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ANULAÇÃO DE DELIBERAÇÃO SOCIAL
EXTINÇÃO DA INSTÂNCIA
INUTILIDADE SUPERVENIENTE DA LIDE
EXCLUSÃO DE SÓCIO
AMORTIZAÇÃO DE QUOTA
RESPONSABILIDADE POR CUSTAS
Sumário
I – Não se pode falar, objectivamente, em deliberações nulas ou anuláveis, enquanto hão houver decisão judicial transitada em julgado a declarar a respectiva nulidade ou anulabilidade. II – A extinção da instância por impossibilidade ou inutilidade superveniente da lide afere-se por referência aos sujeitos e ao objecto de um processo concreto, isto porque a relação processual tem como elementos os seus sujeitos (partes) e o seu objecto (pedido e causa de pedir). III – Se a exclusão judicial de sócio visa, sobretudo, proteger a sociedade do comportamento indevido de um concreto sócio, a cessação do estatuto de sócio resultante da amortização de todas as suas quotas naquela sociedade acaba por responder àquela necessidade societária, tornando inútil o prosseguimento da causa em que se discutia a requerida exclusão. IV – Se a amortização das quotas do sócio que se pretende excluir da sociedade é da iniciativa desta, a consequente inutilidade superveniente da lide não é imputável ao sócio a excluir, mas antes à sociedade. Por isso, seguindo a regra do nº 3 do artigo 536º do CPC, as custas são da responsabilidade desta. V – Por analogia com o disposto nos artigos 234º, nº 2 e 241º, nº 2 do CSC, a acção de exclusão judicial de sócio deve ser proposta, no prazo de 90 dias contados do conhecimento do facto fundamentador da exclusão. VI – Se a acção de exclusão de sócio se encontra dependente de deliberação dos sócios prevista no nº 2 do artigo 242º do CSC, o termo inicial do prazo de 90 dias para a respectiva propositura tem de situar-se em data anterior à da realização da respectiva assembleia geral. VII – Por não incidir sobre o mérito da causa, a decisão que aprecie a inutilidade superveniente da lide parcial não tem de ser proferida após a apreciação da excepção peremptória de prescrição. (Sumário do relator – artigo 663.º, n.º 7, do Código de Processo Civil.)
Texto Integral
Acordam no Tribunal da Relação de Lisboa,
1. T ASDS, LDA (“T ASDS”); T II, LDA., (“T II”); T III, LDA., (“T III”); T SPACE, LDA., (“T Space”); O, LDA., (“O”); e M, LDA. (“M”), intentaram a presente acção de exclusão judicial de sócio, sob a forma de processo comum, contra PSG, peticionando que fosse decretada a exclusão judicial do Réu de sócio das Autoras.
Regularmente citado, veio o Requerido deduzir contestação, articulado onde, entre o mais, arguiu a excepção de prescrição do direito à exclusão de sócio, bem como a inexistência de crédito quanto à Autora, T SPACE.
Findos os articulados, realizou-se uma audiência prévia, no início da qual as AA. juntaram um requerimento apontando para a inutilidade parcial da lide em relação às cinco primeiras AA., e em complemento, solicitaram que ao abrigo dos deveres de cooperação e boa-fé processual enunciados nos art.ºs 6º e 7º do Código de Processo Civil (doravante CPC), o Réu fosse notificado para esclarecer se impugnou judicialmente todos estes actos societários, para assim se poder confirmar se havia inutilidade parcial da lide.[1]
Assim, por despacho de 01/11/2022 (refª 419834066), foi o Réu notificado para esclarecer se havia impugnado as operações societárias que determinaram o seu afastamento como sócio das AA., T ASDS, T II, T III, T SPACE e O “com o objectivo de proferir decisão quanto à inutilidade superveniente parcial suscitada”.
Como o Réu nada tivesse esclarecido, em 13/10/2023 foi proferido despacho (refª 428272191) que termina com o seguinte dispositivo: “Em face do exposto, no que respeita às Autoras T ASDS, T II, T III, T Space e O, vista a não impugnação das operações societárias que determinaram o afastamento do Réu de sócio das Autoras T ASDS, T II, T III, T Space e O, que são do conhecimento existe inutilidade superveniente da lide, a qual se declara, em termos parciais, ao abrigo do disposto no art. 277/e) do Código de Processo Civil, mantendo-se a utilidade do presente processo relativamente à Autora M. Custas nesta fase, na proporção de 5/7 a repartir por ambas as Partes ainda em litígio de forma igual, nos termos do art. 536/1 do Código de Processo Civil. Valor da acção: € 30.001,00.”
Na mesma data e com a mesma referência, foi proferido um segundo despacho que julgou improcedente a arguida excepção de prescrição do direito à exclusão de sócio.
Inconformado com ambas as decisões, delas interpôs recurso o Réu, que foi recebido como de apelação, com subida imediata, em separado e efeito meramente devolutivo.
Termina as respectivas alegações de recurso com as seguintes conclusões:
I. O presente recurso tem por objecto o despacho proferido em acção em que se aprecia, de um lado, a existência de factos fundamentadores da exclusão judicial do Réu e aqui Recorrente de sócio das sociedades T ASDS, Lda., T II, T III, T Space, O e M, do outro, nomeadamente, a tempestividade do exercício do direito de acção, na parte em que decidiu que:
“(…) Em face do exposto, no que respeita às Autoras T ASDS, T II, T III, T Space e O, vista a não impugnação das operações societárias que determinaram o afastamento do Réu de sócio das Autoras T ASDS, T II, T III, T Space e O, que são do conhecimento existe inutilidade superveniente da lide, a qual se declara, em termos parciais, ao abrigo do disposto no art. 277/e) do Código de Processo Civil, mantendo-se a utilidade do presente processo relativamente à Autora M. Custas nesta fase, na proporção de 5/7 a repartir por ambas as Partes ainda em litígio de forma igual, nos termos do art. 536/1 do Código de Processo Civil. (…) Da prescrição do direito da A: Em face do exposto, julga-se improcedente a excepção de prescrição do direito à exclusão de sócio invocada pelo Réu. (…)”
II. As decisões recorridas merecem censura, quer quanto à matéria de facto [no que respeita à questão da inutilidade superveniente da lide relativamente às sociedades T II e T III], quer quanto ao enquadramento jurídico em que se firmam. O Tribunal a quo apreciou e valorou a prova de forma incongruente, ditando errada decisão de facto – em razão do que a presente apelação tem também por objecto a reapreciação da decisão sobre a matéria de facto – e de direito. Consequentemente, não pode o Réu, aqui Recorrente, conformar-se, nem com o julgamento de facto, nem com as soluções jurídicas encontradas pelo Tribunal a quo para as decisões da causa.
