COMPENSAÇÃO DE CRÉDITOS
EFEITOS
OPOSIÇÃO À EXECUÇÃO
Sumário

I- Declarada a nulidade da decisão, o tribunal de recurso deve, contudo, conhecer do objeto da apelação, como resulta do disposto no art. 665.º do CPC, sendo que, se o tribunal recorrido tiver deixado de conhecer certas questões, a Relação, se entender que a apelação procede e nada obsta à apreciação daquelas, delas conhece no mesmo acórdão em que revogar a decisão recorrida, sempre que disponha dos elementos necessários.
II- A compensação de créditos efetiva-se através da declaração de uma das partes, à outra, como dispõe o art. 848.º, n.º 1, do Código Civil, operando a extinção da obrigação no momento em que os créditos se tornarem compensáveis, nos termos do art. 854.º, do mesmo diploma legal.
III- No entanto, a compensação é recetiva, só se tornando efetiva quando a declaração chegar ao conhecimento da pessoa a quem é dirigida, sendo que, no âmbito de um processo judicial, como nos embargos, a compensação pode ser declarada pelo devedor como fundamento da defesa, contudo, ela só se torna eficaz a partir do momento em que a outra parte, ou seja, o credor/exequente, toma conhecimento dessa declaração, normalmente através da notificação dos embargos.
IV- Na situação concreta, a execução a que estes embargos se mostram apensados, deu entrada em juízo no dia 16-02-2024; apesar de os créditos se terem tornado compensáveis em 25-05-2023, como a recorrente tanto insiste, a mesma recorrente instaurou contra a agora recorrida, execução para cobrança do seu crédito, em 22-03-2024; crédito que, no âmbito dessa execução, foi pago pela aí executada (aqui exequente/recorrida), e que, consequentemente, se extinguiu pelo pagamento, em 11-04-2024.
V- Assim, a recorrente, podendo ter exercido a compensação quando o seu crédito se tornou exigível, decidiu não o fazer e instaurou, por sua vez, ação executiva contra a recorrida, que, nesse âmbito, procedeu ao pagamento, com juros e todas as despesas envolvidas, pelo que bem andou o Tribunal a quo ao mandar prosseguir os termos normais da execução, sem influência da compensação nos efeitos da mora.

Texto Integral

Apelação 720/24.4T8LOU-A.P1

Acordam na 3.ª Secção do Tribunal da Relação do Porto:

I - RELATÓRIO
Por apenso à execução para pagamento de quantia certa que A..., Unipessoal Lda., moveu contra B... Unipessoal, Lda., veio a executada opor-se à execução por meio de embargos de executado, invocando a compensação, por ser credora da exequente/embargada, para além de pedir a condenação desta como litigante de má fé.

Admitidos liminarmente os embargos de executado, a exequente/embargada apresentou contestação, defendendo-se por impugnação e alegando que não se verifica a compensação, dado que o crédito que a embargante pretende compensar, já foi pago pela exequente/embargada, no dia 11-04-2024.
Conclui pela improcedência dos embargos e pede, por sua vez, a condenação da embargante como litigante de má fé.

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Por o Tribunal a quo ter entendido que o processo reunia já todos os elementos necessários para ser proferida decisão de mérito, foi proferido despacho saneador sentença que, a final, decidiu julgar procedentes por provados os embargos de executado, pela verificação da exceção de compensação à data da sua dedução, a 09.04.2024, a qual, contudo, se extinguiu em data posterior (11.04.2024) aos embargos, e que determina, em consequência, a normal prossecução da execução de que estes autos constituem um apenso, condenando a exequente/embargada nas custas.
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Não se conformando com o assim decidido, veio a embargante/executada interpor o presente recurso, que foi admitido como apelação, a subir nos próprios autos e com efeito meramente devolutivo.
Formulou, a embargante, as seguintes conclusões das suas alegações:
“A. Vem o presente recurso interposto da, aliás, mui Douta Sentença da Meritíssima Juiz a quo, que determinou o normal prosseguimento dos autos e não conheceu do pedido de condenação em litigância de má fé efectuado pela embargante.
