbe ao recorrente, sob pena de imediata rejeição do recurso na respetiva parte, indicar com exatidão as passagens da gravação em que se funda o seu recurso, sem prejuízo de poder proceder à transcrição dos excertos que considere relevantes;
b) Independentemente dos poderes de investigação oficiosa do tribunal, incumbe ao recorrido designar os meios de prova que infirmem as conclusões do recorrente e, se os depoimentos tiverem sido gravados, indicar com exatidão as passagens da gravação em que se funda e proceder, querendo, à transcrição dos excertos que considere importantes.
3. O disposto nos nºs 1 e 2 é aplicável ao caso de o recorrido pretender alargar o âmbito do recurso, nos termos do nº 2 do artigo 636º».

No fundo, recai sobre o recorrente o ónus de demonstrar o concreto erro de julgamento ocorrido, apontando claramente os pontos da matéria de facto incorretamente julgados, especificando os meios probatórios que impunham decisão diversa da recorrida e indicando a decisão que, no seu entender, deverá ser proferida sobre a factualidade impugnada.

Delimitado pela negativa, segundo Abrantes Geraldes[3], o recurso respeitante à impugnação da decisão da matéria de facto será, total ou parcialmente, rejeitado no caso de se verificar «alguma das seguintes situações:

a) Falta de conclusões sobre a impugnação da decisão da matéria de facto (arts. 635º, nº 4, e 641º, nº 2, al. b);
b) Falta de especificação, nas conclusões, dos concretos pontos de facto que o recorrente considera incorretamente julgados (art. 640º, nº 1, al. a);
c) Falta de especificação, na motivação, dos concretos meios probatórios constantes do processo ou nele registados (v.g. documentos, relatórios periciais, registo escrito, etc.);
d) Falta de indicação, na motivação, das passagens da gravação em que o recorrente se funda;
e) Falta de posição expressa, na motivação, sobre o resultado pretendido relativamente a cada segmento da impugnação».
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Analisadas as alegações, conclui-se que os Recorrentes não cumpriram um dos descritos requisitos que condicionam a admissibilidade da impugnação da decisão sobre a matéria de facto.
Isto porque os Recorrentes não especificaram, nas conclusões das alegações do seu recurso, os concretos pontos de facto que consideram incorretamente julgados, tal como exige o artigo 640º, nº 1, al. a), do CPC. Na decisão sobre a matéria de facto julgaram-se provados 18 (dezoito) factos e como não provados 14 (catorze) factos. Em nenhuma das onze conclusões das alegações do recurso se indica que um desses trinta e dois factos, provados ou não provados, foi incorretamente julgado.
A consequência legalmente estabelecida para a falta da aludida indicação é a rejeição da impugnação da decisão sobre a matéria de facto – art. 640º, nº 1, do CPC («sob pena de rejeição»).

