QUALIFICAÇÃO JURÍDICA DO CONTRATO
SUBEMPREITADA
CESSÃO DA POSIÇÃO CONTRATUAL
CONDENAÇÃO ILÍQUIDA
JUROS DE MORA
Sumário

I – Sempre que suscitem dúvidas entre qualificar um contrato como de empreitada ou de cessão da posição contratual, deve presumir-se que o empreiteiro celebrou uma subempreitada e não uma cessão da sua posição no contrato de empreitada.
II – Deve ser qualificado como um contrato de subempreitada o acordo pelo qual alguém, a solicitação do empreiteiro, se obriga a terminar a obra que a este foi adjudicada por terceiro (dono da obra), se não estiver demonstrado que, através de tal acordo, as partes visaram transmitir a posição jurídica do empreiteiro no contrato que este celebrou com o dono da obra.
III – Do mero consentimento do dono da obra na intervenção da pessoa escolhida pelo empreiteiro para terminar a obra não decorre uma modificação subjetiva do contrato ou de parte dele, continuando a ser o empreiteiro a contraparte do dono da obra no contrato de empreitada entre ambos celebrado;
IV – Em caso de condenação ilíquida, nos termos do art.º 609º do CPC, não pode a sentença condenar o devedor no pagamento de juros de mora, salvo se a iliquidez for imputável ao devedor.
(Sumário elaborado pelo Relator)

Texto Integral

Acordam no Tribunal da Relação de Coimbra

Réu/Recorrente: AA;

Autor/recorrido: BB;


I. Relatório

BB intentou ação declarativa de condenação contra AA, peticionando a condenação deste a pagar-lhe a quantia de € 5.087,28 (cinco mil e oitenta e sete euros e vinte e oito cêntimos), acrescida de juros vencidos, no valor de € 1.828,28 (mil oitocentos e vinte e oito euros e vinte e oito cêntimos) e dos juros que se vierem a vencer até efetivo e integral pagamento.

Para o efeito, alega, em suma, que é empresário em nome individual, dedicando-se à execução de instalações elétricas em baixa tensão, reparações elétricas e reparações de eletrodomésticos.

Em 2008, foi contratado pelo réu, que também é empresário em nome individual do ramo da eletricidade e eletrónica, para fazer diversos trabalhos de eletricidade em regime de subempreitada numa obra de eletrificação de duas moradias em ..., ....

Em execução desse acordo, realizou os serviços de eletricidade solicitados pelo réu, sem prévia orçamentação, sendo os trabalhos aceites pelo dono da obra e também pelo proprio réu que, finda a obra, lhe deu instruções para faturar diretamente ao dono da obra, dizendo que este lhe pagaria o valor das empreitadas

O autor emitiu e apesentou ao dono da obra a fatura nº 0075, de 07/10/2008.

Não tendo este último procedido ao pagamento da mesma, instaurou contra ele ação judicial para a cobrança do respetivo valor, a qual foi julgada improcedente por sentença de 09.04.2010, ficando provada a celebração de contrato de subempreitada entre os ora autor e réu.

Posteriormente, tentou obter o pagamento do valor dessa mesma fatura junto do réu, o que não conseguiu, acabando por emitir, em nome deste, a fatura nº 0120, datada de 21 de março de 2012, no valor de €5.087,28, a qual não foi paga.


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O Réu apresentou contestação, invocando a sua ilegitimidade processual.

Nega ter celebrado qualquer contrato de subempreitada com o autor, mas tão somente um contrato de empreitada com CC, para execução da obra de instalação elétrica de duas moradias, propriedade deste, pelo valor global de € 5.000,00

Porém, em meados de 2006, decidiu emigrar para a Suíça, deixando de exercer a atividade de eletricista em Portugal e cessando atividade, pelo que acordou com o referido CC a cessação do contrato e, a pedido do mesmo, informou que o autor efetuava o mesmo tipo de trabalho, limitando-se a promover o contacto entre ambos.

Não teve qualquer intervenção no acordo que então foi firmado entre o autor e o dono da obra, nem deu qualquer ordem ao autor para que faturasse diretamente ao dono da obra os serviços que este diz ter prestado.

Reclama a condenação do autor como litigante de má-fé, em multa e indemnização.

Requereu a intervenção acessória do mencionado proprietário das moradias, CC.


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O autor respondeu às exceções invocadas na contestação, concluindo pela sua improcedência.

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Foi julgado procedente o pedido de intervenção formulado, admitindo-se a intervenção acessória de CC que apresentou contestação.

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Realizou-se audiência prévia, no decurso da qual se apreciou e julgou improcedente a invocada exceção dilatória de ilegitimidade passiva.

Foram fixados o objeto do litígio e os temas de prova, nos termos constantes da respetiva ata.


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Após a realização da audiência final, foi proferida, em 22 de abril de 2024, sentença que decidiu nos seguintes termos:

Pelo exposto, o Tribunal decide condenar o Réu AA a pagar ao Autor BB o valor correspondente aos materiais, trabalho e deslocações indicados na fatura n.º 0120, que se vier a apurar ter efetuado e despendido em trabalhos realizados nas duas moradias sitas em ..., ..., ..., propriedade de CC, valor esse acrescido dos respetivos juros de mora, calculados desde a emissão da fatura e até efetivo e integral pagamento.

Custas a cargo do Réu, nos termos do artigo 527.º, do Código de Processo Civil.


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Registe e notifique.

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Não se conformando com esta decisão, o réu veio interpor recurso da mesma, finalizado as suas alegações com as conclusões que, de seguida, se transcrevem:

(…).


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O autor apresentou contra-alegações, as quais conclui da seguinte forma:

(…).

