FUNDO DE GARANTIA DE ALIMENTOS DEVIDOS A MENORES
FUNÇÃO SUBSTITUTIVA
ATUALIZAÇÃO DE PENSÃO DE ALIMENTOS
Sumário

(elaborado pela relatora - art.º 663º, nº 7, do Código de Processo Civil):
1. Estando a ser paga a pensão mensal de alimentos, não é possível requerer a intervenção do Fundo de Garantia de Alimentos Devidos a Menores para pagamento das atualizações daquela.
2. Isto porque o Fundo não consiste num mecanismo de assistência universal a todas as crianças carenciadas, mas apenas àquelas que vêm negado pelo obrigado a alimentos o pagamento da pensão de alimentos.
3. O Fundo tem uma preocupação de cariz social e natureza assistencial e por isso a prestação que atribui é substitutiva e subsidiária da prestação a cargo do devedor originário, assente no vínculo da filiação.
4. A exigibilidade de prestação a cargo do Fundo de Garantia terá lugar no incidente de incumprimento (em regra da regulação do exercício das responsabilidades parentais), que deve ser desencadeado quando a pessoa judicialmente obrigada a prestá-los não assegure o seu cumprimento, competindo ao Ministério Público ou aqueles a quem a prestação de alimentos deveria ser entregue requerer que o Tribunal fixe o montante a suportar pelo Estado em substituição do devedor – artigo 3 da Lei nº 75/98, de 19 de novembro.
5. Prevê-se, deste modo, um procedimento processual específico – que está regulamentado pelo DL 164/99 de 13/05 -, embora seja tramitado nos próprios autos de incumprimento da obrigação de pagamento da pensão de alimentos, devendo o tribunal proferir decisão, da qual cabe recurso.
6. Trata-se, pois, de um incidente, que só pode ter lugar depois da sentença que julgou verificado o incumprimento do obrigado a prestar alimentos.

Texto Integral

Acordam as Juízas da 8ª Secção Cível do Tribunal da Relação de Lisboa:

1. Relatório
A... deduziu incidente de incumprimento da regulação das responsabilidades parentais relativo aos menores C…, nascido a …, e D…, nascida a …, e em que é requerido B…, alegando que em acordo de regulação das responsabilidades parentais alcançado nos autos apensos de divórcio e homologado em 26 de maio de 2020, os dois menores ficaram a residir com a mãe, contribuindo o progenitor, a título de pensão de alimentos, com a quantia mensal de 250,00 € (125,00 € por cada um), a entregar à mãe até ao último dia de cada mês, mediante depósito ou transferência bancária para a conta cujo IBAN a mãe indicará por escrito em cinco dias, e sendo esse valor actualizado anualmente, em Maio, segundo o índice de inflação mais baixo apurado pelos serviços oficiais de estatística para a Região Autónoma d…   .
Sustenta que o valor da pensão de alimentos teve as seguintes atualizações: Maio de 2021: 250,30€; Maio de 2022: 252,60€; Maio de 2023: 265,23€; Maio de 2024: 278,09€.
O requerido não pagou as atualizações da pensão de alimentos, estando em falta a quantia de €326,10, correspondente às seguintes atualizações: De Maio de 2021 a Abril de 2022: 0,30€ x 12 = 3,60€; De Maio de 2022 a Abril de 2023: 2,60€ x 12 = 31,20€; De Maio de 2023 a Abril de 2024: 15,23€ x 12 = 182,76€; De Maio de 2024 a Outubro de 2024: 18,09€ x 6 = 108,54€.
Requer que seja ordenado o pagamento integral (incluindo as actualizações) coercivo por parte do Requerido, solicitando-se à Segurança Social que venha informar se este declara cá rendimentos ou, não os encontrando, ser o Requerido notificado para vir informar de onde recebe prestações, assim como as suas contas bancárias, ordenando-se a dedução das quantias necessárias ao pagamento da dívida, no valor actual de 326,10€., assim como das prestações mensais vincendas, no valor de 278,09€, a actualizar em Maio de cada ano, de acordo com o índice da inflacção, a depositar na conta que indica. Mais requer que, não se conseguindo efectivar a prestação de alimentos através do mecanismo previsto no art.º 48º do RGPTC seja então fixado o respectivo montante da prestação de alimentos a cargo do Fundo de Garantia dos Alimentos Devidos a Menores, nos termos do art.º 1º, n.º 1, da Lei 75/98.

Em 28 de novembro de 2024 é proferido o seguinte despacho pelo tribunal a quo:
“Fls. 6 e segs.: 1. Do teor das informações que antecedem resulta claro que não se apura que o requerido tenha entidade empregadora e salário certos, e nem quaisquer outros rendimentos regulares, o que tudo torna inviável a cobrança coerciva dos alimentos devidos aos filhos menores pelos meios do artigo 48.º do RGPTC. Assim, declaro, sem mais, essa inviabilidade e dou por findo o procedimento.
Custas pelo requerido.
Notifique.
*
2. Tendo sido requerida a intervenção do Fundo de Garantia de Alimentos Devidos a Menores, solicite à EMAT averiguação e apresentação de informações sobre as condições económicas do agregado, incluindo os rendimentos de todos os seus membros e, se for o caso, sobre qualquer necessidade especial dos menores, tendo em vista decisão e nos termos do artigo 4.º, n.ºs 1 e 2, do DL 164/99, de 13/05.

