CONTRATO DE ARRENDAMENTO
PRAZO CERTO
OPOSIÇÃO À RENOVAÇÃO
Sumário

I - O contrato de arrendamento em que foi clausulado que o prazo seria de um ano, iniciando-se em dia identificado, considerando-se prorrogado por sucessivos períodos de um ano se não denunciado, é um contrato com prazo certo.
II - Não é inepta a petição inicial em que o A. pede a restituição de imóvel com fundamento em caducidade do contrato de arrendamento, por se ter validamente oposto à sua renovação, e a R. se defende impugnando o direito do A. à oposição à renovação.
III - Tendo sido observado o prazo de oposição e observada forma legal de notificação, é válida a oposição à renovação do contrato.

(Sumário da responsabilidade da Relatora)

Texto Integral

Processo: 14729/24.4T8PRT.P1



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Sumário
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Relatora: Teresa Maria Fonseca
1.ª adjunta: Teresa Pinto da Silva
2.º adjunto: José Nuno Duarte








Acordam no Tribunal da Relação do Porto


I - Relatório


AA intentou a presente ação declarativa de condenação sob a forma de processo comum contra BB.
Pede:
a) que a R. seja condenada a reconhecer o seu direito de propriedade sobre a fração destinada a habitação, identificada pelas letras “AO”, correspondente ao 5.º andar esquerdo frente do imóvel constituído em propriedade horizontal, sito na Rua ..., freguesia ..., concelho de Gondomar, inscrito na matriz com o artigo ...24 e descrito sob o n.º ...74 da Conservatória do Registo Predial de Gondomar;
b) que a R. seja condenada a desocupar o imóvel que ocupa abusivamente e sem título, restituindo-o livre e devoluto de pessoas e bens;
c) que a R. seja condenada a pagar-lhe a quantia diária de € 50,00, a título de sanção pecuniária compulsória, desde 1 de julho de 2024 até à entrega, acrescida de juros de mora até pagamento.
Alega:
- que é proprietário da fração autónoma aludida;
- que em 21 de junho de 2013 outorgou com a R., por documento escrito, contrato de arrendamento para habitação, pelo prazo de um ano, com início em 1-7-2013 e termo em 31-06-2014, renovável por iguais e sucessivos períodos, mediante o pagamento de contrapartida monetária mensal acordada entre as partes;
- que enviou à R. carta registada com aviso de receção com data de 13 de abril de 2023, declarando opor-se à renovação, cessando o contrato os seus efeitos a partir de 31 de junho de 2024;
- que a R. respondeu que não iria entregar o imóvel, por entender que o contrato de arrendamento é de duração indeterminada, pelo que o A. só poderia pôr fim ao contrato nas situações previstas pelo art.º 1101.º do Código Civil;
- que considera que o contrato cessou por caducidade, estando a R. a ocupá-lo sem título.
A R. contestou, invocando a nulidade da petição inicial por ineptidão. Impugnou o direito do A. de oposição à renovação do contrato.
A exceção de ineptidão da petição inicial foi desatendida e a ação foi julgada parcialmente procedente, condenando-se a R. a entregar o imóvel e absolvendo-se a mesma do demais peticionado.
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Inconformada, a R. interpôs o presente recurso, que rematou da forma que em seguida se transcreve.
(…)

Termos em que deve ser julgado procedente o presente recurso, revogando a douta sentença recorrida, sendo assim feita Justiça.
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Não houve lugar a contra-alegações.
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II - Questões a dirimir:
a - se a sentença é nula por violação do disposto nas alíneas b) a e) do n.º 1 do art.º 615.º do C.P.C.;
b - se a petição inicial é nula por contradição entre o pedido e a causa de pedir;
c - se o contrato celebrado o foi por tempo indeterminado ou se se trata de um contrato a termo certo;
d - se a oposição à renovação do contrato de arrendamento é inválida ou se o contrato foi validamente denunciado;
e - se a carta enviada pelo A. à R. produziu os efeitos visados enquanto declaração unilateral de oposição à renovação do contrato;
f - se a sentença viola o art.º 20.º da Constituição da República Portuguesa