Os recursos para a Relação tanto podem envolver matéria de direito como matéria de facto. Em ambos os casos vigora o ónus de alegar e formular conclusões.
Em conformidade com o disposto no artigo 639º, nº 1, do CPC, seja qual for a espécie e a natureza do recurso, impende sobre o recorrente o ónus de formular conclusões. Quer o recurso verse sobre matéria de direito ou incida sobre matéria de facto, «o recorrente deve apresentar a sua alegação, na qual conclui, de forma sintética, pela indicação dos fundamentos por que pede a alteração ou anulação da decisão».
Tratando-se de recurso em matéria de direito, o referido ónus cumpre-se procedendo à indicação dos elementos referidos no nº 2 do artigo 639º do CPC. Se o recurso for em matéria de facto, as conclusões devem especificar os concretos pontos de facto que o recorrente considera incorretamente julgados, tal como estabelecido no artigo 640º, nº 1, al. a), do CPC.
Sem dúvida que há uma especificidade no recurso que envolve a matéria de facto, mas isso não dispensa o recorrente de formular conclusões. A especificidade reside em apenas se exigir que o recorrente identifique nas conclusões os concretos pontos de facto que repute incorretamente julgados. Tudo o mais, ou seja, a fundamentação da imputação do erro de julgamento de facto[4] faz-se na motivação das alegações e já não nas conclusões.
Cingindo a nossa apreciação ao recurso em matéria de facto, poder-se-á perguntar qual a razão de ser da exigência de formulação de conclusões, traduzida na sintética indicação dos concretos pontos de facto que o recorrente considera incorretamente julgados.
A razão é perfeitamente clara e compreensível: são as conclusões que delimitam o objeto do recurso, em consonância com a regra geral que se extrai do artigo 635º do CPC, pelo que a enunciação dos pontos de facto cuja modificação é pretendida pelo recorrente tem de ser feita nas conclusões.
Essa especificação é indispensável, na medida em que as conclusões circunscrevem a área de intervenção do tribunal ad quem, exercendo uma função semelhante à do pedido, na petição inicial, ou à das exceções, na contestação[5]. Não sendo, manifestamente, uma questão de conhecimento oficioso, a circunstância de não se especificarem os concretos pontos de facto incorretamente julgados consubstancia, desde logo, uma falta de indicação do seu objeto.
Com efeito, as conclusões exercem a importante função de delimitação do objeto do recurso, através da identificação clara e rigorosa daquilo que se pretende impugnar na decisão recorrida e sobre o qual se pretende que o tribunal superior faça uma reapreciação. O tribunal superior só aprecia o objeto definido pelas conclusões e, por isso, não tem de conhecer de uma questão, seja ela factual ou de direito, que não consta das conclusões, a não ser que se trate de matéria de conhecimento oficioso. O que não consta das conclusões não é objeto de conhecimento. E formular conclusões não é remeter para a motivação; a exigência de formulação de conclusões não é suprível por mera remissão.
Além de habilitar a um adequado exercício do contraditório pelo recorrido[6], a necessidade dessa especificação está também intimamente ligada às duas regras impostas no artigo 608º, nº 2, do CPC, onde se estabelece que «o juiz deve resolver todas as questões que as partes tenham submetido à sua apreciação, excetuadas aquelas cuja decisão esteja prejudicada pela solução dada a outras; não pode ocupar-se senão das questões suscitadas pelas partes, salvo se a lei lhe permitir ou impuser o conhecimento oficioso de outras».
Em conformidade com o disposto no artigo 635º do CPC, uma questão considera-se integrada no recurso se constar das conclusões; se assim suceder, o tribunal de recurso tem de resolver a questão que foi submetida à sua apreciação. Pelo contrário, se determinada questão não for indicada nas conclusões o tribunal não pode ocupar-se dela, ou seja, não pode dela conhecer, exceto se lhe for imposto o conhecimento oficioso.
Sendo assim, num recurso em matéria de facto, se o tribunal de recurso não aborda um ponto de facto que o recorrente identifica como incorretamente julgado, verifica-se uma nulidade por omissão de pronúncia (artigos 666º, nº 1, e 615º, nº 1-d, 1ª parte, do CPC); se decide relativamente a um ponto de facto que o recorrente não identificou como incorretamente julgado, em princípio, comete uma nulidade por excesso de pronúncia (art. 615º, nº 1-d, 2ª parte, do CPC).
Vejamos agora qual é a consequência da falta de especificação nas conclusões dos concretos pontos de facto incorretamente julgados.
Por um lado, exceto em matéria de que lhe cumpre apreciar oficiosamente, é inequívoco que o tribunal superior não pode conhecer de uma questão que não foi enunciada nas conclusões.
Por outro lado, a lei expressamente impõe a rejeição da impugnação da decisão sobre a matéria de facto quando o recorrente não especificar os concretos pontos de facto que considera incorretamente julgados – artigo 640º, nº 1, al. a), do CPC. Estabelecendo um paralelismo com a petição inicial, tal como esta padece de ineptidão quando falta a indicação do pedido, também as conclusões num recurso em matéria de facto em que não se indicam os concretos pontos de facto incorretamente julgados são “ineptas”.
E não se justifica sequer a prolação de qualquer despacho de convite à sua indicação. Foi propósito deliberado do legislador não instituir qualquer convite ao aperfeiçoamento das alegações a dirigir ao apelante. Por um lado, a lei é a este respeito imperativa, ao cominar a imediata rejeição do recurso, nessa parte, para a falta de cumprimento pelo recorrente do referido ónus processual. Por outro lado, não há lugar a convite ao aperfeiçoamento das conclusões, uma vez que o artigo 652º, nº 1, al. a), do CPC apenas prevê a intervenção do relator quanto ao aperfeiçoamento das «conclusões das respetivas alegações, nos termos do nº 3 do artigo 639º», ou seja, quanto à matéria de direito e já não quanto à matéria de facto.

