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RESPONSABILIDADES PARENTAIS
ALTERAÇÃO
JURISDIÇÃO VOLUNTÁRIA
ÓNUS DE ALEGAÇÃO
PRINCÍPIO DO INQUISITÓRIO
Sumário
Sumário (artº 663º nº 7 do CPC) 1- Do nº 1 do artº 42º do RGPTC decorre, claramente, que uma das situações que leva à alteração do regime fixado de responsabilidades parentais é a ocorrência de “circunstâncias supervenientes” que justifiquem a necessidade dessa alteração. 2- A alteração pode ser requerida por, entre outros, qualquer dos progenitores, não carecendo, o requerimento, de ser articulado nem de patrocínio por mandatário, podendo o requerente “expor sucintamente os factos”, o que inculca um menor grau de exigência na exposição dos factos relativos à ocorrência da alteração superveniente. 3- Aliás, no âmbito dos processos de jurisdição voluntária, o tribunal não está dependente dos factos direta ou indiretamente alegados pelas partes, seja qual for a função que os mesmos desempenhem no processo, sendo que os poderes de cognição do tribunal não dependem do cumprimento de nenhum ónus de alegação na medida em que o tribunal pode conhecê-los oficiosamente, investigando-os por sua iniciativa, ou em consequência da alegação dos interessados. 4- Perante a alegação sucinta de circunstâncias invocadas pelo requerente, o juiz fará uma análise perfunctória sobre se há indícios de alteração das circunstâncias, comparando a situação existente à data da decisão que se pretende alterar e as novas circunstâncias entretanto invocadas. 5-Se a factualidade invocada, devidamente ponderada, indicia suficientemente, uma alteração das circunstâncias, o juiz da 1ª instância, em vez de mandar arquivar o processo, deverá determinar a realização de diligências (artº 42º nº 6 do RGPTC) e ordenar a citação do requerido, conforme determina o artº 42º nº 3 do RGPTC, para alegar o que tivesse por conveniente.
Texto Integral
Acordam os juízes que compõem este colectivo da 6ª Secção Cível do Tribunal da Relação de Lisboa:
I-RELATÓRIO
1-Por email, de 26/07/2024, A …, mãe das menores B …, nascida a 13/05/2008 e, C …, nascida a 11/03/2011, sem estar acompanhada por advogado, apresentou no processo o seguinte requerimento:
“Bom dia, Excelêntisso Sr Juiz Dr Joaquim, venho por meio deste email, solicitar a revisão de pensão de alimentos da minhas filhas menores, cujo processo …/….-…T8MFR. O valor hoje acordado em 100 euros e alguma coisa para cada menina, não corresponde com os gastos que possuo com duas adolescentes. Tenho em razão que o genitor nao ajuda com mais nada e sempre temhonque arcar com despesas de roupas e demais gasto. A pensão atual, e 100 euros para cada uma. Se possivel for e acredito que pelo valor atual que ele recebe e desconta a segurança social, fosse alterado para 200 euros cara uma. Desde ja agradeço.”
2- Em 19/08/2024, a mãe das menores apresentou requerimento igual ao anterior.
3- Com data de 23/09/2024, foi proferido o seguinte despacho:
“As alterações do regime das responsabilidades parentais nos termos do disposto no artigo 42.º do RGPTC, tem de ter como fundamento fatos concretos que determinam as razões do pedido. A requerente indica de forma vaga e conclusiva na idade atual das filhas. Terá de concretizar com fatos concretos. Notifique para concretizar que circunstâncias concretas justificam o aumento da pensão para o dobro do que foi fixado, sob pena de ser rejeitado o requerimento inicial, remetendo-se para os serviços do Ministério Público o email junto a fim de ser ponderado em conformidade com as exigências legais. Prazo: 10 dias.