B. Tendo o Meritíssimo Juiz a quo reconhecido o direito à compensação de créditos invocado pela recorrente deveria ter considerado que os efeitos da compensação de créditos retroagem à data em que os créditos se tornaram compensáveis.
C. Nos termos do art. 854.º do Código Civil, feita a declaração de compensação, os créditos consideram-se extintos desde o momento em que se tornaram compensáveis.
D. A declaração de compensação, ocorreu em 09.04.2024.
E. Os créditos tornaram-se compensáveis em 25.05.2023.
F. Os factos constitutivos da mora deixam, pela declaração de compensação, de ter relevância jurídica, a não ser que se tenham verificado antes de serem compensáveis.
G. A execução deveria ter prosseguido, apenas para a cobrança da quantia que EUR 25.067,79, atendendo a que a exequente pagou, no decurso dos presentes embargos o crédito da recorrente.
H. Tendo os ora apelantes, invocado a litigância de má fé dos exequentes nos presentes autos deveria o Tribunal a quo conhecer da litigância de má fé.
I. Estamos em crer que a apreciação deste pedido ressarcitório não poderá deixar de ser conhecido, visto estarmos diante um direito do litigante de boa fé que merece ser apreciado.
J. A matéria relativa à litigância de má fé é de conhecimento oficioso, pelo que sempre que o processo facultar os elementos necessários à sua apreciação, não deverá o juiz deixar de conhecer desta questão, sobretudo quando tal lhe haja sido solicitado por uma das partes.
K. A jurisprudência dos nossos tribunais superiores tem considerado, por inúmeras vezes, que nem a desistência do pedido por parte do autor, nem a sua confissão por parte do réu, deverão prejudicar a apreciação do pedido de ressarcimento por má fé processual e, se caso disso, a condenação do desistente ou confitente como litigante de má fé.
L. A questão da litigância de má-fé não se enquadra no objeto do processo, pelo que a confissão ou desistência do pedido, impedindo a apreciação deste, não atingirá necessariamente a pretensão de condenação por malicia ou temeridade, uma vez que esta excede o objeto processual.
M. Tendo sido formulado pelos embargantes pedido de indemnização por litigância de má fé da exequente, a correspondente apreciação e eventual condenação, constitui objecto de pretensão de que o Meritíssimo Juiz a quo não podia deixar de conhecer, sob pena de nulidade da sentença, nos termos do actual art. 615.º n.º 1 al. d), do Código de Processo Civil.
N. Nulidade que desde já se argui para todos os efeitos legais.
O. Tudo o deixado exposto evidencia o desajuste da decisão recorrida.
P. Foram violados, entre outros, o art. 854.º do Código Civil, art. 615.º, n.º 1, al. d), do Código de Processo Civil.
NESTES TERMOS E NOS MELHORES DE DIREITO DEVE O PRESENTE RECURSO SER JULGADO PROCEDENTE, POR PROVADO, E, EM CONSEQUÊNCIA, SER REVOGADA A DOUTA DECISÃO.”.

A recorrida apresentou resposta às alegações de recurso da recorrente, concluindo nos seguintes termos:
“A - A douta decisão em apreço não é passível de recurso ordinário, em razão dos presentes embargos serem TOTALMENTE favoráveis à recorrente, nos termos do disposto no artigo 629.º, n.º 1, do Código de Processo Civil. Com efeito,
B - A douta decisão recorrida não contém quaisquer erros ou irregularidades que importem a nulidade da decisão, pois que o Juiz a quo decidiu sobre o que lhe cumpria decidir, confinado pela factualidade e pelos pedidos formulados.
C - Inexistem quaisquer questões essenciais que o Tribunal devesse conhecer, para além do doutamente decidido.
Por todas as razões apontadas nesta resposta, para além de outras que este Venerando Tribunal em seu alto critério há de encontrar, devem ser julgadas improcedentes as conclusões das alegações da Recorrente, sufragando-se a fundamentação de facto e de direito doutamente plasmada na decisão recorrida, que deverá ser integralmente mantida.
Termos em que, e nos melhores de direito, que serão doutamente supridos, deverá ser negado provimento ao recurso e, em consequência, mantida a douta sentença recorrida.”.
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Após os vistos legais, cumpre decidir.