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Colhidos os vistos, cumpre decidir
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II. Delimitação do objeto do recurso.
Sendo o âmbito dos recursos delimitado pelas conclusões das alegações do Recorrente – art.ºs 635º, n.º 4 e 639º, n.ºs 1 e 2 do Código de Processo Civil – ressalvadas as questões do conhecimento oficioso que ainda não tenham sido conhecidas com trânsito em julgado, as questões que se colocam à apreciação deste Tribunal são as seguintes:
i) Da nulidade da sentença
ii) Da impugnação da decisão proferida sobre a matéria de facto;
iii) Se o acordo entre as partes foi incorretamente qualificado como um contrato de subempreitada;
iv) Se a sentença recorrida, ao condenar o réu no pagamento de juros de mora contados desde a data de emissão da fatura junta com a petição inicial, violou o disposto no art. 805º do Código Civil, designadamente o disposto no n.º 3 deste preceito;
v.   Da prescrição dos juros de mora, nos termos do art.º 310º, al. d) do Código Civil.
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III. Fundamentação de facto
Com relevo para a decisão da causa, a sentença recorrida apurou os seguintes factos:

1- O A. é empresário em nome individual e dedica-se à execução de instalações elétricas em baia tensão, reparações elétricas e reparações de eletrodomésticos;

2- O Réu foi também empresário em nome individual do ramo da eletricidade e eletrónica;

3- No exercício da sua atividade, ao A. foi solicitado pelo R., no ano de 2008, que fizesse trabalhos de eletricidade numa obra de eletrificação de duas moradias em ..., ..., ..., pertencentes a CC;

4- Não foi elaborado qualquer orçamento, porém, o A. teria de acabar trabalhos contemplados num orçamento feito pelo R. e aceite pelo dono das moradias, num valor de cerca de € 5.000,00 (cinco mil euros);

5- Os trabalhos foram executados pelo A. nas duas moradias e o R. e o dono das mesmas não acusaram qualquer defeito;

6- Findos os trabalhos o A. faturou diretamente ao dono das moradias, através da fatura n.º 0075, de 07.10.2008;

7- Não tendo obtido o pagamento da mesma, recorreu ao tribunal, através da ação que correu com o n.º 406/09....;

8- Nessa ação, veio a ser proferida sentença, datada de 09.04.2010, julgando a mesma improcedente e absolvendo CC do respetivo pedido, tendo em tal decisão sido considerada como provada a seguinte factualidade:

“(…) a)- O Autor exerce a actividade profissional de montagens de instalações eléctricas em baixa tensão e reparação de electrodomésticos;

b)- O Réu tem por actividade profissional pintor da construção civil;

c)- Em meados do ano de 2007 o A foi contactado por AA para proceder ao acabamento de uma instalação eléctrica, rede de telefones e vídeo, em duas vivendas em construção, pelo Réu, sitas no lugar da ..., ..., ...;

d)- O Réu deu de empreitada a construção destas duas vivendas tendo sido a parte de electricidade entregue, também por empreitada, a AA, com o qual ajustou todo o trabalho de electricidade pelo valor de 5.000,OO€;

e)- O Autor aceitou fazer e executou nas vivendas os referidos trabalhos, em finais de 2007, terminados durante o ano de 2008, trabalhos cuja amplitude não foi determinada em concreto;

f)- O valor dos materiais eléctricos, serviço de montagem e deslocação, ascendeu a importância não quantificada. (…)”

9- Posteriormente, o A. tentou vários contactos com o R. para obter o pagamento dos trabalhos junto do mesmo, mas sem sucesso;

10- Emitiu depois a fatura n.º 0120, em 21.03.2012, no valor de € 5.087,28 (cinco mil e oitenta e sete euros e vinte e oito cêntimos), em nome do mesmo;

11- Que nunca foi paga pelo R.;

12- O R. solicitou ao A. que fizesse os trabalhos nas moradias, pelo facto de ir trabalhar para a Suíça em meados de 2006 e não os poder concluir, nos termos em que tinha acordado com o dono das moradias em 2005;

13- Fê-lo depois de informar o dono das moradias de que o A. efetuava este tipo de trabalhos, promovendo o contacto entre ambos e solicitando ao A. que fosse à obra e aí o apresentando ao respetivo dono e acordando com o mesmo que os trabalhos em falta seriam feitos pelo A. em sua substituição;

14[1]- O A. fez os trabalhos que tinham sido acordados pelo R. com o dono das moradias.


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E considerou como não provados os seguintes:

a. Findas as obras o R. deu instruções ´A. para faturar diretamente ao dono das moradias, que ele pagaria;

b. A quantia devida pelo R. ao A. em função dos trabalhos que o mesmo realizou nas moradias é de €5.087,28 (cinco mil e oitenta e sete euros e vinte e oito cêntimos);


