VERIFICAÇÃO ULTERIOR DE CRÉDITOS
LITISPENDÊNCIA PARCIAL
INEPTIDÃO PARCIAL DA PETIÇÃO INICIAL
Sumário

Sumário (do relator) – artigo 663.º, n.º 7, do Código de Processo Civil
I – A mera reprodução integral e ipsis verbis do alegado no corpo das alegações encimada do título “conclusões”, bem como as conclusões que padeçam do vício de prolixidade não traduzem uma falta de alegações, razão pela qual não dão lugar a rejeição liminar do recurso.
II – Se com a providência cautelar se obtém uma composição provisória do litígio até ser proferida a decisão definitiva na acção principal, nunca se poderá falar de litispendência entre uma e outra.
III - A causa de pedir, como decorre da definição legal constante do artigo 581º, nº 4 do CPC, traduz-se no facto jurídico concreto em que se baseia a pretensão deduzida em juízo, isto é, o facto jurídico concreto de que emerge o direito em que o autor funda o pedido.
IV – Se a petição inicial não contém os factos que integram o núcleo primordial da causa de pedir de forma a permitir a percepção das razões de facto e de direito que estão subjacentes à propositura da acção e aos pedidos formulados, fica o tribunal impedido de fazer um julgamento de mérito de tais pedidos.
V – Pese embora não conste expressamente do CPC, é admissível a ineptidão parcial da petição inicial nos casos em que a causa de pedir apenas suporte um dos pedidos formulados.
VI - Sendo a petição inepta, não tem o tribunal de proferir despacho convite ao aperfeiçoamento, se, como foi apresentada, tal não permitir o conhecimento e decisão sobre o mérito do pedido.

Texto Integral

Acordam no Tribunal da Relação de Lisboa,

1. PNEUCOM – COMÉRCIO E SERVIÇO DE ASSISTÊNCIA AUTOMÓVEL, S.A., veio, por apenso aos autos principais de insolvência, propor a presente acção sob a forma de processo comum, com processo ordinário, contra MASSA INSOLVENTE PNEUMAIS – COMÉRCIO E SERVIÇO DE PNEUS, LDA., PNEUMAIS – COMÉRCIO E SERVIÇO DE PNEUS, LDA., 321 CRÉDITO, INSTITUIÇÃO FINANCEIRA DE CRÉDITO, S.A., ARROW GLOBAL LIMITED, BANCO COMERCIAL PORTUGUÊS, S.A., BANCO SANTANDER TOTTA, S.A., BANIF – BANCO INTERNCIONAL DO FUNCHAL, S.A., BNP CRÉDITO – INSTITUIÇÃO FINANCEIRA DE CRÉDITO, S.A., B., UNIPESSOAL, LDA, C.N.B. – CAMAC – COMP. NACIONAL BORRACHA, S.A., CAIXA ECONÓMICA MONTEPIO GERAL, CAIXA ECONÓMICA BANCÁRIA, S.A., CAIXA GERAL DE DEPÓSITOS, S.A., COMETIL – COMÉRCIO DE EQUIPAMENTO TÉCNICO INDÚSTRIAL, LDA, CONTINENTAL – PNEUS (PORTUGAL), S.A., EDP COMERCIAL – COMERCIALIZAÇÃO DE ENERGIA, S.A., EDP SERVIÇO UNIVERSAL, S.A., EA., EURO – TYRE BV PORTUGAL, S.A., FERROAL – CONSTRUÇÕES METÁLICAS, LDA, GOODYEAR DUNLOP TIRES PORTUGAL UNIPESSOAL, LDA, GRAÇA & LÍDIA, LDA, HS., INSTITUTO DA SEGURANÇA SOCIAL, JEYS LIMPEZAS TECN.L.EQUIP, LDA, JC & COMP. LDA, JA., JF., LIDERPNEUS, COMÉRCIO DE PNEUS E ACESSÓRIOS AUTOMÓVEIS, LDA, LISGARANTE SOCIEDADE DE GARANTIA MUTUA, S.A., MABA – SOCIEDADE DISTRIBUIDORA DE COMBUSTÍVEIS, LDA, MS., MF., MICHELIN ESPAÑA PORTUGAL, S.A., NOS – COMUNICAÇÕES, S.A., NOVOBANCO, S.A., OITANTE, S.A., PIRELLI NEUMÁTICOS, S.A TRANSPORTES ESTRELA PARADENSE, LDA, VALORPNEU – SOCIEDADE DE GESTÃO DE PNEUS, LDA, VS., VULCANIZADORA IDEAL ALENTEJANA DE JR. e ANDRÉ & FILHAS, LDA., na qual formula os seguintes pedidos:
a) deverá ser reconhecida a validade dos contratos de arrendamentos;
b) em caso de invalidade ou nulidade contratual deverão os RR., ser condenados a pagar à A., a título de indemnização, os seguintes valores:
a. ser ressarcida, do valor correspondente à deslocalização dos bens, no valor total de €17.000,00 (dezassete mil euros);
b. pagamento do valor correspondente à caução e duas rendas, de outros dois espaços, com a mesma configuração e área, que totaliza o montante de €12.300,00 (doze mil e trezentos euros);
c.  valor total de €7.500,00 (sete mil e quinhentos euros), correspondente ao valor médio das obras que a mesma teria que realizar, para instalar os equipamentos e adaptar novos espaços para o seu negócio;
d. de igual modo, a A., terá que ser ressarcida pelos lucros cessantes correspondente à média de lucro do negócio, que a mesma, obteria nos locados, nos anos vincendos no contrato (€18.980,00/ano x 13 anos e 2 meses = €249.903,00);
e. as quantias, referentes aos compromissos com a banca, adquirindo bens, para o desenvolvimento do seu negócio, no montante total de €56.590,10 (cinquenta e seis mil quinhentos e noventa euros e um cêntimos); e
f. a quantia referente ao crédito que A. tem sobre a R. Insolvente, no valor total de €35.586,00 (trinta e cinco mil quinhentos e oitenta e seis cêntimos), acrescido de juros de mora vencidos e vincendos até execução da sentença.