4- Com data de 26/09/2024, a mãe das menores, por si, apresentou o seguinte requerimento, por email:
“Bom dia. O que poderia servir como factos concretos para que seja analisado meu pedido? O fato de pedir o aumento da pensão se da em razão de que quando foi fixado a pensão se alimento, as meninas eram pequenas, e a questao e elas cresceram, hoje tem habitos alimentares que o valor pago não corresponde. Alem de nesses 5 anos ter do aumento de agua, luz, aluguel. Tambem o local onde vivemos nao passa auto carro, e necessario que todos os dias eu sozinha prover a ida a escola, pois os horarios não tem autocarro. Outro f 1p1plato e que elas estao a ser avaliada no hospital santa maria no alergologista e seus alimentos hoje, são alimentos que por ves não sao alimentos comum. Por exemplo a leite ovos e o glutem. Alem do fato de o genitor nunca querer pagar os medicamentos, e algumas das vezes em que enviei a factura diz sempre que estou pedindo migalhas. Essa semana atras prometeu pagar o material escolar e depois de muita luta, trasnferiu 150 euros. Cada mochila custa em media 40 euros a mais barata, depois de transferir esse dinheiro se arrependeu e mandou uma mensagem no WhatsApp para a B … a lhe dizer que nao tem amot de pai por elas. Pelo simples fato de ter ajudado com o material. Duas adolescentes com um valor fixado de 100 euros cada uma nao paga as despesas do mês em questão. Por isso peço que seja avaliada pois ele teria condições de ajudarmais com as despesas. Desde já agradeço A ….”
5- Com data de 01/10/2024, a mãe das menores fez chegar aos autos email a juntar declaração médica sobre a alergias das menores e, com o seguinte texto de requerimento:
“Boa tarde, envio a declaração medica apos testes alérgico de hoje feito no Hospital Santa Maria, que indica alergia alimentar. Com indicação do uso de Adrenalina em caso se anafilaxia. Por esse motivo gostaria que fosse vista com atenca e carinho o fato de ter pedido o aumento da pensão alimentar em dobro, pois os alimentos por elas alergico custam o dobro ou muita vez o triplo. Tenho que ter atenção pois a maioria dos aliemtnos nao nao pode conter ovos, alimentos que sao feito com outro po de farinha por si so são muito mais caros. E o leite de vaca custa quase metade do leite de soja ou de outro leite de cereal. Alimentos que pra nos são normais pra elas pode causar a morte. Por gentileza, peça realmente que seja revesto. Alem do fato se ter que pagar sempre sozinha os antialérgico. Desde ja agradeço.”
6- Com data de 08/10/2024, foi proferida decisão que rejeitou o pedido de alteração do valor da pensão de alimentos às menores, com o seguinte teor:
“A articulação efetuada é manifestamente confusa, não revela as circunstâncias anteriores e as atuais que justificam o seu pedido de alteração do regime da pensão de alimentos, formalidade prevista no artigo 42.º-1 do RGPTC, e assim, como notificada a requerente no nosso despacho de 23-9-2024, ao abrigo do disposto no artigo 42.º-4 do RGPTC, e 186.º-1-2-a) do CPC, vai rejeitado o requerimento inicial, remetendo-se para os serviços do Ministério Público o emails juntos pela mãe e o regime em vigor fixado nos apensos, a fim de ser ponderado em conformidade com as exigências legais na representação do superior interesse da menor. Custas pela requerente.”
7- Inconformado, o Ministério Público interpôs o presente recurso, formulando as seguintes CONCLUSÕES:
1. O despacho recorrido rejeitou liminarmente o requerimento inicial da progenitora, com
fundamento na ineptidão da petição inicial, previsto no artigo 186.º/1, alínea a) do CPC.
2. Porém, não se verifica ininteligibilidade do pedido nem da causa de pedir, uma vez que a progenitora invocou, sem suma, que: os custos com a respectiva alimentação das crianças aumentaram com o decurso do tempo e o crescimento das crianças; Em cinco anos, ocorreu aumento de despesas com água, luz e renda; sobreveio avaliação em consulta de alergologista no Hospital de Santa Maria diagnóstico de alergia alimentar e a necessidade de alimentação especial, por intolerância a glúten e ovos; a alimentação especial antialérgica custa o dobro ou o triplo da alimentação normal (leites de soja ou de cereais, farinhas sem glúten).