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III Fundamentação de Direito
a) Da nulidade da sentença
Ao longo das suas alegações de recurso, refere os recorrente que a decisão recorrida é nula:
- Por falta de especificação dos fundamentos de facto, nos termos da al. b) do n.º 1 do art.º 615º do Código de Processo Civil, alegando não ter sido explicitado o raciocínio lógico que permitiu apurar a matéria de facto provada, designadamente por falta de explicitação dos concretos trabalhos que o réu teria feito e quais os concretos trabalhos que o autor teria feito, defendendo, também, que os factos  provados nos pontos 12, 13, e 14 não permitem destrinçar qual a concreta relação jurídica entre as partes, designadamente se celebraram um contrato de  subempreitada ou antes um acordo de cedência da posição contratual;
- Porque os factos provados estão em contradição com a decisão nos termos da al. c) do n.º 1 do art.º 615º do Código de Processo Civil. Alega, para o efeito, que não resultou provado qualquer facto de onde se possa extrair que o autor e o réu celebraram um contrato de subempreitada, para além de inexistirem factos provados quanto aos trabalhos efetivamente executados pelo autor, o que sempre inviabilizaria a condenação do réu em montante a liquidar ulteriormente.
- A sentença recorrida deixou de se pronunciar sobre questões que que deveria apreciar – verificando-se assim a nulidade prevista na al. d) do n.º 1 do art.º 615º do Código de Processo Civil – já que, apesar de ter condenado o recorrente, não se pronunciou quanto à matéria factual por ele invocada para fundamentar o incidente de intervenção acessória, nem se pronunciou sobre a condenação do chamado.
- Para qualificar a relação jurídica que intercedeu entre autor e réu como um contrato de subempreitada, a Mmª Juiz assentou a sua convicção na sentença proferida no processo n.º 406/09...., que é inoponível em relação ao aqui recorrente, que não foi parte nesse processo e nunca aceitou ter  celebrado com o autor um contrato de subempreitada, verificando-se assim a nulidade da sentença por excesso de pronúncia prevista na al. d) do n.º 1 do mesmo art.º 615º do CPC.
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O Tribunal “a quo” no despacho que recebeu o recurso tomou posição sobre as nulidades invocadas, referindo não se verificarem as mesmas.
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Apreciando.
O nº1 do art.º 615º, do Código de Processo Civil, que consagra as “Causas de nulidade da sentença”, estabelece que é nula a sentença quando:
a) Não contenha a assinatura do juiz;
b) Não especifique os fundamentos de facto e de direito que justificam a decisão;
c) Os fundamentos estejam em oposição com a decisão ou ocorra alguma ambiguidade ou obscuridade que torne a decisão ininteligível;
d) O juiz deixe de pronunciar-se sobre questões que devesse apreciar ou conheça de questões de que não podia tomar conhecimento;
e) O juiz condene em quantidade superior ou em objeto diverso do pedido.
As nulidades da sentença são vícios formais, intrínsecos de tal peça processual, taxativamente consagrados no nº1 do art.º 615º, sendo tipificados como vícios do silogismo judiciário, inerentes à sua formação e à harmonia formal entre premissas e conclusão, não podendo ser confundidas com hipotéticos erros de julgamento (error in judicando) de facto ou de direito[2]
Assim, as nulidades da sentença, como seus vícios intrínsecos, são apreciadas em função do texto e do discurso lógico nela desenvolvidos, não se confundindo com a errada aplicação das normas jurídicas aos factos, erros de julgamento, estes, a sindicar noutro âmbito.
Há nulidade da sentença quando a sua parte dispositiva está em contradição com as premissas efetivamente adotadas pelo juiz e não com as premissas que ele poderia ter adotado, no entender de uma das partes, mas não adotou.
Os referidos vícios respeitam “à estrutura ou aos limites da sentença”.
Respeitam à estrutura da sentença os fundamentos das alíneas b) (falta de fundamentação), c) (oposição entre os fundamentos e a decisão). Respeitam aos seus limites os das alíneas d) (omissão ou excesso de pronúncia) e e) (pronúncia ultra petitum)”[3].
Trata-se de vícios que “afetam formalmente a sentença e provocam a dúvida sobre a sua autenticidade, como é o caso da falta de assinatura do juiz, ou a ininteligibilidade do discurso decisório por ausência total de explicação da razão por que se decide de determinada maneira (falta de fundamentação), quer porque essa explicação conduzir logicamente a resultado oposto do adotado (contradição entre os fundamentos e a decisão), ou uso ilegítimo do poder jurisdicional em virtude de pretender resolver questões de que não podia conhecer (excesso de pronúncia) ou não tratar de questões que deveria conhecer (omissão de pronúncia)”[4]
As causas de nulidade da decisão, taxativamente enumeradas nesse artigo 615º, conforme se escreve no Acórdão do Supremo Tribunal de Justiça de 17/10/2017[5], “visam o erro na construção do silogismo judiciário e não o chamado erro de julgamento, a injustiça da decisão, ou a não conformidade dela com o direito aplicável, nada tendo a ver com qualquer de tais vícios a adequação aos princípios jurídicos aplicáveis da fundamentação utilizada para julgar a pretensão formulada: não são razões de fundo as que subjazem aos vícios imputados, sendo coisas distintas a nulidade da sentença e o erro de julgamento, que se traduz numa apreciação da questão em desconformidade com a lei. Como tal, a nulidade consistente na omissão de pronúncia ou no desrespeito pelo objecto do recurso, em directa conexão com os comandos ínsitos nos arts. 608º e 609º, só se verifica quando o tribunal deixe de pronunciar-se sobre questões ou pretensões que devesse apreciar e cuja apreciação lhe foi colocada”.
Enquanto nos erros de julgamento assiste-se a uma deficiente análise crítica das provas produzidas ou a uma deficiente enunciação e/ou interpretação dos institutos jurídicos aplicados ao caso concreto. Esses erros, por não respeitarem já a defeitos que afetam a própria estrutura da sentença, mas o mérito da relação material controvertida nela apreciada, não a inquinam de invalidade, mas de error in judicando atacáveis em via de recurso[6]
Feito este enquadramento, analisemos, de entre os expressamente invocados pelo recorrente, os referidos vícios que respeitam à estrutura ou aos limites da sentença:
- Quanto ao vício consagrado na al. b): falta de fundamentação de facto ou/e direito.
A causa de nulidade da sentença prevista na al. b) do nº1 do art.º 615º do Código de Processo Civil – falta de especificação dos fundamentos de facto e de direito que justificam a decisão – foi considerada verificar-se, unanimemente e por um longo período de tempo, quer na doutrina quer na jurisprudência, “quando falte em absoluto a indicação dos fundamentos de facto ou a indicação dos fundamentos de direito”, não a constituindo “a mera deficiência de fundamentação[7]. Contudo, a jurisprudência mais recente tem entendido que a falta de fundamentação a que se refere a al. b) do n.º 1 do art.º 615.º ocorre, seja quando não há nenhuma fundamentação (de direito ou de facto), seja quando falta, em termos funcionais e efetivos, algum segmento da fundamentação exigida pelos n.ºs 3 e 4 do artigo 607.º.
