CONFLITO DE COMPETÊNCIA
Sumário

Tendo previamente à instauração do processo de promoção e proteção corrido termos no Juízo de Família e Menores de Cascais – Juiz “X” ação de divórcio entre os progenitores, instaurada em juízo em 14-02-2024, onde foi homologado o acordo de regulação do exercício das responsabilidades parentais relativamente às crianças ora objeto do presente processo de promoção e proteção, por força do regime de conexão especial, constante do artigo 11.º, n.º 1, do RGPTC, continua a ser competente para a tramitação do processo de promoção e proteção, o Juízo de Família e Menores de Cascais – Juiz “X”, onde correu termos o divórcio no âmbito do qual foi homologado judicialmente acordo de regulação do exercício das responsabilidades parentais.

Texto Integral

*
I. O Juízo de Família e Menores de Cascais – Juiz “X” suscita a resolução de conflito negativo de competência entre ele próprio e o Juízo de Família e Menores de Cascais – Juiz “Y” para a tramitação do presente processo de promoção e proteção, com fundamento em que ambos se declararam incompetentes para dele conhecer.
O Juízo de Família e Menores de Cascais  – Juiz “Y” declarou-se incompetente, em razão do território, com fundamento, em síntese, em que, a regulação das responsabilidades parentais das crianças (a que respeita o presente processo) teve lugar no processo n.º 561/24.9T8CSC (divórcio), que correu termos Juízo de Família e Menores de Cascais – Juiz “X”, considerando que, nos termos conjugados dos artigos 81.º, n.º 1 da LPCJP e 11.º do RGPTC, os presentes autos deverão ser apensados àqueles, anteriores a estes.
Por sua vez, o Juízo de Família e Menores de Cascais – Juiz “X” declarou-se incompetente para a tramitação do presente processo, com fundamento, em síntese, em que não existe fundamento para determinar a competência por conexão nos termos do art.º 81.º da LPCJP, a qual intervém sempre como critério subsidiário, face ao critério geral da competência territorial.
O Ministério Público do Juízo de Família e Menores de Cascais – Juiz “X” pronunciou-se no sentido de os presentes autos (de promoção e proteção) deverem ser apensados ao processo primeiramente instaurado.
Remetidos os autos ao Ministério Público, em conformidade com o disposto no artigo 112.º, n.º 2, do CPC, foi emitida promoção, em 03-12-2024, no sentido de que “o juiz “X” do Juízo de Família e Menores de Cascais é o competente para tramitar e conhecer do processo com n.º (…)/24.4T8CSC”.
*
II. Mostra-se apurado, com pertinência para a resolução do conflito, o seguinte:
1) Em 23-10-2024, o Ministério Público veio instaurar processo judicial de promoção e proteção no interesse de “A”, nascida a (…)-2019 e de “B”, nascido a (…)-2018, filhos de “C” e de “D”.
2) Distribuído o processo ao Juízo de Família e Menores de Cascais – Juiz “Y”, em 24-10-2024 foi colhida na base de dados do Ministério da Justiça informação sobre os processos pendentes relativamente às crianças e seus pais, identificados em 1), constando a informação da autuação em 15-02-2024 junto do Juízo de Família e Menores de Cascais – Juiz “X”, do processo n.º (…)/24.9T8CSC (Divórcio sem consentimento do outro cônjuge) e o registo da autuação, em 24-10-2024, do processo de promoção e proteção com o n.º (…)/24.4T8CSC (os presentes autos).
3) No processo n.º (…)/24.9T8CSC (Divórcio), a petição inicial foi apresentada em juízo em 14-02-2024 e em 09-07-2024 foi proferida sentença de divórcio, entretanto convolado para divórcio por mútuo consentimento, homologando, igualmente, os acordos então celebrados, nomeadamente, acordo sobre a regulação do exercício das responsabilidades parentais das crianças (acordo junto a esses autos por requerimento de 09-05-2024).
4) Nos presentes autos (de Promoção e Proteção) pelo Juízo de Família e Menores de Cascais – Juiz “Y” foi proferido, em 28-10-2024, o seguinte despacho:
“Veio o Ministério Público instaurar processo de promoção e protecção relativamente a estas duas crianças.