3. Dos requerimentos da progenitora consta a alegação das «circunstâncias supervenientes que tornem necessário alterar o que estiver estabelecido», como previsto no artigo 42.º/1 do RGPTC.
4. O Tribunal a quo tem conhecimento oficioso das circunstâncias em que foram reguladas as responsabilidades parentais, tendo sido o mesmo Mmo. Juiz de Direito quem homologou o acordo de regulação das responsalidades parentais no processo de divórcio dos progenitores (autos principais).
5. O despacho recorrido não considera o princípio da simplificação instrutória e oralidade previsto no artigo 4.º/1, alínea a) do RGPTC, nem a circunstância de, no processo tutelar cível, não ser obrigatória a representação por Advogado dos progenitores requerentes, não lhes sendo exigível redações escorreitas e enxutas ao nível factual [cf. artigos 12.º e 18.º do RGPTC].
6. A interpretação do Tribunal a quo no despacho recorrido quanto à redação do requerimento inicial prejudica o superior interesse das crianças em verem decidida em prazo razoável [cf. artigo 2.º/1 do CPC] uma pretensão jurídica (aumento das pensões de alimentos) que lhes interessa directamente – embora tenha sido apresentada por um dos progenitores.
7. O despacho recorrido deve assim ser revogado, por ilegal, e substituído por outro que determine a observância do excurso processual previsto no artigo 42.º/5 do RGPTC: «[…] o juiz ordena o prosseguimento dos autos, observando-se, na parte aplicável, o disposto nos artigos 35.º a 40.»].
8- Citado o progenitor para os termos do artº 641º nº 7 do CPC, para os termos do recurso e da causa, veio dizer:
*** II- FUNDAMENTAÇÃO. 1-Objecto do Recurso.
1-É sabido que o objecto do recurso é balizado pelo teor do requerimento de interposição (artº 635º nº 2 do CPC) pelas conclusões (artºs 635º nº 4, 639º nº 1 e 640º do CPC) pelas questões suscitadas pelo recorrido nas contra-alegações em oposição àquelas, ou por ampliação (artº 636º CPC) e sem embargo de eventual recurso subordinado (artº 633º CPC) e, ainda pelas questões de conhecimento oficioso cuja apreciação ainda não se mostre precludida.
Assim, em face das conclusões apresentadas pelo recorrente, é a seguinte a questão que importa analisar e decidir:
- Se há fundamento para revogar o despacho de rejeição do requerimento de alteração do valor da pensão de alimentos às menores.
*** 2- Factualidade Relevante.
Para além das circunstâncias factuais mencionadas no RELATÓRIO acima, importa ainda ter em consideração o seguinte facto:
- No âmbito do Procedimento para Regulação das Responsabilidades Parentais (Apenso D) relativas às menores B … (nascida a 13/05/2008) e C … (nascida a 11/03/2011), na Conferência de Pais, realizada 30/04/2019 - diligência presidida pelo mesmo juiz que proferiu o despacho em apreciação nos presente autos – foi homologado o seguinte acordo relativo à Regulação do Exercício das Responsabilidades Parentais:
“1. As crianças ficarão confiadas ao cuidado da mãe, com quem residirão, exercendo os pais em conjunto as responsabilidades parentais quanto aos atos de particular importância.
2. O pai deverá estar com as crianças nas folgas do pai, combinando antecipadamente os horários com a mãe e cabendo ao pai a recolha e entrega das crianças.
3. Na Páscoa, a criança passará de sexta-feira a domingo com um dos progenitores, alternando nos anos seguintes.
4. No aniversário das crianças, os pais tomarão uma refeição com as mesmas ou farão com elas uma festa em conjunto; não sendo possível, farão, cada um, uma refeição principal com as filhas.
No aniversário e dia dos pais, as crianças estarão com o respetivo progenitor.
5. Nas férias laborais dos pais, as crianças passarão 15 dias com o pai.
Nas férias do Natal, as crianças passarão de 18 a 25 de dezembro de manhã com um dos progenitores e de 25 de dezembro de manhã a 02 de janeiro com o outro, alternando nos anos seguintes.