Como se entendeu no Ac. da Relação de Guimarães, de 18/01/2018 [8]: “ocorre falta de fundamentação de facto e de direito da decisão judicial, quando exista falta absoluta de motivação ou quando a mesma se revele gravemente insuficiente, em termos tais que não permitam ao respetivo destinatário a perceção das razões de facto e de direito da decisão judicial”.
Nesta medida, entendemos também que a fundamentação de facto ou de direito insuficiente, em termos tais que não permitam ao destinatário da decisão judicial a perceção das razões de facto e de direito da decisão judicial, deve ser equiparada à falta absoluta de especificação dos fundamentos de facto e de direito e, consequentemente, determinar a nulidade do ato decisório.
No caso dos autos, invoca o apelante que a decisão recorrida é nula por falta de especificação do raciocínio lógico que permitiu apurar a matéria de facto provada, nos termos em que o fez, além de que a matéria de facto apurada não permite concluir, como fez a decisão recorrida, que entre as partes foi firmado um contrato de subempreitada.
Basta a leitura da decisão recorrida para verificar que esta concreta nulidade não ocorre, uma vez que da mesma resultam manifestas quer as razões de facto, quer as razões de direito que em que a mesma se fundamentou.
Com efeito, a mera leitura da sentença permite concluir pela ponderação crítica do julgador de todos os meios de prova, não só em confronto uns com os outros, mas também através de um juízo de coerência com a normalidade do acontecer e com a experiência da vida em sociedade. No essencial, a sentença apelada fundamenta suficientemente as razões pelas quais determinados factos foram julgados provados e outros não provados, explicitando os meios de prova e o caminho lógico que percorreu.
E é também suficientemente claro o processo de subsunção jurídica operado pelo julgador, que partindo dos factos julgados provados, convoca o direito aplicável ao caso concreto, subsumindo os mesmos à previsão das normas e aplicando a estatuição – conclusão lógica do processo.
A sentença apelada encontra-se assim devidamente fundamentada.
O vício apontado à sentença não se enquadra assim na nulidade tipificada na al. b) do n.º 1 do art.º 615º do Código de Processo Civil, relacionando-se antes com um eventual um eventual erro de julgamento.
Por conseguinte, improcede, nesta parte, a arguição da nulidade da sentença.
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- Quanto ao vício consagrado na al. c): os fundamentos estarem em oposição com a decisão,
Para o apelante que a sentença é também nula por existir “contradição ente os fundamentos e a decisão”, por entender, ao fim e ao cabo, que os factos provados não permitem fundamentar a decisão condenatória que veio a ser proferida.
A fundamentação da sentença tem regulamentação específica na norma do art.º 607º do Código de Processo Civil, que dispõe: (…)
2. A sentença começa por identificar as partes e o objeto do litígio, fixando as questões que ao tribunal cumpre solucionar.
3. Seguem-se os fundamentos, devendo o juiz discriminar os factos que considera provados e indicar, interpretar e aplicar as normas jurídicas correspondentes, concluindo pela decisão final.
4. Na fundamentação da sentença, o juiz declara quais os factos que julga provados e quais os que julga não provados, analisando criticamente as provas, indicando as ilações tiradas dos factos instrumentais e especificando os demais fundamentos que foram decisivos para a sua convicção; o juiz toma ainda em consideração os factos que estão admitidos por acordo, provados por documentos ou confissão reduzida a escrito, compatibilizando toda a matéria de facto adquirida e extraindo dos factos apurados as presunções impostas pela lei ou por regras de experiência.”
Entre os fundamentos e a decisão não pode haver contradição lógica pelo que se, na fundamentação da sentença, o julgador segue determinada linha de raciocínio apontando para determinada conclusão e, em vez de a tirar, decide em sentido divergente, ocorre tal oposição[9].
Não é esta, contudo, a situação que o recorrente convoca para sustentar a nulidade da sentença.
O fundamento invocado configura antes o erro na subsunção dos factos à norma jurídica ou erro na interpretação desta, que ocorrerá quando – embora mal – o juiz entenda que dos factos apurados resulta determinada consequência jurídica e este seu entendimento é expresso na fundamentação ou dela decorre. Quando assim é o que poderá existir é erro de julgamento e não oposição nos termos aludidos[10]. Por outras palavras, se a decisão está certa, ou não, é questão de mérito e não de nulidade da mesma.
Nesta medida improcede também esta a invocada nulidade.
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- Quanto ao vício consagrado na al. d): omissão ou excesso de pronúncia,
Dispõe o artigo 615º, nº1, alínea d), do Código de Processo Civil que a sentença é nula quando o juiz deixe de pronunciar-se sobre questões que devesse apreciar ou conheça de questões de que não podia tomar conhecimento.
Esta nulidade está diretamente relacionada com o artigo 608º, nº2, do Código de Processo Civil, segundo o qual “O juiz deve resolver todas as questões que as partes tenham submetido à sua apreciação, excetuadas aquelas cuja decisão esteja prejudicada pela solução dada a outras; não pode ocupar-se senão das questões suscitadas pelas partes, salvo se a lei lhe permitir ou impuser o conhecimento oficioso de outras.”
Tal norma reporta-se à falta de apreciação de questões que o tribunal devesse apreciar e não de argumentações, razões ou juízos de valor aduzidos pelas partes, aos quais não tem de dar resposta especificada ou individualizada, conforme tem vindo a decidir uniformemente a nossa jurisprudência.
Daí que possa afirmar-se que a nulidade da sentença com fundamento na omissão de pronúncia só ocorre quando uma questão que devia ser conhecida nessa peça processual não teve aí qualquer tratamento, apreciação ou decisão (e cuja resolução não foi prejudicada pela solução dada a outras).
Com efeito, há que distinguir entre questões a apreciar e razões ou argumentos aduzidos pelas partes, sendo que a omissão de pronúncia se circunscreve às questões/pretensões formuladas de que o tribunal tenha o dever de conhecer para a decisão da causa e de que não haja conhecido, realidade distinta da invocação de um facto ou invocação de um argumento pela parte sobre os quais o tribunal não se tenha pronunciado[11].
No caso, defende o recorrente que a decisão sob recurso não se pronunciou sobre a matéria factual por ele invocada como suporte do requerimento de intervenção acessória do mencionado CC, nem quanto ao pedido de condenação do mesmo.
Savo o devido respeito, a invocação da nulidade da sentença com este concreto fundamento ignora o âmbito, finalidade e efeitos processuais do incidente de intervenção acessória.