Em 10 de janeiro de 2025 a equipa de Assessoria Técnica aos Tribunais (ATT) do Instituto da Segurança Social d…. junta aos autos uma informação, após entrevista com a progenitora, na qual consta “Procedeu-se à convocatória da requerente para comparência nestes serviços com o objetivo de realização de entrevista, tendo a mesma sido realizada a 9/1/2025. Em sede da entrevista, a requerente informou que o requerido cumpre com o valor da pensão de alimentos estipulado pelo Vosso Tribunal (125€ por cada filho), e que apenas não tem cumprido com as atualizações anuais, de acordo com o critério da taxa de inflação e que a presente ação judicial visava essa regularização. Mais, informou ter conhecimento que o requerido exerce atividade profissional regular. Consultado o Sistema de Informação da Segurança Social não há registos de descontos para a Segurança Social sobre trabalho.
De acordo com a legislação em vigor, para que se beneficie da prestação de alimentos a cargo do Fundo de Garantia dos Alimentos Devidos a Menores, é necessário que se verifiquem determinados requisitos legais, sendo um deles o comprovado incumprimento do pagamento da pensão de alimentos, condição que não se regista na situação em apreço, pelo que se solicitam orientações”.

Em 14 de janeiro de 2025 o ilustre Magistrado do Ministério Público exara a seguinte promoção: “Resulta dos autos e da informação da EMAT que o requerido se encontra a efetuar o pagamento dos alimentos e sem que tenha sida efetuada a atualização anual, sendo os montantes em dívida montantes em falta resultantes da sua não atualização.
O FGADM não paga montantes em atraso ou resultantes de incumprimento, tão só, se substitui ao devedor no pagamento da prestação de alimentos, mostrando-se assim inviabilizado o prosseguimento dos autos”.

Em 13 de fevereiro de 2025 é proferida a decisão recorrida que termina com o seguinte dispositivo:
“IV – DECISÃO
Em face de quanto vai exposto, e à luz da Lei 75/98, de 19/11 e do DL 164/99, de 13/05, julgo improcedente e por isso indefiro o requerimento da requerente A… para determinação da intervenção do Fundo de Garantia de Alimentos Devidos a Menores em relação aos filhos dos aqui requerido B… e em substituição deste.
Custas do incidente pela requerente, com taxa de justiça fixada em uma UC, sem prejuízo do benefício de apoio judiciário de que goza”.
*
 Inconformado com o teor de tal decisão veio a requerente recorrer, em 15 de fevereiro de 2025, alinhando as seguintes conclusões:
“A) A prestação de alimentos inclui as actualizações, nos termos do art.º 4º A, n.º 2, da Lei 75/98, pelo que, não pagando o Requerido a prestação no valor actual de 278,09€, não está integralmente cumprida a sua obrigação;
B) Deve, pois, o Fundo substituir-se ao Requerido, pagando as prestações vincendas ou a parte que o Requerido não paga, pois é esse o sentido do art.º 4º A, n.º 1, da Lei 75/98, pela qual o pagamento pelo Fundo obviamente pode ser inferior ao montante total;
C) Salvo o devido respeito, foram violados, entre outros, os artigos 1º e 4º A, n.º 1 e 2, da Lei 75/98.
Nestes termos, e nos melhores de direito que este Venerando Tribunal doutamente suprirá, deve o presente Recurso ser julgado procedente e, em consequência, ser, a douta Sentença de que ora se recorre, revogada e substituída por outra que defira o pedido de pagamento da prestação de alimentos, total ou parcial, conforme assim melhor se entender, através do Fundo de Garantia”.

O ilustre Magistrado do Ministério Público contra-alegou, pugnando pela improcedência do recurso e alinhando as seguintes conclusões:
“1 - Por sentença proferia no dia 13/02/2025, nos autos referenciados em epígrafe foi proferida decisão; “julgo improcedente e por isso indefiro o requerimento da requerente …. para determinação da intervenção do Fundo de Garantia de Alimentos Devidos a Menores em relação aos filhos dos aqui requerido B… e em substituição deste”.
2 - Pugna a recorrente que seja revogada a douta decisão por outra que defira o pedido de pagamento da prestação de alimentos, total ou parcial através do Fundo de Garantia.
3 - Estamos numa situação em que o progenitor/requerido continua a pagar mensalmente os alimentos relativos aos filhos menores no valor total de 250€ (125€ por cada menor), não tendo efetuado a respetiva atualização, atualização essa que a progenitora/requerente vem solicitar que seja paga pelo FGADM.
4 - Assim, o que está em causa é saber se é possível a intervenção do FGADM por forma a pagar a parte da prestação incumprida e já vencida e/ou pagar a parte do valor que o requerente não paga.
5 - O Estado atribui-se a missão de nos casos em que os alimentos judicialmente fixados a filho menor não possam ser cobrados nos termos do artigo 48º RGPTC, o dever de garantir o pagamento até efetiva satisfação da obrigação pelo progenitor devedor ou cessação dessa obrigação, ficando sub-rogado em todos os direitos.
 6 - A intervenção do Estado em matéria de alimentos a menores tem como pressuposto legitimador a não realização coativa da prestação alimentícia a cargo do progenitor obrigado.
7 - A prestação que ao Fundo cabe assegurar, embora subsidiária, é independente e autónoma da do devedor originário.
8 - Como resulta do preâmbulo do DL nº 164/99, esta nova prestação a pagar pelo FGADM assume a natureza de prestação social autónoma, reforçando a proteção social devida aos menores por parte do Estado, que se substitui ao devedor, não para pagar as prestações por este devidas, mas para assegurar os alimentos de que o menor precise.
9 - O Fundo responde, assim, por uma obrigação própria e não como garante do incumprimento de terceiro.
10 - Daí que o Estado não se substitui completamente ao devedor relapso, no pagamento de toda a dívida atrasada, pois apenas proporciona alimentos, no presente e no futuro, para prover à subsistência, à educação e ao desenvolvimento harmonioso do menor.
11 - A finalidade assistencial da intervenção supletiva do Estado é a de assegurar ao menor carenciado de alimentos que não fique privado deles, enquanto não for possível cobrá-los de familiar que tem realmente a obrigação de os prestar e que deixou de o fazer.
12 - Assim, o Estado assegura o pagamento das prestações que se vencem com a decisão que julgue o incumprimento, não cabendo ao Fundo efetuar pagamentos parciais de atualização vencidas.
13 - De igual forma não nos parece possível que se faça intervir o Fundo para complementar a prestação efetuada pela pessoa judicialmente obrigada a prestar alimentos.
14 - Daí que não nos merece qualquer reparo a douta sentença recorrida.