III. O Tribunal a quo errou no julgamento da matéria de facto ao incluir na matéria de facto que deu como provada que “as quotas detidas pelo réu na T II e na T III foram amortizadas por deliberação das respectivas assembleias gerais no dia 03.08.2020, tendo o Réu sido notificado destas amortizações no dia 19.09.2020 por carta datada de 22/09/2015” quando as deliberações em causa, conforme resulta das actas das Assembleias Gerais de 03.08.2020 da T II e da T III, juntas como Documentos n.º 3 e 4 ao requerimento apresentado pelas Autoras em 27.01.2021 (Ref.ª 37851328) – documentos ad substantiam (cfr. art. 63.º do CSC e 364.º do CC) –, não contêm todos os requisitos necessários, nomeadamente a menção imposta pelo n.º 2 do art. 236.º do CSC, causa da respectiva nulidade, que é invocável a todo o tempo e de conhecimento oficioso.
IV. Sendo nulas as referidas deliberações, em consequência do que não produziram ab initio os efeitos jurídicos que lhe corresponderiam, não podia o Tribunal a quo dar como provada a amortização daquelas quotas, impondo-se uma alteração à decisão relativa à matéria de facto, devendo este facto ser suprimido dos factos provados. Assim,
V. deve este Tribunal concluir pela existência de erro de julgamento de facto de que padece a decisão recorrida, alterando a decisão sobre a matéria de facto nos termos supra propugnados (cfr. art. 662.º, nº.1, do CPC).
VI. Não se considerando provado, como se impunha – face à nulidade das respectivas deliberações nos termos conjugados do disposto nos arts. 236.º, n.ºs 1 e 2, 56.º, n.º 1, al. d), e 63.º do CSC e 364.º do CC – e impõe [por força do disposto no art. 286.º do CC], a amortização das quotas do réu na T II e na T III, facilmente se conclui, ao contrário do sustentado pelo Tribunal a quo, que viola as referidas disposições legais, inexistente a impossibilidade superveniente da lide relativamente a estas Autoras.
VII. Mas, mesmo que assim não se entenda, o que só por mera hipótese se admite, considera o Réu não se verificar a declarada inutilidade superveniente da lide relativamente a nenhuma das Autoras, uma vez que: a prévia instauração da presente acção não é inócua, pois que, a proceder (o que também só por mera hipótese se admite), o sócio excluído [por sentença] tem direitos que não lhe são assegurados de outra forma; a decisão de apreciação do mérito da causa proferida nos presentes autos constituirá caso julgado material, o que, em caso de absolvição dos pedidos, se manifesta de superior importância para o Réu face, nomeadamente, às queixas-crime que apresentou, bem como para a reposição do seu bom nome e exercício dos demais direitos que lhe assistem e que foram abalados com a actuação das Autoras; a posição subjectiva do Réu fica prejudicada pela declarada inutilidade superveniente da lide e consequente extinção da instância; o conhecimento do mérito da acção tem efeitos em sede de custas, circunstâncias que não podem deixar de ser pesada na respectiva decisão.
VIII. O tribunal só pode julgar extinta a instância por inutilidade superveniente da lide se estiver em condições de emitir um juízo apodíctico acerca da ocorrência superveniente da inutilidade – tendo a avaliação da utilidade da lide de ser feita atendendo à configuração individual e concreta do pleito sub judice, maxime aos pedidos que no mesmo foram deduzidos e aos respectivos efeitos –, uma vez que a extinção da instância, nos termos do artigo 277.º, al. e), do CPC, exige a certeza absoluta da inutilidade a declarar, o que não acontece nos presentes autos.
IX. A solução do litígio não deixou de interessar, devendo a decisão que declarou a extinção da instância relativamente às Autoras T ASDS, T II, T III, T Space e O ser revogada e substituída por outra que declare a utilidade do presente processo relativamente a todas as respectivas Autoras.
X. Acresce que o despacho recorrido julgou extinta a instância, por inutilidade superveniente da lide, relativamente às Autoras T ASDS, T II, T III, T Space e O e condenou em custas nesta fase, na proporção de 5/7 a repartir por ambas as Partes ainda em litígio de forma igual.
XI. Acontece que no quadro que vem desenhado, mesmo que se entenda existir a declarada inutilidade superveniente da lide – o que só por mera hipótese se admite –, certo é que o Réu não deu causa às custas e só nesse caso podia o mesmo ser condenado no seu pagamento, pelo que o despacho violou, destarte, o art. 536.º do CPC, devendo ser revogado e substituído por decisão que o isente de custas.
XII. Quanto à decisão que recaiu sobre a prescrição, é patente o erro de julgamento do Tribunal a quo nomeadamente na interpretação do art.º 306.º do CC.
XIII. Depois de ter considerado provado que as Autoras deliberaram a propositura da acção de exclusão de sócio contra o Réu em assembleias gerais realizadas no dia 14.11.2018 quando já estava decretado o arresto dos bens na titularidade do Réu, tendo, naturalmente, presente que os fundamentos deste correspondiam aos fundamentos daquela, o que pressupõe o conhecimento dos factos que compõem a respectiva causa de pedir, o Tribunal a quo conclui, inesperada e erradamente, que apenas no momento do conhecimento do Relatório Preliminar de auditoria Forense pelas Autoras começou a correr o prazo de prescrição do direito destas a instaurar a presente acção.