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III - Fundamentação de facto:

Factos provados
1º O A. é dono e legítimo proprietário, desde 19-02-2004, da fração autónoma com a letra “AO” correspondente a uma habitação situada no 5º andar esquerdo frente no imóvel constituído em propriedade horizontal, sito na Rua ..., freguesia ... e concelho de Gondomar, inscrito na matriz com o artigo ...24 e descrito sob o n.º ...74 na Conservatória do Registo Predial de Gondomar (docs. 1 e 2 juntos com a PI).
2º No dia 21 de junho de 2013 foi formalizado um contrato de arrendamento para habitação da R., em que se estipulou um prazo de duração do arrendamento de 12 meses, com início a 1/7/2013 e termo a 31/6/2014, considerando-se prorrogado por iguais e sucessivos períodos de tempo caso não fosse denunciado pelas partes (contrato de arrendamento junto como doc. 3 da PI).
3.º Em concreto, as cláusulas acordadas entre as partes são as seguir transcritas:






(…)”
4º No dia 13 de abril de 2023 o A. interpelou, por carta registada com aviso de receção, a R., comunicando-lhe a sua oposição à renovação do contrato de arrendamento com efeitos a partir do dia 31 de junho de 2024 (doc. 4 junto com a PI).
5º A ré em resposta à carta referida no ponto anterior, enviou ao autor a carta junta ao processo como doc. 5, com o seguinte conteúdo:





(…)”.
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Não existem factos a considerar como não provados com interesse para a decisão da causa.

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IV - Fundamentação de direito

