CONTRA-ORDENAÇÃO DA SEGURANÇA SOCIAL
LAR DE IDOSOS
ELEMENTO SUBJECTIVO
ATENUAÇÃO ESPECIAL DA COIMA
Sumário

Sumário:
1. Para os fins do art. 11.º n.º 1 do DL 64/2007, na sua redacção original, uma estrutura residencial para pessoas idosas (ERPI) só podia iniciar a actividade após a concessão da respectiva licença de funcionamento.
2. O elemento subjectivo do tipo legal está preenchido se está apurado que a arguida explorava uma ERPI, e não ignorava que necessitava de prévio licenciamento, tendo iniciado o respectivo processo, não tendo obtido o licenciamento face a deficiências detectadas no estabelecimento, cuja resolução era da sua exclusiva responsabilidade.
3. A atenuação especial da pena apenas deve ocorrer em face de circunstâncias excepcionais que não possam ser valoradas no âmbito da moldura legal abstracta aplicável, nos termos gerais do art. 72.º n.º 1 do Código Penal.
4. Justifica-se a atenuação especial da coima, por aplicação das regras conjugadas do art. 60.º da Lei 107/2009, dos arts. 18.º n.º 3 e 32.º do R.G.C.O., e do art. 72.º n.º 1 e n.º 2 al. c) do Código Penal, se está apurado que a arguida, não dispondo de licença de funcionamento da ERPI na data da visita inspectiva, acabou por a obter, embora já após a decisão condenatória da autoridade administrativa.

Texto Integral








Acordam os Juízes da Secção Social do Tribunal da Relação de Évora:

No Juízo do Trabalho de Setúbal, Retiro (…), Lda., impugnou a decisão do Centro Distrital de Setúbal da Segurança Social, proferida nos autos de processo de contra-ordenação n.º 201900211650, que lhe aplicou a coima de € 20.000,00, e a sanção acessória de encerramento do estabelecimento, pela prática de uma contra-ordenação muito grave, por violação das disposições conjugadas dos arts. 11.º n.º 1, 39.º-B al. a) e 39.º-E al. a) do DL 64/2007, de 14 de Março, concretizada no facto de ter em funcionamento uma Estrutura Residencial de Pessoas Idosas (ERPI) sem licença ou autorização provisória.
Recebida a impugnação judicial, não houve oposição à decisão sem julgamento.
Foi solicitada informação à Segurança Social acerca do licenciamento da actividade, sendo informado que a arguida, no ano de 2022, apresentou, por duas vezes, comunicações prévias com prazo (CPCP), para concessão de Título de Autorização de Funcionamento.
A primeira comunicação, apresentada em 06.07.2022 (logo, já após a decisão condenatória da autoridade administrativa, que data de 06.04.2022), foi indeferida, por não ser apresentado comprovativo de situação contributiva regularizada perante a Segurança Social.
A segunda comunicação, apresentada em 21.12.2022, obteve decisão favorável, sendo emitido Título de Autorização de Funcionamento em 31.03.2023, de uma ERPI com uma capacidade máxima autorizada de 15 residentes.
A sentença concedeu provimento à impugnação judicial e revogou a decisão condenatória da autoridade administrativa.