6. O pai pagará mensalmente a título de alimentos, até ao dia 8 de cada mês a que disser respeito, a quantia de € 100,00 euros por cada criança, no total de € 200,00 euros.
7. A pensão alimentícia acordada no ponto anterior será objeto de atualização anual, em função do índice de inflação a divulgar pelo I.N.E. (Instituto Nacional de Estatística) e reportado ao ano imediatamente anterior, no mês de maio, com início no ano de 2020.
8. Quaisquer gastos indispensáveis à saúde e educação, serão suportados em 50% por cada um dos progenitores, contra a exibição de cópias dos respetivos documentos comprovativos.”
*** 3- A Questão Enunciada: Se há fundamento para revogar o despacho de rejeição do requerimento de alteração do valor da pensão de alimentos às menores.
Segundo se percebe, da análise conjunta dos despachos de 23/09/2024 (transcrito no ponto 3 do RELATÓRIO supra) e de 08/10/2024 (transcrito no ponto 6 do RELATÓRIO supra), a 1ª instância rejeitou o pedido de alteração da pensão de alimentos às menores por entender “não terem sido alegados factos concretos que determinem as razões do pedido (…) indica de forma vaga e conclusiva a idade actual das filhas (…) a articulação é manifestamente confusa, não revela as circunstâncias anteriores e as actuais que justifiquem a alteração do regime da pensão de alimentosformalidade prevista no artigo 42.º-1 do RGPT…”
Será assim?
Vejamos.
No que respeita à alteração do regime fixado, por acordo ou por decisão judicial, sobre o exercício das responsabilidades parentais rege, em primeira linha, o artº 42º do RGPTC, justamente, com epígrafe “Alteração de regime”:
“1 - Quando o acordo ou a decisão final não sejam cumpridos por ambos os pais, ou por terceira pessoa a quem a criança haja sido confiada, ou quando circunstâncias supervenientes tornem necessário alterar o que estiver estabelecido, qualquer um daqueles ou o Ministério Público podem requerer ao tribunal, que no momento for territorialmente competente, nova regulação do exercício das responsabilidades parentais. 2 - O requerente deve expor sucintamente os fundamentos do pedido e: a) Se o regime tiver sido estabelecido por acordo extrajudicial, juntar ao requerimento: i) Certidão do acordo, e do parecer do Ministério Público e da decisão a que se referem, respetivamente, os n.os 4 e 3 do artigo 14.º do Decreto-Lei n.º 272/2001, de 13 de outubro, alterado pelo Decreto-Lei n.º 324/2007, de 28 de setembro, pela Lei n.º 61/2008, de 31 de outubro, e pelo Decreto-Lei n.º 122/2013, de 26 de agosto; ou ii) Certidão do acordo e da sentença homologatória; b) Se o regime tiver sido fixado pelo tribunal, o requerimento é autuado por apenso ao processo onde se realizou o acordo ou foi proferida decisão final, para o que será requisitado ao respetivo tribunal, se, segundo as regras da competência, for outro o tribunal competente para conhecer da nova ação. 3 - O requerido é citado para, no prazo de 10 dias, alegar o que tiver por conveniente. 4 - Junta a alegação ou findo o prazo para a sua apresentação, o juiz, se considerar o pedido infundado, ou desnecessária a alteração, manda arquivar o processo, condenando em custas o requerente. 5 - Caso contrário, o juiz ordena o prosseguimento dos autos, observando-se, na parte aplicável, o disposto nos artigos 35.º a 40.º 6 - Antes de mandar arquivar os autos ou de ordenar o seu prosseguimento, pode o juiz determinar a realização das diligências que considere necessárias.”
Pois bem, do nº 1 do preceito decorre, claramente, que uma das situações que leva à alteração do regime fixado de responsabilidades parentais é a ocorrência de “circunstâncias supervenientes” que justifiquem a necessidade dessa alteração.
