PROCESSO ESPECIAL DE REVITALIZAÇÃO
PLANO DE RECUPERAÇÃO
HOMOLOGAÇÃO
GRADUAÇÃO DE CRÉDITOS
RECLAMAÇÃO DE CRÉDITOS
INTERPOSIÇÃO DE RECURSO
ATO INÚTIL
CASO JULGADO FORMAL
Sumário


Deve considerar-se inútil o recurso de revista interposto por um credor de um acórdão que confirmou na integra a decisão proferida pelo primeiro grau, que declarou encerrado o processo negocial sem aprovação do plano de revitalização, quando a empresa devedora desistiu do recurso por si também interposto dessa decisão, e a credora apenas beneficia da inclusão do seu crédito na lista de credores formada no PER.

Texto Integral


Acordam no Supremo Tribunal de Justiça

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A empresa devedora, Schmidt Light Metal, Fundição Injectada, Lda. e a credora Briowork, Trabalho Temporário, Lda. recorreram do acórdão do Tribunal da Relação do Porto de 7.5.2024 que confirmou, na íntegra, a sentença de 17.1.2024 que declarou que o plano de revitalização apresentado pela primeira aos seus credores não foi aprovado e, consequentemente, declarou encerrado o processo negocial sem aprovação de plano de revitalização.

São as seguintes as conclusões do recurso da credora Briowork:

Questão: da Classificação e Graduação dos Créditos da Recorrente

A. Quanto à questão da Classificação dos créditos dos Trabalhadores, o Douto Tribunal a quo entende que não são classificáveis como créditos garantidos;

B. No entanto, a Recorrente, face à própria natureza dos créditos dos Trabalhadores, entende que estes créditos devem ser classificados como garantidos, porque de facto assim os reclamou, sem contestação, e assim o pediu na sua Apelação para o TRP:

1. as reclamações de créditos (com osrespectivoscontratosde trabalho), juntas aos autos pela Credora, contêm uma Cláusula 3ª que especifica claramente o local de trabalho como sendo a fábrica (instalações fabris) e concretiza a respectiva morada do imóvel, e…;

2. ….o facto de a Devedora na sua Apelação (para o TRP) ter reconhecido, perante o Douto Tribunal da Relação do Porto, que os créditos da ora Recorrente se referem a contratos de trabalho que foi prestado na fábrica da Devedora,

C. E tendo a lista definitiva transitado, com o seu Crédito classificado como crédito de Trabalho Privilegiado, então nos termos do CIRE e do seu Artigo 47º nº4, al. a), estes créditos são garantidos, pelo menos no contexto de um Processo de Insolvência a correr nos termos do CIRE;

D. Nesse sentido, toda a Doutrina e toda a Jurisprudência supra citada concordam que os créditos de trabalho com privilégio especial concedido pelo Artigo 333º do CT, são graduados como créditos Garantidos à frente dos credores hipotecários;

E. E como muito bem cita o Douto Acórdão do TRP, no final da pág. 51 e início da pág. 52, na nota 23, por referência às posições Doutrinais da Juiz Conselheira Professora Doutora Catarina Serra, no seu artigo ‘Formação de categorias e aprovação do plano no processo especial de revitalização’, (…), pp. 251/252;

F. Onde esta defende que a Classificação deste credor pode e deve ser corrigida em sede de recurso a Final. O que aqui se solicitou na Apelação da ora Recorrente/Credor dirigida ao TRP, assunto abordado no final do argumento 2, pag. 53, na questão A, na numeração seguida no Douto Acórdão ora em crise;

G. Mas estranhamente, no final da pág. 53, questão A, argumento 3, o Douto Tribunal da Relação decide agora no ponto A# pág. 54, Parágrafo §3 que a Graduação já transitou formalmente e não pode agora ser alterada;

H. Quando na página anterior citava eloquentemente a Juiz Conselheira Professora Doutora Catarina Serra para dizer que as Classificações podem e devem ser corrigidas no Recurso interposto a final, citação que o ilustre Relator insere na nota 23 no rodapé da pág. 52 do Douto Acórdão, ora em Crise;

I. Entendendo a Credora que a clarificação da graduação deste Credor pode e deve ser reapreciada a final pelo TRP na Apelação em Crise - e também nesta Revista -, devendo ali ser clarificado que os credores detentores de privilégio especial conferido pelo Artigo 333º do CT, são créditos garantidos para efeitos do Artigo 47º, nº4, al. a) do PER-CIRE;