Como se sabe, nos termos do artigo 321º, n.º2 do Código de Processo Civil, a intervenção do chamado “circunscreve-se à discussão das questões que tenham repercussão na ação de regresso invocada como fundamento do chamamento”.

O chamamento em causa visa tão só impor ao chamado os efeitos do caso julgado, de modo a que não seja possível nem necessário que, na subsequente ação de indemnização proposta pelo réu contra o chamado, se voltem a discutir as questões já decididas no anterior processo (enquanto elemento condicionante ou prejudicial da existência do direito de regresso ou indemnização), ou seja, os pressupostos concernentes à existência e ao conteúdo do direito a indemnização da titularidade do autor[12] . “Esta circunscrição do âmbito objetivo do caso julgado no âmbito da causa prejudicial (relativamente ao direito de regresso) constituída pelo primeiro processo mantém-se inteiramente: para a acção de indemnização fica em aberto a discussão sobre todos os outros pontos de que depende o direito de regresso (sublinhado nosso); assentes ficam só os pressupostos desse direito que, por respeitarem à relação jurídica existente entre o autor e o réu, condicionam a relação (dependente) entre este e o chamado”.[13]

Daqui resulta que a intervenção do chamado acessório se limita à discussão das questões respeitantes ao pedido e à causa de pedir da ação e não da eventual futura ação de regresso, não sendo as questões que possam motivar uma pretensão indemnizatória do réu contra o chamado que se discutem nesta ação.

O chamado, por via da intervenção acessória, não é parte principal na causa e a sua atuação visa auxiliar a defesa do chamante “não para obstar à própria condenação, reconhecidamente impossível, mas produzir a improcedência da pretensão que o autor deduziu no confronto do réu/chamante”[14]. Nos autos, como acima se referiu, não foi, nem deveria ter sido, apreciada pelo tribunal a quo a relação de regresso, sendo certo que o chamado, nesta acão, não poderia ser condenado nem absolvido.

Tanto basta para afastar a nulidade da sentença por omissão de pronúncia invocada pelo recorrente.


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 No que tange à invocada nulidade por excesso de pronúncia (segunda parte da alínea d) do artigo 615º), a mesma ocorre quando o juiz se ocupa de questões que as partes não tenham suscitado, sendo estas questões os pontos de facto ou de direito relativos à causa de pedir e ao pedido, que centram o objeto do litígio.
Como se refere no Acórdão do Supremo Tribunal de Justiça de 10.04.2024[15], disponível em www.dgsi.pt, à luz do princípio do dispositivo, há excesso de pronúncia sempre que a causa do julgado não se identifique com a causa de pedir ou o julgado não coincida com o pedido. Contudo, quando o tribunal, para decidir as questões postas pelas partes, usar de razões ou fundamentos não invocados pelas mesmas, não está a conhecer de questão de que não deve conhecer ou a usar de excesso de pronúncia suscetível de integrar nulidade[16]
Operando à leitura da decisão, não vislumbramos tal nulidade, que aliás nos parece incorretamente enquadrada pelo apelante que, ao fim e ao cabo, para a fundamentar se limita a dizer que a sentença considerou provados determinados factos com base (apenas) em sentença de um anterior processo que não vincula o ora recorrente, por não ter sido parte naquele.
Poderá, assim, estar em causa um erro ou vício da decisão de facto, situações que encontram acolhimento na previsão do art.º 662.º do Código de Processo Civil relativamente à modificabilidade da decisão de facto, à luz do qual devem ser avaliadas, mas não uma nulidade de sentença com fundamento em excesso de pronúncia.
Improcede, pois, a invocada nulidade.

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ii. Da impugnação da matéria de facto e reapreciação da prova.
(…).

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iii. Reapreciação da matéria de Direito

O recorrente insurge-se contra a qualificação jurídica do acordo entre as partes como um contrato de subempreitada, defendendo que a factualidade assente não autoriza tal qualificação feita pela sentença recorrida.