a - Se a sentença é nula por violação do disposto nas alíneas b) a e) do n.º 1 do art.º 615.º do C.P.C.
A apelante teceu a seguinte conclusão (39): ao não o fazer uma correta aplicação das disposições legais invocadas, a Mma Juiz a quo violou o artigo º 615 nas alíneas b) a e) do n.º1 do Código de Processo Civil pelo que a decisão ora em crise deverá ser declarada nula.
Nos termos do disposto no art.º 615.º/1/b do C.P.C. é nula a sentença que não especifique os fundamentos de facto e de direito, que justificam a decisão. Está em causa um vício formal, em sentido lato, traduzido em error in procedendo ou erro de atividade, que afeta a validade da sentença.
Trata-se de um vício emergente da violação do dever de fundamentação das decisões judiciais, consagrado no art.º 208.º/1 da Constituição da República Portuguesa e no art.º 154.º do C.P.C..
Nos termos do disposto no art.º 615.º/1/c do C.P.C. é nula a sentença quando os fundamentos estejam em oposição com a decisão ou ocorra alguma ambiguidade ou obscuridade que torne a decisão ininteligível.
Preceitua o art.º 615.º/1/d do C.P.C. que é nula a sentença quando o juiz deixe de pronunciar-se sobre questões que devesse apreciar ou conheça de questões de que não podia tomar conhecimento.
Prevê o art.º 615.º, na alínea e), que é nula a sentença em que o juiz condene em quantidade superior ou em objeto diverso do pedido.
A recorrente não invoca qualquer uma das desconformidades que vimos de enunciar. Em todo o caso, não se verifica qualquer uma das previsões assinaladas. A apelante cinge-se a tecer genérica conclusão de nulidade sem que nada de concreto se possa extrair da alegação.
Indefere-se, por isso, a arguida nulidade.
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b - Se a R. deve ser absolvida da instância com fundamento em nulidade da petição inicial
A R. defende que deveria ter sido absolvida da instância devido à nulidade da petição inicial. A nulidade teria origem em contradição entre o pedido e a causa de pedir.
Do ponto de vista da apelante, a causa de pedir da ação, tal como gizada pela A., residiria no contrato de arrendamento celebrado entre as partes - conjugado com a notificação da A. à R. no sentido de que lhe pretendia pôr cobro. O pedido formulado, em seu entender, deveria ter sido de despejo. Ora a A., apesar de ser incontroverso que o imóvel é sua propriedade, gizou a ação enquanto ação de reivindicação. A não propositura de ação de despejo conduziria à ineptidão da petição inicial por incongruência entre o alegado e o peticionado.
A causa de pedir é o facto jurídico de que emerge a pretensão do autor (art.º 581.º/4 do C.P.C.).
O pedido é o efeito jurídico que se pretende obter com a ação (art.º 581.º/3 do C.P.C.).
De acordo com o disposto no art.º 186.º/2 do C.P.C. a petição é inepta quando falte ou seja ininteligível a indicação do pedido ou da causa de pedir (al. a), quando o pedido esteja em contradição com a causa de pedir (al. b) ou quando se cumulem causas de pedir ou pedidos substancialmente incompatíveis (al. c).
É nulo todo o processo quando for inepta a petição inicial (art.º 186.º/1 do C.P.C.).
A nulidade do processo é uma exceção dilatória que importa a absolvição dos réus da instância (artigos 576.º/1/2 e 577.º/1/b do C.P.C.).
Anselmo de Castro (Direito Processual Civil Declaratório, V. II, Almedina, 1982, pp. 219, 220) escreve: com a figura processual da ineptidão da petição inicial visa-se, em primeiro lugar, evitar que o juiz seja colocado na impossibilidade de julgar corretamente a causa, decidindo sobre o mérito, em face da inexistência de pedido ou de causa de pedir, ou de pedido ou causa de pedir que se não encontrem deduzidos em termos inteligíveis (…). Propõe-se ainda impedir se faça um julgamento sem que o réu esteja em condições de se defender capazmente, para o que carece de conhecer o pedido contra ele formulado e o respetivo fundamento.