Alegou, em síntese, que, por acórdão da Relação de Lisboa de 27/02/2019, lhe foi concedida legitimidade para que o tribunal de 1.ª instância apreciasse a sua pretensão no que concerne ao reconhecimento da validade dos contratos de arrendamento em causa, devendo como tal ser suspensa a alineação dos imóveis até à prolação de sentença transitada em julgado.
Mais alegou que, por contratos de arrendamento de 01/02/2012, a ré insolvente lhe deu de arrendamento os prédios que identificou, que foram apreendidos para a massa, pelo período de 20 anos, com início nessa data e com um período de carência de um ano, durante o qual assumiu responsabilidades perante fornecedores da ré insolvente, pagando-lhes directamente as quantias que esta tinha em dívida, que seriam abatidas no valor das rendas. Pelo que, tendo a pagar, a título de rendas, desde 2012 a Abril de 2016, a quantia de € 200.900,00, mas tendo pago aos ditos fornecedores a quantia de € 236.487,79, tem ainda um crédito a seu favor, sobre a ré insolvente, de € 35.586,00, ao que acresce a circunstância de, a partir de Abril de 2016, ter passado a pagar as rendas, no total de € 4.100,00 directamente à massa insolvente, sem qualquer incumprimento da sua parte, sendo, como tal, os contratos válidos e eficazes.
Sustentou, ademais, que apresentou providência cautelar inominada para reconhecimento da validade dos contratos de arrendamento, uma vez que em 11/04/2018 recebeu carta do administrador da insolvência comunicando-lhe que não reconhecia a validade dos contratos sobre os imóveis em causa, apreendidos para a massa, e notificando-a para proceder à sua entrega, livre de pessoas e bens, até 30/04/2018, sendo que, apesar de a providência ter sido liminarmente indeferida, por força do recurso interposto, o Tribunal da Relação determinou, no acórdão de 27/02/2019, que o Tribunal de 1.ª instância apreciasse a pretensão da requerente.
Contestaram a presente acção os RR – Caixa Económica Montepio Geral, Pirelli Neumáticos, S.A., Banco Santander Totta, S.A., a Massa Insolvente, Oitante S.A., Lisgarante - Sociedade de Garantia Mútua, S.A,, Goodyear Dunlop Tires Portugal Unipessoal, Lda, Novo Banco S.A., Banco Comercial Português, S.A., C.N.B. – CAMAC – Comp. Nacional Borracha, S.A. e MS., defendendo-se todos por excepção.
Nas contestações apresentadas os RR. Pirelli, Banco Santander S.A., Novo Banco S.A. vieram invocar, entre outras a ineptidão da petição inicial.
A Autora exerceu o contraditório apenas relativamente a parte das excepções invocadas pelo Banco Santander Totta, S.A. e Pirelli Neumáticos, S.A.
Entretanto, tendo o tribunal concluído que ocorria erro na forma do processo – por a Autora não ter lançado mão dos meios previstos nos artigos 141º, nº 1, alínea c) e 146º do CIRE –, por despacho de 29/09/2023, foi ordenada a notificação da  Autora e RR. citados para, em 10 dias, se pronunciarem sobre a questão.
Por requerimento de 12/10/2023, a Autora veio expressar que “a acção declarativa novamente apresentada por apenso” deveria “seguir os ulteriores termos da anterior, não havendo erro de processo nos termos do disposto no artigo 193º do CPC”, razão pela qual requereu o prosseguimento da acção “nos termos anteriormente apresentados.”
Na sequência do antes ordenado, por despacho de 22/12/2023 foi julgada verificada a nulidade de erro na forma de processo e, em consequência, foi determinado que os presentes autos seguissem os termos da acção prevista no art. 146.º do CIRE, que se considerou proposta contra a massa insolvente, os credores e a devedora, com aproveitamento da petição inicial, das citações pessoais efectuadas e das contestações apresentadas.
Após os articulados, dispensada a realização de audiência prévia, foi proferido despacho saneador que julgou procedente a excepção invocada de ineptidão da petição inicial, declarando a nulidade de todo o processado e absolvendo os RR. da instância.
Inconformada com este último despacho, veio a Autora interpor o presente recurso, cujas alegações termina com as seguintes conclusões[1], que se transcrevem parcialmente:
1. Andou mal o Tribunal a quo ao decretar inepta a ação intentada pela Recorrente.
2. De entre os factos relevantes nos autos, assumem particular relevância para melhor compreensão das presentes alegações e da boa e definitiva decisão da causa, aqueles que a seguir se descriminam:
(…)
3. A Recorrente intentou a ação, com o intuito de ver ressalvados os seus direitos enquanto locatária nos contratos de arrendamento que, considera válidos e eficazes perante a Lei.