Questão: da Aprovação do Plano

J. Constata-se que, s.m.o., o Douto Tribunal a quo interpreta erradamente o Artigo 17º-F, nº5 al. a), do PER/CIRE porque não conjuga esta alínea com a definição de créditos graduados como GARANTIDOS ínsita no Artigo 47º nº4 al. a) do CIRE;

K. A credora, em linha com o Relatório do AJP entende que o Artigo 47º nº4 al. a) do PER-CIRE, determina que no CIRE, lei especial, ao contrário de outros códigos, todos os Créditos que tenham privilégios especiais de trabalho, são considerados GARANTIDOS, nos termos do Artigo 47º, nº4, al. a) do CIRE;

L. Assim, segundo o texto da Lei e da Jurisprudência, e como apoio e acolhimento da Doutrina acima citada, o Plano deve ser considerado Aprovado, pois a maioria das CATEGORIAS votaram o plano favoravelmente, e dessas categorias os Trabalhadores são credores GARANTIDOS, Trabalhadores;

M. Pelo que tendo votado favoravelmente pelo menos uma categoria de credores Garantidos o Plano deverá ser declarado Aprovado;

Pelo que, nestes termos,e nos demais de Direito, se Requer aos Colendos Juízes Conselheiros que determinem ao Tribunal da Relação do Porto e aos seus Venerandos Desembargadores o reexame da questão ora em crise nos termos supra expostos, pelo que, em concomitância, se Requer:

- A classificação dos Créditos de trabalho dos trabalhadores, que teve e tem lugar nas instalações da Devedora, sejam considerados como sendo portadores de privilégio especial e, por isso, sejam graduados como GARANTIDOS;

- Que seja revista a votação efectuada, à luz do facto de que, pelo menos, uma categoria de credores garantidos (os trabalhadores) votaram o Plano PER favoravelmente;

- Que o Plano seja declarado aprovado».

A devedora/recorrente, Schmidt Light Metal, Fundição Injectada, Lda, entretanto declarada insolvente, desistiu do recurso, desistência homologada por decisão já transitada.

Em consequência da desistência, a recorrente Briowork pede que seja apreciado o recurso por si interposto, nos seguintes termos:

1. É sabido que, regra geral, as Decisões que recaiam sobre as reclamações de créditos apresentadas num PER, são meramente perfunctórias, e, apenas têm validade formal dentro desse PER;

2. Porém, por excepção, caso o PER seja convolado em processo de Insolvência, nos termos do Artigo 17º-G, n.º 9 do CIRE, a Credora está dispensada de voltar a reclamar os seus créditos, aproveitando-se os actos já praticados;

3. Ora, a aqui Credora, que pretende ver o seu crédito reconhecido e graduado, como entende ser certo e justo, passou por um longo ‘calvário processual’ resumido em:

- Fazer uma reclamação de créditos, juntando cerca de 200 documentos;

- Impugnar, reconhecida e devidamente, a lista provisória apresentada pelo AJP;

- Apelar, com a interposição de Recurso à Graduação e Categorização em que foi sub-repticiamente inserido - veja-se no texto do Plano PER pela Devedora;

- Apelar para o Tribunal da Relação, quanto ao seu direito a votar, o que foi alcançado;

- Agora, pela interposição do presente Recurso de Revista de Graduação dos seus créditos, classificando-se como Credor Garantido, pois entende ser este o seu Grau, conforme ao Artigo 47º CIRE;

4. Neste contexto, considera que só um Douto Acórdão do STJ constituirá a única Decisão com valor material que, caso seja esse o entendimento deste, lhe permitirá aproveitar os actos já praticados, e evitar um novo calvário de Reclamações, Apelações e Revistas, pelo qual enquanto credora já passou;

5. Pelo que se entende que se justifica na plenitude obter tal Douta Decisão, pois ela terá manifesto impacto formal e material no âmbito do Processo de Insolvência que a Devedora já requereu, por apresentação, nomeadamente na respectiva Reclamação de Créditos;

Pelo que, nestes termos e nos demais de Direito, se Requer aos Colendos Juízes Conselheiros:

Que, mantendo o pedido de REVISTA apresentado por esta Credora, se reconheçam e classifiquem os seus Créditos como créditos laborais, para que assim, e em concomitância, estes sejam devidamente classificados e graduados como GARANTIDOS, sendo portadores de privilégio especial;

Pedindo assim, que nestes termos se faça, na plenitude, a costumada Justiça».

