PRESCRIÇÃO DE CRÉDITOS
INTERRUPÇÃO DA PRESCRIÇÃO
NOTIFICAÇÃO JUDICIAL AVULSA
Sumário

A notificação judicial avulsa, como meio idóneo de interrupção do prazo prescricional, não se basta com qualquer declaração do credor de qualquer intenção genérica e não concretizada de exercício de direitos que pretende reclamar na acção a intentar.
(Sumário elaborado pela Relatora)

Texto Integral

Acordam os Juízes na Secção Social do Tribunal da Relação de Lisboa:

Relatório
AA, NIF ..., Reformado, residente na ..., veio propor acção declarativa de condenação emergente de contrato individual de trabalho, com requerimento de citação urgente, contra XX, EP nº ..., com sede na ..., pedindo que a acção seja julgada procedente e que, em consequência, a Ré seja condenada
a) A pagar ao Autor na retribuição relativa a subsídio de férias e subsídio de Natal a quantia total de 9.991,21€ (nove mil novecentos e noventa e um euros e vinte e um cêntimos) referente aos valores a este devido a título de subsídio de turno, de prémio de assiduidade, de subsídio de telefone de emergência, de trabalho nocturno, de subsídio de transportes, de subsídio de Km de manobras e de subsídio de quilometragem auferidos com carácter de regularidade no período compreendido entre os anos de 2001 a 2021
b) No pagamento dos juros moratórios à taxa legal em vigor, sobre as quantias devidas que vierem a ser apuradas, desde a citação até integral pagamento.
c) No pagamento das custas do processo e demais despesas legais.
Para tanto invocou, em resumo, que:
-Através de notificação judicial avulsa, o Autor deu conhecimento à Ré da sua intenção de contra ela exercer o direito de reclamar os seus créditos, pelo que a prescrição apenas ocorrerá no próximo dia 1 de Julho de 2023;
-O Autor foi admitido ao serviço da Ré em 5 de Dezembro de 1983 para, por conta, determinação, fiscalização e interesse desta desempenhar as funções de Auxiliar de Oficina, vindo ao longo da sua carreira a exercer as funções de ..., de ... e de ... (... e depois ...), esta última desempenhada desde Novembro de 2004 até à data da sua reforma que ocorreu em 5 de Julho de 2021;
- O Autor é credor da Ré relativamente a diversos créditos laborais devidos e não pagos, nomeadamente valores relativos a horas de trabalho nocturno por si prestado, valores referentes a subsídios de turno, de transporte, de telefone de emergência, de km de manobras, de quilometragem, bem como, ao prémio de assiduidade;
- O Autor até Dezembro de 2004, sempre auferiu de uma retribuição certa composta por remuneração/vencimento base, diuturnidades, subsídio de função, subsídio de refeição, prémio de assiduidade e subsídio de turno;
- E como componente de valor variável, mas igualmente pago de forma regular e periódica, o Autor auferiu quantias a título de trabalho nocturno e de subsídio de transportes;
-A partir do mês de Janeiro de 2005, mês em que o Autor passou a desempenhar as funções de ..., as componentes da sua retribuição, pagas de forma regular e periódica pela Ré, como contraprestação do trabalho por si desempenhado, passaram a ser as seguintes: como retribuição certa, mantiveram-se a remuneração/vencimento base, as diuturnidades, o subsídio de função (que deixou de ser pago a partir de Março de 2009), o subsídio de refeição, o prémio de assiduidade e o subsídio de turno, passando o Autor igualmente a auferir uma quantia certa a título de subsídio de manobras e outra a título de subsídio de telefone de emergência;
-Em termos da componente retributiva de valor variável, mas igualmente paga de forma regular e periódica, o Autor continuou a auferir quantias a título de trabalho nocturno e de subsídio de transportes, passando igualmente a auferir um valor a título de subsídio de km de manobras;
- A partir de meados do ano de 2015 e até à sua reforma, o Autor passou a desempenhar as funções de ..., mantendo como retribuição certa a remuneração/vencimento base, as diuturnidades, o subsídio de refeição, o prémio de assiduidade e o subsídio de turno, passando igualmente a auferir uma quantia certa a título de subsídio de agente único, bem como uma quantia a título de vencimento de carreira aberta (meios) paga a partir do mês de Junho de 2019 e até final da relação laboral;
-Nas componentes retributivas de valor variável pagas ao Autor, mantiveram-se as quantias a título de trabalho nocturno e de subsídio de transportes, passando igualmente o Autor a auferir uma quantia paga a título de subsídio de quilometragem, ao mesmo tempo que deixava de receber a quantia que lhe era paga sob a denominação de subsídio de km de manobras;
- A Ré sempre lhe pagou o subsídio de férias e de Natal;
- Sucede, porém, que a Ré não incluiu nos subsídios de férias e de Natal, as médias dos valores dos abonos remuneratórios pagos a título de subsídio de turno, de prémio de assiduidade, de subsídio de telefone de emergência, de trabalho nocturno, de subsídio de transportes, de subsídio de km de manobras e de subsídio de quilometragem, sendo, por isso, devedora das diferenças salariais que indica;
Realizou-se a audiência de partes não se obtendo a conciliação.