Admitido o recurso e colhidos os vistos legais cumpre decidir.

II. Questão a decidir:
No caso em análise, o âmbito do recurso encontra-se delimitado pelas conclusões que nele foram apresentadas e que atrás se transcreveram – artigos 635/4º e 639 do CPC– e, por via disso, por ordem lógica e sem prejuízo do conhecimento de questões de conhecimento oficioso, as questões essenciais a decidir consistem, basicamente, em saber:
- se a sentença recorrida violou os artigos 1 e 4-A/1 e 2 da Lei 75/98, de 19 de novembro.
- se é possível a intervenção do Fundo de Garantia de Alimentos Devidos a Menores por forma a pagar a quantia não paga pelo progenitor correspondente à atualização da pensão de alimentos.

III. Fundamentação de Facto.
São ocorrências materiais, com interesse para a decisão da causa as que constam do elemento narrativo dos autos e referidas no relatório, e ainda a seguinte factualidade, considerada na decisão recorrida:
“II – FUNDAMENTAÇÃO DE FACTO
A) Factos provados:
 Com interesse para a decisão da causa, ficaram provados os seguintes factos [nada mais se considerou por ser conclusivo, por ser matéria de direito ou por ser irrelevante]:
1. Os menores C…, nascido a ……, e D…, nascida a …., ficaram confiados à mãe A…, estabelecendo-se a cargo do pai, B…, e em favor deles uma prestação alimentar mensal de€250,00 (€125,00 por cada criança), actualizável anualmente segundo o índice de inflação mais baixo apurado pelos serviços oficiais de estatística para a Região Autónoma d…...
2. O requerido não pagou o valor de €326,10 respeitante a actualizações dos meses de Maio de 2021 a Abril de 2022, Maio de 2022 a Abril de 2023, de Maio de 2023 a Abril de 2024 e de Maio de 2024 a Outubro de 2024.
3. O requerido não tem entidade empregadora e salário certo conhecido”.