Sobre este requerimento recaiu a seguinte decisão singular:

«A recorrente não tem razão.

Desde o despacho de 14.9.2023 que a credora sabe que «o reconhecimento dos créditos em PER somente visa conferir direito de voto».

Dizem de forma iluminante, com toda a sua autoridade nestas matérias, Carvalho Fernandes e João Labareda «que no processo de revitalização não há (…) lugar a graduação a qual, de resto, não teria qualquer utilidade porque, sendo o objectivo a aprovação e homologação de um plano de recuperação, não está em causa, em nenhuma circunstância, a distribuição do produto de liquidação do património do devedor pelos credores.

No processo de insolvência que se suceda, proceder-se-á então, à hierarquização da totalidade de créditos, tendo em conta, quer os que constem da lista definitiva formada em sede de processo de revitalização, quer todos os demais que tenham sido reclamados e apurados nos próprios autos de insolvência.

Todas estas razões, a que acrescem as especificidades próprias da impugnação e seu julgamento no processo de revitalização, justificam a conclusão já apontada (…) de que a lista definitiva fixada em consonância com ele apenas releva no âmbito do próprio processo.

Em corolário, a relação de créditos que o administrador da insolvência venha a apresentar em obediência no art.129.º pode ser objecto de contestação, nos termos do art.130.º, mesmo no que respeita a créditos integrantes de lista definitiva de precedente processo de revitalização.

Assim sendo, a norma do n.º 7 do preceito em anotação [agora n.º 9] deve efectivamente ser entendida como um mero dispositivo de economia processual, sem outras consequências (L. Carvalho Fernandes, João Labareda, Código da Insolvência e da Recuperação de Empresas Anotado, Quid Juris, Lisboa, 2013:183).

Realmente, a lista definitiva de créditos no PER visa apenas duas funções: identificar os créditos para efeitos de aprovação do plano e de os qualificar e evitar que os credores tenham de repetir a sua reclamação no processo de insolvência (Catarina Serra, O processo especial de revitalização na jurisprudência, 2.ª ed., Almedina, Coimbra, 2017: 71).

Na jurisprudência, é exemplar o Ac. STJ de 1.7.2014, Proc. 2852/13, desta 6.ª Secção especializada, que, numa situação próxima da actual (recurso autónomo de revista de um credor impugnante, nuns autos de PER, pretendendo que o seu crédito, resultante de um contrato promessa com eficácia meramente obrigacional, com tradição do imóvel, incumprido definitivamente pela promitente vendedora, goze do direito de retenção, que não lhe foi reconhecido pelas instâncias), ponderou que «o processo previsto no artº. 17/D do CIRE para a reclamação de créditos e organização da lista definitiva de credores, a fim de participarem nas negociações e votação do plano de recuperação, tem uma tramitação assaz simplificada, evidenciando o seu carácter não definitivo relativamente ao incidente de verificação e graduação de créditos no processo de insolvência.
O processo em causa não teve o contraditório indispensável a que o Tribunal possa decidir com força de caso julgado relativamente a todos os credores eventualmente lesados com o eventual reconhecimento da garantia real a beneficiar o crédito da recorrente.
Efectivamente, o contraditório estabeleceu-se entre o apresentante em tribunal da lista provisória de credores, o administrador judicial provisório, e o credor impugnante (artº. 17/D nºs 2 e 3, do CIRE), sem que os restantes credores prejudicados com o privilégio do crédito impugnado sejam notificados da impugnação apresentada.
Já no incidente de verificação e graduação de créditos na insolvência o contraditório é alargado a todos os interessados (artº. 130º nº 1 do CIRE) e o processo reveste a solenidade e complexidade de qualquer acção ordinária.
Do que dito fica, conclui-se que, decidir, agora, se o crédito da recorrente goza do direito de retenção, é irrelevante ao exercício pelo recorrente do respectivo direito de negociar e votar o plano de recuperação da devedora, e é perfeitamente inútil, na medida em que não faz caso julgado, caso venha a ser declarada a insolvência e se mostre necessário verificar e graduar os créditos reclamados, para serem pagos pelo produto dos bens apreendidos para a massa insolvente».
Em idêntico sentido, de entre muitos, o Ac. RC de 7.9.2021, Proc. 744/20, de acordo com o qual «o reconhecimento dos créditos pelo Administrador judicial provisório e a decisão sobre as impugnações da lista provisória dos créditos não produzem efeitos fora do PER, servindo apenas para a aferição da base de cálculo e aprovação do plano de recuperação».