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II – OBJETO DO RECURSO
O objeto do recurso é delimitado pelas conclusões da alegação do recorrente, não podendo este tribunal conhecer de matérias nelas não incluídas, a não ser que as mesmas sejam de conhecimento oficioso – cfr. arts. 635º, nº 4, 637º, nº 2, 1ª parte e 639º, nºs 1 e 2, todos do Código de Processo Civil.
Atendendo às conclusões das alegações apresentadas pela apelante, o recurso é apenas de direito, cabendo apreciar:
- se ocorre nulidade da decisão por omissão de pronúncia quanto ao pedido de condenação por litigância de má fé;
- se deve ser alterada a decisão, nomeadamente tendo em conta os efeitos da compensação quanto à constituição em mora.
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III - FUNDAMENTAÇÃO DE FACTO
O Tribunal de 1ª Instância considerou provada a seguinte matéria de facto (não impugnada):
1. A exequente A..., Unipessoal Lda. deu à execução a sentença proferida nos autos P. ... e junta com o req. Executivo cujo integral conteúdo aqui se dá por reproduzido.
2. Por transação homologada por sentença transitada em julgado realizada no âmbito do processo n.º ..., que correu termos no Juízo Local Cível de Lousada, a exequente aceitou e confessou-se devedora da embargante no montante de EUR. 23.334,26.
3. Nos termos da referida transação judicial as partes acordaram que a referida quantia seria paga na data do trânsito em julgado da decisão judicial que recaiu sobre o processo nº ... do Juízo Local Cível de Felgueiras, Juiz 2, desta Comarca do Porto Este.
4. Tal decisão ocorreu em 25.05.2023.
5. A embargante B... Unipessoal, Lda. instaurou a 22.03.2024 contra a exequente o Proc. de execução ... neste Juízo de Execução dando à execução como título executivo a sentença proferida no processo n.º ..., que correu termos no Juízo Local Cível de Lousada.
6. A aqui exequente e ali executada A... Unipessoal, Lda. procedeu ao pagamento voluntario da quantia exequenda e honorários e despesas do Agente de Execução de 26.521,14 EUR a 11.04.2024.
7. Os presentes embargos de executado foram deduzidos a 09.04.2024.
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IV - MOTIVAÇÃO DE DIREITO
a) Da (ir)recorribilidade da decisão
Invoca a recorrida que a decisão em apreço não é passível de recurso ordinário, nos termos do disposto no artigo 629.º, n.º 1, do Código de Processo Civil, uma vez que à luz desse preceito, para que seja admissível recurso de apelação é necessário que se verifiquem, para além de outros requisitos, que a decisão impugnada seja desfavorável ao recorrente em valor superior a metade da alçada desse tribunal, sendo que, no caso, a decisão ora proferida é totalmente favorável à Recorrente, porquanto o Tribunal a quo julgou, entre outros segmentos da sentença, “procedentes por provados os presentes embargos de executado pela verificação da exceção de compensação à data da sua dedução a 09.04.2024”, condenando, ainda, a Recorrida nas custas dos embargos.
Vejamos.
O art. 629.º do CPC prevê quais as decisões que admitem recurso.
Não sendo a situação em apreciação enquadrável em nenhum dos casos em que é sempre admissível recurso, previstos nos números 2 e 3 do preceito referido, será com base no nº 1 dessa disposição legal que deve ser decidida a questão.
Ora, o nº 1 do art. 629.º do CPC, dispõe que “O recurso ordinário só é admissível quando a causa tenha valor superior à alçada do tribunal de que se recorre e a decisão impugnada seja desfavorável ao recorrente em valor superior a metade da alçada desse tribunal, atendendo-se, em caso de fundada dúvida acerca do valor da sucumbência, somente ao valor da causa.”.
Há, assim, que atender a dois critérios: o valor da causa que deve ser superior à alçada do tribunal de que se recorre; e a sucumbência que, por sua vez, deve ser superior a metade da alçada desse tribunal.
No caso, está em causa a sucumbência que a recorrida diz não se verificar, já que a ação foi totalmente favorável ao recorrente.