IV. Fundamentação de Direito
Nota prévia
Não podemos deixar de fazer notar a falta de formalismo processual destes autos: O processo começa com um requerimento de “incumprimento da prestação de alimentos”, com referência aos artigos 41 e 48 do RGPTC (Lei 141/2015, de 8 de setembro).
 É autuado, erradamente, como “Efetivação de prestação de alimentos”, e uma vez que falece o requisito indispensável e referido no artigo 48/1 do RGPTC – “quando a pessoa judicialmente obrigada a alimentos não satisfizer as quantias em dívida nos 10 dias seguintes ao vencimento”. (sublinhado nosso). Repare-se que a ora recorrente refere que a pensão de alimentos não é atualizada desde maio de 2021.
O tribunal a quo, ao invés de dar cumprimento ao disposto no n.º 3 do artigo 41 do RGPTC- “convocar os pais para uma conferência ou, excepcionalmente, mandar notificar o requerido o requerido para, no prazo de 5 dias, alegar o que tiver por conveniente”- efectua consulta nas bases de dados disponíveis no Tribunal – Caixa Geral de Aposentações, Segurança Social- e, frustradas as pesquisas, o Mmº juiz a quo profere o seguinte despacho, em 28 de novembro de 2024:
“1. Fls. 6 e segs.: 1. Do teor das informações que antecedem resulta claro que não se apura que o requerido tenha entidade empregadora e salário certos, e nem quaisquer outros rendimentos regulares, o que tudo torna inviável a cobrança coerciva dos alimentos devidos aos filhos menores pelos meios do artigo 48.º do RGPTC. Assim, declaro, sem mais, essa inviabilidade e dou por findo o procedimento. Custas pelo requerido.
Notifique”.
 No mesmo despacho, o Mmº Juiz a quo exara ainda o seguinte:
2. Tendo sido requerida a intervenção do Fundo de Garantia de Alimentos Devidos a Menores, solicite à EMAT averiguação e apresentação de informações sobre as condições económicas do agregado, incluindo os rendimentos de todos os seus membros e, se for o caso, sobre qualquer necessidade especial dos menores, tendo em vista decisão e nos termos do artigo 4.º, n.ºs 1 e 2, do DL 164/99, de 13/05”.
Ora, para além de fazer seguir um incidente de incumprimento como  “efectivação para prestação de alimentos”, sem atender ao requerimento que foi apresentado, e sem que tenha constatado que o procedimento do artigo 48 do RGPTC apenas é possível quando a prestação não é paga dentro de 10 dias após o seu vencimento (o que não  se verifica de todo no caso dos autos), não poderia o Mmº juiz a quo suscitar a intervenção do Fundo de Garantia de Alimentos Devidos a Menores sem que previamente tivesse proferido sentença a declarar judicialmente o incumprimento.
Esta sentença não foi proferida.
Por fim, ao arrepio de qualquer disposição e prazo legais, em 28 de novembro de 2024, é enviada carta registada com aviso de receção para o requerido, com o seguinte teor:
“Assunto: Citação/notificação por carta registada com AR
Fica V.ª Ex.ª citado(a)/notificado(a) para os termos do presente procedimento de efetivação da prestação de alimentos (art.º 48.º do RGPTC), no qual, pela sentença de que se anexa cópia, foi declarada a inviabilidade da cobrança coerciva das prestações alimentares, devidas aos seus filhos, em falta.
Pode, no prazo de 10 dias, acrescidos da dilação de 15 dias, comprovar que não ocorreu qualquer atraso no incumprimento da obrigação alimentícia, ou que já não é devida, e, desta forma, fazer cessar os descontos; ou recorrer da decisão, no prazo de 30 dias (15 dias acrescidos da dilação de 15 dias).
Tratando-se de pessoa singular, caso não tenha sido V.ª Ex.ª a assinar o Aviso de Receção, àquele prazo acrescerá a dilação de 5 dias.
A citação considera-se efetuada no dia da assinatura do Aviso de Receção, suspendendo-se o prazo, no entanto, durante as férias judiciais.
Terminando o prazo em dia que os tribunais estejam encerrados, transfere-se o seu termo para o primeiro dia útil seguinte.
Fica advertido(a) de que não é obrigatória a constituição de mandatário judicial, salvo na fase de recurso.
Juntam-se ainda, para o efeito, cópia da petição inicial e dos documentos que a acompanham”.
Sem estar junto o aviso de recepção relativo à carta enviada para citação do requerido, e após diligências efectuadas pelo tribunal a quo junto dos CTT- Serviço de Apoio ao Cliente, que informou em 14 de janeiro de 2025, que “só após 14 de fevereiro de 2025 poderia assumir se o objeto em causa foi entregue  ou se deveria ser dado como extraviado”, foi proferida a sentença recorrida em 13 de fevereiro de 2025.
Em 18 de fevereiro de 20225 os CTT- Serviço de Apoio ao Cliente informam que “o objeto em causa foi recepcionado pelo operador postal do destino em 6 de fevereiro de 2025, encontrando-se em fase de distribuição/entrega”.
Em 17 de fevereiro de 2025 o requerido apresenta um requerimento nos autos no qual se pronuncia “sobre a eventualidade de ser determinada a dedução de pensão de alimentos aos seus filhos e sob a alegação de existir, neste particular, obrigação incumprida”, refutando os factos alegados pela progenitora ao afirmar que tem pago muito mais do que os montantes devidos a título  de atualização de pensão de alimentos.
O processo avança e recua, numa tramitação deveras inaudita e confusa!