XIV. Dizem-nos as mais elementares regras da lógica que o conhecimento de alegados factos constitutivos do direito de exclusão de sócio a que as Autoras se arrogam teve de ser [e diz-nos a prova que foi] prévio à instauração de qualquer acção/procedimento cautelar pelas mesmas contra o ora Réu, já que, sem invocação dos mesmos e produção de alguma prova, pelo menos, indiciária (e ainda que, efectivamente, descontextualizada), face à gravidade das “acusações” e das suas consequências, não conseguiriam convencer, como convenceram, o Tribunal a decretar nomeadamente o arresto dos bens na titularidade formal do Réu – em 22.10.2018.
XV. Ademais, o conhecimento de tais factos tem também de ser prévio à, pelo art.º 242.º, n.º 2, do CSC, imposta deliberação de instauração de acção de exclusão de sócio, na medida em que, como ensina Raúl Ventura, tais factos limitam a causa de pedir da acção de exclusão, pois o representante da sociedade deve propor a acção com os fundamentos da deliberação e não outros, sobre os quais não tenha recaído a apreciação dos sócios.
XVI. Perante o alegado pelas Partes, a prova produzida e a determinação legal [da qual resulta a deliberação imposta pelos arts. 242.º, n.º 2, e 246.º, n.º 1, al. g), do CSC, como pressuposto processual da acção de exclusão judicial de sócio], das três uma:
- o Tribunal a quo considerava inexistir deliberação válida nos termos e para os efeitos previstos no referido art. 242.º do CSC, uma vez que as deliberações em causa não continham quaisquer factos que pudessem ser compreendidos na qualificação de comportamento desleal ou gravemente perturbador do funcionamento das Autoras por parte do Réu (nomeadamente enquanto sócio das mesmas) e, consequentemente, uma omissão que, enquanto condição de exercício da acção, condiciona a instauração da acção em termos da sua legitimatio ad causam, que conduziria à absolvição do Réu da instância,
- o Tribunal a quo entendia que a fundamentação da deliberação correspondia à fundamentação de facto constante das decisões judiciais [tomadas nos processos números 19634/18.0T8LSB e 21842/18.5T8LSB] invocadas naquelas deliberações e, por estarem em causa alegados factos praticados pelo Réu na qualidade de gerente das Autoras, considerava não provados factos essenciais para a procedência da acção (na qual se pede a exclusão do mesmo como sócio das Autoras), absolvendo o Réu do pedido; ou
- o Tribunal a quo entendia existirem deliberações válidas nos termos e para os efeitos previstos no referido art.º 242.º do CSC e declarava procedente a excepção da prescrição, uma vez que os factos fundamentadores de tais deliberações tinham de ser e foram conhecidos em momento muito anterior às mesmas.
XVII. O Tribunal a quo considerou existirem deliberações válidas nos termos e para os efeitos previstos no referido art.º 242.º do CSC, todavia não extraiu daí a decisão correcta.
XVIII. A decisão recorrida, vergando-se ao alegado pelas Autoras no sentido de que só em 13.05.2019, data em que terminou a primeira fase da Auditoria Forense Independente e em que lhes foi disponibilizado pela Pricewaterhousecoopers Relatório Preliminar da auditoria forense, passaram a dispor de prova cabal e da informação necessária à instauração da presente acção, considerou que só nessa data se verificou o termo inicial do referido prazo de prescrição de 90 dias, fazendo uma errada interpretação do disposto no art. 306.º do CC.
XIX. Esta decisão para, além de contrária à prova produzida nos autos e à factualidade dada como provada – de que decorre que o início do prazo para o exercício do direito de exclusão judicial de sócio se iniciou o mais tardar em 14.11.2019 –, atenta contra o senso comum e o bom senso, desde logo em virtude de as Autoras alegarem a necessidade do relatório preliminar para construir a presente acção e a mesma, com uma PI com 184.º artigos e 187 documentos, ter sido apresentada, via Citius, no dia em que terminou a primeira fase da Auditoria Forense Independente e em que lhes foi disponibilizado pela Pricewaterhousecoopers o respectivo Relatório Preliminar, relatório este com cerca de 70 páginas…
XX. Por força do disposto no art.º 607.º do CPC, na fundamentação das respectivas decisões, o juiz declara quais os factos que julga provados e quais os que julga não provados, analisando criticamente as provas, indicando as ilações tiradas dos factos instrumentais e especificando os demais fundamentos que foram decisivos para a sua convicção; o juiz toma ainda em consideração os factos que estão admitidos por acordo, provados por documentos ou por confissão reduzida a escrito, compatibilizando toda a matéria de facto adquirida e extraindo dos factos apurados as presunções impostas pela lei ou por regras de experiência. Importa concluir que, no caso em apreço, esta tarefa não foi bem executada, padecendo, também por este motivo, a decisão recorrida do vício de erro de julgamento de direito.
XXI. Assim, não pode manter-se a decisão recorrida, impondo-se a respectiva substituição por outra que declare procedente a arguida excepção da prescrição do direito de exclusão judicial de sócio invocada pelo Réu [relativamente a todas as Autoras], com a consequente absolvição do mesmo do(s) pedido(s).
XXII. Por fim, mas não menos importante, não pode o Réu deixar de imputar ao despacho recorrido, que por este motivo também não se poderá manter, o vício de ilegalidade por violação do disposto nos arts. 608.º, aplicável ex vi art.º 613.º, n.º 3, e 571.º, n.º 2, 576.º, n.º 3, 595.º, n.º 1, al. b), todos do CPC, bem como dos princípios da estabilidade da instância e da certeza/segurança jurídica, da igualdade das partes, a que acresce o da prevalência da decisão de fundo sobre a da forma, porquanto, ao arrepio daquelas normas e princípios, decidiu sobre a inutilidade superveniente da lide antes de decidir a questão da prescrição.
As AA. deduziram contra-alegações, que concluíram pela improcedência do recurso de apelação.
Colhidos os vistos, cumpre decidir.