Regularmente notificada, a Ré contestou por excepção e por impugnação.
Por excepção invocou a prescrição do alegado direito aos créditos que reclama, sustentando-a, em suma, no seguinte:
-É certo que em 01/07/2022 o Autor procedeu à Notificação Judicial Avulsa (NJA) da Ré; sucede que, na referida NJA o Autor não invoca a titularidade de quaisquer créditos sobre a Ré, referentes a subsídio de Natal e subsidio de férias, ou quaisquer outros;
- O Autor apenas se reporta aos créditos especificados na NJA;
- Na petição inicial, o Autor não peticiona o pagamento pela Ré de quaisquer montantes relativos a horas de trabalho nocturno, a subsídios de turno e subsídios de transporte, ou ao subsídio de quilometragem;
-Nos presentes autos, atento o expositivo da causa de pedir e o teor do pedido formulado na PI, o Autor vem reclamar da Ré o pagamento dos valores diferenciais alegadamente devidos pela Ré ao Autor a título de subsídio de férias e subsídio de Natal;
-Pelo que, nos presentes autos, não só o Autor não peticiona o pagamento de quaisquer créditos relativos a horas de trabalho nocturno, a subsídios de turno e subsídios de transporte, ou ao subsídio de quilometragem, estritamente identificados na sua NJA, como em sede dos presentes autos, o Autor apenas vem peticionar o pagamento de créditos relativos à diferença no valor do subsídio de férias e subsídio de Natal que foi sendo pago ao Autor nos anos de 2001 a 2021; e
-Versando sobre créditos distintos dos ora peticionados pelo Autor na PI, a interposição e notificação da NJA à Ré em 01/07/2022, não pode produzir qualquer efeito interruptivo relativamente ao prazo de prescrição dos créditos agora reclamados a titulo de diferenciais de subsídio de férias e subsidio de natal, sendo a NJA inepta para efeitos de interrupção da prescrição dos créditos reclamados na presente acção, mostrando-se prescritos os créditos e os juros reclamados.
Por impugnação invocou a Ré, em suma, que o prémio de assiduidade não integra o conceito de retribuição, o subsídio de telefone de emergência não é contrapartida da prestação de trabalho, o subsídio de turnos foi sempre pago 13 meses no ano, sendo no mês correspondente ao subsídio de férias pago sob a designação de “subs. Férias (s.turno)” em Janeiro de cada ano relativamente à média auferida no ano anterior, que tal pagamento sempre foi uma liberalidade, deixando de ser pago em 2012, que o pagamento dos valores da componente variável não ocorreu de forma regular e periódica mas apenas quando eram devidos e que sempre pagou ao Autor o que era devido a título de subsídio de férias e de Natal, não sendo devidas as diferenças que reclama, nem os respectivos juros e, caso se entenda que são devidas tais quantias, só poderão vencer-se juros desde a data da condenação e respectiva liquidação, além de que se encontram prescritos os juros relativos às prestações que na data de interposição da acção se encontrem vencidas há mais de 5 anos.
Finaliza pedindo que seja julgada procedente a excepção da prescrição e, caso assim não se entenda, a acção seja julgada improcedente com a consequente absolvição da Ré.
O Autor respondeu à excepção pugnando pela sua improcedência.
Fixado o valor da causa em €9.991,21, foi proferido despacho saneador sentença que julgou procedente a excepção peremptória de prescrição e absolveu o Réu dos pedidos contra ele formulados.
Inconformado, o Autor recorreu e sintetizou as suas alegações nas seguintes conclusões:
“1ª A decisão proferida pelo Tribunal a quo é recorrível,
2ª O presente recurso é próprio, mostra-se interposto tempestivamente, por quem para tal tem plena legitimidade e interesse para o efeito, sendo efectuado para o Tribunal competente, encontrando-se a taxa de justiça autoliquidada;
3ª Trata-se de um recurso de Apelação interposto da sentença que julgou procedente a excepção peremptória de prescrição invocada pelo Réu, e em consequência, absolveu a referida Ré dos pedidos contra si deduzidos pelo Autor, ora Recorrente.
4ª O Recorrente não se pode, pois, conformar-se com este dispositivo, entendendo, ao invés, não existir qualquer fundamento para a prolação da Sentença de que ora se recorre.
5ª Na sequência da cessação do seu contrato de trabalho por força da sua passagem à situação de reforma por velhice, o Autor instaurou uma acção de processo comum contra a Ré/Recorrida, pedindo ao Tribunal que reconhecesse a existência de créditos salariais que entende lhe são devidos por parte do Réu.