O mérito
Compete ao Estado a atribuição de prestações sociais, a que está obrigado, como função da sociedade e do Estado, e assegurar o direito das crianças à proteção, tendo em vista o seu desenvolvimento integral, tal como vem plasmado no artigo 69.º da Lei Fundamental- “«as crianças têm direito à protecção da sociedade e do Estado, com vista ao seu desenvolvimento integral, especialmente contra todas as formas de abandono, de discriminação e de opressão e contra o exercício abusivo da autoridade na família e nas demais instituições”-, o que implica a imposição ao Estado dos deveres de assegurar a garantia da dignidade da criança como pessoa em formação e a quem deve ser concedida a necessária proteção.
Concretizando esse comando constitucional, o próprio legislador o reafirma, expressamente, ao regulamentar a Lei nº 75/98, de 19/11, “(…) criou-se uma nova prestação social, que traduz um avanço qualitativo inovador na política social desenvolvida pelo Estado, ao mesmo tempo que se dá cumprimento ao objetivo de reforço da proteção social devida a menores.”
Com efeito, é na Lei n.º 75/98, de 19 de novembro, que o legislador vem, pela primeira vez instituir um mecanismo de garantia do pagamento dos alimentos devidos a menores e cujo pagamento não é pontualmente assumido pelo progenitor com a respetiva obrigação.
Alega a recorrente que a decisão recorrida violou entre outros, os artigos 1º e 4º A, n.º 1 e 2, da Lei 75/98, de 19 de novembro.
Analisemos.
Nos termos do n.º 1 do artigo 1.º da Lei n.º 75/98, de 19 de Novembro, «quando a pessoa judicialmente obrigada a prestar alimentos a menor residente em território nacional não satisfizer as quantias em dívida pelas formas previstas no artigo 189.º do Decreto-Lei n.º 314/78, de 27 de Outubro, e o alimentado não tenha rendimento ilíquido superior ao valor do indexante dos apoios sociais (IAS) nem beneficie nessa medida de rendimentos de outrem a cuja guarda se encontre, o Estado assegura as prestações previstas na presente lei até ao início do efectivo cumprimento da obrigação.»
Nos termos do n.º 1 do artigo 2.º da mesma Lei, «as prestações atribuídas nos termos da presente lei são fixadas pelo tribunal e não podem exceder, mensalmente, por cada devedor, o montante de 1 IAS, independentemente do número de filhos menores.» Acrescenta o n.º 2 da norma que «para a determinação do montante referido no número anterior, o tribunal atenderá à capacidade económica do agregado familiar, ao montante da prestação de alimentos fixada e às necessidades específicas do menor.»
Este diploma veio atribuir ao Estado, nos casos em que os alimentos judicialmente fixados ao filho menor não possam ser cobrados nos termos do artigo 48 do RGPTC, o dever de garantir o pagamento até efetiva satisfação da obrigação pelo progenitor devedor ou da cessação dessa obrigação, ficando sub-rogado em todos os direitos do menor a quem sejam atribuídas as prestações, com vista a à garantia do respetivo reembolso — art.º 1 , 3.º, n.º 4, e 6.º, n.º 3, da Lei n.º 75/98, de 19/11, e art.º 5.º, n.º 1 do Dec. Lei n.º 164/99.
Também o Acórdão de Uniformização de Jurisprudência n.º 5/2015 do Supremo Tribunal de Justiça defendeu o entendimento de que a prestação a cargo do FGADM «depende dos seguintes critérios objectivos: (i) existência de sentença que fixe os alimentos; (ii) residência do menor em território nacional; (iii) inexistência de rendimento ilíquido superior ao valor do indexante dos apoios sociais (IAS); (iv) não pagamento pelo devedor da obrigação de alimentos em dívida pelas formas previstas no artigo 189º do DL n.º 314/78, de 27 de Outubro (OTM) - artigo 1º nº 1 da Lei n.º 75/98, de 19 de Novembro. (…) as crianças, beneficiárias de prestações insuficientes, muito aquém das suas necessidades específicas, mas efectivamente pagas, ficam excluídas da rede protectora do FGADM, o que acontece porque o legislador não criou um mecanismo universal de assistência a todos os menores carenciados por forma a garantir-lhes, à partida, um padrão de alimentos adequado àquelas necessidades. A natureza substitutiva e subsidiária da prestação do FGADM não pode dissociar-se do conceito de limite ou de tecto, mesmo tratando-se de prestação autónoma e independente, posto que, esta se funda em preocupações de cariz social e a do devedor originário radica, como se referiu, no vínculo que emerge da filiação» (sublinhado nosso).
O sistema instituído pela Lei n.º 75/98, de 19 de Novembro, de apoio social a menores cujos progenitores não cumprem a obrigação de prestação de alimentos não constitui um sistema universal, destinado a assegurar que em qualquer caso, independentemente da necessidade efectiva, os menores recebem do Estado o valor de alimentos que os progenitores não lhe prestam, em que o Estado se substitui sempre ao incumprimento dos progenitores proporcionando aos menores aquilo que era devido por estes.