O Ministério Público interpôs recurso e concluiu:
1. O Tribunal a quo entende que não se mostram preenchidos os elementos subjectivo e objectivo da contra-ordenação e consequentemente revoga a decisão administrativa.
2. Porém, dos factos provados e não provados conclui-se que os mesmos se mostram em contradição, estribando a sua decisão em argumentos que contrariam os princípios e regras fundamentais de direito.
3. Foram dados como provados factos que mostram o preenchimento do elemento objectivo do ilícito contra-ordenacional, isto é, à data da visita inspectiva (2019) a mesma não tinha licença, cujo procedimento de licenciamento tinha iniciado em 2003 e que só veio ser atribuída em 2022.
4. Por sua vez, atentos esses mesmos factos provados, apenas se pode concluir que alguém que inicia um procedimento de obtenção de licença para exercer a actividade sabe que para exercer determinada actividade tem que obter previamente licença para exercer essa mesma actividade.
5. Pelo que, a Arguida conhecia os trâmites necessários à exploração da estrutura residencial, motivo, pelo qual, iniciou o procedimento de licenciamento em 2003, tal como consta dos factos provados.
6. Isto é, iniciou o procedimento de licenciamento porque sabia que era necessária licença que não tinha, ainda que provisória. Porém, optou deliberada e conscientemente, manter a sua estrutura residencial em funcionamento numa situação irregular até 2022.
7. Mostra-se por isso, também preenchido o elemento subjectivo do ilícito contra-ordenacional.
8. Ignorar tal verdade, é permitir que de hoje para amanhã nos depararmos com lares residenciais instalados em qualquer esquina, sem os mesmos estarem devidamente certificados e licenciados.
9. O facto de a arguida ter iniciado um procedimento de licenciamento que só veio a ser deferido após a elaboração dos autos de contra-ordenação, não sana a irregularidade cometida pela arguida naquela data e muito menos se pode concluir que a mesma actuou sem saber que tinha que obter o licenciamento prévio, que tentou obter durante 19 anos.
10. Impõe-se assim a anulação da decisão proferida em primeira instância, sendo esta substituída por sentença que mantenha a decisão administrativa.

Não foi oferecida resposta.
Já nesta Relação, a Digna Magistrada do Ministério Público emitiu o seu parecer, aderindo às alegações de recurso produzidas na primeira instância.
Cumpre-nos decidir.