6ª Sendo os referidos créditos, a ser pagos na retribuição relativa a subsídios de férias e de Natal, devidos a título de subsídio de turno, de prémio de assiduidade, de trabalho nocturno, de subsídio de transportes, de subsídio de quilometragem, de subsidio de telefone de emergência e de subsídio de kms de manobras auferidos com carácter de regularidade entre os anos de 2000 a 2021.
7ª A passagem à situação de reforma aconteceu em 05 de Julho de 2021, pelo que o Autor/Recorrente dispunha do prazo de um ano, a contar do dia 06 de Julho de 2021, para reclamar os créditos que considera serem-lhe devidos por parte da Ré.
8ª Porém, existindo negociações entre a Ré e as estruturas sindicais que representam os trabalhadores relativamente ao que está em questão na presente acção, o Recorrente, foi aguardando pela conclusão das negociações acima referidas, procurando assim evitar o recurso a Tribunal.
9ª Não se encontrando concluídas as negociações, o Autor/Recorrente, fazendo uso de uma prerrogativa legal ao seu dispor, tomou a decisão de interromper o supra referido prazo de um ano que se encontrava a correr, tendo-o feito através de uma Notificação Judicial Avulsa à Ré,
10ª O que efectivamente fez no dia 27 de Junho de 2022, tendo a Ré sido citada, no dia 01 de Julho de 2022,
11ª O que significa que, do ponto de vista temporal, tudo foi inquestionavelmente feito por parte do Autor dentro do que legalmente se encontra estabelecido,
12ª Tendo o prazo prescricional aqui em causa se renovado pelo período de um ano, ou seja, o direito do Autor em reclamar dos créditos salariais que considera serem-lhe devidos, renovou-se até ao dia 01 de Julho de 2023.
13ª Nesse sentido, e evidenciado a sua vontade, já expressamente manifestada junto da Ré, o Autor/Recorrente instaurou a presente acção no dia 27 de Junho de 2023, tendo a Ré sido citada da mesma no dia 29 de Junho de 2023, ficando absolutamente inequívoco ter o Autor cumprido de forma rigorosa e escrupulosa com os prazos a que se encontrava obrigado.
14ª Os créditos que são reclamados, porque devidos, pelo Autor, são valores relativos a subsídio de turno, prémio de assiduidade, trabalho nocturno, subsídio de transportes, de subsídio de quilometragem, de subsidio de telefone de emergência e de subsídio de kms de manobras, montantes auferidos com carácter de regularidade entre os anos de 2000 a 2021, devendo os valores apurados a este título, ser pagos na retribuição relativa aos subsídios de férias e de Natal, únicos momentos ao longo da relação laboral em que os referidos valores, não foram, por parte da Ré, pagos ao Autor,
15ª Pelo que fica evidente e inequívoco, de que a “tese” da excepção da prescrição, no caso, por preterição de informação na Notificação Judicial Avulsa não apresenta qualquer fundamento,
16ª Uma vez que o Autor/Recorrente deu a conhecer à Ré, através da Notificação Judicial Avulsa, a sua intenção de exercer o seu direito, cujo escopo é tão só o de comunicar a intenção de exercer exactamente um direito, identificando minimamente o direito a que se arroga, bem como, declarando a sua pretensão de, no futuro, pretender exercê-lo.
17ª É unanime na Doutrina e na Jurisprudência que a Notificação Judicial Avulsa não tem de ter os mesmos requisitos da acção judicial subsequente, bastando-se a lei com a manifestação expressa, de forma directa ou indirecta, da intenção de exercer o direito, o que é inequívoco ter acontecido no presente processo, uma vez que o Autor/Recorrente, na sua Notificação Judicial Avulsa, informa/notifica a Ré não de um direito vago e/ou abstracto, mas sim do direito concreto a que se arroga ser credor.
18ª O Autor, para além do cumprimento dos prazos legais a que se encontrava obrigado aquando da Notificação Judicial Avulsa ao Réu com vista à interrupção do prazo prescricional, cumpriu igualmente com o pressuposto de indicar, no caso de forma directa à Ré, a sua intenção em exercer um direito, explicitando e identificando o direito a que se arroga,
19ª Concretamente o direito a um conjunto de créditos salarias que entendia e entende serem-lhe devidos, conforme consta do art.º 5º da Notificação Judicial Avulsa
20ª Levando assim ao conhecimento da Ré, de forma directa e objectiva, a sua intenção em exercer o direito a reclamar de créditos salariais que entende serem-lhe devidos,
21ª Enunciando essa mesma intenção relativamente aos exactos créditos que invocou na Notificação Judicial Avulsa e que veio a reclamar aquando da instauração da presente acção, conforme se comprova na sua Petição Inicial e, nomeadamente:
a. no vertido nos artigos 72º a 75º e 116º relativamente ao subsídio de turno,
b. nos artigos 76º a 80º e 117º no que concerne ao prémio de assiduidade,
c. nos artigos 81º e 118º no que concerne ao subsídio de telefone de emergência,
d. nos artigos 82º a 85º e 120º quanto ao trabalho nocturno,
e. e nos artigos 86º a 91º, e 121º a 123º no que respeita ao subsídio de quilometragem, ao subsídio de transporte e ao subsídio de Km de manobras,
f. culminado esta reclamação dos créditos no exposto no artigo 126º da sua PI, onde o Autor, onde o Autor, depois de explicar, evidenciar, arguir e documentar os fundamentos da sua pretensão, apresenta um quadro resumo com os valores totais que entende lhe são devidos e a que título.