Pelo exposto, ao abrigo do disposto no artigo 640º, nº 1, al. a), do CPC, rejeita-se a impugnação da decisão sobre a matéria de facto.
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2.2.2. Reapreciação de Direito

2.2.2.1. Os Recorrentes interpuseram recurso de apelação da sentença, pretendendo a sua revogação.
Porém, não indicam qual a decisão que a Relação deveria subsequentemente proferir, uma vez revogada a decisão.
Pressupõe-se, em virtude do que consta do último parágrafo das conclusões das alegações («na apreciação da relação jurídica subjacente aos pedidos da ação»), que pretendem que a ação seja julgada improcedente, absolvendo-se os Réus do pedido.

A situação factual essencial é esta: o Réu BB e a sua falecida mulher, CC, eram proprietários de um prédio e autorizaram que o Autor e a sua então mulher, a Ré DD, fossem morar num anexo aí existente e que realizassem as obras necessárias para o dotar de condições de habitabilidade, o que fizerem, despendendo a quantia de € 68.800,00. Antes das obras o anexo valia € 17.550,00, sendo que hoje em dia vale € 86.350,00. O Autor e a Ré DD estão divorciados desde 01.07.2022.
Na sentença, considerou-se que o Autor tinha o direito a ser indemnizado pelos Réus, a título de benfeitorias calculadas segundo as regras do enriquecimento sem causa, no valor de € 34.000,00, correspondendo a metade do valor por si peticionado (€ 68.000,00), uma vez que a sua ex-mulher, a Ré DD, não peticionou a sua metade.