2. Como é sabido, o teor das conclusões formuladas pelos recorrentes define o objecto e delimitam o âmbito do recurso (artigos 608º, nº 2, 609º, 635º, nº 3 e 639º, nº 1 todos do Código de Processo Civil).
Assim, de acordo com as conclusões recursórias, são estas as questões a resolver:
- impugnação da matéria de facto, com a eventual consequente supressão do segundo facto dado como provado constante do primeiro despacho;
- verificação dos pressupostos para a extinção parcial da instância, por inutilidade superveniente da lide;
- regime de condenação em custas em resultado da extinção parcial da instância;
- início do prazo para o exercício do direito de pedir a exclusão judicial de sócio; e
- ordem pela qual foram apreciadas as questões em ambos os despachos.
2.1.O Recorrente inicia as suas alegações censurando a matéria de facto dada por assente no primeiro despacho, que concluiu pela inutilidade superveniente da lide relativamente às cinco primeiras AA.. Considera que, pelo facto de as deliberações das assembleias gerais daquelas AA. tomadas em 03/08/2020 serem nulas, não podia o tribunal a quo dar como provada a amortização das quotas detidas pelo Réu naquelas sociedades. Por essa razão, pretende que se suprima dos factos provados, o seguinte: “As quotas detidas pelo Réu na T II e na T III foram amortizadas por deliberação das respectivas assembleias gerais no dia 03.08.2020, tendo o Réu sido notificado destas amortizações no dia 18.09.2020;”.
Analisemos, então, nesta parte, as razões invocadas pelo Recorrente, tendo em conta que o recurso cumpre o ónus estabelecido no artigo 640º do CPC. De todo o modo, a alteração da matéria de facto pretendida pelo Recorrente só ocorrerá “se os factos tidos como assentes, a prova produzida ou um documento superveniente impuserem decisão diversa.” (artigo 662º, nº 1 do CPC).
Segundo o Recorrente, as actas das assembleias gerais de 03/08/2020 da T II e da T III, juntas como documentos nºs 3 e 4 ao requerimento apresentado pelas AA. em 27/01/2020 (refª 37851328), não contêm todos os requisitos necessários, nomeadamente a menção imposta pelo nº 2 do artigo 236º do Código das Sociedades Comerciais (doravante CSC), o que resulta na respectiva nulidade, invocável a todo o tempo e de conhecimento oficioso (artigos 56º, nº 1, alínea d), 63º do CSC e 364º do Código Civil). Daí que não se possa considerar provada a amortização das quotas do Réu nas duas mencionadas sociedades, ora AA..
Contrariamente, entendem as Recorridas AA. que os factos a que o Recorrente se reporta estão assentes por acordo das partes, sendo certo ainda que as deliberações sociais em causa não padecem de qualquer nulidade ou outro vício invocável, permanecendo intocadas e produzindo os seus efeitos.
Com efeito, os factos dados como provados no despacho que declarou a inutilidade superveniente da lide parcial foram retirados do requerimento apresentado pelas AA. em 27/01/2021 (refª 37851328), designadamente dos seus nºs 9 e 10, onde se referem as deliberações tomadas pelas assembleias gerais da T II e da T III no dia 03/08/2020 que decidiram a “amortização da quota representativa do capital social da sociedade de que o sócio (…) é titular, nos termos dos artigos 232º e seguintes do Código das Sociedades Comerciais (“CSC”) e Sexto, nº 1, alínea b) dos Estatutos da Sociedade”. Com o referido requerimento foram juntas as actas de ambas as assembleias gerais em que foram tomadas aquelas deliberações, bem como as cartas e comprovativos de notificação ao Recorrente (cfr. docs. nºs 3 a 7).
Sobre os factos vertidos nesse requerimento o ora Recorrente nada disse. E, realizada a audiência prévia, tendo sido notificado para se pronunciar no prazo de 10 dias e concretamente para esclarecer se havia impugnado as referidas operações societárias, nada esclareceu sobre essa matéria, limitando-se a requerer a suspensão da acção até à definição da parte criminal (cfr. requerimento de 02/09/2021).
Mais tarde, por despacho de 01/11/2022 (refª 419834066), foi, de novo, notificado para “esclarecer se impugnou os actos ali aludidos pelas AA. com o objectivo de proferir decisão quanto à inutilidade superveniente parcial suscitada”. Mais uma vez nada disse.
Assim, face à alegação daqueles factos (supervenientes), tendo o Réu sido notificado para sobre eles se pronunciar – por várias vezes, diga-se – de acordo com o disposto no nº 4 do artigo 588º do CPC, deveria tomar posição definida sobre os factos alegados e impugná-los, caso fosse esse o seu entendimento. Como nada disse, considera-se que foram admitidos por acordo, nos termos do nº 2 do artigo 574º, ex vi artigo 587º, nº 1 ambos do CPC.[2] De todo o modo, são factos que resultam de documento escrito: as actas das assembleias gerais de 03/08/2020, cujo teor não foi impugnado. Por isso, só poderiam ser considerados provados.
Acresce que também não se verifica a alegada causa da invalidade das deliberações constantes das supra mencionadas actas. Na verdade, quando uma deliberação padeça de qualquer vicissitude, que a lei não sancione com a respectiva nulidade, o respectivo regime jurídico será o da anulabilidade, o que acarreta que os sócios disponham de um prazo relativamente curto para agir. Caso não o façam, a deliberação potencialmente anulável, convalescerá e radicar-se-á definitivamente na ordem jurídica. Aliás, enquanto não for anulada ou declarada nula, a deliberação é executável. Por isso é que a lei faculta aos sócios descontentes com a deliberação tomada, a possibilidade de requererem a suspensão imediata das deliberações sociais nulas ou anuláveis, evitando, assim, que sejam executadas.[3] Daí que não possamos falar, objectivamente, em deliberações nulas ou anuláveis, enquanto hão houver decisão judicial transitada em julgado a declarar a respectiva nulidade ou anulabilidade.