Como resulta do disposto no artigo 1213.º, n.º 1, do Código Civil, “Subempreitada é o contrato pelo qual um terceiro se obriga para com o empreiteiro a realizar a obra a que este se encontra vinculado, ou uma parte dela.”.

São assim pressupostos deste negócio jurídico: a existência de um contrato prévio, nos termos do qual alguém (o empreiteiro) se vincula a realizar uma obra; e a celebração de um segundo negócio jurídico, por cujos termos um terceiro se obriga, para com o empreiteiro, a realizar toda ou parte da mesma obra.

Como nos diz o Acórdão do Tribunal de Lisboa de 16 de dezembro de 2003[17], “o contrato de subempreitada é, como a sua designação o indicia, um sub-contrato, na dependência funcional do contrato de empreitada. Mas, apesar dessa dependência, não deixa de se submeter ao regime geral dos contratos que implica a sua relatividade no sentido de que apenas vincula os respectivos outorgantes, sem estender a sua eficácia a terceiros”.

Como regra geral, pode assumir-se que, tal como o dono da obra não adquire direitos contra o subempreiteiro, relacionando-se apenas com o empreiteiro, também não fica sujeito para com ele a obrigações. Os direitos que da subempreitada decorram para o subcontratante devem ser exercidos apenas contra a parte que na respetiva relação jurídica assume a posição sinalagmática de obrigado.
“Num contrato de subempreitada, o empreiteiro torna-se dono da obra em relação ao subempreiteiro”[18] e, por isso, deve aplicar-se nas relações entre empreiteiro e subempreiteiro, em tudo o que não esteja expressamente previsto, o regime legal aplicável nas relações entre o dono da obra e o empreiteiro, nomeadamente, o estabelecido nos art.ºs 1223º e 1224º.

Como nos diz Pedro Romano Martinez, distingue-se a subempreitada da cessão da posição contratual, porquanto nesta “transfere-se um direito para terceiro, há uma modificação subjetiva pela qual um dos contraentes originários deixa de ser parte no contrário. Mesmo que o cedente fique garante do cumprimento das obrigações (art. 426º, n.º 2), só responderá, por via de regra, subsidiariamente.

Pelo contrário, na subempreitada, como subsiste o vínculo inicial, o empreiteiro (intermediário), continua adstrito às mesmas obrigações para com o dono da obra, e, por força do novo contrato (derivado). Gera-se um outro direito; não há substituição, mas sobreposição de sujeitos”[19].

Diz-nos o mesmo autor que: “sempre que se levantem dúvidas de qualificação, deve presumir-se que o empreiteiro celebrou uma subempreitada e não uma cessão do contrato. Este juízo pode alicerçar-se em duas razões: primeiro, porque a subempreitada pode, por via de regra, estabelecer-se livremente, enquanto que a cessão necessita do consentimento do cedido; segundo, porque, sendo negócios jurídicos onerosos, a subempreitada, ao manter a primeira relação inalterada, conduz a um melhor equilíbrio das prestações. De facto, persistindo as duas relações jurídicas, o dono da obra fica melhor garantido quanto à obtenção do resultado e o empreiteiro mantém em relação a este, o seu crédito de preço”[20].

No caso vertente, porém, face à factualidade demonstrada, cremos que não se suscitam dúvidas de que a relação que intercede entre as partes não pode qualificar-se como um contrato de cessão da posição contratual do réu ao autor no contrato de empreitada que este havia celebrado com o dono da obra, proprietário das moradias.

É que dela não decorre, ao contrário do que defende o recorrente, que o réu quis transmitir para o autor (e este quis adquirir), a posição jurídica (de empreiteiro) no contrato celebrou com o interveniente acessório, passando o autor a ser parte no contrato originário e, concomitantemente, deixando de subsistir o vinculo inicial que intercedia entre o réu, na qualidade de empreiteiro, e o dono da obra.

É certo que resulta da factualidade provada que o dono da obra, o interveniente acessório CC, consentiu, ao menos tacitamente, na intervenção do autor na mencionada obra. Mas daqui não decorre uma modificação subjetiva do contrato ou de parte dele, continuando a ser a o réu a contraparte do dono da obra no contrato de empreitada entre ambos celebrado.

A expressão “em substituição” constante do facto provado n.º 13 não pode assim ser entendida no sentido técnico-jurídico de transmissão ao autor da posição jurídica que este tinha no contrato de empreitada que celebrou com CC, devendo antes ser interpretada no sentido de que o autor se obrigou a completar os trabalhos de eletricidade que o réu se havia vinculado realizar perante o dono da obra e que não pôde concluir por ter de emigrar para a Suíça.

Com efeito, extrai-se da factualidade assente um acordo celebrado entre autor e réu para que aquele terminasse os trabalhos de eletricidade numa obra de edificação de duas moradias, pertença de CC, contemplados num orçamento elaborado pelo réu e aceite por este último, que tinha o valor global de €5.000,00. E demonstrou-se ainda que tal acordo entre autor e réu decorreu da necessidade de este último ter de ir trabalhar para a Suíça em meados de 2006 e, por isso, não poder concluir esses trabalhos, nos termos em que tinha acordado com o dono das moradias, no ano de 2005.

Cremos, face às considerações acima expostas, que tanto basta para qualificar o acordo entre autor e réu como um contrato de subempreitada.

Tratando-se de um contrato oneroso e tendo ficado provado que o autor realizou os trabalhos que tinham sido acordados entre o réu e o dono da obra (sendo que nem o dono da obra, nem o réu acusaram quaisquer defeitos nesses trabalhos), incumbia ao réu, como contraparte do autor no contrato de subempreitada, demonstrar o pagamento do preço desses trabalhos, ou qualquer facto impeditivo ou extintivo da sua obrigação de pagamento dos mesmos, o que não fez.