Da matéria de facto resulta que ocorreu um incremento patrimonial do prédio dos Réus em virtude da realização das obras. Para todos os efeitos, estamos perante obras feitas pelo casal então formado pelo Autor e a Ré DD e que se traduzem em benfeitorias (artigo 216º, nºs 1 e 2, do Código Civil), pois atuaram beneficamente sobre o prédio, daí resultando um incremento patrimonial expresso num valor concretamente apurado no âmbito desta ação.
Essas benfeitorias devem ser qualificadas, pelo menos, como úteis, na medida em que aumentaram o valor do prédio. Tendo o casal autorização dos proprietários do prédio para tudo quanto nele foi feito, com a inerente posse de boa-fé, e como se trata de benfeitorias que, pela sua natureza, não podem ser levantadas sem detrimento da coisa, é aplicável a regra do nº 2 do artigo 1273º do Código Civil (CCiv). Por isso, o valor das benfeitorias é calculado segundo as regras do enriquecimento sem causa, instituto regulado no artigo 472º e segs. do CCiv. Em virtude da remissão operada pelo artigo 1273º, nº 2, o valor das benfeitorias é calculado nos termos dos artigos 479º e 480º do CCiv, ou seja, in casu, o valor correspondente ao que os titulares do direito de propriedade obtiveram à custa do casal empobrecido, mas sem que a medida dessa obrigação possa exceder o limite que resulta do nº 2 do artigo 479º.  Portanto, «o enriquecimento calcula-se segundo a teoria da diferença, isto é, apura-se comparando o património que o enriquecido tinha antes do acréscimo com o que ele teria se o enriquecimento não tivesse tido lugar»[7]. Em todo o caso, a restituição é medida pelo enriquecimento, ou seja, o que releva é o enriquecimento patrimonial do obrigado à restituição. Como bem destaca Antunes Varela[8], «o beneficiado não é obrigado a restituir todo o objeto da deslocação patrimonial operada (ou o valor correspondente, quando a restituição em espécie não seja possível). Deve restituir aquilo com que efetivamente se acha enriquecido. (…). Ao enriquecimento assim delimitado chamam alguns autores enriquecimento patrimonial (por contraposição ao enriquecimento real), definindo-o a doutrina como a diferença entre a situação real e actual do beneficiado e a situação (hipotética) em que ele se encontraria, se não fosse a deslocação patrimonial operada. (…) Além do limite baseado no enriquecimento (efetivo e actual), a doutrina corrente tem aludido a um outro limite da obrigação de restituir, fundado no empobrecimento do lesado. Assim, se as benfeitorias realizadas pelo possuidor tiverem valorizado a coisa em 10, mas tiverem custado apenas 8, será este valor de 8, e não o do enriquecimento obtido pelo proprietário (10), que define o montante da restituição.»
No caso dos autos, por um lado, o valor atual das obras é de € 68.800,00. Por outro lado, esse valor não ultrapassa o do enriquecimento, efetivo e atual, dos proprietários do prédio. É bom notar que o prédio valia, antes das obras, € 17.550,00, sendo que hoje em dia vale € 86.350,00.
Pelo exposto, como bem concluiu o Tribunal recorrido, tendo o Autor peticionado, para si e para a Ré DD, a quantia de € 68.000,00 (quando efetivamente nas obras foi despendida a quantia de € 68.800,00), a qual não deduziu o correspondente pedido, o Autor tem direito a metade do valor peticionado, ou seja, € 34.000,00. Os responsáveis pelo pagamento daquele valor – € 34.000,00 – são, de harmonia com o disposto no nº 2 do artigo 1273º do CCiv, os titulares do direito de propriedade sobre o prédio beneficiado.

Argumentam os Recorrentes que as obras foram realizadas num anexo que «é impróprio para desanexação e não tem qualquer viabilidade de obtenção de licenciamento, com ou sem condições para o efeito». Alegam ainda que da perícia realizada «ficou inequívoca a ideia de que jamais seria viável uma desanexação e/ou legalização da suposta habitação.»
Sustentam, por isso, «que a casa/anexo em questão não aumentou o valor da parcela de terreno onde foi construída (imóvel do 1.º Recorrente), já que, a ter de ser demolida/o, não só não lhe aumentou o valor, como o diminui, atentos os gastos inerentes à sua destruição». Logo, «não representa qualquer enriquecimento para os Recorrentes, mas sim um ónus e causa de empobrecimento, dado o custo potencial da sua demolição e impedimento da alienação do imóvel.»
Corresponde à realidade que atualmente o anexo não é suscetível de desanexação por não ter acesso direto à via pública e que, como não se diligenciou pelo licenciamento das obras realizadas, existe a possibilidade de ser demolido parte do edificado.