A matéria de facto foi assim estabelecida na sentença recorrida:
A. A arguida mantinha em funcionamento, em 12.07.2019, uma ERPI denominada (…), sita na Rua (…), sem que, para o efeito, dispusesse da respectiva licença ou autorização provisória de funcionamento.
B. O estabelecimento em causa iniciou a sua actividade em 28.04.2017 e à data da visita inspectiva dispunha de 14 camas armadas e acolhia 10 utentes de ambos os sexos, com idades compreendidas entre os 71 anos e os 95 anos de idade.
C. As mensalidades oscilavam entre € 650 e os € 800.
D. À data da visita inspectiva estavam em falta a ausência de licença de utilização emitida pela autarquia local, bem como os certificados da Autoridade Nacional de Protecção Civil e Autoridade de Saúde.
E. Nas referidas circunstâncias de tempo e lugar:
- As áreas de instalação de pessoal não contemplavam a área de pessoal, instalação sanitária com equipamento completo, incluindo base de duche, com as áreas exigidas;
- Na área de convívio e actividades não existiam as instalações sanitárias separadas por sexo, nem se encontravam compostas por cabines com sanita;
- Na área do alojamento não existia 20% de quartos individuais, instalações próprias dos quartos nem compartimento de sujos;
- No que toca aos recursos humanos, estavam em falta de três ajudantes de acção directa, uma ajudante de cozinheira e um empregado auxiliar.
F. À data da acção inspectiva as instalações encontravam-se limpas, arrumadas e sem odores desagradáveis e os residentes estavam com a higiene pessoal feitas e devidamente vestidos e apresentáveis.
G. A arguida, por reporte ao ano de 2020, apresenta os seguintes registos:
Total valor negativo: € 95.390,91
Total valor negativo anterior: € 75.849,13
Resultado líquido (-) 6.697,74
Prejuízo fiscal: € 6278,77;
Lucro: € 0
Total de proveitos: € 95.390,97
Custos pessoal: € 46.828,75
H. O estabelecimento em causa iniciou o processo de licenciamento do estabelecimento em 2003, tendo sido emitido parecer técnico, em 2009, no sentido de resolução das seguintes questões:
4.2 – Acessibilidades:
O projecto deverá ter um percurso totalmente acessível conforme indicação da secção 2.1 do Decreto-lei n° 163/06. A plataforma elevatória a colocar ao longo da escada deverá deixar disponível a largura mínima de 1,20m em degraus e patins. A instalação sanitária existente no Piso 0 e a instalação sanitária privativa do quarto deverão ter acessibilidade total e cumprir as seguintes normas técnicas:
a) A sanita deverá estar centrada em relação à parede e à altura de 0,45m desde o pavimento até ao seu borda superior. O eixo da sanita deverá distar, a cada uma das paredes laterais ou a outra peça sanitária, 1,10m (à excepção do duche rebaixado). Esta peça sanitária deverá ter duas ajudas técnicas rebatíveis (se possível incluindo um pé rebatível, para melhorar a sua fixação ao pavimento), colocadas de ambos os lados nas paredes, a uma altura entre os 0,70 a 0,75m e uma distância ao seu eixo de 0,35 e 0,40m;
b) O duche deverá ser rebaixado no pavimento e ter a dimensão de 1,50X1,50m. O duche deverá ter uma misturadora com telefone, colocada uma rampa na parede adjacente à localização da torneira misturadora. Na parede onde for colocada a misturadora deverá ser colocada uma ajuda técnica em "L" e do lado oposto deverá instalar-se um assento rebatível (se possível igualmente com pé rebatível) com uma profundidade não inferior a 0,40m e comprimento não inferior a 0,70m. Os cantos do assento deverão ser arredondados e a sua superfície deve ser impermeável e antiderrapante. A altura do assento quando este se encontrar em uso desde o pavimento até ao seu bordo superior deve ser de 0,45m.
O acesso ao interior da base de duche não deve ser inferior a 0,80m.
Sob o pavimento do duche deverá ser colocada uma esteira sanitária, com a altura necessária para nivelar o seu piso com a cota do pavimento deste compartimento.
c) Deverá ser colocado um bidé, à altura de 0,45m do pavimento, o qual deverá dispor também de ajudas técnicas rebatíveis.
d) O lavatório não deverá ter coluna e dispor de espaço livre a sua frente, que permita uma aproximação frontal com 0,70X1,20m. A altura do piso ao bordo superior do lavatório deverá ser de 0,80m (à excepção dos casos em que seja utilizado um lavatório com fixação pneumática). Sob o lavatório deverá existir uma zona livre com a largura não inferior a 0,70m, uma altura não inferior a 0,65m e a profundidade medida a partir do bordo frontal não inferior a 0,50m.
e) Os espelhos a aplicar sobre o lavatório devem, sempre que possível, serem ajustáveis na sua fixação, devendo estar colocados a uma altura não superior a 1,10m da sua base inferior. No caso de serem colocados fixos na posição vertical, a base inferior do espelho deverá ser colocada a uma altura não superior a 0,90m. Em ambos os casos a altura do bordo superior do espelho não deve ser inferior a 1,80m.
f) Dentro deste compartimento deverá poder-se inscrever um circulo com o diâmetro de 1,50m, livre de obstáculos.
g) O pavimento deste compartimento deverá ter características antiderrapantes, não devendo ser no entanto utilizado material com saliências ou reentrâncias.
h) Os aparelhos sanitários deverão estar ligados ao sistema de chamadas de emergência e fazer disparar um alerta luminoso e sonoro.
Preferencialmente deverão ser utilizados cabos de puxar nos terminais do sistema de aviso, devendo ser colocados a uma altura do piso compreendida entre 0,40m e 0,60m e a todo o perímetro do compartimento, de modo a que possam ser alcançados por uma pessoa na posição de deitada no chão após uma queda ou de uma pessoa utilizadora de uma cadeira de rodas.
i) As peças sanitárias deverão estar adaptadas ergonomicamente aos utilizadores, podendo ser suspensas.
j) As torneiras devem ser do tipo mono-comando accionadas por alavanca, com válvula redutora de temperatura (para a água quente) ou temporizador.
k) Os aparelhos sanitários deverão estar ligados ao sistema de chamadas de emergência e ao quadro de alvos central e repartido.
l) As peças sanitárias deverão estar adaptadas ergonomicamente aos utilizadores, podendo ser suspensas.
m) As torneiras devem ser de manípulo, aconselhando-se a utilização de válvula redutora de temperatura (para a água quente) ou temporizador.
n) As ajudas técnicas instaladas junto aos aparelhos sanitários devem ter capacidade para suportarem uma carga não inferior a 1,5om kN, aplicada em qualquer sentido e serem executadas em material de limpeza fácil, sem irregularidades na sua superfície, que sejam alheias à sua forma e sem sinais de deterioração.
O equipamento devera dispor de lugares de estacionamento destinados a veículos utilizados por pessoas com mobilidade condicionada.
4.3 - Exterior:
O espaço exterior deverá ser intervencionado, pelo que deverá ser apresentado um projecto de arranjos exteriores o qual deverá contemplar os seguintes requisitos:
a) Deverão existir percursos bem assinalados, cujo pavimento deverá ter uma cor contrastante e sem degraus, devendo as diferenças de cotas ser superadas com rampas suaves;
b) Deverão existir ao longo destes caminhos zonas de descanso sombreadas, podendo ter também mesas para jogar;
5.1 Área da Direcção e Serviços Administrativos:
O espaço situado junto à entrada secundária, onde se encontra a parte administrativa do equipamento deverá ser encerrada, através de parede divisória, para que os processos individuais dos idosos e restante documentação do equipamento preservem a sua confidencialidade e segurança;
5.2 Área das Instalações para os Funcionários:
Junto à cozinha deverá existir uma instalação sanitária/balneário/vestiário destinado aos funcionários que trabalham na área da restauração dando cumprimento às normativas relativas à higiene e segurança alimentar.
5.5 – Ficha 6 – Área de Serviços:
No espaço da actual cozinha deverão situar-se as zonas funcionais da preparação, confecção, higienização de manipuladores e distribuição de alimentos, cumprido sempre o percurso marcha em frente.
O espaço anexo à cozinha deverá situar-se a copa suja.
Deverão existir pelo menos duas despensas: uma destinada ao armazenamento de géneros alimentícios e a outra ao frio. A lavandaria deverá ser subdividida nas seguintes áreas funcionais, devidamente separadas: - Zona de expediente - Zona de lavagem - Zona de secagem - Zona de costura - Engomadoria - Zona de Armazenagem
5.7 – Área de Saúde:
O gabinete de saúde deverá dispor de um lava-mãos de pedal para higienização dos técnicos de Saúde, de acordo com o estipulado no ponto 2 desta ficha técnica normativa.
I. Em 09.01.2009 a arguida remeteu três colecções de projecto de arquitectura.
J. Em 28.06.2010 foi emitido parecer técnico no sentido de estarem reunidas condições para a respectiva aprovação.
K. Em 15.11.2013 a arguida apresentou prorrogação do prazo para emissão de alvará de construção por mais um ano.
L. Em 2016 a arguida iniciou o procedimento de alteração da afectação do imóvel em que se encontra instalado o ERPI, tendo a licença sido emitida em 2022.
M. Encontra-se concluído o processo de alteração de licença de utilização da ERPI.
N. Foi emitido um parecer técnico favorável pela Segurança Social, em 2020, relativamente à instalação e funcionamento de ERPI, bem assim por parte da autoridade de saúde e pela Autoridade Nacional de Emergência e Protecção Civil.