Ao invés, tratou-se sempre de um sistema de recurso, de um apoio social justificado pela necessidade e organizado de forma a distribuir pelos menores afectados pelo incumprimento dos progenitores uma parcela das receitas públicas do Estado, sempre escassas e carecidas de critérios de distribuição que permitam que o apoio chegue a quem dele necessita. Nessa medida, a distinção estabelecida a partir dos rendimentos da pessoa a cargo de quem o menor se encontra e de que o menor beneficia não afronta o espírito do sistema de garantia dos alimentos devidos a menores e é perfeitamente conforme com ele.
A Lei n.º 75/98, de 19 de novembro, foi regulamentada pelo Decreto-Lei n.º 164/99, de 13 de maio.
E o n.º 1 do artigo 3º deste diploma, na redação proveniente da Lei n.º 64/2012, de 20.12, estabelece que: «O Fundo assegura o pagamento das prestações de alimentos referidas no artigo anterior até ao início do efetivo cumprimento da obrigação quando: a) a pessoa judicialmente obrigada a prestar alimentos não satisfizer as quantias em dívida pelas formas previstas no artigo 189.º do Decreto-Lei n.º 314/78, de 27 de Outubro; e b) o menor não tenha rendimento ilíquido superior ao valor do indexante dos apoios sociais (IAS) nem beneficie nessa medida de rendimentos de outrem a cuja guarda se encontre.»
Prescreve-se no artigo 9/1 do Dec. Lei n.º 164/99 que o montante fixado pelo tribunal mantém-se enquanto se verificarem as circunstâncias subjacentes à sua concessão e até que cesse a obrigação a que o devedor está obrigado.
Daí entender-se, conjugando tais disposições normativas, que a obrigação de prestação de alimentos a cargo do “Fundo de Garantia” configura uma verdadeira obrigação autónoma, mas dependente e subsidiária da do devedor originário dos alimentos. Ou seja, a obrigação do Fundo de Garantia, apesar de autónoma e assumir natureza de prestação social, depende da manutenção da obrigação principal.
A exigibilidade de prestação a cargo do “Fundo de Garantia” terá lugar no incidente de incumprimento (em regra da regulação do exercício das responsabilidades parentais), que deve ser desencadeado quando a pessoa judicialmente obrigada a prestá-los não assegure o seu cumprimento, competindo ao Ministério Público ou aqueles a quem a prestação de alimentos deveria ser entregue requerer que o Tribunal fixe o montante a suportar pelo Estado em substituição do devedor – artigo 3 da Lei nº 75/98, de 19 de novembro que, com a epígrafe “disposições processuais” prevê:
1 - Compete ao Ministério Público ou àqueles a quem a prestação de alimentos deveria ser entregue requerer nos respetivos autos de incumprimento que o tribunal fixe o montante que o Estado, em substituição do devedor, deve prestar.
2- Se for considerada justificada a pretensão do requerente, o juiz, após diligências de prova, proferirá decisão provisória.
3 - Seguidamente, o juiz mandará proceder às restantes diligências que entenda indispensáveis e a inquérito sobre as necessidades do menor, posto o que decidirá.
4 - O montante fixado pelo tribunal perdura enquanto se verificarem as circunstâncias subjacentes à sua concessão e até que cesse a obrigação a que o devedor está obrigado.
5 - Da decisão cabe recurso de agravo com efeito devolutivo para o tribunal da relação.
6 - Compete a quem receber a prestação a renovação anual da prova de que se mantêm os pressupostos subjacentes à sua atribuição, sem o que a mesma cessa.».
Prevê-se, assim, um procedimento processual específico – que está regulamentado pelo DL 164/99 de 13/05 -, embora seja tramitado nos próprios autos de incumprimento da obrigação de pagamento da pensão de alimentos, devendo o tribunal proferir decisão, da qual cabe recurso.
Trata-se, pois, de um incidente, que só pode ter lugar depois da sentença que julgou verificado o incumprimento do obrigado a prestar alimentos.
A prestação de alimentos incumprida pelo primitivo devedor funciona apenas como um pressuposto justificativo da intervenção subsidiária do Estado para satisfação de uma necessidade atual do menor.
Por isso, o Estado não se substitui incondicionalmente ao devedor originário dos alimentos, apenas assegura o pagamento efetivo duma prestação, desde que o menor deles careça e enquanto o devedor não inicie o seu pagamento ou não cesse essa obrigação, ficando este onerado com o reembolso dessa prestação.
Dispõe o artigo 4-A da Lei 75/98, de 19 de novembro, aditado pela Lei 71/2018, de 31 de dezembro, sob a epígrafe “Fixação do montante e atualização da pensão de alimentos” que:
“1. O montante da prestação de alimentos a cargo do Fundo de Garantia dos Alimentos Devidos a Menores não pode exceder o montante da pensão de alimentos estabelecida no acordo ou na decisão judicial de regulação do exercício das responsabilidades parentais ou de fixação de alimentos.
2 - Caso tenham sido fixados coeficientes de atualização da pensão de alimentos, devem estes ser considerados na determinação da prestação a atribuir pelo Fundo desde que a operação de liquidação possa ser realizada através de simples cálculo aritmético e com o recurso a coeficientes de conhecimento público.
3 - A atualização da prestação de alimentos é efetuada oficiosamente pelo Fundo de Garantia aquando da renovação dos pressupostos para a respetiva atribuição e tendo como referência a variação positiva em vigor no termo do ano anterior ao da renovação”.