4. Por acórdão proferido pela 1ª seção do Tribunal da Relação de Lisboa, sobre o apenso F (3088/16.9T8SNT-F.L1), com a referência: 14168583, decidiu em suma: “...Não resulta que, a pretensão da Requerente fique destituída de apreciação jurisdicional, mas antes, que o seu procedimento deve ser convolado para meio processual adequado (cfr artº 193º do CPC) – no caso , questão inserida no âmbito dos efeitos sobre os negócios do insolvente e da apreensão de bens deduzida por mero requerimento...”... “Confrontada com a posição do Administrador da insolvência de não reconhecimento dos contratos de arrendamento, e a consequente entrega do locado a Requerente pretende fazer valer aquele contrato, solicitando a tutela judicial da sua posição; ou seja , pretende que, o tribunal aprecie se os invocados contratos de arrendamento são válidos (como defende) ou se, pelo contrário ( e como defende o Administrador da Insolvência), há fundamento legal para que esses contratos não sejam reconhecidos devendo ocorrer a entrega do locado. Dito de outra forma, ainda, a Requerente pretende a apreciação da legalidade da pretensão do Administrador de insolvência em que lhe seja entregue o locado”... “Essa pretensão é legitima, foi adequadamente deduzida e merece pronuncia judicial substantiva”...
5. Tendo assim determinado o mencionado Acórdão que, o tribunal a quo aprecie a pretensão da Recorrente.
6. No que diz respeito à Recorrente, esta pretende ver o seus direitos ressalvados essencialmente contra a Recorrida Massa Insolvente.
7. Sucede que, por forma a defender a sua pretensão, a Requerente viu-se forçada pelo tribunal a quo, de ter que intentar ação contra a Massa Insolvente e todos os outros credores da insolvência, para [que] o articulado fosse aceite, conforme despacho proferido com a refª 118226231, sobre o Apenso G.
8. Vendo-se a Recorrente forçada a intentar um pedido e uma causa de pedir que, se direciona particularmente à Massa Insolvente, contra todos os restantes R.R., simplesmente com o fundamento de serem credores da insolvência.
Quando,
9. Como é sabido, cabe à massa insolvente, a gestão do património autónomo composto por todos os bens e direitos (ativo) que integram o património do devedor à data da declaração de insolvência, bem como pelos bens e direitos que este adquira na pendência do processo de insolvência.
10. Tendo cabido à R. Massa Insolvente toda a condução do processo que, ataque aos direitos que, a Recorrente pretende ver ressalvados.
11. Salvo melhor opinião andou mal, o tribunal a quo, ao proferir a decisão de considerar inepta a ação interposta pela Recorrente.
12. Particularmente quando diz: Autora não define factualmente o núcleo essencial da causa de pedir invocada, pelo que a Petição Inicial padece de falta de causa de pedir, vício que gera a sua ineptidão.
13. A Recorrente na sua ação, dá indicação de todos os factos relevantes que, conduzem à defesa da sua pretensão, com foco particular contra a Massa Insolvente e a R. PNEUMAIS.
14. Clara e cabalmente demonstrando os factos e alicerçam a causa de pedir no processo.
15. A ação somente é inepta se for ininteligível ou se a causa de pedir está em falta.
16. Ora como se referiu, no ponto de vista da Recorrente, encontra-se manifestamente especificada a causa de pedir,
17. Entre os quais:
(…).
18. Em última análise, pode o tribunal fruto da sua imposição que, a ação fosse intentada também contra todos os credores, não ter intendido que, o foco da ação direciona-se à Massa Insolvente, cujas práticas levaram a Recorrente a defender as suas legitimas pretensões e contra a R. Pneumais.
19. No entanto, sabia o tribunal a quo, por sua decisão que, somente poderia vingar a Recorrente a sua ação, se a intentasse contra todos os credores da insolvência.
20. Não se verificando uma ação ininteligível, ou a causa de pedir está em falta, e sim em última análise uma petição deficiente, cujo convite para aperfeiçoamento deveria ter ocorrido pelo tribunal a quo.
21. Como se sabe a ação é inepta por falta de causa pedir, quando ocorre uma omissão do seu núcleo essencial, ou seja, quando não tenham sido indicados os factos que constituem o núcleo essencial dos factos integrantes da previsão das normas de direito substantivo que justificam a concessão do direito em causa.
22. No entanto, a Recorrente defende que, a sua pretensão é legítima, e explanada factualmente na causa de pedir.
Ou seja,
23. o núcleo essencial dos factos integrantes encontram-se na ação.
24. Em última análise, verificando-se entendimento contrário, deveria ter convidado a Recorrente a aperfeiçoar a sua petição inicial, sanando-se assim o suposto vício;
Até porque,
25. O despacho de aperfeiçoamento, não tem como fim permitir um novo quadro factual que, não existe., cfr Acórdão proferido pelo Tribunal da Relação de Coimbra, proc nº 869/22.8T8CBR.C1
26. Mesmo não se verificando uma petição inepta pelas razões invocadas, a ação poderia ser, quanto muito deficiente, devendo o Juiz proferir despacho de aperfeiçoamento, cfr Acórdão proferido pelo Tribunal da Relação de Coimbra, proc nº 220/15.3T8SEI.C1
27. A ineptidão da petição inicial, apenas, ocorre quando esta contém deficiências que comprometem irremediavelmente a sua finalidade, determinando a nulidade de todo o processo e a absolvição da instância, conforme arts. 186º, nº 1, 576º, nºs 1 e 2, 577º al. b) e 278º 1 al. b), do CPC, o que reiteradamente se defende não ter ocorrido por banda da Recorrente.
28. Ainda, que os factos essenciais alegados sejam insuficientes, se a ré contestar, decorrendo da contestação que interpretou convenientemente a petição inicial e os pedidos, impugnando expressamente o que foi alegado pela autora e, em consequência, requerendo a sua absolvição daqueles, apesar de arguir a ineptidão com fundamento na alínea a), do nº 2, do art. 186º, do CPC seja, com fundamento na falta ou ininteligibilidade de causa de pedir ou do pedido, a arguição não é julgada procedente quando, conforme estipula o nº 3, daquele mesmo artigo.