Aplicando o Direito
Do preenchimento do tipo legal
De acordo com o art. 51.º n.º 1 da Lei 107/2009, de 14 de Setembro, a segunda instância apenas conhece da matéria de direito, ressalvando-se a apreciação de questões de natureza oficiosa, e certo é que não se vislumbra na decisão recorrida qualquer insuficiência para a decisão da matéria de facto provada, ou contradição insanável da fundamentação ou entre a fundamentação e a decisão, ou, sequer, erro notório na apreciação da prova, que imponha o uso dos poderes consignados no art. 410.º n.º 2 do Código de Processo Penal.
A decisão recorrida decidiu absolver a arguida sob a seguinte argumentação: “Da factualidade constata-se não estarem reunidos os elementos objectivos e subjectivos da contra-ordenação. Efectivamente, previamente ao funcionamento a arguida iniciou os procedimentos e obteve licença para o funcionamento do estabelecimento.”
Vejamos.
Face ao art. 1.º n.º 2 da Portaria 67/2012, de 21 de Março, “considera-se estrutura residencial para pessoas idosas, o estabelecimento para alojamento colectivo, de utilização temporária ou permanente, em que sejam desenvolvidas actividades de apoio social e prestados cuidados de enfermagem.”
O art. 6.º n.º 1 da mesma Portaria dispõe que “a capacidade máxima da estrutura residencial é de 120 residentes, não podendo ser inferior a 4 residentes.”
No caso, na data da visita inspectiva, 12.07.2019, a arguida explorava um estabelecimento com 14 camas armadas, onde acolhia 10 utentes de ambos os sexos, com idades compreendidas entre os 71 anos e os 95 anos de idade, com o consequente fornecimento de refeições, cuidados de saúde, higiene, conforto e vigilância, e tanto basta para o preenchimento do conceito legal de “estrutura residencial para pessoas idosas”.
Sendo certo que o art. 11.º n.º 1 do DL 64/2007, na redacção em vigor ao tempo dos factos – ainda a original, pois a mera comunicação prévia só foi prevista a partir das alterações introduzidas pelo DL 126-A/2021 – estipulava que este tipo de estabelecimentos só podia iniciar a actividade após a concessão da respectiva licença de funcionamento, o art. 39.º-B n.º 1 al. a) punia, e continua a punir, como contra-ordenação muito grave “a abertura ou o funcionamento de estabelecimento que não se encontre licenciado ou não disponha de autorização de funcionamento válida.”
No caso, na data de visita inspectiva, não existia qualquer licença ou autorização provisória de funcionamento. Esta só veio a ser concedida já após a decisão condenatória da autoridade administrativa, em 31.03.2023, na sequência de uma comunicação prévia de funcionamento efectuada em 21.12.2022, pelo que os requisitos objectivos do tipo legal estavam preenchidos à data da visita inspectiva.