É sabido, quanto à determinação da relação jurídica controvertida que serve de base à aferição da legitimidade das partes, que esta é entendível como a configurada unilateralmente pelo autor ou como a que se apresenta ao tribunal depois de ouvidas ambas as partes e de examinadas as razões de uma e outra.
A este propósito manteve-se entre nós longa querela doutrinária. Essa querela opôs Barbosa de Magalhães a Alberto dos Reis, a propósito do ac. da Relação de Lisboa de 16 de janeiro de 1916. Segundo Barbosa de Magalhães, as partes só são ilegítimas quando, tomada a relação jurídica material controvertida tal como a configura o autor na petição inicial, elas não são os sujeitos desta. O legislador só adotou posição expressa sobre a vexata questio do estabelecimento do critério de determinação da legitimidade das partes aquando da Reforma do Código de Processo Civil operada pelos decretos-leis nºs 329-A/95, de 12-XII, e 180/96, de 25-IX. A posição adotada (na nova redação do art.º 26.º/3 do C.P.C. de 1961) assenta na titularidade da relação material controvertida, tal como a configura o autor. A conceção, que vinha já sendo maioritariamente adotada pela jurisprudência, antes mesmo da reforma processual, é a de que as partes só são ilegítimas quando, encarada a relação jurídica material controvertida tal como a configura o autor na petição inicial, elas não são os sujeitos desta
Mal se entenderia por que razão não deveria a legitimidade ser apreciada à luz da relação jurídica material controvertida que o autor descreve na petição inicial, sabendo-se que todos os outros pressupostos processuais são averiguados a essa luz (cf. Castro Mendes, Direito Processual Civil, vol. II, 1978/79, ed. da AAFDL, p. 172).].
A legitimidade tem de ser apreciada e determinada pela utilidade (ou prejuízo) que da procedência (ou improcedência) da ação possa advir para as partes, face aos termos em que o autor configura o direito invocado e a posição que as partes, perante o pedido formulado e a causa de pedir, têm na relação jurídica material controvertida, tal como a apresenta o autor (Miguel Teixeira de Sousa, A legitimidade singular em processo declarativo, in BMJ n.º 292, pp. 105 e ss.)
No caso concreto, tal como configurada pelo A., a relação material controvertida funda-se no arrendamento à R. de imóvel de que é proprietário e na cessação desse arrendamento previamente à propositura da ação - neste sentido, o A. defende que é caso de reivindicação e não de despejo, uma vez que inexistiria já título bastante para a R. se manter no locado.
No caso vertente, o A. alegou ser proprietário do imóvel, tê-lo arrendado à R. e ter comunicado que não pretendia prosseguir com o arrendamento. Na sequência dessa comunicação, entende que o contrato cessou. Segundo a tese de acordo com a qual a relação jurídica controvertida é aquela apresentada pelo autor, é essa a causa de pedir a que importa atender.
A contradição entre o pedido e a causa de pedir é aferida pela incompatibilidade lógica entre os factos invocados pelo autor enquanto fundamento da sua pretensão e o efeito jurídico visado pela ação judicial.
Em face do exposto, essa contradição não se verifica.
Mesmo que a formulação do pedido fosse tecnicamente imperfeita, tal não redundaria na ineptidão da petição inicial. De acordo com o paradigma vigente, o processo civil visa a obtenção de soluções adequadas ao caso concreto, que efetivamente componham o litígio e não que o definam de modo meramente aparente. Pretender diversamente consubstanciaria inadmissível formalismo. A justiça que se busca é de índole eminentemente material. À qualificação da ação enquanto ação de reivindicação ou enquanto ação de despejo corresponde um mesmo desiderato: que a R. seja condenada a entregar o imóvel.
Desatende-se a nulidade arguida pela A..