29. “...Quando no decurso do processo o juiz reconheça que deixaram de ser articulados factos que considera relevantes para o reconhecimento do direito invocado pela autora, o mesmo não pode, de imediato, proferir decisão, julgando procedente a ineptidão da petição inicial, atento o disposto nos art.s 27º, nº 2, al. b) e 54º, nº1 do CPT, (quer na anterior redacção, quer na actual, decorrente da entrada em vigor da Lei nº 107/2019, de 9 de Setembro), sem prejuízo do seu indeferimento nos termos do disposto no nº 1, do artigo 590º, do CPC....”...”O juiz deve, oficiosamente, determinar que a autora aperfeiçoe a petição inicial, suprindo as omissões detectadas, no prazo fixado e só depois é que poderá extrair as consequências daquela omissão, caso não sejam supridas as insuficiências...”, cfr Acórdão proferido pelo Tribunal da Relação do Porto, proc nº 4138/18.0T8MTS-A.P1.
30. Em suma, a causa de pedir, peticionada pela Recorrente, baseia o seu núcleo essencial nos factos ocorridos com o intuito de reclamar a validade de dois contratos de arrendamento de imóveis que, fazem parte do património autónomo da massa insolente.
31. Como a Recorrente, amplamente indica na petição, pretende ver reconhecidos os contratos de arrendamento porque sempre pagou a renda em dinheiro ou através de compensação de pagamento de créditos à R. Pneumais.
32. Outrossim, quer ser indemnizada dos valores que pagou, caso não seja reconhecida a validade dos contratos de arrendamento.
33. Pelo que, não faz sentido vir o tribunal dizer: “...Assim, cremos que a única decisão processualmente correta é a de julgar inepta a petição (sem convite ao aperfeiçoamento) porquanto não estamos perante uma deficiência na indicação de factos mas sim uma ausência de alegação dos mesmos que compromete o conhecimento do mérito da causa...”.
34. Não podendo vingar a decisão do despacho, dado que, mesmo que considera-se deficiente na indicação dos factos, deveria sempre o tribunal a quo, convidado a Recorrente ao aperfeiçoamento da sua peça processual.
Apenas as RR., MASSA INSOLVENTE PNEUMAIS COMÉRCIO E SERVIÇO DE PNEUS, LIMITADA, BANCO COMERCIAL PORTUGUÊS, S.A., PIRELLI NEUMÁTICOS, SUCURSAL EM PORTUGAL e o MINISTÉRIO PÚBLICO apresentaram contra-alegações, em que, no geral, concluíram que, efectivamente, a petição inicial é inepta por ininteligibilidade da causa de pedir, o que resulta na nulidade de todo o processo, justificando-se assim a decisão recorrida.
Foi proferido despacho a admitir o recurso interposto como de apelação, com subida imediata, nos próprios autos e com efeito devolutivo.
Colhidos os vistos, cumpre decidir.
2. Como é sabido, o teor das conclusões formuladas pelos recorrentes define o objecto e delimitam o âmbito do recurso (artigos 608º, nº 2, 609º, 635º, nº 3 e 639º, nº 1 todos do Código de Processo Civil), sem prejuízo de o tribunal poder apreciar as questões de conhecimento oficioso e que ainda não tenham sido conhecidas com trânsito em julgado.
Assim, atendendo ao teor das alegações e contra-alegações apresentadas, cumpre apreciar se:
- por violação do artigo 639º do CPC, as alegações de recurso devem ser recusadas;
- ocorre excepção de litispendência parcial, quanto ao pedido de declaração da validade dos contratos de arrendamento; e
- existe fundamento para o indeferimento liminar da petição inicial por alegada falta de causa de pedir ou se o tribunal deveria antes ter proferido despacho convite ao aperfeiçoamento daquele articulado.
3. Para além da descrição de toda a tramitação constante do relatório que antecede, da análise dos autos e demais apensos, resultam provados os seguintes factos:
a) A aqui Autora intentou, em 17/04/2018, procedimento cautelar comum no qual pedia que fosse reconhecida a validade dos contratos de arrendamento invocados na presente acção (apenso F).
b) Tal procedimento foi liminarmente indeferido por despacho de 18/04/2018, por se ter entendido que, estando-se, face ao alegado, perante a situação prevista na alínea c) do art. 141.º do CIRE, qualquer providência que incidisse sobre bens apreendidos para a massa insolvente tinha de ser exercida ao abrigo do disposto nos arts. 141.º a 148.º do CIRE e não ao abrigo das normas do CPC que regulam os procedimentos cautelares, por estes estarem, no caso, vedados.
c) Inconformada com o decidido, interpôs a aqui Autora, ali requerente, recurso de apelação, sendo que, na procedência do mesmo, foi, por acórdão da Relação de Lisboa de 26/02/2019, revogado o referido despacho de indeferimento liminar e determinado que o tribunal a quo apreciasse a pretensão da requerente.
d) Para tanto, relevou o facto de a Relação de Lisboa, não obstante ter coincidindo com o tribunal da 1.ª instância no sentido de ser inadmissível o meio processual utilizado pela requerente – por o CIRE regular exaustiva e exclusivamente os meios processuais que podem ser movimentados, não deixando margem para aplicação supletiva de outros meios processuais – ter entendido que, sendo o meio utilizado legalmente inadmissível, cabia ao Tribunal convolá-lo para o meio processual adequado.
e) Posteriormente, em 30/04/2019 foi proferido despacho a julgar extinta a instância por inutilidade superveniente da lide, por a questão em causa estar a ser discutida no apenso H.
f) Com efeito, em 14/09/2019, a aqui Autora propôs “ação declarativa de condenação com processo comum sob a forma de processo ordinário” contra os ora RR., mediante a qual formulava pedido rigorosamente igual ao formulado na presente acção.
g) A referida acção, que correu os seus termos como apenso H, terminou por despacho de 07/12/2022, já transitado em julgado, que declarou extinta a instância, por deserção.