Cumpre, pois, concluir, que decorre da desistência do recurso por parte da devedora a inutilidade do recurso, com consequente extinção da instância recursiva (artigo 277.º, e) CPC).

A responsabilidade pelas custas fica a cargo do recorrente, na proporção de metade, considerando que a outro recorrente pagará a restante metade (cfr. despacho de 1.1.2025; artigos 527.º, 1 e 2 e 536.º, 1 e 3 CPC)».

A recorrente Briowork reclamou para a conferência, nos seguintes termos:

«Da utilidade da Classificação e Graduação dos Créditos -

1. Desde a Lei nº 9/2022, que transpôs a Directiva 1023/2019EU, que se prevê que, optando o Devedor por apresentar categorias, nos termos do Artigo 17º-C nº3, para efeitos de posterior votação nos termos do Artigo 17º-F, nº5 ambos do PER-CIRE, que a Classificação, e posterior Categorização são primordiais e indispensáveis na votação por categorias;

2. Assim, a generalidade da Doutrina e Jurisprudência, que iluminaram o PER até à introdução da Lei nº 9/2022, vertidas e espelhadas na Venerada Decisão Singular, ora em crise, deixou manifestamente de ter validade, dado que o regime jurídico aplicável, trazido ex-novo por esta Lei, alterou radicalmente a questão;

3. Pelo que a Douta Decisão Singular (que substituiu o solicitado Acórdão) deixou de ter cabal suporte em Jurisprudência e Doutrina - unânime e reiterada -, na sequência da introdução da Lei nº 9/2022;

4. Com efeito, as apresentadas citações de Luís Fernandes e João Labareda [que, curiosamente, nunca chegaram a ter a oportunidade de ver e conhecer a Lei nº 9/2022], nem a Ilustre Professora e Conselheira Catarina Serra (a Douta Citação refere-se a um livro de 2017, que, entretanto, na sua essência jurídica, já foi ultrapassado pela sua Tese de Agregação de 2018);

5. Pelo que estas citações estão completamente desactualizadas, não podendo, nem devendo, por isso, servir de base e suporte para defender a ideia de que ao invés de um Acórdão seja proferida uma “Decisão Singular”;

6. Actualmente, esta ilustre Conselheira, já não defende a anterior posição, conforme ficou patente e resulta da sua valiosas intervenção no VI Congresso de Direito da Insolvência;

7. Por outro lado, importa sublinhar que, se os Trabalhadores (estes ou outros) forem considerados Credores Garantidos nos termos do Artigo 333º do CT, então o Plano PER estará automaticamente aprovado;

8. Partindo do pressuposto de que a Devedora, quando apresentou o PER o seu respectivo Plano, pretendeu e pretende que este é para ser aprovado, para conseguir a sua viabilização, então importa criar condições objectivas para essa aprovação, não colocando em causa os esforços legítimos para essa mesma viabilização, de acordo com a Lei;

9. Sublinha-se e deverá ter-se em atenção que a maioria das Categorias de Credores já aprovou o Plano, faltando apenas que, pelo menos, uma categoria de natureza ‘Garantida’ como a deste Credor, vote favoravelmente, o que, naturalmente, se pretende;

10. Pelo que, como é por bem, importa sublinhar que a Administração se comprometeu, nos termos do Artigo 202º CIRE, a implementar o Plano e a viabilizar a Devedora, o que tem de ser cumprido após a competente homologação;

Da utilidade da Revista -

11. Importa declarar a utilidade e actualidade do pedido da Revista, apesar de, em regra, as Decisões que recaíam sobre as reclamações de créditos sejam perfunctórias e que apenas tenham validade formal dentro do PER;

12. Por excepção, caso o PER seja convolado em Processo de Insolvência - nos termosdo Artigo 17º-G nº 9 do CIRE-PER, o credor está dispensado de voltar a reclamar os seus créditos, aproveitando-se os actos já praticados no PER;