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c - Se o contrato celebrado é um contrato de arrendamento de com prazo certo ou um contrato de duração indeterminada
A apelante entende que a sentença decidiu erroneamente que o contrato celebrado é um contrato com prazo certo. Ao invés, defende que se trata de contrato celebrado por tempo indeterminado.
A questão é relevante pela sua relação com a oposição do apelado/senhorio à renovação do contrato.
Dispõe o art.º 1095.º do C.C.:
1 - O prazo deve constar de cláusula inserida no contrato.
2 - O prazo referido no número anterior não pode, contudo, ser inferior a um nem superior a 30 anos, considerando-se automaticamente ampliado ou reduzido aos referidos limites mínimo e máximo quando, respetivamente, fique aquém do primeiro ou ultrapasse o segundo.
Veja-se que nos termos do art.º 1101.º do C.C. (denúncia pelo senhorio), o senhorio pode denunciar o contrato de duração indeterminada nos casos seguintes:
a) Necessidade de habitação pelo próprio ou pelos seus descendentes em 1.º grau;
b) Para demolição ou realização de obras de remodelação ou restauro profundos que obriguem à desocupação do locado, desde que não resulte local com características equivalentes às do locado, onde seja possível a manutenção do arrendamento;
c) Mediante comunicação ao arrendatário com antecedência não inferior a cinco anos sobre a data em que pretenda a cessação.
Tratando-se de contrato de duração indeterminada, a denúncia obedece a requisitos acrescidos, de fundamento ou de antecedência.
Na situação dos autos, conforme explanado, as partes fizeram constar do contrato de arrendamento, celebrado em 21 de junho de 2013, que a respetiva duração seria de 12 meses, com início a 1/7/2013 e termo a 31/6/2014, considerando-se prorrogado por iguais e sucessivos períodos de tempo caso não fosse denunciado pelas partes.
Objeta a apelante que o prazo de um ano nem sequer correspondia ao prazo mínimo legal. A consequência da inobservância do prazo seria que este se estenderia até ao prazo mínimo previsto na lei e não a sua conversão em contrato de duração indeterminada - neste sentido, confira-se o citado n.º 2 do art.º 1095.º do C.C.. É certa a evolução legislativa no sentido de pôr cobro aos arrendamentos vinculísticos
Como decorre da própria expressão duração indeterminada, no contrato de arrendamento por duração indeterminada o senhorio cede ao inquilino o uso e fruição de um imóvel sem definição de uma data limite pré-estabelecida.
Prevê o art.º 1099.º do C.C. que o contrato de duração indeterminada cessa por denúncia de uma das partes, nos termos dos artigos seguintes.
A sentença recorrida considerou que nos encontramos perante um contrato de arrendamento com prazo certo porque as partes acordaram que a respetiva duração seria de 12 meses, indicando a data de início e a data de termo, prevendo que o mesmo poderia ser denunciado pelas partes.
A hermenêutica negocial (a atividade destinada a fixar o sentido e alcance decisivo dos negócios jurídicos, segundo as respetivas declarações negociais integradoras) é presidida pela teoria da impressão do destinatário. Esta vem estabelecida no art.º 236.º/1 do C.C., segundo a qual a declaração negocial vale com o sentido que um declaratário normal, colocado na posição do real declaratário, possa deduzir do comportamento do declarante, salvo se este não puder razoavelmente contar com ele.
O art.º 238.º/1 do C.C., por seu turno, prevê que nos negócios formais não pode a declaração valer com um sentido que não tenha um mínimo de correspondência no texto do respetivo documento, ainda que imperfeitamente expresso.
A interpretação dos negócios jurídicos deve ser assumida como uma tarefa científica, tendente a determinar o regime aplicável aos problemas que se ponham no seu âmbito (in António Menezes Cordeiro, Tratado de Direito Civil, II, Parte Geral, 4.ª ed., Almedina, p. 685).
Na situação em apreço, em nosso entender, a tese da apelante não consubstancia a melhor interpretação do acordado.
Como já se viu, consta da materialidade assente que a duração do contrato seria de 12 meses, com início a 1/7/2013 e termo a 31/6/2014, considerando-se prorrogado por iguais e sucessivos períodos de tempo caso não fosse denunciado pelas partes.
Um declaratário normal não poderá deixar de entender que o contrato celebrado o foi com o prazo certo de um ano, renovável, acaso não fosse denunciado.
Já pretender que o contrato só será de considerar enquanto contrato de duração limitada se as partes deixarem tal consideração vertida no contrato não é defensável. Tal equivaleria a dizer que os contratos devem integrar, mais do que orientações para a respetiva interpretação, a sua própria qualificação jurídica. Ainda que tal possa ser pontualmente defensável em questões melindrosas ou controvertidas, não é o que se verifica numa questão como a presente.