A embargante formulou o seguinte pedido: “Nestes termos e nos mais de direito, devem os presentes embargos ser julgados procedentes e provados e, considerando a matéria de excepção alegada, serem os embargantes absolvidos nos termos alegados, e no mais devem os exequentes ser condenados como litigantes de má-fé, em multa exemplar e indemnização que o prudente arbítrio do julgador doutamente suprirá, mas em montante que se calcula não inferior a euros 5 000,00.”.
O Tribunal a quo decidiu nos seguintes termos: “Nestes termos, julgo procedentes por provados os presentes embargos de executado pela verificação da excepção de compensação à data da sua dedução a 09.04.2024 e a qual se extinguiu contudo em data posterior (11.04.2024) aos presentes embargos e que determinam em consequência a normal prossecução da execução de que estes autos constituem um apenso.
Custas a cargo da exequente/embargada.”.
Posto isto, somos levados a concluir que, ainda que os embargos tenham sido “julgados procedentes” pela verificação da exceção de compensação à data da sua dedução, o certo é que a execução prosseguiu os seus termos normais, o que não corresponde ao peticionado pela embargante.
Nesta situação, entendemos não ser possível calcular, em concreto, o grau de sucumbência, pelo que se deve atender apenas ao valor da causa, sendo, assim, admissível o recurso.
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b) Da nulidade da decisão
Veio a recorrente arguir a nulidade da sentença por omissão de pronúncia, considerando que o tribunal a quo não se pronunciou sobre o pedido de condenação da recorrida como litigante de má fé.
Vejamos.
O artigo 615.º do CPC prevê as causas de nulidade da sentença, dispondo, no que para o caso interessa, que:
“1 - É nula a sentença quando:
(…)
d) O juiz deixe de pronunciar-se sobre questões que devesse apreciar ou conheça de questões de que não podia tomar conhecimento;
(…).
4 - As nulidades mencionadas nas alíneas b) a e) do n.º 1 só podem ser arguidas perante o tribunal que proferiu a sentença se esta não admitir recurso ordinário, podendo o recurso, no caso contrário, ter como fundamento qualquer dessas nulidades.”.
É unânime considerar-se que “as nulidades da sentença são vícios intrínsecos da formação desta peça processual, taxativamente consagrados no nº 1, do art. 615.º, do CPC, sendo vícios formais do silogismo judiciário relativos à harmonia formal entre premissas e conclusão, não podendo ser confundidas com hipotéticos erros de julgamento, de facto ou de direito, nem com vícios da vontade que possam estar na base de acordos a por termo ao processo por transação” (vide Ac. do TRG de 04.10.2018, disponível em dgsi.pt).
Ou seja, as nulidades da sentença encontram-se taxativamente previstas no artigo 615.º do CPC e reportam-se a vícios estruturais ou intrínsecos da decisão, também, designados por erros de atividade ou de construção da própria sentença, que não se confundem com eventual erro de julgamento de facto e/ou de direito.
Um dos vícios da sentença que configura a respetiva nulidade é a omissão de pronúncia prevista na alínea d) do n.º 1 do art. 615.º do CPC, a qual ocorre, como já referido, quando o juiz deixe de pronunciar-se sobre questões que devesse apreciar.
Assim, a nulidade de sentença, por omissão de pronúncia, só ocorre quando o julgador deixe de resolver questões que tenham sido submetidas à sua apreciação pelas partes, a não ser que esse conhecimento fique prejudicado pela solução a outras questões antes apreciadas.
Tal como foi decidido no Acórdão do Supremo Tribunal de Justiça, de 10-12-2020, Processo 12131/18.6T8LSB.L1.S1 (disponível em dgsi.pt), “A nulidade por omissão de pronúncia, representando a sanção legal para a violação do estatuído naquele nº 2, do artigo 608.º, do CPC, apenas se verifica quando o juiz deixe de pronunciar-se sobre as «questões» pelas partes submetidas ao seu escrutínio, ou de que deva conhecer oficiosamente, como tais se considerando as pretensões formuladas por aquelas, mas não os argumentos invocados, nem a mera qualificação jurídica oferecida pelos litigantes.”.