Contudo, constata-se, da análise das bases de dados, que a regulação das responsabilidades parentais das mesmas ocorreu nos autos com o n.º 561/24.9T8CSC, divórcio que correu termos no J2 deste Tribunal de Família e Menores e em que os pais regularam as responsabilidades parentais dos filhos.
Assim sendo, e nos termos conjugados dos artigos 81.º, n.º 1 da LPCJP e 11.º do RGPTC, impõe-se determinar a remessa dos presentes autos, àqueles, para aí serem apensados, uma vez que são anteriores a estes.
(…)
Sem custas, uma vez que o Ministério Público está isento.”.
5) Remetidos os autos ao Juízo de Família e Menores de Cascais – Juiz 2 para apensação ao processo n.º 561/24.9T8CSC, aí foi proferido – em 18-11-2024 – o seguinte despacho:
“O presente processo de promoção e proteção foi remetido para apensação a um processo de divórcio que correu termos neste Juízo, no qual foram reguladas as responsabilidades parentais das crianças Annick e Patrick (como parte do acordo que conduziu à convolação do divórcio sem consentimento em divórcio por mútuo consentimento).
O art.º 11.º do Regime Geral do Processo Tutelar Cível prevê a competência por conexão em relação a processos tutelares cíveis, processos de promoção e proteção ou processos tutelares educativos (nº 1) ou relativamente a processos de divórcio e processos de regulação das responsabilidades parentais (nº 3). Idênticos critérios decorrem do art.º 81.º da Lei de Promoção e Proteção de Crianças e Jovens em Perigo.
Afigura-se-nos, salvo melhor opinião, que ainda que, no presente caso, a regulação das responsabilidades parentais tenha decorrido incidentalmente no processo de divórcio, não existe fundamento para determinar a competência por conexão nos termos do art.º 81.º da LPCJP, a qual intervém sempre como critério subsidiário, face ao critério geral da competência territorial.
Em face do exposto, declara-se este Juízo (J2) do Tribunal de Família e Menores de Cascais incompetente para a tramitação do presente processo de promoção e proteção.(…)”.
*
III. Nos termos do n.º 2 do artigo 109.º do CPC, há conflito, positivo ou negativo, de competência quando dois ou mais tribunais da mesma ordem jurisdicional se consideram competentes ou incompetentes para conhecer da mesma questão.
Não há conflito enquanto forem suscetíveis de recurso as decisões proferidas sobre a competência (cfr. artigo 109.º, n.º 3, do CPC).
Quando o tribunal se aperceba do conflito, deve suscitar oficiosamente a sua resolução junto do presidente do tribunal competente para decidir (cfr. artigo 111.º, n.º 1, do CPC).
Entendem ambos os tribunais, não serem competentes em razão do território, para dirimir o presente processo de promoção e proteção.
A Lei n.º 141/2015, de 08 de setembro veio aprovado o Regime Geral do Processo Tutelar Cível (abreviadamente RGPTC) estabelecendo o artigo 3.º desse regime que:
“Para efeitos do RGPTC, constituem providências tutelares cíveis:
(…) c) A regulação do exercício das responsabilidades parentais e o conhecimento das questões a este respeitantes; (….)”.
Por seu turno, o artigo 9.º do RGPTC – sob a epígrafe “Competência territorial” –  prescreve o seguinte:
“1 - Para decretar as providências tutelares cíveis é competente o tribunal da residência da criança no momento em que o processo foi instaurado.
2 - Sendo desconhecida a residência da criança, é competente o tribunal da residência dos titulares das responsabilidades parentais.
3 - Se os titulares das responsabilidades parentais tiverem residências diferentes, é competente o tribunal da residência daquele que exercer as responsabilidades parentais.
4 - No caso de exercício conjunto das responsabilidades parentais, é competente o tribunal da residência daquele com quem residir a criança ou, em situações de igualdade de circunstâncias, o tribunal em que a providência tiver sido requerida em primeiro lugar.
5 - Se alguma das providências disser respeito a duas crianças, filhos dos mesmos progenitores e residentes em comarcas diferentes, é competente o tribunal em que a providência tiver sido requerida em primeiro lugar.