22ª Resulta assim da leitura e análise quer da Notificação Judicial Avulsa quer da Petição Inicial, ambas as peças subscritas pelo Autor, de que o mesmo cumpriu escrupulosa e integralmente com todos os pressupostos a que se encontrava obrigado com vista à interrupção do prazo de prescrição, concretamente de que, em ambas as peças processuais, e ao contrário do que é referido na douta Sentença ora recorrida, o mesmo primeiro, na Notificação Judicial Avulsa identificou de forma clara qual o concreto direito que pretendia exercer, para depois concretizar essa sua pretensão na acção que interpôs.
23ª Ou seja, a Ré/Recorrida era conhecedora da intenção do então Requerente e ora Autor/Recorrente em exercer um concreto direito, o que veio efectivamente a acontecer dentro do período legalmente concedido para o efeito,
24ª Tendo a Notificação Judicial Avulsa do Autor/Recorrente transmitido à Ré/Recorrida, qual a sua intenção em agir, e sobre que direito em concreto.
25ª O escopo de uma Notificação Judicial Avulsa é, tão-somente, o de comunicar a intenção de exercer um direito “minimamente definido”, posição que, no caso concreto da presente acção, e em particular da Notificação Judicial Avulsa que deu conhecimento à Ré/Recorrida da intenção do Autor/Recorrente, foi efectuado em tempo e de forma consentânea com o que legalmente se encontra estatuído,
26ª Pelo que, é entendimento do Autor ser errada a conclusão e a consequente decisão levada a cabo pelo Tribunal a quo, relativamente a julgar procedente a excepção peremptória de prescrição invocada pela Ré/Recorrida,
27ª Uma vez que o Autor/Recorrente identificou expressamente os créditos salariais que entendia serem-lhe devidos e cujo direito pretendia exercer, pelo que, contrariamente ao que é afirmado na douta Sentença recorrida, concretizou o seu pedido, confirmando expressamente o que havia já indicado ao Réu na sua Notificação Judicial Avulsa.
28ª Da mesma forma invocou o direito concreto que pretendia exercer, encontrando-se, contrariamente ao que é invocado na douta Sentença de que ora se recorre, os créditos peticionados pelo Autor/Recorrente na sua Petição Inicial, concretamente identificados e concretizados na Notificação Judicial Avulsa, excepção para o prémio de assiduidade, subsídio de telefone de emergência e subsídio de km de manobras, itens cujo Autor reconhece não ter feito menção na sua Notificação Judicial Avulsa.
29ª De afirmar que a invocação de que o pagamento dos montantes devidos pelo Réu ao Autor dever ser feita na retribuição relativa a subsídio de férias e de Natal, representa tão-somente que os montantes reclamados pelo Autor/Recorrente se encontravam em falta na remuneração daqueles meses, e não, como no entender deste interpreta erradamente o Tribunal a quo, tratar-se de pedidos diferentes e/ou adicionais aos invocados na Notificação Judicial Avulsa, pelo que, e contrariamente ao que é invocado na douta Sentença recorrida, a comunicação do Autor/Recorrente não apenas se revela concretizada e clara quanto ao(s) créditos(s) que se comunica pretender exercer, como igualmente se revela uniforme e coerente nas duas peças processuais em causa, a Notificação Judicial Avulsa e a Petição Inicial.
30ª A Sentença aqui em colocada em crise interpreta o n.º 1 do art.º 323º do Código Civil de forma extremamente restritiva, na medida em que equipara a manifestação de intenção do exercício de um direito ao próprio exercício do direito em si mesmo, exigindo uma quase total semelhança entre a notificação judicial avulsa para interrupção de um prazo de prescrição do exercício de um direito e a posterior ação judicial onde tal direito vai, então si, ser efectivamente exercido.