Percebe-se que assim seja, visto que, como é sabido e decorre do artº 12º do RGPTC, os processos tutelares cíveis têm natureza de jurisdição voluntária; o mesmo é dizer que em face do artº 988º nº 1 do CPC, as decisões podem ser alteradas com fundamento em circunstâncias supervenientes justificativas da alteração, sejam essas circunstâncias objectivamente supervenientes – ocorreram em momento posterior à decisão -, sejam subjectivamente supervenientes – sendo anteriores, não foram alegadas por ignorância ou outro motivo ponderoso.
Digamos que em matéria de regulação das responsabilidades parentais se verifica uma característica, a par de outras, a de variabilidade da decisão: depois de fixada pode ser alterada.
Vigora, assim, o princípio do ius variandi que prevalece sobre o caso julgado conforme resulta igualmente do artº 619º nº 2 do CPC.
Portanto, pressuposto objectivo da alteração do regime fixado é a ocorrência de circunstâncias supervenientes que tornam justa e, por isso, necessária a modificação do que estava estabelecido.
Em termos subjectivos, no que respeita à legitimidade, a alteração pode ser requerida por, entre outros, qualquer dos progenitores.
E não carece, o requerimento, de ser articulado nem de ser patrocinada por mandatário judicial/advogado, o que inculca um menor grau de exigência na exposição dos factos relativos à alteração superveniente.
Por outro lado, a reforçar essa menor exigência na exposição dos factos, pelo requerente, está a norma do proémio do nº 2 do artº 42º do RGPTC: “O requerente deve expor sucintamente os fundamentos do pedido.” Uma exposição sucinta é uma exposição sumária, rápida e minimamente elucidativa da ocorrência da alteração das circunstâncias. De resto, entendemos mesmo que o requerente não carece de alegar os factos essenciais constitutivos da alteração das circunstâncias.
Na verdade, António José Fialho (Conteúdo e Limites do Princípio Inquisitório na Jurisdição Voluntária, dissertação de mestrado, pág. 19 disponível online https://run.unl.pt/bitstream/10362/19279/1/Fialho_2016.pdf) menciona: “…no âmbito dos processos de jurisdição voluntária, o tribunal não está dependente dos factos direta ou indiretamente alegados pelas partes, seja qual for a função que os mesmos desempenhem no processo, dispondo de ampla iniciativa probatória e apenas admitindo as provas que entenda necessárias (artigo 986º, n.º 2 do mesmo Código). Assim, quer se trate “factos integrantes da causa de pedir ou das exceções, de factos complementares ou concretizadores desses factos essenciais, ou de factos instrumentais ou indiciários (…) na jurisdição voluntária, os poderes de cognição do tribunal não dependem do cumprimento de nenhum ónus de alegação” na medida em que o tribunal pode “conhecê-los oficiosamente, investigando-os por sua iniciativa, ou em consequência da alegação dos interessados”.
Paulo Guerra (“Julgar – No Reino da prova dos afetos e dos poderes”, Revista do Centro de Estudos Judiciários, nº 1, 2º semestre de 2004, pág. 277, nota 10) salienta “Daí que não seja possível afirmar a existência de um ónus da prova impondo a cada uma das partes ou interessados o encargo de demonstrar as afirmações de facto que levem o juiz a proferir uma decisão favorável ou desfavorável às suas pretensões.”
Neste mesmo sentido, na jurisprudência, pode ver-se, entre outros, o acórdão do TRG, de 21/06/2018 (Fernando Fernandes Freitas, 425/17, www.dgsi.pt):
“I – São características específicas dos processos de jurisdição voluntária: 1) o Tribunal dispõe dos mais amplos poderes investigatórios, não estando sujeito à iniciativa das partes; b) não vigora o princípio do ónus da alegação e prova, conhecendo o Tribunal de todos os factos que apure, mesmo dos que não tenham sido alegados pelas Partes; c) o Tribunal não está sujeito a critérios de legalidade estrita, devendo adoptar a solução que julgar mais conveniente e oportuna para cada caso; d) as decisões podem sempre ser revistas se ocorrerem circunstâncias supervenientes que justifiquem a alteração, quer a superveniência seja objectiva, isto é, tenham os factos ocorrido posteriormente à decisão, quer seja subjectiva, ou seja, quando os factos são anteriores à decisão mas não tenham sido alegados por não serem conhecidos por quem tinha interesse na alegação, ou por outro motivo ponderoso.” Esta opção do legislador, nos procedimentos de alteração do regime das responsabilidades parentais, de entender ser suficiente uma “exposição sucinta dos factos”, aliada às características da jurisdição voluntária e aos poderes inquisitórios do juiz é reforçada pelo nº 6 do artº 42º do RGPTC: “Antes de mandar arquivar os autos ou de ordenar o seu prosseguimento, pode o juiz determinar a realização das diligências que considere necessárias.”