Feita esta breve resenha legislativa, assentemos então nas características que definem a intervenção do Fundo de Garantia de Alimentos Devidos a Menores:
a) carácter subsidiário: o carácter subsidiário da  intervenção do Fundo de Garantia de Alimentos Devidos a Menores projeta-se a vários níveis, refletindo-se, em particular, no conjunto de requisitos e condições, de índole diversa, que carecem de ser ultrapassados para que haja lugar ao pagamento da prestação pecuniária em que se efetiva a garantia de alimentos devidos a menores. Desde logo, o Estado apenas assume o pagamento de alimentos a crianças e jovens residentes em território português, o que subordina a intervenção do Fundo de Garantia de Alimentos Devidos a Menores a um critério de territorialidade. Em segundo lugar, terá que ocorrer um prévio recurso aos tribunais. Os alimentos devem estar fixados judicialmente e terá de existir uma declaração judicial de incumprimento, acompanhada da impossibilidade de cobrança coerciva da prestação de alimentos, designadamente através dos meios previstos nos artigos 48.º do Regime Geral do Processo Tutelar Cível («RGPTC»), aprovado pela Lei n.º 141/2015, de 08 de setembro. O incumprimento do devedor originário funciona, pois, como pressuposto justificativo da intervenção subsidiária do Estado, só nascendo a obrigação do Fundo de Garantia de Alimentos Devidos a Menores após decisão judicial proferida naquele incidente que o vincule ao pagamento da prestação.
O Fundo de Garantia de Alimentos Devidos a Menores intervém apenas no caso de o recurso aos tribunais se ter revelado ineficaz para a efetivação do direito de alimentos da criança ou jovem que deles beneficia; só assim o Estado fica legalmente investido no dever de intervir. Essa ineficácia, contudo, constitui uma condição necessária, mas não uma condição suficiente para o chamamento do Fundo de Garantia de Alimentos Devidos a Menores. Tal chamamento pressupõe ainda, de acordo com o modelo adotado, que o incumprimento da obrigação de alimentos fixada judicialmente ponha em causa o «acesso a condições de subsistência mínimas», i.e., a «prestações existenciais que proporcionem as condições essenciais ao […] desenvolvimento [da criança] e a uma vida digna» (cf. preâmbulo do Decreto-Lei n.º 164/99), o que, como se verá, condiciona o pagamento das prestações substitutivas à verificação de determinados requisitos demonstrativos dessa necessidade.
A intervenção do Fundo de Garantia de Alimentos Devidos a Menores encontra-se desde modo subordinada ao que poderia designar-se por critério permanente de existência condigna, o que explica ainda que o pagamento das prestações substitutivas cesse não apenas com a cessação da obrigação de alimentos do devedor, mas ainda quando ocorra uma alteração das circunstâncias que justificaram a atribuição da prestação (cf. artigos 3.º, n.º 4, da Lei n.º 75/98, e 9.º, n.º 1, do Decreto-Lei n.º 164/99). Impera aqui o princípio do rebus sic stantibus, que se reflete no ónus que impende sobre quem recebe a prestação de comprovar anualmente a subsistência dos pressupostos subjacentes à sua atribuição, sob pena de a mesma cessar (artigos 3.º, n.º 6, da Lei n.º 75/98, e 9.º, n.ºs 4 e 5, do Decreto-Lei n.º 164/99).
Como dão conta os artigos 2.º, n.ºs 1 e 2, e 4.º-A, n.º 1, da Lei n.º 75/98, bem como os artigos 3.º, n.º 5, e 4.º, n.ºs 4 e 5, do Decreto-Lei n.º 164/99, o carácter subsidiário da intervenção do Fundo de Garantia de Alimentos Devidos a Menores manifesta-se de forma muito impressiva no conjunto de limites estabelecidos relativamente ao que pode ser pago e ao valor da prestação a realizar.
Desde logo, a medida da intervenção do Fundo de Garantia de Alimentos Devidos a Menores não é dada, mas apenas limitada, pelo valor dos alimentos judicialmente fixados. É o tribunal, através de uma decisão autónoma, submetida a critérios próprios — capacidade económica do agregado familiar, montante da prestação de alimentos fixada e necessidades específicas da criança ou jovem beneficiário —, que determinará o quantitativo da prestação a pagar pelo Fundo de Garantia de Alimentos Devidos a Menores, dentro da margem consentida pelos limites legais pré-fixados.
Destes decorre que: (i) as prestações atribuídas não podem exceder, mensalmente, por cada devedor, o montante de 1 IAS, independentemente do número de filhos menores; (ii) o montante da prestação de alimentos a cargo do Fundo de Garantia de Alimentos Devidos a Menores não pode exceder o montante da pensão de alimentos estabelecida no acordo ou na decisão judicial de regulação do exercício das responsabilidades parentais ou de fixação de alimentos (v. o Acórdão do Supremo Tribunal de Justiça n.º 5/2015, que uniformizou jurisprudência no sentido de que «a prestação a suportar pelo Fundo de Garantia de Alimentos Devidos a Menores não pode ser fixada em montante superior ao da prestação de alimentos a que está vinculado o devedor originário»); e (iii) o pagamento das prestações inicia-se no mês seguinte ao da notificação da decisão do tribunal, não havendo lugar ao pagamento de prestações vencidas (v. o Acórdão do Supremo Tribunal de Justiça n.º 12/2009, que uniformizou jurisprudência no sentido de que «[a] obrigação de prestação de alimentos a menor, assegurada pelo Fundo de Garantia de Alimentos Devidos a Menores, em substituição do devedor, nos termos previstos nos artigos 1.º da Lei n.º 75/98, de 19 de Novembro, e 2.º e 4.º, n.º 5, do Decreto-Lei n.º 164/99, de 13 de Maio, só nasce com a decisão que julgue o incidente de incumprimento do devedor originário e a respetiva exigibilidade só ocorre no mês seguinte ao da notificação da decisão do tribunal, não abrangendo quaisquer prestações anteriores»).
b) carácter autónomo: O regime estabelecido em matéria de garantia dos alimentos devidos a menores revela, assim, que as prestações a cargo do Fundo de Garantia de Alimentos Devidos a Menores revestem total autonomia relativamente à obrigação de alimentos a cargo do devedor originário. Quando é chamado pelos tribunais a intervir, o Fundo de Garantia de Alimentos Devidos a Menores não assume, no lugar do devedor faltoso, a liquidação dos alimentos em dívida e ou daqueles que se vierem a vencer. O que faz é cumprir, através da realização de prestações a que se acha adstrito, uma obrigação inteiramente nova em relação à obrigação alimentar a cargo do progenitor faltoso, que radica num fundamento inteiramente diverso daquela que recai sobre este.
Ao contrário da obrigação de alimentos a cargo do devedor originário, justificada pelos deveres de solidariedade familiar existentes entre as pessoas abrangidas pelo elenco previsto no artigo 2009.º, n.º 1, do Código Civil, as prestações que o Fundo de Garantia de Alimentos Devidos a Menores é chamado a assegurar têm natureza assistencial, sendo esta que fundamenta os pressupostos estabelecidos para a respetiva atribuição.