31ª Sendo, no entender do Autor e ora Recorrente, totalmente desprovido de sentido que, na presente acção, e tendo em conta o vertido na Notificação Judicial Avulsa que se equacione sequer que a Ré/Recorrida não tenha compreendido qual a natureza e o objecto do direito que contra si é invocado, bastando para tal ler a contestação da Ré, onde é referido é que o Autor “(…) não peticiona o pagamento de quaisquer créditos relativos a horas de trabalho nocturno, a subsídios de turno e subsídios de transporte, ou ao subsídio de quilometragem,”
32ª Quando tal, conforme expressamente exposto nas presentes alegações, não apresenta qualquer correspondência com a verdade, sendo sim esses créditos detalhadamente reclamados, com a ressalva que são devidos na retribuição relativa a subsídio de férias e de Natal,
33ª Não podendo, face ao que legalmente se encontra estatuído, bem como face ao entendimento que jurisprudencialmente vem sendo feito, ser esta questão entendida, conforme o faz o Tribunal a quo, como uma questão nova, até porque a mesma não só especifica em que englobamento deve o pagamento dos créditos salariais ser pagos, como igualmente nenhuma implicação ou relevância tem em termos do pedido, e consequentemente, do impacto que o mesmo tem na Ré em função da Notificação Judicial Avulsa que o Autor atempadamente efectuou,
34ª Entende o Autor/Recorrente que o Tribunal a quo na douta Sentença recorrida interpreta a aludida norma – “a prescrição interrompe-se pela citação ou notificação judicial de qualquer acto que exprima, direta ou indiretamente, a intenção de exercer o direito, seja qual for o processo a que o ato pertence (…) – num sentido que não tem correspondência com a letra da lei, a qual aponta no sentido de que a expressão “direta ou indiretamente” significa ter o legislador pretendido conceder a maior amplitude possível à possibilidade de manifestação da intenção de exercer o direito para efeitos de interrupção da prescrição e não restringi-lo.
35ª Tal entendimento anula a autonomia jurídico-processual que é conferida à notificação judicial avulsa, levando a que, na prática, tal notificação não seja efectivamente um meio judicial passível de interrupção da prescrição distinto de uma ação, funcionando não como acto autónomo, um acto-fim e independente, porque toda a atividade que nelas se exerce é conducente à notificação, mas antes como um acto-meio e dependente, preliminar daquela, actor que servem de instrumento ou de meio num processo cujo fim nada tem que ver com o objetivo direto da notificação,
36ª É assim inquestionável, contrariamente ao que não só é alegado pela Ré, mas também é decidido na douta Sentença recorrida, que o Autor/Recorrente não apenas teve em conta os timings referentes à sua intenção de exercer um legitimo direito que lhe assistia,
37ª Como igualmente cumpriu, de forma escrupulosa e rigorosa, com tudo o que legalmente se encontra estatuído e relativamente ao qual se encontrava obrigado no que concerne ao teor da sua Notificação Judicial Avulsa.
38ª Desta forma, é inequívoco que a Notificação Judicial Avulsa possui a virtualidade de interromper o prazo prescricional que se iniciou com a passagem à reforma por parte do Autor em 05 de Julho de 2021, devendo por isso a douta Sentença recorrida ser revogada e substituída por outra decisão que a julgue improcedente e, por consequência, permita que o processo siga os seus tramites normais, através da realização da Audiência de Discussão e Julgamento, o que se requer.
Termos em que,
Com o douto suprimento de V. Exas., deverá ser concedido provimento ao presente recurso, revogando-se integralmente a Sentença recorrida, concluindo-se pela virtualidade da notificação judicial avulsa para a efectiva interrupção do prazo prescricional, e determinando-se o prosseguimento do processo aqui em causa, através da realização de todas as diligências necessárias, nomeadamente, a realização da Audiência de Discussão e Julgamento, só assim se fazendo a V. Acostumada
Justiça!”
O Réu contra-alegou e formulou as seguintes conclusões:
“A. A douta Sentença Judicial não merece qualquer censura, inexistindo incorreta aplicação do Direito ao caso em apreço.
B. O Direito foi bem aplicado, após análise dos articulados e documentos juntos aos autos (nomeadamente e com relevância para as questões suscitadas, a análise da Notificação Judicial Avulsa, junta à petição inicial como documento n.º 1), que levou à prolação do Saneador Sentença ora em crise,
C. Que, decidiu pela procedência da excepção peremptória de prescrição invocada pelo R., e consequente absolvição do pedido.
D. Ao arrepio do defendido pelo Recorrente, a Notificação Judicial Avulsa remetida à Requerida, agora na posição de Recorrida, não possuiu conteúdo suficiente para produzir o efeito interruptivo da prescrição.
E. Neste sentido, os créditos peticionados em sede de petição inicial encontravam-se prescritos desde 06.07.2021 (em virtude de o Recorrente ter passado à situação de reforma por velhice e consequentemente ter cessado, por caducidade, o seu vínculo laboral com a Recorrida a 05.07.2022.