Ora, lida a decisão recorrida, verifica-se que efetivamente, o Tribunal a quo não se pronunciou sobre o pedido de condenação da exequente por litigância de má fé, sendo que tal questão nem sequer foi abordada na sentença.
Trata-se de questão que havia sido colocada para apreciação, na petição de embargos e no respetivo pedido, pelo que o juiz a quo a devia ter apreciado, conforme resulta do disposto no art. 608.º, nº 2 do CPC, exceto se a respetiva decisão estivesse prejudicada pela solução dada a outras questões, o que entendemos não se verificar no caso.
De facto, ao contrário do que a recorrida refere nas suas alegações e o Senhor Juiz a quo diz no despacho em que se pronuncia sobre a arguida nulidade, não entendemos que “declarado extinto o direito de verificação de compensação, não se impõe ao julgador que conheça ou aprecie outras questões suscitadas pelas partes, se entretanto concluir, como aconteceu in casu, que a pretensão daquela que impulsionou os embargos está, desde logo, à partida, condenada a fracassar, ficando o conhecimento de outras questões prejudicado pela solução encontrada quanto ao pedido.”.
Quanto a esta questão partilhamos da posição da recorrente, quando refere que sempre que os autos facultem os elementos que permitam ao magistrado formar a sua convicção quanto à existência ou inexistência de má fé processual, não deverá este deixar de conhecer da má fé substancial, ainda que ocorra desistência ou confissão, sob pena de o tribunal ficar impedido de conhecer dessa questão que, aliás, é de conhecimento oficioso.
E assim sendo, temos de concluir que efetivamente a decisão recorrida é nula, por omissão de pronúncia, quanto à questão da litigância de má fé.
Declarada a nulidade da decisão, ainda que apenas parcialmente, como ocorre no caso, o tribunal de recurso deve, contudo, conhecer do objeto da apelação, como resulta do disposto no art. 665.º do CPC, sendo que, se o tribunal recorrido tiver deixado de conhecer certas questões, a Relação, se entender que a apelação procede e nada obsta à apreciação daquelas, delas conhece no mesmo acórdão em que revogar a decisão recorrida, sempre que disponha dos elementos necessários.
Este preceito permite que quando o Tribunal da Relação considere procedente a arguição da nulidade da sentença, possa, em vez de declarar tal nulidade e ordenar a baixa do processo à 1.ª Instância, substituir-se ao tribunal recorrido e conhecer diretamente do objeto do recurso.
Evidentemente, tal só pode ocorrer se o Tribunal da Relação dispuser dos elementos necessários para decidir, o que entendemos ocorrer no caso.
Posto isto, nos termos do disposto no art. 542.º do CPC, diz-se litigante de má-fé quem, com dolo ou negligência grave:
a) Tiver deduzido pretensão ou oposição cuja falta de fundamento não devia ignorar;
b) Tiver alterado a verdade dos factos ou omitido factos relevantes para a decisão da causa;
c) Tiver praticado omissão grave do dever de cooperação;
d) Tiver feito do processo ou dos meios processuais um uso manifestamente reprovável, com o fim de conseguir um objetivo ilegal, impedir a descoberta da verdade, entorpecer a ação da justiça ou protelar, sem fundamento sério, o trânsito em julgado da decisão.
Ora, face ao disposto no art. 542.º do CPC, acabado de citar, a condenação de uma parte como litigante de má fé consubstancia um juízo de censura sobre a sua atitude processual, estando em causa um uso manifestamente reprovável do processo ou dos meios processuais, com as finalidades mencionadas no preceito referido.
Assim, para que se condene a parte como litigante de má fé não basta uma lide ousada ou uma conduta meramente culposa, sendo necessário que não haja quaisquer dúvidas em qualificar a conduta como dolosa ou gravemente negligente.
Sendo sancionáveis pelo instituto da litigância de má fé, tanto os comportamentos da parte que fundamenta a sua pretensão num conjunto de factos inverídicos ou que não são suscetíveis de conduzir ao efeito pretendido, como os comportamentos da parte que invoca enquadramento jurídico de todo desajustado à situação de facto que invoca, haverá, contudo, que ter em conta que a mera sustentação de posições jurídicas porventura desconformes com a correta interpretação da lei não implica, em regra e por si só, a litigância de má fé por quem as sustenta.