A sentença parece entender que ocorre ausência de elemento subjectivo na contra-ordenação imputada.
Sobre esta questão, Eduardo Correia[1] referia que “a contra-ordenação é um aliud que se diferencia qualitativamente do crime na medida em que o respectivo ilícito e as reacções que lhe cabem não são directamente fundamentáveis num plano ético-jurídico, não estando, portanto, sujeitas aos princípios e corolários do direito criminal.”
Daí que a culpa nas contra-ordenações não se baseie em qualquer censura ético-penal, mas tão só na violação de certo procedimento imposto ao agente, bastando-se por isso com a imputação do facto ao mesmo agente, podendo o elemento subjectivo da conduta presumir-se da descrição do elemento objectivo.[2]
Note-se, de todo o modo, que os ilícitos de mera ordenação social previstos no DL 64/2007 são punidos a título de dolo ou de negligência – art. 39.º-F n.º 1 desse diploma.
No caso, a arguida explorava uma ERPI, e não ignorava que necessitava de prévio licenciamento, de tal modo que iniciou o respectivo processo logo em 2003, não o tendo obtido face às deficiências detectadas – vide o parecer técnico de 2009 – cuja resolução era da sua exclusiva responsabilidade.
Apesar de saber que carecia de licenciamento e o estabelecimento não reunia, ainda, as condições de funcionamento, a arguida continuou a explorar a ERPI, em prejuízo dos seus utentes – vide, por exemplo, as deficiências mencionadas na al. E) dos factos provados, que incluem a falta de três ajudantes de acção directa, de uma ajudante de cozinheira e de um empregado auxiliar, o que implica, necessariamente, a deficiente prestação de cuidados aos idosos.
Sabia, pois, que não estava a cumprir a obrigação de licenciamento a que estava sujeita, pelo que o elemento subjectivo do tipo legal está também preenchido.