4. Cumpre agora conhecer das questões colocadas nas conclusões recursórias, pela ordem supra referida.
4.1. Sustenta a Recorrida MASSA INSOLVENTE que as alegações deduzidas pela Recorrente deveriam ser rejeitadas, por as respectivas conclusões não cumprirem os pressupostos do artigo 639º do CPC, na medida em que se traduzem “em 50% das alegações, sendo obviamente demasiado extensas e inadmissíveis”.
Como já deixamos dito, as conclusões com que a Recorrente termina as suas alegações correspondem, quase integralmente, ao que havia escrito na motivação. Aliás, chega-se ao cúmulo de transcrever a petição inicial, como se este articulado não fizesse parte dos autos.
Trata-se de vício que, actualmente, é bem mais comum do que se possa pensar. No entanto, não é causa para rejeição do recurso. Com efeito, segundo os artigos 637º, nº 2 e 639º do CPC o recorrente deverá cumprir os ónus estruturais de alegações e de formulação de conclusões. É nestas que cabe individualizar o objecto do recurso, ao indicar os fundamentos específicos da recorribilidade (cf. artigo 637º, nº 2 do CPC) e, sendo o caso, o segmento decisório concretamente impugnado (cf. artigo 635º, nº 4 do CPC). Daí ser pacífico na jurisprudência que é pelas conclusões que o recorrente delimita, efectivamente, o objecto do recurso.[2]
Por isso, a falta de alegações ou de conclusões, para além de não admitir aperfeiçoamento, determina a rejeição liminar do recurso (cf. artigo 641º, nº 2, alínea b) do CPC) ou o seu não conhecimento pelo tribunal ad quem (cf. artigo 652º, nº 1, alínea b) do CPC). Mas, considerando os princípios da proporcionalidade e da razoabilidade com que devem ser aplicados os direitos constitucionais ao recurso e à defesa, tem-se entendido que “apenas uma falta absoluta pode ser cominada com rejeição liminar do recurso” e já não uma falta relativa de alegações ou de conclusões.[3]
Daí que a mera reprodução integral e ipsis verbis do alegado no corpo das alegações encimada do título “conclusões”, bem como as conclusões que padeçam do vício de prolixidade não traduzam uma falta de alegações.
O facto de as conclusões serem extensas não tem de corresponder, forçosamente, a uma falta de conclusões, podendo apenas resultar no vício sanável de complexidade ou prolixidade (cf. artigo 639º, nº 3 do CPC), podendo levar a que o tribunal convide o recorrente a completá-las, esclarecê-las ou sintetizá-las.
Seria a situação do presente recurso, caso dessas conclusões não se pudesse retirar, como se retira, os fundamentos e a individualização do objecto recorrido.
Assim, apesar da extensão (desnecessária) das conclusões, concluímos pela admissibilidade do recurso.
4.2. Por dois dos Recorridos (BANCO COMERCIAL PORTUGUÊS, S.A. e PIRELLI NEUMÁTICOS, SUCURSAL EM PORTUGAL) foi ainda alegado que ocorre a excepção de litispendência, em virtude de com a apresentação desta nova acção, existir uma repetição quanto à causa de pedir, aos sujeitos processuais e ao pedido, constantes do Acórdão datado de 27/02/2019, proferido pela 1ª Secção desta Relação, no proc. nº 3088/16.9T8SNT-F.L1, razão pela qual defendem que se encontram preenchidos os requisitos da litispendência, nos termos do artigo 580º e ss. do CPC.
Tendo em conta que a litispendência é uma excepção de conhecimento oficioso (cf. artigos 577º, alínea i) e 578º do CPC), poderá ser apreciada neste recurso.
Ora, cremos que não se verifica a arguida excepção.
Com efeito, tanto a litispendência como o caso julgado pressupõem a repetição de uma causa, divergindo apenas quanto ao estado em que ambas se encontram. Se numa delas foi proferida decisão final transitada em julgado, ocorre a excepção de caso julgado; caso contrário, verifica-se litispendência. O que se pretende evitar em ambas as excepções é a reprodução ou a contradição pelo tribunal de uma decisão anterior, o que afectaria sempre o prestígio e a credibilidade da função judicial, bem como os valores de segurança jurídica e de certeza do direito. [4]
Na situação dos autos não se verifica a excepção de litispendência, porque, desde logo, não existem duas causas pendentes. Como resulta dos factos provados, o processo que constituía o referido apenso F destes autos (procedimento cautelar comum em que foi requerido o reconhecimento da validade dos contratos de arrendamento) terminou por decisão proferida em 30/04/2019, que julgou extinta a instância por inutilidade superveniente da lide, em razão de a questão estar a ser discutida no apenso H destes autos. Por sua vez, a acção que constituía o apenso H também findou, dado a respectiva instância ter sido, igualmente, declarada extinta, desta vez por deserção.