Ora, no caso em apreço, desconhece-se em absoluto, se as deliberações tomadas em 03/08/2020 pelas assembleias gerais da T II e T III foram objecto de qualquer acção de impugnação judicial intentada por qualquer um dos seus sócios ou pelo respectivo órgão de fiscalização.
Em suma, mantém-se a factualidade provada constante do despacho que declarou a inutilidade superveniente da lide relativamente às cinco primeiras AA..
3. Para além do que já consta do relatório, no despacho recorrido que declarou a inutilidade superveniente da lide parcial constam os seguintes factos provados:
a) As quotas detidas pelo Réu na T ASDS e na O foram extintas no dia 31.01.2020 e no dia 09.06.2020, respectivamente, por força de uma operação harmónio deliberada pelas respectivas assembleias gerais (i.e., uma operação de redução do capital social seguida de um aumento do capital social);
b) As quotas detidas pelo Réu na T II e na T III foram amortizadas por deliberação das respectivas assembleias gerais no dia 03.08.2020, tendo o Réu sido notificado destas amortizações no dia 18.09.2020; e
c) A quota detida pelo Réu na T SPACE foi adquirida pela T, S.A. no dia 25.09.2020, na sequência de uma oferta vinculativa de aquisição nos termos do artigo 490.º do CSC.
4. Esta foi a matéria de facto considerada pelo tribunal a quo para concluir que o Réu já não é sócio das sociedades T ASDS, T II, T III, T SPACE e O, o que levou à prolação do despacho recorrido.
4.1. Contudo, entende o Recorrente que não se verifica a declarada inutilidade superveniente da lide relativamente às supra mencionadas AA., dado que “a prévia instauração da presente acção não é inócua, pois que, a proceder, o sócio excluído tem direitos que não lhe são assegurados de outra forma; a decisão de apreciação do mérito da causa proferida nos presentes autos constituirá caso julgado material, o que, em caso de absolvição dos pedidos, se manifesta de superior importância para o Réu face, nomeadamente, às queixas-crime que apresentou, bem como para a reposição do seu bom nome e exercício dos demais direitos que lhe assistem e que foram abalados com a actuação das Autoras; a posição subjectiva do Réu fica prejudicada pela declarada inutilidade superveniente da lide e consequente extinção da instância; o conhecimento do mérito da acção tem efeitos em sede de custas, circunstâncias que não podem deixar de ser pesada na respectiva decisão”.
Não é essa, no entanto, a conclusão que se pode retirar daqueles factos.
Com efeito, a extinção da instância por impossibilidade ou inutilidade superveniente da lide afere-se por referência aos sujeitos e ao objecto de um processo concreto, isto porque a relação processual tem como elementos os seus sujeitos (partes) e o seu objecto (pedido e causa de pedir). Por isso, “se, por facto posterior ao início da instância (propositura da acção), desparecer uma das partes e não for juridicamente admissível a sua substituição, por ser estritamente pessoal o direito substancial por ele invocado ou que lhe era atribuído, ou se a coisa de que, por exemplo, se pede a entrega, perecer e for infungível, ou de a causa de pedir se extinguir por qualquer outro motivo estranho à composição da lide, a relação jurídica processual, desprovida de um dos seus elementos vitais, sucumbe, porque se tornou impossível, ou porque já é inútil a decisão final sobre a demanda.”[4] Ou seja, a “inutilidade superveniente decorre em geral dos casos em que o efeito pretendido já foi alcançado por via diversa”.[5]
Consequentemente, se com a propositura da presente acção se pretendia a exclusão do Réu como sócio das AA. e se apura agora que as quotas de que aquele era titular nas sociedades T ASDS, T II, T III, T SPACE e O já foram amortizadas, é de todo inútil o prosseguimento da acção, tendo em vista que, relativamente àquelas, o efeito pretendido já foi alcançado por via diversa. Na verdade, se a exclusão judicial de sócio visa, sobretudo, proteger a sociedade do comportamento indevido de um concreto sócio, a cessação do estatuto de sócio resultante da amortização de todas as suas quotas naquela sociedade[6], acaba por responder àquela necessidade societária, tornando inútil o prosseguimento da causa em que se discutia a requerida exclusão.[7]
Acresce que, prosseguindo a acção com a sociedade M como única Autora, não deixarão de ser apreciados os fundamentos por ela invocados para a peticionada exclusão do Réu como seu sócio, o que sempre cumprirá, pelo menos parcialmente, os objectivos referidos pelo Réu no parágrafo VII das suas conclusões.
Em face do exposto, mantém-se o despacho que declarou a inutilidade superveniente da lide das cinco primeiras AA. e ordenou o prosseguimento da acção relativamente à Autora M.
4.2. Relativamente a este despacho, o Recorrente expôs ainda a sua discordância no que respeita à sua condenação em custas. Por não ter dado causa às custas, entende que não tinha que ser condenado no seu pagamento, como foi, pelo que considera ter sido violado o artigo 536º do CPC.
Segundo determina o nº 1 daquele preceito, as custas da acção são repartidas em partes iguais nos casos em que a demanda do autor ou do requerente, ou a contestação do réu ou do requerido, eram fundadas na altura em que foram intentadas ou deduzidas, mas perderam o fundamento por circunstâncias supervenientes aos mesmos não imputáveis, circunstâncias estas que são as que taxativamente estão enumeradas no nº 2 do mesmo preceito.[8]
Mas, quando não se verifica nenhuma das circunstâncias referidas nas alíneas a) a e) do nº 2 do artigo 536º do CPC, a regra a ter em conta é a que consta do nº 3, que se aplica independentemente da natureza do facto determinante da impossibilidade ou inutilidade superveniente da lide.[9] Segundo esta regra, se a instância se extinguir por impossibilidade ou inutilidade superveniente da lide, as custas são da responsabilidade do autor, salvo se o facto extintivo for imputável ao réu, caso em que é responsável pelo seu pagamento.