Com efeito, como se diz na sentença recorrida, “ocupando o réu a posição de empreiteiro no âmbito de uma empreitada, sobre o mesmo recai a obrigação de pagar o preço devido pela realização dos trabalhos (art.sº 1213º e 1207º, ambos do Código Civil).”

Por outro lado, porque demonstrada a existência do crédito do autor sobre o réu, correspondente ao preço dos trabalhos que aquele realizou em execução do referido, mas não sido possível proceder à quantificação do mesmo, por não terem ficado demonstrados os concretos trabalhos realizados, afigura-se-nos correta a decisão do tribunal a quo de condenar o réu no pagamento do montante que se vier  determinar em liquidação ulterior, em conformidade com o disposto no art.º 609º, n.º 2 do Código de Processo Civil.

Questão diversa é a de saber se o réu não deveria ter sido condenado no pagamento de juros de mora calculados desde a data da emissão da fatura junta com a petição inicial, que constitui um dos fundamentos do recurso em análise.

Desde logo adiantamos que, em nossa opinião, não há fundamento legal para tal condenação.

De acordo com o disposto no artigo 806.º do Código Civil, preceito referente as obrigações pecuniárias:

“1. Na obrigação pecuniária a indemnização corresponde aos juros a contar do dia da constituição em mora.

2. Os juros devidos são os juros legais, salvo se antes da mora for devido um juro mais elevado ou as partes houverem estipulado um juro moratório diferente do legal.
3. Pode, no entanto, o credor provar que a mora lhe causou dano superior aos juros referidos no número anterior e exigir a indemnização suplementar correspondente, quando se trate de responsabilidade por facto ilícito ou pelo risco.”.

E, de harmonia com o disposto no artigo 805.º do Código Civil:

“1. O devedor só fica constituído em mora depois de ter sido judicial ou extrajudicialmente interpelado para cumprir.

2. Há, porém, mora do devedor, independentemente de interpelação:

a) Se a obrigação tiver prazo certo;

b) Se a obrigação provier de facto ilícito;

c) Se o próprio devedor impedir a interpelação, considerando-se interpelado,

neste caso, na data em que normalmente o teria sido.

3. Se o crédito for ilíquido, não há mora enquanto se não tornar líquido, salvo se a falta de liquidez for imputável ao devedor; tratando-se, porém, de responsabilidade por facto ilícito ou pelo risco, o devedor constitui-se em mora desde a citação, a menos que já haja então mora, nos termos da primeira parte deste número”.

Nesta sede, importa distinguir entre as situações em que a constituição em mora não opera por si, estando dependente da iniciativa (interpelação) do credor - que são as situações a que se refere o n.º 1 do citado art.º 805º do Código Civil - daquelas situações em que a mora do devedor surge independentemente de iniciativa do credor – que são aquelas a que se refere o n.º 2 da mesma norma[21] Importa, ainda ressalvar as hipóteses de iliquidez do crédito, atento o disposto no n.º 3 do mesmo preceito.

Referem Maria da Graça Trigo e Mariana Nunes Martins[22]: “A primeira parte do n.º 3 vem reproduzir a regra in iliquidis non fit mora: perante a iliquidez do crédito, em virtude da indeterminação do seu conteúdo, estabelece este normativo que não há mora. O fundamento e acerto desta solução residem na consideração de que, sendo o crédito ilíquido, não se pode, em princípio, considerar o atraso imputável ao devedor por não ser razoável exigir-lhe «que ele cumpra, enquanto não souber qual o montante ou o objecto exacto da prestação que lhe cumpre realizar» (PIRES DE LIMA/ ANTUNES VARELA, 1997:65).

(…) Todavia, a solução acima descrita é excecionada em duas ocasiões: i) se a falta de liquidez for imputável ao devedor, este considera[-se] constituído em mora a partir do momento em que, com a sua conduta, tenha impedido a determinação do montante da prestação; ii) em segundo lugar, e em correspondência com o estatuído na segunda parte do n.º 3, tratando-se de uma situação de responsabilidade por facto ilícito ou pelo risco, considera-se que existe mora, apesar da iliquidez, desde a citação (…).

Revertendo estas considerações para o caso dos autos, verifica-se que a sentença recorrida fundamenta a condenação do réu em juros de mora calculados desde a data da emissão da fatura, nos seguintes termos: No caso dos autos, o Réu constitui-se sujeito passivo da obrigação de indemnizar no âmbito da responsabilidade contratual que decore da mora creditoris. Com efeito, beneficiando da realização dos trabalhos pelo Autor, não efetuou o pagamento do preço, sendo certo que o seu pagamento lhe foi solicitado. Constituiu-se assim em mora, nos termos dos preceitos já indicados. Deverá assim proceder a pretensão do autor quanto aos juros.

Para além de não resultar dos factos provados que o autor interpelou o réu para o pagamento da mencionada fatura em momento anterior à instauração da ação – o que, por si só, inviabilizaria a condenação em juros a contra da data de emissão da fatura que resulta da sentença recorrida – a verdade é que o crédito que a mesma sentença reconheceu ao autor é ilíquido.

Como acima se expôs, não há mora enquanto tal crédito se não tornar líquido. Só assim não será se a falta de liquidez for imputável ao devedor (art.º 805.º, n.º 3, 1ª parte, do Código Civil).

Para que haja mora, mostra-se necessário que a prestação seja ou se tenha tornado certa, líquida e exigível.