13. E, ao contrário do que vai dito na Douta Decisão Singular, importa dizer que um Acórdão contendo Decisão do STJ é imediatamente aplicável à definição da natureza dos referidos créditos, com plena aplicabilidade em todas as outras instâncias ou processos que venham a ser interpostos;

14. Não podendo, como é óbvio, qualquer Decisão de 1ª instância derrogar a decisão que o STJ venha a proferir neste conspecto, devendo-lhe, a este, jurídico-processualmente, o devido respeito e obediência;

15. Tanto mais que, em concreto, o PER é apensado a um eventual Processo de Insolvência e que dele fará parte como Apenso com todas as consequências legais e processuais daí decorrentes, sendo indiferente que produza efeitos materiais e/ou apenas formais, porquanto passará a fazer parte do novo Processo;

Nestes termos, e nos demais de Direito,

Entende a Credora que se torna imperativo que o STJ venha a proferir um Acórdão sobre a questão suscitada no seu Recurso;

Tanto mais que a pretérita Doutrina e Jurisprudência, que foram invocadas na Decisão Singular proferida, deixaram de ser lograr validade com a entrada em vigor do regime jurídico da nova Lei nº 9/2022;

E, em concomitância, se Requer:

Que se mantenha o pedido de emissão de um Acórdão de REVISTA sobre a classificação dos Créditos laborais dos trabalhadores, para que estes sejam devidamente classificados como GARANTIDOS, por serem portadores de privilégio especial (Artigo 333º do Código do Trabalho) e, por isso, sejam graduados como tal (Garantidos);

Pedindo assim, que nestes termos se faça, na plenitude, a costumada Justiça».

Cumpre agora (re)analisar a questão da utilidade da revista.

A reclamante afirma que a decisão singular teve por base regime já superado pela lei e pela mais recente opinio iúris.

Não tem razão.

A Lei n.º 9/2022, de 11 de Janeiro, transpôs para o nosso ordenamento a Diretiva (UE) 2019/1023, do Parlamento Europeu e do Conselho, de 20 de Junho de 2019.

No PER, os credores são agora agrupados pelo administrador judicial provisório, numa lista provisória, em categorias distintas, (artigos 17.º-C, 3.º, d) e 17.º-D, 3), distinguindo, no mínimo, entre créditos garantidos e não garantidos.

Esta lista provisória pode ser impugnada nos termos do artigo 17.º-D, 4. Haja ou não impugnação, o juiz decide sobre a conformidade da formação das categorias de créditos nos termos da alínea d) do n.º 3 do artigo anterior, e pode determinar a alteração da classificação (artigo 17.º-D, 5 e 6).

Findo o prazo para impugnações, os credores têm um prazo de 2 meses para chegarem a um acordo que permita a revitalização do devedor (artigo 17.º-D-7).

A versão final do plano de recuperação reflectirá as partes afectadas por esse plano, designadamente as que foram repartidas pelas aludidas categorias (artigo 17.º-F, 1, d)).

Aprovado por unanimidade dos credores ou por maioria destes, o plano é submetido para homologação ao juiz (artigo 17.º-F. 4, 5 e 7).

Caso o juiz não homologue o acordo, aplica-se o disposto no artigo 17.º G, 3 a 9, nomeadamente a possibilidade de a devedora ser declarada insolvente (artigo 17.º-F, 9).

Havendo lista definitiva de créditos reclamados, e sendo declarada a insolvência da empresa por aplicação do disposto no n.º 7, os credores constantes daquela lista não necessitam de reclamar os créditos ali relacionados nos termos da alínea j) do n.º 1 do artigo 36.º (artigo 17.º-G, 9).

A reclamante alega, como vimos, que a doutrina e a jurisprudência citada é imprestável, diante da Lei 9/2022.

Vejamos o que diz agora a doutrina actualizada sobre a matéria.

Alexandre Soveral Martins afirma: «O disposto no art. 17.º-G, 9, não significa que os créditos constantes da lista definitiva obtida no PER tenham de ser considerados verificados no processo de insolvência. O artigo 17.º-G, 9, apenas dispensa a reclamação, mas o mesmo não se pode dizer quanto à verificação e graduação» (Um curso de Direito da Insolvência, Vol. II, 3.ª ed., Almedina, Coimbra, 2022:238/239).