Ora, no caso dos autos, para além de não ocorrer qualquer uma das circunstâncias previstas nas várias alíneas do nº 2, também não se pode concluir que o facto extintivo da instância se ficou a dever ao réu. Na verdade, quem tomou a iniciativa de extinguir/ amortizar/adquirir as quotas que o Réu detinha nas AA. supra mencionadas, foram os sócios destas, que não o Réu, o qual nem sequer tomou a iniciativa de impugnar as deliberações tomadas nas assembleias gerais da T II e T III de 08/03/2020.
Em suma, a inutilidade superveniente da lide parcial declarada não é imputável ao Réu, mas antes às AA., designadamente as cinco primeiras. Por isso, seguindo a regra do nº 3 do artigo 536º do CPC, as custas são da responsabilidade destas.
Desta feita, procedem, nesta parte, as alegações do Recorrente.
5. Cumpre agora apreciar o segundo despacho recorrido que julgou improcedente a excepção de prescrição do direito à exclusão de sócio invocado pelo Réu.
5.1. Para decidir esta excepção peremptória a 1ª instância deu por provados os seguintes factos:
a) As Autoras deliberaram a propositura de uma acção de exclusão de sócio contra o Réu, todas em Assembleia Geral realizada no dia 14 de Novembro de 2018, conforme actas juntas como Doc. 2 da PI.
b) No dia 22 de Outubro de 2018, o Juiz 2 do Juízo de Comércio Lisboa decretou o arresto dos bens na titularidade formal do Réu, conforme decisão proferida no processo n.º 21842/18.5T8LSB (cfr. Documento n.º 13).
c) Tendo rejeitado a apreensão dos bens desviados para a Z, por incompetência material, por considerar que a aplicação dos institutos da simulação e da impugnação pauliana, regulados pelo Direito Civil, cabe aos Juízos Cíveis (cfr. Documento n.º 14).
d) Após revogação desta Decisão por parte do Tribunal da Relação de Lisboa, o Juiz 2 do Juízo de Comércio de Lisboa, em 18.12.2018, decretou o arresto dos bens na titularidade formal da Z e de CA, companheira do Réu (cfr. Documento n.º 15).
e) As aqui Autoras intentaram dois outros procedimentos cautelares de arresto. Em 23.11.2018, o Juiz 19 do Juízo Central Cível de Lisboa decretou o arresto das fracções autónomas pertencentes ao Réu na titularidade formal da Z, conforme decisão proferida no processo n.º 25087/18.6T8LSB.
f) E em 12.04.2019, o Juiz 3 do Juízo de Comércio de Lisboa decretou o arresto da embarcação de recreio adquirida pelo Réu com fundos do Grupo T que se encontrava na titularidade formal da Z, conforme decisão proferida no processo n.º 24302/18.0T8LSB (cfr. Documento n.º 16).
g) No dia 13.5.2019 terminou uma primeira fase da Auditoria Forense Independente, tendo sido disponibilizado pela auditora PricewaterhouseCoopers (PwC) o Relatório Preliminar da Auditoria Forense (junto como Documento n.º 17).
h) A presente acção deu entrada em juízo no dia 13 de Maio de 2019.
5.2. Fixados aqueles factos e após ter sustentado que o prazo de prescrição para o exercício do direito de exclusão de sócio corresponde a 90 dias – por recurso à analogia com as normas dos artigos 186º, 254º, nº 6 com remissão para o nº 5, 234º, nº 2, 240º, nº 3, por força do disposto no artigo 241º, nºs 1 e 2 todos do CSC –, o tribunal a quo chegou à conclusão que se justificava que aquele prazo apenas começasse a correr “no momento do conhecimento do Relatório Preliminar de Auditoria Forense [junto aos autos como documento nº 17 da petição inicial] pelas Autoras, e após os factos conhecidos no âmbito dos processos judiciais aludidos”.
Contrariamente, é entendimento do Recorrente que o tribunal lavrou em erro de julgamento, nomeadamente na interpretação do artigo 306º do Código Civil, na medida em que “o conhecimento de alegados factos constitutivos do direito de exclusão de sócio a que as Autoras se arrogam teve de ser (…) prévio à instauração de qualquer acção/procedimento cautelar [instaurado] pelas mesmas contra o ora Réu, já que, sem invocação dos mesmos e produção de alguma prova, pelo menos, indiciária (…), não conseguiriam convencer, como convenceram, o Tribunal a decretar nomeadamente o arresto dos bens na titularidade formal do Réu – em 22.10.2018.”
Vejamos. Se bem compreendemos, das posições ora assumidas por Recorrente e Recorridas resulta não existir discórdia quanto a ser de 90 dias o prazo para o exercício do direito de exclusão de sócio. Com efeito, não prevendo o artigo 242º do CSC qualquer prazo para o exercício de tal direito, tem sido entendido pela jurisprudência fixá-lo, precisamente, em 90 dias, por aplicação analógica quer do artigo 254º, nº 6 do CSC (prazo para a destituição de gerente com justa causa), quer dos artigos 241º e 234º do CSC (regime da exclusão baseada em fundamento legal ou contratualmente delimitado, que remete por sua vez para o prazo de amortização). A doutrina, tal como a jurisprudência mais recente, tem preferido a segunda opção, ou seja, que, por analogia com o disposto nos artigos 234º, nº 2 e 241º, nº 2 do CSC, a acção judicial deve ser proposta (sob pena de caducidade), no prazo de 90 dias contados do conhecimento do facto fundamentador da exclusão.[10]
Esta “exclusão judicial”, como lembra COUTINHO DE ABREU[11], não opera somente com a respectiva sentença, dado que, antes de proporem a acção, os sócios deverão começar por deliberar a propositura da acção de exclusão, tal como determina o nº 2 do artigo 242º do CSC. Esta deliberação terá como objecto a propositura da acção e há-de basear-se em factos enquadrados no artigo 242º, nº 1 do CSC. Por isso, “não basta alegar, como fundamento da deliberação, de modo genérico, «comportamento desleal ou gravemente perturbador do funcionamento da sociedade», devendo ser especificados os factos que podem receber tal qualificação. Isto é tanto mais importante quanto tais factos limitam a causa de pedir da acção de exclusão, pois o representante da sociedade deve propor a acção com os fundamentos da deliberação e não outros, sobre os quais não tenha recaído a apreciação dos sócios”.[12]
No caso dos autos verifica-se que todas as deliberações das sociedades AA. nas quais se decidiu, sob o ponto três, “a propositura de acção judicial de exclusão do sócio (…)” se realizaram em 14/11/2018, consignando-se nas respectivas actas que “foi deliberado, com o voto favorável do representante da Sócia presente, aprovar a propositura de ação judicial de exclusão do Sócio (…), tendo em conta que foi possível apurar que o sócio (…) adotou reiteradamente comportamentos desleais e gravemente perturbadores do funcionamento da Sociedade, causando-lhe com essa atuação prejuízos relevantes. Os factos que fundamentam a exclusão do sócio (…) para com a Sociedade foram já apreciados e dados como indiciariamente provados por decisão judicial tomada no processo número 19634/18.0T8LSB e no processo número 21842/18.5T8LSB, cujas decisões se juntam em anexo à presente ata.” Ou seja, à data da realização daquelas assembleias gerais já as sociedades AA., e nomeadamente, os sócios nelas presentes, tinham conhecimento dos factos praticados pelo sócio PSG que levaram à qualificação do seu comportamento como desleal e gravemente perturbador do funcionamento das sociedades, comportamento esse causador de prejuízos relevantes. Aliás, para além de serem do seu conhecimento, tais factos já tinham sido apreciados por um tribunal e dados como (indiciariamente) provados em dois procedimentos cautelares.