O caso concreto.
O acima exposto revela-nos desde logo a irrazoabilidade da pretensão da recorrente.
Em primeiro lugar, o Fundo de Garantia de Alimentos Devidos a Menores garante a obrigação do familiar, quando esta não é cumprida. Realiza o pagamento de uma prestação social substitutiva.
Não é o que se verifica nos autos.
O progenitor tem vindo a pagar a pensão de alimentos- facto que é confirmado pela progenitora na informação prestada pela Segurança Social em 10 de janeiro de 2025, na qual consta “Em sede da entrevista, a requerente informou que o requerido cumpre com o valor da pensão de alimentos estipulado pelo Vosso Tribunal (125€ por cada filho), e que apenas não tem cumprido com as atualizações anuais, de acordo com o critério da taxa de inflação e que a presente ação judicial visava essa regularização”.
Logo, não existe incumprimento do progenitor no pagamento da pensão de alimentos mensal. Consequentemente, não se verifica o requisito previsto no artigo 1/1 da Lei 75/98, de 19 de novembro - “a pessoa judicialmente obrigada a prestar alimentos a menor residente em território nacional não satisfizer as quantias em dívida pelas formas previstas no artigo 189.º do Decreto-Lei n.º 314/78, de 27 de Outubro”.
Em segundo lugar, se o que a requerente visa com o incidente de incumprimento da regulação das responsabilidades parentais é a regularização das atualizações anuais acordadas para a pensão de alimentos, não deixamos de nos mover no âmbito do incumprimento e é nesta sede que tem de surgir a solução para o invocado (mas não reconhecido judicialmente) incumprimento.
Não existe fundamento legal para requerer a intervenção do Fundo de Garantia de Alimentos Devidos a Menores porque a obrigação de alimentos acordada e homologada judicialmente está a ser cumprida pelo progenitor.
Em terceiro lugar, não existe sentença proferida pelo tribunal a quo a julgar verificado e reconhecido o incumprimento do progenitor no pagamento das atualizações da pensão de alimentos. E, como vimos, para acionar o Fundo de Garantia de Alimentos Devidos a Menores, terá de existir uma declaração judicial de incumprimento, acompanhada da impossibilidade de cobrança coerciva da prestação de alimentos, designadamente através dos meios previstos nos artigos 48.º do Regime Geral do Processo Tutelar Cível («RGPTC»), aprovado pela Lei n.º 141/2015, de 08 de setembro.
Mas, ainda que existisse tal sentença não há fundamento para requerer a intervenção do Fundo de Garantia de Alimentos Devidos a Menores. A obrigação de alimentos está a ser cumprida; o que está a ser incumprido é a sua atualização. E por isso não pode a recorrente pretender que o tribunal, perante o pagamento mensal da pensão de alimentos, “fixe o respectivo montante da prestação de alimentos a cargo do Fundo de Garantia dos Alimentos Devidos a Menores, nos termos do art.º 1º, n.º 1, da Lei 75/98”. Não há fundamento legal para a sua pretensão nem para aplicação desta lei.
Estando a ser paga a pensão mensal de alimentos, não é possível requerer a intervenção do Fundo de Garantia de Alimentos Devidos a Menores para pagamento das atualizações daquela. Isto porque o Fundo não consiste num mecanismo de assistência universal a todas as crianças carenciadas, mas apenas àquelas que vêm negado pelo obrigado a alimentos o pagamento da pensão de alimentos. O Fundo tem uma preocupação de cariz social e natureza assistencial e por isso a prestação que atribui é substitutiva e subsidiária da prestação a cargo do devedor originário, assente no vínculo da filiação.
Assim se vê que a decisão recorrida não violou o disposto no artigo 1/1 da Lei 75/98, de 19 de novembro.
E também não violou o disposto no artigo 4-A do mesmo diploma- Caso tenham sido fixados coeficientes de atualização da pensão de alimentos, devem estes serem considerados na determinação da prestação a atribuir pelo Fundo desde que a operação de liquidação possa ser realizada através de simples cálculo aritmético e com o recurso a coeficientes de conhecimento público”.
Inserindo este artigo sistematicamente, temos de atender ao que dispõe o n.º 1 deste artigo, que limita o montante da prestação de alimentos a cargo do Fundo de Garantia dos Alimentos Devidos a Menores, que não pode exceder o montante da pensão de alimentos estabelecida no acordo ou na decisão judicial de regulação do exercício das responsabilidades parentais ou de fixação de alimentos.
Estando balizado o “tecto” da prestação de alimentos a cargo do Fundo, o nº 2 do artigo prevê a possibilidade de se ultrapassar a quantia fixada, quando estiverem fixados coeficientes de atualização da pensão de alimentos, que deverão ser considerados na determinação da pensão a pagar pelo Fundo, caso sejam de simples cálculo aritmético e com recurso a coeficientes de conhecimento público. E o n.º 3 deste artigo ainda prevê a possibilidade de o Fundo proceder à atualização da prestação de alimentos aquando da renovação dos pressupostos para a sua atribuição.
Mas, salientamos, tal atualização anual não tem repercussão directa e automática no montante da prestação de alimentos a cargo do Fundo de Garantia de Alimentos Devidos a Menores, o qual (persistindo o incumprimento do obrigado) só deverá ser fixado pelo Tribunal (ou atualizado pelo Fundo), após a realização de diligências de prova que este considere indispensáveis, e de inquérito sobre as necessidades do(s) menor(es), atendendo à capacidade económica do agregado familiar, ao montante da prestação de alimentos fixada (que é apenas um dos factores a ter em conta na prestação a suportar pelo Fundo) e às necessidades específicas do(s) menor(es), montante esse que deverá ter por limites máximos o montante de 1 IAS, por cada devedor, e o montante da pensão de alimentos estabelecida no acordo.
 
Improcede o recurso interposto.

V. Decisão
Por todo o exposto, acordam os Juízes desta 8.ª Secção Cível do Tribunal da Relação de Lisboa em julgar improcedente o recurso de apelação, assim mantendo a decisão recorrida.
Custas pela recorrente.

Escrito e revisto pela Relatora.

Lisboa, 10 de abril de 2025
Maria Teresa Lopes Catrola
Carla Matos
Teresa Sandiães