F. A petição inicial foi proposta a 27.06.2023, quando há muito os créditos laborais peticionados haviam já prescrito, a saber créditos laborais devidos a título de férias e subsídio de férias. Porquanto,
G. A Notificação Judicial Avulsa recebida a 01.07.2022 informava a Recorrida da intenção do ora Recorrente contra a mesma agir judicialmente em virtude de ser credor relativamente a diversos créditos laborais devidos e não pagos, “nomeadamente” valores relativos a horas de trabalho noturno prestado, valores referentes a subsídios de turno e subsídios de transporte e valores relativos a subsídio de quilometragem em função do espaço percorrido no desempenho das funções de ..., não quantificando valores de modo discriminado nem global, nem referindo a que período temporal se referia cada um dos referidos créditos laborais peticionados, pese o facto de a NJA ter dado entrada quase um ano depois (embora ainda dentro do prazo para o efeito) após a reforma.
H. Ano este que teria sido suficiente – face à razão invocada para justificar a data da propositura da ação judicial na Resposta às Exceções e reiterada nas Alegações de recurso: negociações entre a R. ora Recorrida e as estruturas sindicais relativamente, ao que está em questão nos autos – para, tratando-se de créditos já vencidos proceder à quantificação dos mesmos.
I. O que, caso tivesse sucedido, poderia ter implicado a cabal concretização dos créditos laborais relativamente aos quais tencionava fazer interromper o prazo prescricional na notificação judicial avulsa e, quiçá a mesma se revelasse suficiente para a produzir o efeito interruptivo da prescrição pelo qual pugna nas suas alegações.
J. Reitere-se que em momento algum a Recorrida ou inclusivamente a Sentença recorrida refere que a NJA foi extemporânea ou que a entrada em juízo da ação em momento posterior ao da NJA foi extemporânea, factos estes extenuantemente repetidos no decurso das Alegações.
K. A matéria em causa nos autos é pura e simplesmente, não a falta de requisitos formais – que, deste ponto de vista, validados judicialmente tendo em conta que a NJA é um ato-fim em si mesmo, apreciada pura e simplesmente do ponto de vista da virtualidade da existência do direito alegado -, que se encontram preenchidos, mas sim a falta de conteúdo cabal e necessário para que a mesma se afigure como capaz de produzir os efeitos jurídicos a que se arroga, particularmente e ao caso, interromper a prescrição dos direitos de crédito de forma a intentar a ação em data posterior.
L. Ora que, não obstante ser o meio próprio – o que parece não semear desacordo entre as partes, certo é que a mesma não reuniu os requisitos amplamente defendidos e já objeto de ac. de uniformização de jurisprudência (ac. n.º 3/98), para que se considerasse apta a produzir os efeito pretendido – matéria esta sim, já fonte de discórdia e de clivagem entre por um lado o Recorrente e por outro a ora Recorrida e o Tribunal a quo.
M. Pugna a Recorrida, com total adesão por parte do Tribunal a quo que a NJA não identificou os créditos que veio a Recorrente pedir em sede de petição inicial e por conseguinte, à data da mesma, quase dois anos volvidos após a cessação do contrato de trabalho, já se encontravam os mesmos prescritos.
N. E tal é claro e completamente transparente – não existe qualquer menção a créditos a título de subsídio de Natal e de subsídio de férias, tal como não existe qualquer menção, aproveite-se, a título de prémio de assiduidade, a título de subsídio de telefone de emergência, nem a título de subsídio de km de manobras.
O. É que, consegue alvitrar-se que poderia a NJA revelar-se imperfeita por qualquer outro motivo – falta de quantificação dos montantes alegadamente em dívida, falta de concretização da relação jurídica da qual resultavam tais créditos ou até falta do período a que diziam respeito - no entanto não existe qualquer menção a nenhum dos créditos posteriormente reclamados em sede de petição inicial.
P. Pese a tentativa rocambolesca do ora Recorrente, de tentar justificar que os créditos peticionados são devidos pelas concretas naturezas e os valores apurados a tal título e devem ser pagos na retribuição relativa aos subsídios de férias e de Natal – construção que seria débil, porquanto sendo correspetivos da prestação do trabalho não poderiam ser devidos em subsídios recebidos pelo A. em retribuições que não correspondem em concreto a nenhum trabalho prestado (chamados de 13.º e 14.º mês);
Q. E que, já não coincidentes com a retribuição de férias, cuja identidade com o que o trabalhador receberia caso estivesse a trabalhar se impõe, remete, na grande maioria das vezes para os conceitos e fórmulas de cálculo explicitadas no Código do Trabalho ou nos instrumentos de regulamentação coletiva, para conceitos de “retribuição base” ou “retribuição fixa”,
R. Que não se compadecem com a inclusão de toda e qualquer parcela monetária paga ao trabalhador pela sua entidade empregadora, e sim, no caso do subsídio compreendendo a retribuição base e as demais prestações retributivas que sejam contrapartida do modo específico da execução do trabalho, e no caso do subsidio de Natal (desde 2003), abarcando, na ausência de qualquer disposição contratual ou convencional em sentido contrário, apenas a retribuição base e as diuturnidades, afastando o conceito mais abrangente de retribuição paga ao trabalhador em que fossem integradas outras prestações que lhe sejam pagas a título regular e
periódico como contrapartida da sua atividade, deitando mão, para efeitos de integração nos sobreditos, ao conceito de “retribuição modular” bastante explorada pela nossa doutrina.