No caso em apreciação, temos por assente, no que para esta questão interessa, que:
- A exequente A..., Unipessoal Lda. deu à execução a sentença proferida nos autos de Processo ..., que juntou com o requerimento executivo.
- O requerimento executivo deu entrada em juízo no dia 16-02-2024.
- Por transação homologada por sentença transitada em julgado realizada no âmbito do processo n.º ..., que correu termos no Juízo Local Cível de Lousada, a exequente aceitou e confessou-se devedora da embargante no montante de EUR. 23.334,26.
- Nos termos da referida transação judicial as partes acordaram que a referida quantia seria paga na data do trânsito em julgado da decisão judicial que recaiu sobre o processo nº ... do Juízo Local Cível de Felgueiras, Juiz 2, da Comarca do Porto Este, decisão que ocorreu em 25.05.2023.
- A embargante B... Unipessoal, Lda. instaurou a 22.03.2024 contra a exequente, o Processo de execução ..., dando à execução, como título executivo, a sentença proferida no processo n.º ....
- A aqui exequente e ali executada, A... Unipessoal, Lda., procedeu ao pagamento voluntário da quantia exequenda, honorários e despesas do Agente de Execução, de 26.521,14 euros, a 11.04.2024.
- Os presentes embargos de executado foram deduzidos a 09.04.2024.
Desta factualidade resulta que a exequente/recorrida deu à execução uma sentença transitada em julgado, não se vendo qualquer motivo legal que a impedisse de o fazer.
Deduzindo a executada/recorrente embargos de executado através dos quais afirma pretender exercer a compensação de um crédito que tem sobre a exequente, vem esta dizer que não existe fundamento para a compensação, uma vez que já procedeu ao pagamento do dito crédito, o que, efetivamente, corresponde à verdade, na data em que a embargada apresenta a sua oposição aos embargos.
Parece resultar das alegações da recorrente que entende dever a recorrida ser condenada como litigante de má fé, porque “Na data da instauração da presente execução, a embargada já tinha conhecimento de que devia à embargante a quantia de EUR. 23.334,26. Ainda assim, omitiram tal facto e peticionaram o pagamento coercivo da quantia de EUR. 30.488,79, sem proceder à compensação do crédito da embargante.”.
Sucede que se nos afigura que a exequente não é obrigada a exercer a compensação, apenas porque existe um crédito da outra parte contra si, tratando-se de uma opção que pode ser exercida por qualquer uma das partes que pretenda livrar-se da sua obrigação por esse meio.
É o que resulta do disposto no art. 847.º do Código Civil, que refere que quando duas pessoas sejam, reciprocamente, credor e devedor, qualquer delas pode livrar-se da sua obrigação por meio de compensação com a obrigação do seu credor (sublinhado nosso). Ou seja, só quem pretender livrar-se da sua obrigação por meio da compensação é que invoca a mesma, o que não foi o caso da exequente/recorrida, a qual, aliás, procedeu ao pagamento da sua dívida, sem ter exercido a compensação.
Não se considera, assim, que a exequente/embargada/recorrida tenha litigado de má fé, muito menos, com dolo ou negligência grave, quer quando instaurou a execução, quer quando deduziu oposição aos embargos.
Improcede, pois, a recurso nessa parte, absolvendo-se a embargada do pedido de condenação por litigância de má fé.
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c) Da compensação e seus efeitos
Nos termos do disposto no art. 10.º, nº 5 do CPC, “Toda a execução tem por base um título, pelo qual se determinam o fim e os limites da ação executiva.”.
O art. 703.º do CPC prevê as espécies de títulos que podem servir de base à execução.
Nos presentes autos, o título dado à execução é constituído por uma sentença.
A oposição do executado visa a extinção da execução, mediante o reconhecimento da atual inexistência do direito exequendo ou da falta de algum pressuposto, específico ou geral, da ação executiva (cfr. José Lebre de Freitas, A Ação Executiva à luz do Código de Processo Civil de 2013, Coimbra Editora, pág. 193).