Veja-se ainda o disposto no art.º 1094.º/3 do C.C., cuja atual redação (introduzida pela Lei 43/2017, de 14 de Junho) prevê que, na ausência de qualquer cláusula sobre o prazo, nos contratos de arrendamento para habitação se presume que o contrato foi celebrado com prazo certo e por um período de cinco anos - à data da outorga do contrato em que o contrato foi outorgado (2013), a presunção era no sentido de que o prazo de duração era de dois anos (redação conferida pela Lei n.º 31/2012, de 14 de agosto).
O contrato em apreço, pelos fundamentos sobreditos, não é um contrato de duração indeterminada, mas sim um contrato com prazo certo.
Não assiste razão à apelante.
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d - Se a oposição à renovação do contrato de arrendamento é inválida ou se o contrato foi validamente denunciado
Está em causa determinar se a carta enviada pelo A. à R. produziu os efeitos visados enquanto declaração unilateral de oposição à renovação do contrato.
Na tese argumentativa da apelante, a oposição à renovação levada a cabo pelo recorrido teria sido inválida. Por consequência, o contrato de arrendamento manter-se-ia em vigor.
A apelante sustenta que a sentença sob recurso violou o disposto na alínea c) do art.º 1101.º do C.C. e no art.º 1104.º do mesmo Código.
O art.º 1101.º (denúncia pelo senhorio) tem o seguinte teor:
O senhorio pode denunciar o contrato de duração indeterminada nos casos seguintes:
a) Necessidade de habitação pelo próprio ou pelos seus descendentes em 1.º grau;
b) Para demolição ou realização de obras de remodelação ou restauro profundos que obriguem à desocupação do locado, desde que não resulte local com características equivalentes às do locado, onde seja possível a manutenção do arrendamento;
c) Mediante comunicação ao arrendatário com antecedência não inferior a cinco anos sobre a data em que pretenda a cessação.
Prevê o art.º 1104.º - (confirmação da denúncia): No caso previsto na alínea c) do artigo 1101.º, a denúncia deve ser confirmada, sob pena de ineficácia, por comunicação com a antecedência máxima de 15 meses e mínima de um ano relativamente à data da sua efetivação.
A denúncia, enquanto forma de cessação contratual, traduz-se numa figura privativa dos contratos de execução duradoura (i.e., execução que se prolonga no tempo), como o contrato de arrendamento – que é também de execução continuada -, que se renovam por vontade (real ou presumida) das partes ou por determinação da lei, ou que foram celebrados por tempo indeterminado, visando satisfazer necessidades não transitórias das partes. O interesse das partes é dessa forma realizado. A denúncia consiste precisamente na declaração feita por uma das partes à outra, em regra com certa antecedência sobre o termo do período negocial em curso, de que não quer a renovação ou a continuação do contrato renovável ou fixado por tempo indeterminado. Permite, pois, fazer cessar unilateralmente um contrato de duração indeterminada, ou evitar a sua renovação automática. Extingue a relação obrigacional complexa derivada do contrato cuja renovação ou continuação impede. Denunciado o arrendamento, cessam, a partir do momento em que a declaração opera os seus efeitos, as obrigações, tanto do locador como do locatário. Em síntese, uma das partes comunica à outra que deseja pôr termo ao contrato (in ac. do S.T.J. de 30/11/2021, proc. 19/20.5YLPRT.L1.S1, Maria João Vaz Tomé).
Como já se constatou, por um lado, o contrato celebrado entre as partes não era de duração indeterminada. Encontramo-nos em face de um contrato de arrendamento com prazo certo. Por outro lado, o apelado não denunciou o contrato. O apelado opôs-se à sua renovação.
As normas cuja violação a recorrente invoca não têm, por conseguinte, aplicação à situação dos autos.
O caso dos autos merece avaliação, isso sim, à luz das normas que regem a oposição à renovação do contrato de arrendamento.
Veja-se que o art.º 1079.º do C.C. prescreve que o arrendamento urbano cessa por acordo das partes, resolução, caducidade, denúncia ou outras causas previstas na lei.
O normativo seguinte - o art.º 1080.º -, a propósito da imperatividade, prevê que as normas sobre a resolução, a caducidade e a denúncia do arrendamento urbano têm natureza imperativa, salvo disposição legal em contrário.