S. Com efeito, e ao arrepio do Alegado pelo Recorrente, os créditos laborais peticionados nos autos encontram-se prescritos porquanto não foram objeto da NJA, por falta de concretização, não se bastando a mesma com determinações como “créditos laborais devidos” e “nomeadamente”, não se considerando que os mesmos se encontrem por via de tais menções “minimamente definidos”, nem, tal como nas suas conclusões replica, identificados expressamente.
T. Ainda, não podia a Recorrida de forma cabal, chamando as coisas pelos nomes, inteligir do vertido na NJA que o que o Requerente ora Recorrente quereria fazer valer créditos laborais devidos a subsídios de férias e de Natal, dado que o pedido foram horas de trabalho noturno prestadas, subsídios de turno, de quilometragem e transporte, e quanto a tais créditos, não pesasse o facto de se encontrarem integralmente pagos, o certo é que, ainda que com algum esforço conseguiria vislumbrar que se pudessem considerar não prescritos, cabendo-lhe, a tal propósito fazer prova que, sempre que as condições para o seu recebimento se encontraram reunidas, os montantes devidos a tais títulos foram pagos.
U. Por tudo o supra exposto, certo é que bem julgou o Tribunal a quo e, concluindo, inequivocamente pela prescrição dos créditos peticionados nos autos em virtude, da ineficácia da NJA, por insuficiência de conteúdo, para interromper o prazo de prescrição de um ano que se encontrava a decorrer relativamente aos créditos peticionados nos autos.
V. Deverá, em conformidade, julgar-se a Apelação improcedente e, por conseguinte, ser confirmada a decisão recorrida.
Nestes termos e nos demais de Direito julgados aplicáveis que Vs. Exas. Doutamente suprirão, deve ser negado provimento a tal Recurso, antes se confirmando qua tale a decisão judicial proferida pelo Tribunal a quo, por esta não merecer qualquer censura, como é de JUSTIÇA!”
Foi proferido despacho que admitiu o recurso.
Subidos os autos a estes Tribunal, a Exma. Procuradora-Geral Adjunta emitiu Parecer no sentido do recurso ser julgado improcedente.
O Autor respondeu ao Parecer invocando não dever ser este acolhido pelos motivos que indicou e que o recurso deve ser julgado procedente.
Colhidos os vistos, cumpre apreciar e decidir.
Objecto do recurso
O âmbito do recurso é delimitado pelas questões suscitadas pelo recorrente nas conclusões das suas alegações (arts. 635.º n.º 4 e 639.º do CPC, ex vi do n.º 1 do artigo 87.º do CPT), sem prejuízo da apreciação das questões que são de conhecimento oficioso (art.608.º n.º 2 do CPC).
Assim, no presente recurso, importa apreciar se a Notificação Judicial Avulsa interrompeu o prazo prescricional devendo improceder a invocada excepção peremptória de prescrição.
Fundamentação de facto
A decisão recorrida considerou os seguintes factos provados:
1-O Autor foi trabalhador do Réu entre 05.12.1983 e 05.07.2021, data em que passou à situação de reforma.
- Na Ré, ao longo da sua carreira profissional, o Autor exerceu as funções de Auxiliar de Oficina, de Serralheiro, de ..., de ... e de ....