Assim, o termo inicial do prazo de 90 dias para a propositura da acção judicial de exclusão do ora Recorrente como sócio das AA., deliberada em 14/11/2018, só pode situar-se em data anterior àquela, tendo em conta o que consta da respectiva deliberação. Com efeito, se os procedimentos cautelares em que os factos ficaram “indiciariamente provados” foram requeridos pelas AA., é natural e lógico concluir que eram do seu conhecimento. Aliás, não faz sentido que a sociedade deliberasse a propositura da acção judicial de exclusão judicial de sócio sem ter conhecimento de factos que pudessem qualificar o comportamento do sócio a excluir, como “desleal ou gravemente perturbador” do seu funcionamento, sendo certo que apenas poderia propor a acção com os fundamentos da deliberação e não outros, sobre os quais não tivesse recaído a apreciação dos sócios.[13] A auditoria forense realizada posteriormente teria servido, certamente, para avaliar os “prejuízos relevantes” causados, não para as sociedades AA. tomarem conhecimento dos factos que levaram à deliberação da propositura da acção. Destes já tinham (ou deveriam ter) tomado conhecimento antes.[14] Daí que seja indefensável a tese de que só a partir do conhecimento do Relatório Preliminar de Auditoria Forense pelas AA. se iniciou o prazo de prescrição do direito de instaurar a acção judicial de exclusão do sócio, ora Recorrente. Como se argumentou no Acórdão da Relação de Coimbra, de 12/07/2022, antes citado – no qual a Apelante defendia a tese de que o conhecimento dos factos só lhe podia ser imputado na data da deliberação social – , “se a acção de exclusão de sócio se encontra dependente de deliberação dos sócios, o prazo para o exercício de tal direito nunca poderia começar a contar da data do momento em que ele é exercido”. E, acrescentamos nós, muito menos depois.
De todo modo, mesmo que tal entendimento fosse defensável, ainda assim, no caso dos autos, há muito que o prazo prescricional de 90 dias se havia esgotado, tendo em conta que a deliberação está datada de 14/11/2018 e a presente acção deu entrada em juízo em 13/05/2019.
Desta feita, na procedência das conclusões XII a XXI, julga-se procedente a arguida excepção peremptória de prescrição do direito de exclusão judicial de sócio, com a consequente absolvição do Réu do pedido.
6. O Recorrente finaliza as suas alegações imputando aos despachos recorridos o vício de ilegalidade por violação do disposto nos artigos 608º (ex vi artigo 613º, nº 3), 571º, nº 2, 576º, nº 3, 595º, nº 1, alínea b), todos do CPC, bem como dos princípios da estabilidade da instância e da certeza/segurança jurídica e da igualdade das partes e da prevalência da decisão de fundo sobre a forma, por o tribunal ter decidido a inutilidade superveniente da lide antes de decidir a questão da prescrição, sem, no entanto, retirar quaisquer consequências para a decisão, nomeadamente de nulidade.
Cremos que tal imputação não tem qualquer fundamento, como se depreende, desde logo, do teor do artigo 608º do CPC. Com efeito, segundo aquele preceito devem ser decididas prioritariamente as questões de natureza processual que estejam por resolver. Ora, a decisão que declarou a inutilidade superveniente da lide não apreciou, certamente, uma questão sobre o mérito da causa. Como causa da extinção da instância, ocorre quando, após a instauração da causa, sobrevêm circunstâncias que inviabilizariam o pedido, não em termos de procedência (pois, a ser assim, estar-se-ia no âmbito do mérito), mas por razões adjectivas de impossibilidade de lograr o objectivo pretendido com a acção, por já ter sido atingido por outro meio ou já não poder sê-lo. A lide fica inútil se ocorreu um facto ou uma situação posterior à sua inauguração que implique a impertinência, ou seja a desnecessidade, de sobre ela recair pronúncia judicial, por ausência de efeito útil.[15] Por isso, não se pode dizer que estamos perante uma decisão sobre o mérito da causa. Sendo assim, não tinha que ser decidida após a apreciação da excepção peremptória de prescrição.