Sendo o título executivo uma sentença, podem constituir fundamentos dos embargos de executados apenas os elencados no artigo 729.º do Código de Processo Civil, a saber:
a) Inexistência ou inexequibilidade do título;
b) Falsidade do processo ou do traslado ou infidelidade deste, quando uma ou outra influa nos termos da execução;
c) Falta de qualquer pressuposto processual de que dependa a regularidade da instância executiva, sem prejuízo do seu suprimento;
d) Falta ou nulidade da citação para a ação declarativa quando o réu não tenha intervindo no processo;
e) Incerteza, inexigibilidade ou iliquidez da obrigação exequenda, não supridas na fase introdutória da execução;
f) Caso julgado anterior à sentença que se executada:
g) Qualquer facto extintivo ou modificativo da obrigação, desde que seja posterior ao encerramento da discussão no processo de declaração e se prove por documento; a prescrição do direito ou da obrigação pode ser provada por qualquer meio;
h) Contracrédito sobre o exequente, com vista a obter a compensação de créditos;
i) Tratando-se de sentença homologatória de confissão ou transação qualquer causa de nulidade ou anulabilidade desses atos.
No caso em apreciação, está em causa o fundamento previsto na alínea h) da referida disposição legal, sendo certo que foi com a redação dada pela Lei n.º 41/2013 ao novo Código de Processo Civil, que passou a constar expressamente a possibilidade de o executado poder invocar perante o exequente um crédito de que seja titular perante aquele, com vista a obter a compensação de créditos.
Para além dos requisitos substantivos que o instituto da compensação comporta e que vêm definidos no art. 847.º do CC, é indispensável também que o crédito invocado pelo devedor contra o seu credor esteja já reconhecido.
Quanto aos requisitos substantivos da compensação, a mesma efetiva-se através da declaração de uma das partes, à outra, como dispõe o art. 848.º, n.º 1, do Código Civil, operando a extinção da obrigação no momento em que os créditos se tornarem compensáveis, nos termos do art. 854.º, do mesmo diploma legal.
No que diz respeito à forma de exercer a compensação, passamos a citar o acórdão deste Tribunal da Relação do Porto, de 14-01-2020, Processo 3013/18.2T8AGD-A.P1, Relator: ANA LUCINDA CABRAL (disponível em dgsi.pt), onde se diz:
“A compensação pode ser extrajudicial ou judicial
A compensação extra-judicial ou legal é realizada pelo executado antes da oposição à execução, operando-se a mesma anteriormente à sua invocação, como exceção perentória, invocando-se nos embargos que o crédito exequendo já se encontra extinto em virtude de o executado já ter extrajudicialmente declarado a sua pretensão de compensar. A compensação que o executado já realizou antes da oposição à execução deve ser incluída na alínea g) do artigo 729.º do CPC, seja na execução de sentença ou na execução de título diverso de sentença.
A compensação judicial é aquela em que a declaração compensatória é feita no articulado de oposição à execução, destinando-se a efetivar a compensação logo que a declaração receptícia, constante da petição, chega ao conhecimento do exequente, o que normalmente sucede com a notificação daquela peça processual. a al. h) vale apenas para a emissão de uma declaração de compensação por meio da própria petição de oposição à execução (compensação judicial), tanto de sentença, como de título diverso de sentença.
Por isto, apenas se a situação de compensabilidade ocorrer depois do encerramento da discussão na primeira instância é que a compensação pode ser alegada na oposição à execução de sentença: se for feita extrajudicialmente, deve ser alegada ao abrigo do artigo 729.º, al. g); se for feita na própria petição de embargos, deve ser invocada a al. h), do CPC.”.
Há, ainda, que ter em conta que a compensação não opera sem a declaração de uma das partes à outra, pelo que o exercício de tal direito, enquanto direito potestativo, deverá depender da situação de compensação, isto é, o momento em que se mostra verificada a situação ou condição de compensabilidade, na verificação dos respetivos pressupostos de direito.