E percebe-se que assim seja: no âmbito dos procedimentos tutelares cíveis, relativos à regulação das responsabilidades parentais, o juiz é o guardião mor do superior interesse da criança. Havendo diversas disposições que expressamente o determinam (artºs 1906º nºs 2 e 5, 6 e principalmente nº 8, do CC) e especialmente os artºs 37º e 40º nº 1 do RGPTC, dos quais decorre que, mesmo no caso de acordo entre os progenitores, o juiz somente homologa esse acordo desde que corresponda à salvaguarda dos interesses da criança, e que a sentença do exercício das responsabilidades parentais é regulada de harmonia com os interesses da criança. Ou seja, nos procedimentos relativos à regulação das responsabilidades parentais, é o superior interesse da criança que prevalece sobre os demais interesses, sejam dos progenitores, sejam de terceiros. E, o juiz deve mesmo assumir as diligências e procedimentos necessários para levar a bom porto a efectiva protecção do superior interesse da criança.
Perante a alegação sucinta de circunstâncias invocadas pelo requerente, o juiz fará uma análise perfunctória sobre se há indícios de alteração das circunstâncias, comparando a situação existente à data da decisão que se pretende alterar e as novas circunstâncias entretanto invocadas.
Pois bem, no caso dos autos foram invocadas situações factuais – é certo que de forma deficiente, compreensível, porém, para que não é profissional do foro - que, devidamente ponderadas, indiciam suficientemente, uma alteração das circunstâncias:
- Passaram, à data do requerimento, praticamente seis anos desde a fixação da pensão de 100 euros para cada menor;
- As meninas eram pequenas e cresceram, sendo natural outro nível de exigências;
- Necessidades alimentares especiais e dispendiosas devido às alergias e intolerâncias alimentares de que padecem as menores;
-Aumentos, nos quase seis anos, das despesas domésticas: água, luz, renda;
- Acréscimo de despesas com transporte próprio por ausência de transportes públicos.
Esta factualidade, devidamente ponderada, indicia suficientemente, alteração das circunstâncias. E exigia que o juiz da 1ª instância, em vez de mandar arquivar o processo, determinasse a realização de diligências (artº 42º nº 6 do RGPTC) e, deveria ter ordenado a citação do requerido, conforme determina o artº 42º nº 3 do RGPTC, para alegar o que tivesse por conveniente. A este propósito note-se que o progenitor mencionou estar disponível para ajustar a pensão de alimentos fixada.
A esta luz, resta dar razão ao Ministério Público, recorrente: revogar o despacho de arquivamento do requerimento de alteração do regime fixado de regulação das responsabilidades parentais, ordenando-se o prosseguimento dos autos, observando-se, na parte aplicável, o disposto nos artºs 35º a 40º, ex-vi do artº 42º nº 5 do RGPTC. Em duas palavras: recurso procedente.
*** III-DECISÃO.
Em face do exposto, acordam os juízes que compõem este colectivo da 6ª Secção Cível do Tribunal da Relação de Lisboa, julgar o recurso procedente e, em consequência, revogam o despacho sob impugnação e, determinam o prosseguimento dos autos observando-se, na parte aplicável, o disposto nos artºs 35º a 40º, ex-vi do artº 42º nº 5 do RGPTC.
Sem custas na instância de recurso.