Improcede, assim, a conclusão XXII das alegações recursórias
7. Pelo exposto, acordam os Juízes da 1ª Secção do Tribunal da Relação de Lisboa em julgar parcialmente procedente a presente apelação, e, consequentemente:
a) revogar o despacho que declarou a inutilidade superveniente da lide relativamente às AA., T ASDS, T II, T III, T SPACE e O, mas apenas na parte em que condena em custas, na proporção de 5/7 a repartir por ambas as partes ainda em litígio de forma igual, que é substituído por outro a condenar apenas as AA. nas custas, nos termos do disposto no artigo 536º, nº 3 do CPC;
b) revogar o despacho que julgou improcedente a excepção de prescrição do direito à exclusão de sócio invocada pelo Réu, que é substituído por outro a julgar procedente tal excepção peremptória e, consequentemente, a absolver o Réu do pedido, condenando todas as AA. nas custas da acção.
c) a manter no mais o decidido.
*
Custas da apelação a cargo do Recorrente e Recorridas, na proporção de 1/5 e 4/5, respectivamente.
Lisboa, 19 de Dezembro de 2024
Nuno Teixeira
Renata Linhares de Castro
Amélia Sofia Rebelo
_______________________________________________________ [1] O Requerimento reproduzido na acta tem o seguinte teor: “1. Conforme exposto no requerimento das Autoras apresentado no dia 27.01.2021 (ref.ª citius 37851328), o Réu já não é sócio das Autoras T ASDS, T II, T III, T Space e O:
. As quotas detidas pelo Réu na T ASDS e na O foram extintas no dia 31.01.2020 e no dia 09.06.2020, respetivamente, por força de uma operação harmónio deliberada pelas respetivas assembleias gerais (i.e., uma operação de redução do capital social seguida de um aumento do capital social);
. As quotas detidas pelo Réu na T II e na T III foram amortizadas por deliberação das respetivas assembleias gerais no dia 03.08.2020, tendo o Réu sido notificado destas amortizações no dia 18.09.2020; e
. A quota detida pelo Réu na T Space foi adquirida pela T, S.A. no dia 25.09.2020, na sequência de uma oferta vinculativa de aquisição nos termos do artigo 490.º do CSC. 2. Não há notícia de que o ora Réu tenha impugnado judicialmente estes atos societários no devido tempo, sendo que o Réu, notificado do requerimento das Autoras apresentado no dia 27.01.2021 (ref.ª citius 37851328), nada disse e não impugnou os factos alegados. 3. O Réu mantém a sua quota na M, sendo ainda sócio desta Autora. ASSIM: 4. No que respeita às Autoras T ASDS, T II, T III, T Space e O, existe inutilidade superveniente da lide. Apenas se mantendo a utilidade do presente processo relativamente à Autora M.”
[2] Como referem ABRANTES GERALDES, PAULO PIMENTA e PIRES DE SOUSA, Código de Processo Civil Anotado, volume I, 2ª Edição, Coimbra, 2020, pág. 696, “Se o articulado superveniente for recebido, a parte contrária é notificada para lhe responder, com a cominação de que se consideram admitidos por acordo os factos não impugnados (arts. 588º, nº 4, in fine, e 587º), sendo que a resposta deve logo incluir as respetivas provas.”.
[3] Cf. PAULO OLAVO CUNHA, Deliberações Sociais [4] Cf. RODRIGUES BASTOS, Notas ao Código de Processo Civil, volume II, 3ª Edição, Lisboa, 2000, pág. 54.
[5] Cf. ABRANTES GERALDES, PAULO PIMENTA e PIRES DE SOUSA, Ob. Cit., pág. 339.
[6] Para além da exclusão judicial, a cessação do estatuto de sócio poderá ocorrer por outros meios, nomeadamente pela transmissão de (toda a) participação social, pela amortização de (todas as) e acções, e pela exoneração (cf. COUTINHO DE ABREU, Curso de Direito das Sociedades, volume II, pág. 406, nota 983.
[7] Assim decidiu esta Relação em situação idêntica (cedência a terceiro de participação social) no Acórdão de 23/10/2012 (proc. 517/10.9TYLSB.L1-7), disponível em www.dgsi.pt/jtrl.
[8] No sentido de que o nº 1 do artigo 536º não constitui uma cláusula geral, exemplificativa do nº 2, sendo antes este nº 2 a enumerar, de forma fechada, os casos que se subsumem ao nº 1, vide ABRANTES GERALDES, PAULO PIMENTA e PIRES DE SOUSA, Ob. Cit., pág. 612, bem como SALVADOR DA COSTA, As Custas Processuais, 10ª Edição, Coimbra, 2024, pág. 35.
[9] Cf. Assento nº 4/77, de 9 de Novembro (DR, Série A, de 27/12/1977), segundo o qual “O disposto no nº 1 do art.º 447º do CPC [que corresponde ao actual nº 3 do artigo 536º] é aplicável independentemente da natureza do facto que determine a impossibilidade ou inutilidade da lide”.
[10] Cf. neste sentido, na doutrina, COUTINHO DE ABREU, Curso de Direito Comercial, volume II, pág. 414, nota 1004, e CAROLINA CUNHA, in Código das Sociedades Comerciais em Comentário [coord. COUTINHO DE ABREU], volume III, 2ª Edição, Coimbra, 2016, pág. 595, e, na jurisprudência, TRE, Ac. de 28/10/2012 (proc. 2992/11.5TBSTB-A.E1) e TRC, Ac. de 12/07/2022 (proc. 2999/21.4T8CBR-A.C1), ambos disponíveis em www.dgsi.pt.
[11] Cf. Curso de Direito Comercial, volume II, pág. 414.
[12] Cf. RAUL VENTURA, Comentário ao Código das Sociedade Comerciais, Sociedade por Quotas, volume II, Coimbra, 1989, pág. 62.
[14] Como refere JÚLIO GOMES em anotação ao artigo 306º, in Comentário ao Código Civil: Parte Geral [coord. CARVALHO FERNANDES, BRANDÃO PROENÇA], Lisboa, 2014, pág. 751, “A possibilidade de exercício do direito relevante para determinar o momento a partir do qual começa a correr a prescrição é a possibilidade legal e não a mera possibilidade de facto. O que importa, pois, para a doutrina dominante, é a possibilidade legal de exercício do direito e não a impossibilidade de facto, designadamente a ignorância por parte do titular da existência do direito, a não ser que ela seja imputável ao comportamento doloso da contraparte.”