A obrigação ilíquida é aquela cuja existência é certa, mas cujo montante não está ainda fixado. Se "a obrigação é ilíquida (por não estar ainda apurado o montante da prestação), também a mora não se verifica, por não haver culpa do devedor no atraso do cumprimento"[23]

Conforme nos diz o Acórdão do Tribunal da Relação do Porto de 10-10-2019[24]: “Na responsabilidade contratual, não há mora enquanto o crédito não se tornar líquido, salvo se a falta de liquidez for imputável ao devedor. Essa excepção não se verifica se o devedor impugna fundamentadamente o crédito e vê o tribunal dar-lhe total ou parcial razão na acção em que se discute o montante do crédito”;

É esta, como vimos, a hipótese dos autos, pelo que não são devidos os juros de mora que a sentença condenou o réu a pagar. Assim, nesta parte, procede o recurso.

Fica assim prejudicada a apreciação da invocada prescrição dos juros de mora, a qual, diga-se, configura uma questão nova, apenas suscitada em sede de recurso, pelo que, não sendo de conhecimento oficioso, sempre estaria vedada sua apreciação nesta sede.


*

Sumário (ao abrigo do disposto no art.º 663º, n.º 7 do Código de Processo Civil):

(…).


*
VI Decisão
Pelo exposto, acordam os Juízes desta Relação em julgar parcialmente procedente o recurso interposto pelo réu AA, revogando a decisão recorrida na parte em que o condenou no pagamento de juros de mora, calculados desde a data de emissão da fatura ate efetivo e integral pagamento, no mais mantendo a decisão recorrida.
*
Custas pelo apelante e apelado, na proporção do decaimento que se fixa em 2/3 e 1/3 respetivamente.


Coimbra, 8 de abril de 2025

Com assinatura digital:

Hugo Meireles

Anabela Marques Ferreira

Luís Manuel Carvalho Ricardo

(O presente acórdão segue na sua redação as regras do novo acordo ortográfico, com exceção das citações/transcrições efetuadas que não o sigam)

 


[1] Certamente por lapso, que agora corrigimos, a sentença recorrida, aa enumeração os factos provados, identifica os dois últimos com o n.º 13
[2] Cfr., entre outros, Ac. do STJ de 1/4/2014, Processo 360/09: Sumários, Abril /2014, p1 e Ac. da RE de 3/11/2016, Processo 1070/13:dgsi.Net.)
[3] José Lebre de Freitas e Isabel Alexandre Código de Processo Civil Anotado, volume 2º, 3ª Edição Almedina, pág 735. 
[4] cfr. Abílio Neto, in “Novo Código de Processo Civil Anotado”, 2ª ed., janeiro/2014, pág. 734).
[5] Processo n.1204/12.9TVLSB.L1.S1, in www.dgsi.pt
[6]  Ac. STJ. 08/03/2001, Proc. 00A3277, in www.dgsi.pt.
[7] Cfr., neste sentido, entre muitos outros: Lebre de Freitas, A. Montalvão Machado e Rui Pinto, “Código de Processo Civil Anotado”, Vol. 2º, 2ª ed., pag. 703; Rodrigues Bastos, “Notas ao Código de Processo Civil”, Vol. III, Lisboa, 1972, pag. 226).
[8] Proc. n.º 75/16.0T8VRL.G1, in www.dgsi.pt

[9] Cfr. Acórdãos da Relação de Coimbra de 11.1.94, Cardoso Albuquerque, BMJ nº 433, p. 633, do STJ de 13.2.97, Nascimento Costa, BMJ nº 464, p. 524 e de 22.6.99, Ferreira Ramos, CJ 1999 – II, p. 160.
[10]  Cfr. Lebre de Freitas, A Acção Declarativa Comum, 2000, pg. 298.

[11] Cf. entre vários outros o Ac. da Relação de Coimbra de 26.09.2023, proc. 1630/22.5T8CTB.C1, in www.dgsi.pt

[12] Cf. Ac STJ 21-03-2006, relatado pelo Cons. Urbano Dias, in www.dgsi.pt.; Salvador da Costa, Incidentes da Instância 13º Edição, pag.s 108 e segs..
[13] Lebre de Freitas, Código de Processo Civil Anotado, vol I. pags. 590 e 591..

[14] cf. Lopes do Rego, em Comentários ao Código de Processo Civil, 252 e seguintes).
[15] Proc. n.º 13/24.7YiPRT.SI, in www.dgsi.pt
[16] Acórdão do Supremo Tribunal de Justiça de 6.12.2012, (João Bernardo, 469/11), apud Acórdão da Relação de Guimarães, de 18 de Junho de 2022 (processo nº 1299/17.9T8CHV-A.G1, in https://jurisprudencia.pt/acordao/194775/pdf/)
[17] Processo n.º 9602/2003-7, relator Abrantes Geraldes, in www.dgsi.pt
[18] Cf. o acórdão do STJ de 11.6.2002, in CJ-STJ, X, 2, 99.
[19] Comentário ao Código Civil, Direito das Obrigações, Contratos em Especial, UCP Editora, pag. 796.

[20] Pedro Romano Martinez, op. cit. pag. 796

[21] cfr. Brandão Proença; Lições de Cumprimento e não Cumprimento das Obrigações; UCP, Porto, 2017, p. 402.
[22] Comentário ao Código Civil; Direito das Obrigações; Universidade Católica Portuguesa; 2018, em anotação ao art. 805º do Código Civil, pags. 1129 a1133

[23] Cf. Antunes Varela, Das Obrigações em Geral, Vol. II, 5.ª ed., pags. 114 a 115.

[24] Processo n.º 119/14.0T8PNF-B.P1 (Relator Aristides Rodrigues de Almeida), in www.dgsi.pt