De todo o modo, “constituindo a providência cautelar uma composição provisória do litígio até ser proferida a decisão definitiva na acção principal, nunca se poderá falar de litispendência ou de caso julgado entre uma e outra”.[5]
Em suma, não se verifica a excepção de litispendência.
4.3. Cumpre agora analisar os fundamentos invocados pelo tribunal a quo para o decretado indeferimento liminar da petição inicial por alegada falta de causa de pedir.
Segundo consta do despacho recorrido, apesar de o pedido formulado sob a alínea a) versar sobre o reconhecimento da validade dos contratos de arrendamento, “as conclusões expostas ao longo da petição inicial dizem apenas respeito a uma suposta responsabilidade contratual de todos ou alguns dos RR, sem concretização factual e que não se reportam aos arrendamentos em concreto”, acrescentando-se ainda que “a Autora nem sequer identifica em concreto contra quem dirige os pedidos que formula a final, nem durante a descrição dos factos identifica quem violou os deveres contratuais expostos, quem tem responsabilidade de indemnizar, e caso tenham responsabilidades conjuntas também não é alegado porquê e com que fundamento.”
Daí que se conclua que “a Autora não define factualmente o núcleo essencial da causa de pedir invocada, pelo que a Petição Inicial padece de falta de causa de pedir, vício que gera a sua ineptidão”.
A Recorrente, pese embora reconheça a deficiência da petição, sustenta que “a causa de pedir (…) baseia o seu núcleo essencial nos factos ocorridos com o intuito de reclamar a validade de dois contratos de arrendamento de imóveis que, fazem parte do património autónomo da massa insolente”, pretendendo, com isso, o reconhecimento dos contratos de arrendamento e ser indemnizada dos valores que pagou, caso não seja reconhecida a validade daqueles contratos (cf. conclusões 30, 31 e 32).
Vejamos, pois, se se justifica a censura que a Recorrente dirige ao tribunal.
4.3.1. A ineptidão da petição inicial é uma excepção dilatória, geradora da nulidade de todo o processo, e que, a verificar-se, importa a absolvição do réu da instância, obstando a que o tribunal conheça do mérito da causa (artigos 186º, 278º, n.º 1, alínea b), 576º e 574º, n.º 1, alínea b), todos do Código de Processo Civil).
Nos termos da alínea a) do n.º 2 do art. 186º do Código de Processo Civil, diz-se inepta a petição quando, designadamente, falte ou seja ininteligível a indicação do pedido ou da causa de pedir.
O pedido integra, a par da causa de pedir (elemento objectivo) e das partes (elemento subjectivo), um dos elementos identificadores e conformadores do objecto da acção, traduzindo-se no efeito jurídico pretendido com a instauração da demanda.
Por sua vez, a causa de pedir, como decorre da definição legal constante do artigo 581º, nº 4 do CPC, traduz-se no facto jurídico concreto em que se baseia a pretensão deduzida em juízo, isto é, o facto jurídico concreto de que emerge o direito em que o autor funda o pedido[6] ou, como refere a doutrina, “o facto concreto que serve de fundamento ao efeito jurídico pretendido”[7] ou o correspondente “ao núcleo fáctico essencial tipicamente previsto por uma ou mais normas como causa do efeito de direito material pretendido”.[8] É delimitada pelos factos jurídicos dos quais procede a pretensão que o autor formula, cumprindo a este a alegação desses factos.[9] Assim, por exemplo, “na responsabilidade civil contratual, a causa de pedir consiste nos factos que integram o contrato, no facto concreto em que, na perspectiva da parte, se traduziu o incumprimento, no dano e no nexo causal; na responsabilidade civil extracontratual integram a causa de pedir os factos subjacentes à violação ilícita de um direito ou interesse alheio, a culpa, o dano e o nexo de causalidade. Neste caso, haverá somente uma única causa de pedir relativamente a factos que integram a previsão de normas jurídicas constitutivas de direitos (v.g. artigos 483º e 799º do Código Civil) se o núcleo essencial da previsão das duas normas for o mesmo, o que será raro: compete assim à parte alegar e provar os factos concretos essenciais à identificação dessas normas, independentemente da qualificação jurídica, que é um assunto em relação ao qual o tribunal é, como sabemos, soberano.”[10] Será pela demonstração desse factos em juízo que o autor alcançará a tutela jurisdicional desejada. Aliás, por força do disposto na alínea d) do nº 1 do artigo 552º do CPC, deve o autor expor na petição “os factos essenciais que constituem a causa de pedir e as razões de direito que servem de fundamento à ação.
4.3.2. No caso em apreço, o pedido formulado pela Autora passa pela condenação dos RR., indistintamente, no pagamento de uma indemnização, que subdividem em seis parcelas (o ressarcimento correspondente à deslocalização dos bens no valor de 17.000,00 €; o pagamento do valor correspondente à caução e duas rendas de outros espaços com a mesma configuração no montante de 12.300,00 €; o valor de 7.500,00 €, correspondente ao valor médio das obras que teria de realizar para instalação de equipamentos e adaptação dos novos espaços para o seu negócio; lucros cessantes no valor global de 249.903,00 € correspondentes à média de lucro do negócio que obteria nos locados nos anos vincendos ao contrato; as quantias referentes aos compromissos com a banca adquirindo bens para o desenvolvimento do seu negócio no montante total de 56.590,10 €; e, a quantia referente ao crédito que a Autora tem sobre a Ré insolvente no valor total de 35.586,00 €, acrescido de juros de mora vencidos e vincendos até execução da sentença), tudo como consequência da eventual invalidade ou nulidade dos contratos de arrendamento celebrados com a Ré insolvente (que não está peticionada, pelos menos nesta acção), cujo reconhecimento de validade pede, pedido esse que antecede o precedente pedido condenatório.