6 - Se alguma das providências disser respeito a mais do que duas crianças, filhos dos mesmos progenitores e residentes em comarcas diferentes, é competente o tribunal da residência do maior número delas.
7 - Se no momento da instauração do processo a criança residir no estrangeiro e o tribunal português for internacionalmente competente, é competente para apreciar e decidir a causa o tribunal da residência do requerente ou do requerido.
8 - Quando o requerente e o requerido residam no estrangeiro e o tribunal português for internacionalmente competente, o conhecimento da causa pertence à secção da instância central de família e menores de Lisboa, na Comarca de Lisboa.
9 - Sem prejuízo das regras de conexão e do previsto em lei especial, são irrelevantes as modificações de facto que ocorram após a instauração do processo.
Nos termos previstos no n.º 1 do artigo 10.º do RGPTC, a incompetência territorial pode ser deduzida até decisão final, devendo o tribunal conhecer dela oficiosamente.
O artigo 11.º do RGPTC regula os casos de “competência por conexão”, dispondo o seguinte:
1 - Se, relativamente à mesma criança, forem instaurados, separadamente, processo tutelar cível e processo de promoção e proteção, incluindo os processos perante a comissão de proteção de crianças e jovens, ou processo tutelar educativo, devem os mesmos correr por apenso, independentemente do respetivo estado, sendo competente para deles conhecer o juiz do processo instaurado em primeiro lugar.
2 - O disposto no número anterior não se aplica às providências tutelares cíveis relativas à averiguação oficiosa da maternidade ou da paternidade, nem às que sejam da competência das conservatórias do registo civil, ou às que respeitem a mais que uma criança.
3 - Estando pendente ação de divórcio ou de separação judicial, os processos de regulação do exercício das responsabilidades parentais, de prestação de alimentos e de inibição do exercício das responsabilidades parentais correm por apenso àquela ação.
4 - Quando o processo tutelar cível respeitar a mais do que uma criança, pode ser instaurado um único processo e, tendo sido instaurados processos distintos, pode proceder-se à apensação de todos eles ao que foi instaurado em primeiro lugar, se as relações familiares assim o justificarem.
5 - A incompetência territorial não impede a observância do disposto nos n.os 1, 3 e 4.”.
Da conjugação do n.º 1 com o n.º 5 do preceito, resulta que a competência “por conexão”, a que se refere o primeiro, sobreleva sobre a competência territorial.
Da interpretação do n.º 1 do artigo 11.º do RGPTC resulta a consagração de 4 regras:
“- a 1ª impõe (“devem”) a apensação entre o processo tutelar cível e o processo de promoção e proteção ou o processo tutelar educativo (e somente entre estes);
- a 2ª que a apensação opera em qualquer estado dos processo (mesmo que findos);
- a 3ª (implícita), estabelece a ordem ou precedência da apensação (ao processo instaurado em 1ª lugar);
- a 4ª instituindo um regime especial de competência territorial (o tribunal onde primeiramente se instaurou qualquer dos referidos processos)” (assim, a decisão do Vice-Presidente do STJ de 21-04-2023, Pº 2600/14.2TBALM-B.L1.S1, rel. NUNO GONÇALVES, disponível em https://www.dgsi.pt).
Por seu turno, quanto a processos de promoção e proteção, regula a Lei de Proteção de Crianças e Jovens em Perigo (abreviadamente, LPCJP, aprovada pela Lei n.º 147/99, de 1 de setembro).
Por “medida de promoção dos direitos e de proteção” entende-se “a providência adotada pelas comissões de proteção de crianças e jovens ou pelos tribunais, nos termos do presente diploma, para proteger a criança e o jovem em perigo” (cfr. artigo 5.º, al. e) da LPCJP), estando o leque de medidas aplicáveis previsto no artigo 35.º da LPCJP.
*
IV. Conhecendo:
Os presentes autos de promoção e proteção, instaurados em 23-10-2024 foram distribuídos ao Juízo de Família e Menores de Cascais – Juiz “Y”, então sob o n.º (…)/24.4T8CSC.