Porém, em primeiro lugar, não está afastada a possibilidade de licenciamento das obras executadas. Em nenhum passo do relatório pericial, o Sr. Perito considerou impossível a legalização das obras.
Em segundo lugar, embora a desanexação só tenha relevância para efeitos de alienação, também da matéria de facto não resulta a impossibilidade de autonomização jurídica do anexo[9]. Porém, a falta de desanexação apenas tem como consequência a inseparabilidade do anexo relativamente à edificação principal, como é próprio do que comummente se designa por “anexo”.
Trata-se de questão que não contende com o objeto da ação, nem o condiciona, na medida em que as obras no anexo impediram que se deteriorasse e, sobretudo, está demonstrado que valorizaram o prédio na sua globalidade. E este último facto é que releva para efeitos de caracterização das obras como benfeitorias e de indemnização segundo as regras do enriquecimento sem causa.
Em terceiro lugar, as atuais condicionantes, enquanto subsistirem, já foram consideradas na perícia para determinar a valorização do imóvel. O Perito considerou expressamente como condicionantes de uma maior valorização do prédio que se trata de «um imóvel inseparável da edificação principal dos Réus» (portanto, considerou que o anexo não é independente da edificação principal e que «[s]e o prédio em estudo fosse totalmente independente (que não é a sua situação actual), o seu valor seria superior») e «as incertezas na legalização destas obras».
Aliás, essa relação entre as condicionantes e o montante da valorização do imóvel (o que valia antes das obras e o que vale hoje em dia nas circunstâncias em que se encontra) consta expressamente do ponto 15 dos factos provados, como resulta do que aí se mostra exarado a partir de «uma vez que…».

Termos em que improcedem as conclusões H) a K) das alegações.
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2.2.2.2.  Os Recorrentes não formularam qualquer conclusão sobre a parte da sentença que se pronunciou sobre a reconvenção e que a julgou improcedente.
Por conseguinte, não indicaram fundamentos para a alteração ou anulação da decisão recorrida na parte que versa sobre a reconvenção, como exige o disposto no artigo 639º, nº 1, do CPC.
Tendo sido rejeitada a impugnação da decisão sobre a matéria de facto, o quadro factual relevante com vista à subsunção jurídica é o mesmo que serviu de base à prolação da sentença recorrida.
No nosso entender, a eventual alteração da solução jurídica alcançada na decisão impugnada dependia, na sua totalidade, da modificação da matéria de facto, o que não sucedeu, pelo que se considera necessariamente prejudicado qualquer reapreciação do decidido na sentença quanto à reconvenção, o que aqui se declara, nos termos do disposto no artigo 608º, nº 2, ex vi do artigo 663º, nº 2, in fine, ambos do CPC.
Como não é apontado, nesta parte, qualquer erro de direito à sentença, o recurso improcede totalmente.
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2.3. Sumário
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III – Decisão

Assim, nos termos e pelos fundamentos expostos, acorda-se em julgar improcedente a apelação, confirmando-se a sentença recorrida.
Custas a suportar pelos Recorrentes.
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Guimarães, 10.07.2025
(Acórdão assinado digitalmente)

Joaquim Boavida
Maria Luísa Duarte Ramos
Raquel Baptista Tavares


[1] Até «senti9.»
[2] A partir de «9.»
[3] Abrantes Geraldes, Recursos no Novo Código de Processo Civil, 5ª edição, Almedina, 2018, págs. 168 e 169.
[4] Os fundamentos ou requisitos da impugnação relativa à matéria de facto que se mostram enunciados no artigo 640º, nº 1, alíneas b) e c), e nº 2, do CPC.
[5] Abrantes Geraldes, Recursos no Novo Código de Processo Civil, 5ª edição, Almedina, 2018, pág. 115.
[6] Com a especificação das questões que se colocam ao tribunal ad quem para resolução, o recorrido fica a saber exatamente o que se discute no recurso e, por isso, está em condições de responder à alegação do recorrente – art. 638º, nº 5, do CPC.
[7] Neste sentido, Ana Prata, Código Civil Anotado, Ana Prata (Coord.), 2017, Almedina, pág. 352.
[8] Das Obrigações em geral, vol. I, 5ª edição, Almedina, pág. 464.
[9] Segundo o Sr. Perito, para tornar viável a desanexação é necessário «garanti[r] acesso directo da via pública [a] esta nova habitação.»