Temos, pois, que a Autora formula dois pedidos: o principal, que consiste no reconhecimento da validade dos contratos de arrendamento e o subsidiário[11], que corresponde a um pedido indemnizatório, a ser considerado para o caso de o tribunal não reconhecer a validade dos ditos contratos de arrendamento. Ou seja, o tribunal irá analisar e decidir aquele primeiro pedido, só tendo de apreciar o subsidiário se concluir pela improcedência do principal, a não ser que, porventura, haja desistência deste ou absolvição da instância nessa parte. Note-se que a cada um dos pedidos correspondem causas de pedir distintas.
Sobre esta questão, diz-se o seguinte no despacho impugnado:
“Para fundamentar os pedidos formulados começa a Autora por alegar que por contrato de arrendamento datado de 01-02-2012, a R. Insolvente, deu de arrendamento à A. os dois prédios de que é proprietária pelo período de 20 anos, com início no dia 01-02-2012, com as rendas mensais de €3.000,00 e €1.100,00, com um período de carência de um ano.[artigos 8º a 13º da p.i].
Em seguida procede a Autora de forma desconexa à imputação de responsabilidades contratuais a alguns RR, e não a outros, sem qualquer nexo de ligação ou conexão entre as conclusões que formula e os factos que alega.[artigos 14º e ss. da p.i.]
Começa por alegar que assumiu também algumas responsabilidades financeiras, perante fornecedores da R. (qual Ré?) pelo que pretende compensar os valores liquidados.[artigos 14º e 15º da p.i.]
Alega que “tal movimentação por banda dos ora R.R., causa em tem causado, sérios distúrbios na atividade da A.”, [artigo 40º da p.i] “existem claramente, uma série de circunstâncias que apontam claramente que a R. Massa Insolvente, a pretende “despejar”, com a alienação dos imóveis no próximo dia 03/04/19. [artigo 41º da p.i.] Que Réus? Todos? Que circunstâncias?
No que toca à massa insolvente invoca que as diligências processuais inerentes ao processo de insolvência lhe causam prejuízos – “encontra-se a desenvolver a sua atividade, abaixo das suas expetativas, motivado pelas constantes litigâncias, provocadas pelos R.R. Massa Insolvente e credores. [artigo 45º da p.i.] Ou então “transparece que, a R. Massa Insolvente, e ou os R. credores, têm receio que, o desfecho judicial, favoreça a requerente, e em resultado do mesmo, o valor dos imóveis desvalorize, bem como, o in come, da alienação dos mesmos, por terem que ser vendidos, com ocupação.” [artigo 49º da p.i.]
Alega a Autora que “considera que os ora R.R., sabendo desse fato, atuam deliberadamente de má-fé contratual.” [artigo 52º da p.i.] Mais refere, admitindo que não consegue concretizar os factos que invoca “Deste modo, conclui-se que em particular os ora R. massa insolvente e R. credores (mesmo que não todos), encontram-se a prejudicar atividade comercial da A., sem qualquer fundamento real. Se não todos, quais? [artigo 61º da p.i.] Se a Autora não sabe quem saberá?”[12]
Esta curta análise da petição feita no despacho impugnado ilustra bem a intenção da Autora, ao formular o pedido subsidiário, que foi a de imputar aos RR ou a alguns deles a obrigação de indemnização pelos danos emergentes e futuros causados, não sendo claro se o faz a título de responsabilidade contratual ou extracontratual. Porém, como bem se refere na decisão recorrida, a Autora “nem sequer identifica em concreto contra quem dirige os pedidos que formula a final  [com excepção do crédito mencionado na parcela 6) da alínea b) cujo pagamento reclama da Ré insolvente], nem durante a descrição dos factos identifica quem violou os deveres contratuais expostos, quem tem responsabilidade de indemnizar, e caso tenham responsabilidades conjuntas também não é alegado porquê e com que fundamento”. Ou seja, para além de a Autora não ter especificado quais os RR. (se todos ou alguns deles) seriam eventualmente responsáveis pelas indemnizações cujo pagamento reclama, também não resulta do articulado quais os concretos factos ilícitos e culposos que, no seu entendimento, teriam sido praticados – limitando-se antes a fazer alegações genéricas e conclusivas – , bem como as normas legais ou cláusulas contratuais que eventualmente os RR. teriam infringido. Acresce igualmente que a escassez de factos alegados não permite estabelecer o nexo de causalidade entre os supostos actos/omissões, alegadamente praticados por todos os RR. ou alguns deles e os danos que a Autora terá sofrido ou irá sofrer.
Assim, quer a pretensão da Autora se funde em responsabilidade civil contratual, quer se trate de responsabilidade civil extracontratual, temos de concluir que a petição inicial não contém os “factos que integram o núcleo primordial da causa de pedir”[13] de forma a permitir a percepção das razões de facto e de direito que estão subjacentes à formulação do pedido subsidiário.[14] Esta omissão de que padece a petição impede que seja feito um julgamento de mérito de tal pedido indemnizatório.
Assim, relativamente ao pedido subsidiário, concordamos com a decisão recorrida, de que há ineptidão da petição inicial, por força do disposto no artigo 186º, nº 2, alínea a) do CPC, o que determina a ineptidão (parcial) da petição em relação a esse pedido. Mas, quanto ao pedido principal – consistente no reconhecimento da validade dos contratos de arrendamento – a petição não se tem por inepta, uma vez que a respectiva causa de pedir resulta do alegado nos artigo 8º a 22º da petição inicial. Aliás, a real intenção da Autora com a propositura da presente acção é a de “reclamar a validade de dois contratos de arrendamento de imóveis que fazem parte do património autónomo da massa insolvente” (cf. conclusão 30. das alegações de recurso).