A oposição à renovação corresponde a uma forma de cessação dos contratos de duração determinada, com renovação automática. Encontra-se expressamente prevista, relativamente ao aluguer e ao arrendamento urbano, seguindo o regime especialmente previsto nos artigos 1055.º e 1096.º e seguintes do C.C..
A oposição à renovação traduz-se numa manifestação de vontade unilateral e discricionária de uma das partes. Produz os seus efeitos quando é conhecida ou chega ao poder do destinatário, não carecendo de aceitação da contraparte. O seu exercício não precisa de ser motivado. Produz efeitos extintivos para o futuro.
Dispõe o art.º 1055.º (oposição à renovação):
1 - A oposição à renovação tem de ser comunicada ao outro contraente com a antecedência mínima seguinte:
a) 120 dias, se o prazo de duração inicial do contrato ou da sua renovação for igual ou superior a seis anos;
b) 60 dias, se o prazo de duração inicial do contrato ou da sua renovação for igual ou superior a um ano e inferior a seis anos;
c) 30 dias, se o prazo de duração inicial do contrato ou da sua renovação for igual ou superior a três meses e inferior a um ano;
d) Um terço do prazo de duração inicial do contrato ou da sua renovação, tratando-se de prazo inferior a três meses.
2 - A antecedência a que se refere o número anterior reporta-se ao termo do prazo de duração inicial do contrato ou da sua renovação.
E o art.º 1096.º (renovação automática):
1 - Salvo estipulação em contrário, o contrato celebrado com prazo certo renova-se automaticamente no seu termo e por períodos sucessivos de igual duração ou de três anos se esta for inferior, sem prejuízo do disposto no número seguinte.
2 - Salvo estipulação em contrário, não há lugar a renovação automática nos contratos previstos n.º 3 do artigo anterior.
3 - Qualquer das partes pode opor-se à renovação, nos termos dos artigos seguintes.
Decorre destes dispositivos que a oposição à renovação opera por comunicação da parte que não deseja a renovação do contrato, no termo do seu prazo inicial ou das suas renovações, dirigida à outra parte (declaração de oposição à renovação). Esta comunicação, por força das regras da boa-fé, deve ser feita com uma antecedência razoável em relação ao momento em que a parte pretende ver extinto o contrato, de modo a não lesar as expectativas da parte contrária (prazo de pré-aviso). No caso da oposição à renovação no arrendamento, quanto maior a duração do contrato, maior o prazo de pré-aviso necessário.
A oposição à renovação do contrato, por parte do ora apelado, observou o prazo legal, bem como as demais disposições aplicáveis. Tratou-se, por conseguinte, de oposição à renovação válida e eficaz.
Em súmula, não está em causa denúncia do contrato, mas oposição à renovação. O contrato cessou os seus efeitos. A alegação da apelante carece de fundamento.
Tendo a oposição à renovação do contrato operado validamente, improcede a pretensão da recorrente de ver recusada a reivindicação.
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e - Se a decisão proferida contraria o art.º 20.º da Constituição da República
Dispõe o art.º 20.º da Constituição da República Portuguesa:
1. A todos é assegurado o acesso ao direito e aos tribunais para defesa dos seus direitos e interesses legalmente protegidos, não podendo a justiça ser denegada por insuficiência de meios económicos.
2. Todos têm direito, nos termos da lei, à informação e consulta jurídicas, ao patrocínio judiciário e a fazer-se acompanhar por advogado perante qualquer autoridade.
3. A lei define e assegura a adequada proteção do segredo de justiça.
4. Todos têm direito a que uma causa em que intervenham seja objeto de decisão em prazo razoável e mediante processo equitativo.
5. Para defesa dos direitos, liberdades e garantias pessoais, a lei assegura aos cidadãos procedimentos judiciais caracterizados pela celeridade e prioridade, de modo a obter tutela efetiva e em tempo útil contra ameaças ou violações desses direitos.
A apelante defendeu-se em tribunal com recurso a profissional do foro, inexistindo violação ou sequer irregularidades a assinalar.
Também em contrário do propugnado pela recorrente, não se entrevê como a sentença viole o art.º 20.º da Constituição.
A apelação está condenada a improceder.



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V - Dispositivo

Nos termos sobreditos, acorda-se em julgar o recurso totalmente improcedente, mantendo-se na íntegra a decisão recorrida por razões que dela em nada dissentem.
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Custas pela apelante, por ter soçobrado integralmente na sua pretensão (art.º 527.º/1/2 do C.P.C.).




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Porto, 10-7-2025.

Teresa Fonseca

Teresa Pinto da Silva

José Nuno Duarte