Posto isto, refere a recorrente que, tendo o Meritíssimo Juiz a quo reconhecido o direito à compensação de créditos invocado pela recorrente, deveria ter considerado que os efeitos da compensação de créditos retroagem à data em que os créditos se tornaram compensáveis, face ao disposto no art. 854.º do Código Civil, sendo que, apesar de a declaração de compensação ter ocorrido em 09-04-2024, os créditos se tornaram compensáveis em 25-05-2023. E assim, os factos constitutivos da mora deixam, pela declaração de compensação, de ter relevância jurídica, a não ser que se tenham verificado antes de serem compensáveis. Conclui que a execução deveria ter prosseguido, apenas para a cobrança da quantia que EUR 25.067,79, atendendo a que a exequente pagou, no decurso dos presentes embargos o crédito da recorrente.
Ora, a compensação legal não é automática, mas sempre potestativa, por depender de uma declaração de vontade, ou pedido, do titular do crédito que se pretende ver compensado.
Por outro lado, a compensação é uma declaração recetiva, só se tornando efetiva quando a declaração chegar ao conhecimento da pessoa a quem é dirigida, neste caso, da exequente.
Tendo em conta a retroatividade expressa no já citado art. 854.º do CC, parece que, efetivamente, a partir do momento em que os créditos são compensáveis, neste caso, a partir de 25-05-2023, os efeitos da mora deixariam de ter relevância jurídica, como a recorrente pretende.
Na situação concreta, no entanto, não podemos ignorar, por um lado, que a execução a que estes embargos se mostram apensados, deu entrada em juízo no dia 16-02-2024; e que apesar de os créditos se terem tornado compensáveis em 25-05-2023, como a recorrente tanto insiste, a mesma recorrente instaurou contra a agora recorrida, execução para cobrança do seu crédito, em 22-03-2024; crédito que, no âmbito dessa execução, foi pago pela aí executada (aqui exequente/recorrida), e que, consequentemente, se extinguiu pelo pagamento, em 11-04-2024.
Assim, temos que a recorrente, podendo ter exercido a compensação quando o seu crédito se tornou exigível, decidiu não o fazer e instaurou, por sua vez, ação executiva contra a recorrida, que, nesse âmbito, procedeu ao pagamento, com juros e todas as despesas envolvidas.
Acresce que, como referido, a compensação é recetiva, só se tornando efetiva quando a declaração chegar ao conhecimento da pessoa a quem é dirigida, neste caso, da exequente.
Sucede que, no âmbito de um processo judicial, como nos embargos, a compensação pode ser declarada pelo devedor como fundamento da defesa. Contudo, ela só se torna eficaz a partir do momento em que a outra parte, ou seja, o credor/exequente, toma conhecimento dessa declaração, normalmente através da notificação dos embargos.
No caso, isso só aconteceu em 23-05-2024, quando a exequente/recorrida foi notificada para deduzir oposição aos embargos, ou seja, para lá da data em que procedeu ao pagamento do crédito que a recorrente declarou pretender compensar.
E sendo assim, considerando que a eficácia da compensação apenas ocorreria no momento em que a exequente foi notificada do requerimento de embargos, momento em que já não existia dívida, por ter sido paga em 11-04-2024, a compensação não chegou sequer a ser eficaz, com todas as consequências daí decorrentes, designadamente quanto a eventuais efeitos da mora, como os juros, pelo que os embargos nem sequer deveriam ter sido julgados procedentes.
Face ao que se deixa exposto, mas tendo em conta o objeto do recurso e as contra-alegações apresentadas, entendemos que bem andou o Tribunal a quo quando declarou/decidiu que se operou a extinção do contra crédito da embargante, pelo pagamento, o que tem como consequência o normal prosseguimento da execução.
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V- DISPOSITIVO
Pelos fundamentos acima expostos, acordam os Juízes deste Tribunal da Relação:
1- Julgar procedente a invocada nulidade da decisão por omissão de pronúncia, substituindo-se, contudo, este Tribunal da Relação ao Tribunal recorrido e, consequentemente, decidindo do pedido de condenação da recorrida como litigante de má fé, julgar tal pedido improcedente.
2- Julgar não provido o recurso, quanto ao demais, mantendo a decisão recorrida que determinou a continuação da execução.
Custas a cargo da recorrente (art. 527.º, nºs 1 e 2 do CPC).

Porto, 2025-04-10
Manuela Machado
António Carneiro da Silva
Aristides Rodrigues de Almeida