Em síntese, a petição é parcialmente inepta por ininteligibilidade ou falta da causa de pedir que fundamente o pedido indemnizatório formulado sob a alínea b), mas subsiste, por essa falta não se verificar relativamente ao pedido de reconhecimento da validade dos contratos de arrendamento celebrados formulado na alínea a).
Acresce que, “apesar de o actual CPC não referir expressamente a possibilidade de ineptidão parcial da petição, também não há razões para a sua não admissão nos casos em que a causa de pedir apenas suporta uma dos pedidos formulados.”.[15]
4.3.3. Desta feita, consideramos que, em parte, é correcta a decisão do tribunal a quo em julgar inepta a petição por falta de causa de pedir, uma vez que, nestas situações, não há lugar a qualquer despacho convite ao aperfeiçoamento.
Só será admissível despacho de aperfeiçoamento apenas quando a petição se revele insuficiente, imprecisa ou incompleta. Como se decidiu no Acórdão do STJ de 07/06/2022 (proc. 3786/16.7T8BRG-L1.S3)[16], “não deve (…) convidar-se a aperfeiçoar uma petição inepta, mas apenas a que seja deficiente, sendo o critério decisivo para distinguir (…), o que define se a petição permite ou não, como foi apresentada, o conhecimento e decisão sobre o mérito do pedido.”
Desta feita, procedem parcialmente as alegações de recurso.
5. Pelo exposto, acordam os Juízes da 1ª Secção do Tribunal da Relação de Lisboa em julgar parcialmente procedente a presente apelação, em resultado do que:
a) revogam a decisão recorrida na parte em que decreta a ineptidão da petição inicial em relação ao pedido de reconhecimento da validade dos contratos de arrendamento, ordenando, consequentemente, o prosseguimento da acção quanto a esse pedido; e
b) confirmam a decisão recorrida na parte em que decreta a ineptidão da petição inicial relativamente ao pedido de indemnização formulado em b).
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Considerando o decaimento parcial, as custas ficam a cargo de Recorrente e Recorridas, na proporção do respectivo vencimento, que se quantifica em metade para cada parte (artigo 527º do CPC).

Lisboa, 11/03/2025
Nuno Teixeira
Paula Cardoso
Ana Rute Alves Costa Pereira
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[1] “Conclusões” apenas de nome, uma vez que são a mera reprodução do que se escreveu antes na motivação do recurso.
[2] Cf. RUI PINTO, Manual do Recurso Civil, volume I, Lisboa, 2020, pág. 293.
[3] Cf. neste sentido, RUI PINTO, Ob. Cit., pág. 294, bem como a jurisprudência por ele citada.
[4] Cf. ABRANTES GERALDES, PAULO PIMENTA E PIRES DE SOUSA, Código de Processo Civil Anotado, volume I, 2ª Edição, Coimbra, 2020, pág. 684.
[5] Cf. TRL, Ac. de 13/02/2001 (proc. 0075961), cujo sumário está disponível em www.dgsi.pt/jtrl.
[6] Cf. Acórdãos do STJ de 20/01/1994, BMJ 433, pág. 495 e de 25/09/2012 (proc. nº 3371/07.4TBVLG.P1.S1), in www.dgsi.pt/jstj.
[7] ANTUNES VARELA e Outros, Manual de Processo Civil, 2ª Edição, pág. 245.
[8] LEBRE DE FREITAS, Acção Declarativa Comum à luz do Código de Processo Civil de 2013, pág. 41.
[9] Cf. REMÉDIO MARQUES, Acção Declarativa à Luz do Código Revisto, 3ª Edição, pág. 226/227.
[10] Cf. REMÉDIO MARQUES, A Acção Declarativa à Luz do Código Revisto (pelo Decreto-Lei nº 303/2007, de 24 de Agosto), Coimbra, 2007, pág. 446.
[11] Segundo o nº 1 do artigo 554º do CPC “diz-se subsidiário o pedido que é apresentado ao tribunal para ser tomado em consideração somente no caso de não proceder um pedido anterior.”
[12] Para melhor compreensão, inseriram-se no texto os artigos da petição citados ou referidos no despacho.
[13] Cf. ABRANTES GERALDES, PAULO PIMENTA e PIRES DE SOUSA, Ob. Cit., pág. 630.
[14] Note-se que, para além de omitir a alegação dos factos essenciais integradores da causa de pedir, a Autora também não indica qualquer preceito legal para fundamentar os pedidos indemnizatórios.
[15] Cf. TRE, Ac. de 15/06/2023 (proc. 2912/22.1T8FAR.E1), bem como, no mesmo sentido, TRG, Ac. de 06/02/2020 (proc. 2087/16.5T8CHV-A.G1), ambos disponíveis em www.direitoemdia.pt.
[16] Disponível em www.dgsi.pt/jStj. Ver ainda neste sentido o Ac. desta Relação de 04/07/2023 (proc. 1936/15.0T8VFX-N.L3), disponível em www.dgsi.pt/jtrl, no qual interveio, como adjunto, o ora relator, em cujo sumário consta o seguinte: “Sendo a petição inepta, não há lugar a despacho convite ao aperfeiçoamento, porquanto apenas poderão ser superadas, por iniciativa do juiz, as insuficiências/imprecisões na exposição/concretização da matéria de facto que não condicionem o conhecimento do mérito da causa.”