Sucede que, previamente à instauração do processo de promoção e proteção, correu termos no Juízo de Família e Menores de Cascais – Juiz “X” ação de divórcio entre os progenitores, instaurada em juízo em 14-02-2024, onde foi homologado o acordo de regulação do exercício das responsabilidades parentais relativamente às crianças ora objeto do presente processo de promoção e proteção.
A previsão da competência por conexão constitui um desvio à regra da competência territorial, visando concentrar num só processo a apreciação conjunta e global das situações referentes à criança, proporcionando “uma decisão harmonizada e adequada ao momento e necessidades actuais da criança ou jovem em perigo. Essas mesmas razões de utilidade e necessidade colocam-se com a mesma acuidade, relativamente à interdependência entre processos novos e processos findos, pois se nem sempre e em qualquer caso, os processos pendentes ou findos, possuirão elementos úteis para as finalidades do processo, o certo é que o legislador não tornou disso dependente a competência por conexão” (assim, o Acórdão do Tribunal da Relação de Guimarães de 17-12-2018, Pº 175/17.0T8TMC-A.G1, rel. JORGE TEIXEIRA).
Essas finalidades persistem, de forma plena, no presente caso, em que, no âmbito de precedente processo de divórcio, convolado em mútuo consentimento, foi homologada a regulação do exercício das responsabilidades das crianças a que respeita o presente processo de promoção e proteção, sobrelevando a conexão de reunir num mesmo processo o acervo de vicissitudes da vida das crianças.
Entre os referidos processos, relativamente aos quais se justifica a operatividade da conexão processual, há uma relação de anterioridade do processo de divórcio, no qual foi acordada a regulação das responsabilidades parentais, instaurado em primeiro lugar face ao processo de promoção e proteção.
O regime de competência estabelecido no n.º 1 do artigo 11.º do RGPTC traduz um regime especial de competência, dito “por conexão”, que sobreleva sobre a competência territorial (cfr. n.º 5 do mencionado artigo 11.º do RGPTC).
“A atribuição de competência por conexão constitui uma exceção à regra geral da competência territorial. (…). A competência por conexão é prevista nos artigos 11.º n. º1 do RGPTC, 81.º n. º1 da LPCJP. Salienta- se o seu carácter especial e deste modo prevalecente em relação às regras de competência territorial, atribuindo a competência a quem já tem para conhecer o outro processo. A conexão processual mantém-se mesmo com a transição para outro Tribunal” (assim, Ana Catarina Martins Sousa; A harmonização das decisões relativas à criança e ao jovem; Faculdade de Direito da Universidade Nova de Lisboa, março de 2019, pp. 44-45, texto consultado em: https://run.unl.pt/bitstream/10362/77155/1/Sousa_2019.pdf).
Em face deste regime especial de competência “por conexão”, o que releva para efeitos de competência para todas as ações é a data da sua instauração, ou seja, da entrada em tribunal, sendo irrelevantes as modificações de facto que posteriormente ocorram – cfr. artigos 9.º n.ºs 1 e 9 do RGPTC e artigo 81.º, n.º 1, da LPCJP.
Ora, o processo principal – o de divórcio no qual foi homologada providência tutelar cível de regulação do exercício das responsabilidades parentais – deu entrada em juízo em 14-02-2024.
O processo de promoção e proteção, por seu turno, deu entrada em juízo em 23-10-2024.
Do exposto resulta que, por força do supra referido regime de conexão especial, constante do artigo 11.º, n.º 1, do RGPTC, continua a ser competente para a tramitação do processo de promoção e proteção, o Juízo de Família e Menores de Cascais – Juiz “X”, onde correu termos o divórcio no âmbito do qual foi homologado judicialmente acordo de regulação do exercício das responsabilidades parentais.
*
V. Pelo exposto, sem necessidade de mais considerações, decido este conflito, declarando competente para a presente ação, o Juízo de Família e Menores de Cascais – Juiz “X”.
Sem custas.
Notifique-se (cfr. artigo 113.°, n.° 3, do CPC).
Baixem os autos.

Lisboa, 05-12-2024,
Carlos Castelo Branco.
(Vice-Presidente, com poderes delegados – cfr. Despacho 2577/2024, de 16-02-2024, pub. D.R., 2.ª Série, n.º 51/2024, de 12 de março).