Quanto à coima a aplicar, dispõe o art. 18.º n.º 3 do R.G.C.O. – DL 433/82, de 27/10 – que havendo lugar à atenuação especial da punição por contra-ordenação, os limites máximo e mínimo da coima são reduzidos para metade.
Notando que esta norma é subsidiariamente aplicável no campo das contra-ordenações laborais e de segurança social – art. 60.º da Lei 107/2009 – há a recordar que o Supremo Tribunal de Justiça já proferiu Acórdão Uniformizador admitindo a aplicação às contra-ordenações ambientais do regime de atenuação especial, nos termos do art. 72.º do Código Penal – AUJ n.º 13/2015.
A jurisprudência vem afirmando que a atenuação especial da pena apenas deve ocorrer em face de circunstâncias excepcionais[3] que não possam ser valoradas no âmbito da moldura legal abstracta aplicável, “anteriores ou posteriores ao crime, ou contemporâneas dele, que diminuam por forma acentuada a ilicitude do facto, a culpa do agente ou a necessidade da pena” – art. 72.º n.º 1 do Código Penal.
Afirma Figueiredo Dias que o “(...) o princípio subjacente à aplicação do regime da atenuação especial é a diminuição acentuada não apenas da ilicitude do facto ou da culpa do agente, mas também da necessidade da pena e, portanto, das exigências de prevenção.”[4]
Uma das circunstâncias excepcionais que o art. 72.º n.º 2 al. c) do Código Penal admite como permitindo a atenuação especial da pena, é a ocorrência de “actos demonstrativos de arrependimento sincero do agente, nomeadamente a reparação, até onde lhe era possível, dos danos causados.”
No caso, se na data da visita inspectiva a arguida não dispunha de licença de funcionamento da ERPI, certo é que acabou por diligenciar para a obter, embora já após a decisão condenatória da autoridade administrativa.
Este facto evidencia que a necessidade da coima está consideravelmente diminuída. Se o objectivo da coima é também impedir que a arguida continue a explorar uma ERPI sem o devido licenciamento (prevenção especial), esse risco está agora afastado, por acto voluntário desta de conformação com a exigência legal.
Como tal, por aplicação das regras conjugadas do art. 60.º da Lei 107/2009, dos arts. 18.º n.º 3 e 32.º do R.G.C.O., e do art. 72.º n.º 1 e n.º 2 al. c) do Código Penal, decide-se aplicar à arguida a coima especialmente atenuada, por metade do seu limite mínimo, ou seja, € 10.000,00.
Quanto à sanção acessória de encerramento do estabelecimento, uma mera possibilidade, face ao disposto no art. 39.º-H n.º 1 al. d) do DL 64/2007, já não se justifica, por a arguida já dispor do devido licenciamento da ERPI.

Decisão
Destarte, decide-se conceder parcial provimento ao recurso, na medida em que se condena a arguida, por uma contra-ordenação muito grave, p.p. pelos arts. 11.º n.º 1, 39.º-B n.º 1 al. a), e 39.º-E n.º 1 al. a), na coima de € 10.000,00.

Taxa de justiça pela arguida, fixada em 3 UC.

Évora, 9 de Abril de 2025
Mário Branco Coelho (relator)
Paula do Paço
Filipe Aveiro Marques



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[1] In Direito Penal e de Mera Ordenação Social, no BFDUC, n.º XLIX (1973), pág. 268.
[2] Neste sentido, vide os Acórdãos da Relação do Porto de 11.04.2012 (Proc. 2122/11.3TBPVZ.P1), da Relação de Guimarães de 05.04.2018 (Proc. 4016/17.0T8VNF.G1), da Relação de Coimbra de 15.06.2018 (Proc. 1208/17.5T8LMG.C1), e da Relação de Guimarães de 05.03.2020 (Proc. 2481/19.0T8GMR.G1), todos em www.dgsi.pt.
[3] Vide, neste sentido, o Acórdão do Supremo Tribunal de Justiça de 20.11.2024 (Proc. 810/23.0GCBRG.S1), publicado em www.dgsi.pt.
[4] In Direito Penal Português, As Consequências Jurídicas do Crime, Editorial Notícias, 1993, pág. 305.