Maria do Rosário Epifânio, numa obra de 2023, Manual do Direito da Insolvência, 8.ª ed., Almedina, refere, a páginas 484: «a lista definitiva de créditos não integra um «ato formal de reconhecimento dos créditos» (uma sentença de verificação ou graduação, tal como acontece no processo de insolvência – art. 140.º), pois não existem respostas às impugnações. Para além disso, não há graduação dos créditos, uma vez que não há lugar à apreensão dos bens para liquidação nem a repartição do seu produto pelos credores».

Catarina Serra, por seu turno, sustenta que “[a] lista definitiva de créditos (rectius: a sentença judicial de verificação de créditos) pode resultar, seja da conversão da lista provisória de créditos (quando não há impugnações da lista provisória), seja da decisão judicial sobre as impugnações.

Ela cumpre, em princípio, duas funções.

A primeira função é a de identificar os créditos para efeitos de votação do plano de recuperação e, acessoriamente, de os qualificar, discriminando os créditos subordinados, que têm como que uma relevância negativa para o efeito da aprovação do plano.

A lista definitiva de créditos não é absolutamente indispensável para o desempenho desta primeira função. Nos termos da lei, é concebível, como se viu, que não exista ainda lista definitiva no momento da votação do plano [...]

A segunda função é a de dispensar os credores de reclamar os créditos já reclamados e relacionados, a título definitivo, em processos de insolvência subsequente (cfr. art. 17.º-G, n.º 9). Está presente uma razão de economia processual.

São, mais uma vez, configuráveis casos em que não existe ainda, nesse momento, uma lista definitiva de créditos, não se produzindo, então, o efeito previsto. Mas, se esta lista existir, deve ser-lhe reconhecido o valor que se determina no art. 17.º-G, n.º 9, no que toca aos créditos já reclamados e relacionados.

Antes, discutia-se a questão de saber a existência da lista definitiva impedia ou meramente dispensava a reclamação dos créditos já reclamados em PER. A lei está hoje mais clara, dispondo-se no art. 17.º-G, n.º 9, que “os credores [...] não necessitam de reclamar”, o que parece indicar uma simples dispensa. À primeira vista, seria razoável que créditos que já tivessem sido escrutinados (tendo ou não, a final, sido reconhecidos) não pudessem voltar a sê-lo. Vendo melhor, porém, a verificação de créditos do PER não proporciona a mesma segurança que proporciona a verificação de créditos no processo de insolvência – desde logo, porque não tem lugar no PER a fase de resposta às impugnações (cfr. art. 131.º). A necessidade de assegurar a igualdade de armas entre os credores do PER e os credores que lhe sobrevêm, já no âmbito do processo de insolvência, é outra razão para se permitir que os credores voltem a reclamar os créditos já reclamados em PER» (Lições de Insolvência, 3.ª ed. Almedina, Coimbra, 2025: 533/534).

Na jurisprudência deste Supremo Tribunal, veja-se, a este respeito, a título meramente exemplificativo, além do acórdão já acima citado o acórdão de 22-05-2018, Proc. 3119/16: «II - O reconhecimento dos créditos no PER não faz caso julgado no processo de insolvência, pelo que nada impede o administrador de insolvência de excluir da relação dos créditos reconhecidos o crédito da recorrente».

Tudo considerado, cumpre concluir que o reconhecimento de créditos só tem efeitos de caso julgado formal no âmbito do PER.

E, como se compreende, a desistência do recurso por parte da empresa devedora significa que considera inviável a recuperação, já não interessando saber se é viável a formação de maioria para aprovação do plano.

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A reclamação está sujeita a tributação, conforme resulta do disposto no artigo 7.º, 4 do Regulamento das Custas Processuais.

Quanto ao montante da taxa de justiça leva-se em consideração o penúltimo rectângulo da tabela II a que se refere aquela disposição legal.

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Pelo exposto, acordamos em indeferir a reclamação e, consequentemente, em confirmar a decisão singular.

Custas pela reclamante, com taxa de justiça que se fixa em 2 UC atendendo ao valor do incidente e respectiva complexidade.

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13.05.2025

Luís Correia de Mendonça (relator)

Luís Espírito Santo

Ricardo Costa