2- Em 01.07.2022, o Réu recebeu notificação judicial avulsa requerida pelo Autor, com o seguinte teor:
“«1.º O Requerente iniciou a sua prestação de trabalho para a Requerida, por conta, determinação e no interesse desta, no dia 05 de Dezembro de 1983; 2º Contrato cujos efeitos, por força da passagem à reforma do Requerente, cessaram em 05 de Julho de 2021. 3º O Requerente, ao longo da sua carreira profissional na Requerida, desempenhou as funções de Auxiliar de Oficina, de ..., de ... e de ..., função esta que desempenhou durante mais de 16 anos, concretamente desde Novembro de 2004; 4º Primeiro como ..., desde Novembro de 2004 até 2015, e depois como ... desde 2015 até á data da sua passagem à reforma. 5º Ora, é entendimento do Requerente ser o mesmo credor da Requerida relativamente a diversos créditos laborais devidos e não pagos, nomeadamente: - Valores relativos a horas de trabalho nocturno por si prestado; - Valores referentes a subsídios de turno e subsídios de transporte, bem como, - Valores relativos ao subsidio de quilometragem em função do espaço percorrido no desempenho das suas funções de ..., 6º Tudo conforme devidamente estabelecido no Acordo de Empresa. 7º Pelo que, no entender do Requerente, encontra-se a Requerida em incumprimento relativamente aos créditos supra identificados. Nesse sentido, 8º Face à factualidade ora referida e, por consequência, estando próximo o decurso do prazo prescricional, previsto no artigo 337º do Código do Trabalho, que estabelece um prazo especial para a prescrição de créditos laborais, prazo este que se conta desde o dia seguinte ao da cessação do contrato de trabalho, correndo então pelo prazo de um ano, o que ocorrerá a 05/07/2022, 9º E, estando aqui em causa a legitima reclamação dos referidos créditos laborais que o Requerente entende serem-lhe devidos pela Requerida, importa, por razões de cautela, proceder, para os efeitos previstos nos artigo 323º e 326º do Código Civil, à respectiva interrupção por meio da presente notificação judicial avulsa, 10º Através da qual, o Requerente dá conhecimento, por via judicial, à Requerida da sua intenção de contra ela exercer os supra mencionados direitos. Ora, 11º Estando aqui em causa a reclamação de créditos laborais, é o Tribunal do Trabalho competente para dela conhecer, nos termos do artigo 126º da Lei n.º 62/2013 de 26/8, 12º E tendo a Requerida sede e domicilio na área deste Tribunal do Trabalho de Lisboa, é este o legalmente competente, nos termos do artigo 79º do CPC, para proceder à notificação ora requerida. Termos em que, Se requer a Exa se digne ordenar a imediata realização da notificação judicial avulsa ora requerida através de solicitador».
3- O Autor propôs a presente acção no dia 27.06.2023.
4- O Autor requereu a citação urgente do Réu, o que foi deferido.
5- O Réu foi citado em 29.06.2023.
6- A audiência de partes teve lugar em 29.06.2023
Fundamentação de direito
Apreciemos, então, se a Notificação Judicial Avulsa interrompeu o prazo prescricional, devendo improceder a invocada excepção peremptória de prescrição.
A sentença, pronunciou-se sobre a excepção peremptória de prescrição nos seguintes termos:
“(…).
Conforme dispõe o artigo 337º, nº 1, do Código do Trabalho, o direito do A. emergente de contrato prescreve decorrido um ano, sendo o seu termo inicial o dia seguinte ao do fim do contrato de trabalho, isto é, 06.07.2021.
E, «completada a prescrição, tem o beneficiário a faculdade de recusar o cumprimento da prestação ou de se opor, por qualquer modo, ao exercício do direito prescrito» (artigo 304º, nº 1, do Código Civil), conforme se propõe fazer o R.
Porém, «a prescrição interrompe-se pela citação ou notificação judicial de qualquer acto que exprima, directa ou indirectamente, a intenção de exercer o direito» (artigo 323º, nº 1, do Código Civil), conforme pretendeu o A. com a apresentação da conhecida notificação judicial avulsa, efectivamente recebida pelo R. em 01.07.2022, ou seja, antes do termo final do prazo.
Não está, assim, em questão a tempestividade da sua apresentação, mas o conteúdo da notificação e a sua adequação ao direito pretendido exercer na acção, como bem assinalaram as Partes nos autos.
Dito isto, o artigo 323º, nº 1, é claro ao dizer: «a intenção de exercer o direito», isto é, o direito concreto e individualizado pelo proponente; «dê conhecimento do acto àquele contra quem o direito pode ser exercido», isto é, o conhecimento pelo pretenso devedor da intenção de exercer esse concreto direito. Assim, a correspondente notificação judicial avulsa firma-se como uma declaração de vontade. Como declaração, vale «com o sentido que um declaratário normal, colocado na posição do real declaratário, possa deduzir do comportamento do declarante», mas limitado ao «mínimo de correspondência no texto do respectivo documento» (artigos 236º e 238º do Código Civil). Em conclusão, o pretendo devedor tem de compreender qual a natureza e o objecto do pretenso direito que contra si é invocado.
Como é dito na jurisprudência (e a propósito de créditos laborais):
- «Como resulta da letra do disposto no art.º 323 (intenção de exercer o direito), o facto interruptivo da prescrição consiste no conhecimento que o obrigado teve, através duma citação ou notificação judicial, de que o titular pretende exercer determinado direito (Pires de Lima e A. Varela, Código Civil Anotado, 4.ª edição, p.290). Deste modo, é necessário, antes de mais, que o requerente do acto interruptivo da prescrição se assuma como titular de determinado direito. Mas não basta que se assuma como titular de um mero direito virtual. Tem de afirmar-se como titular de um direito efectivo, minimamente definido nos seus contornos e fundamentos.
De outro modo, o requerido não ficará ciente do direito que contra ele é invocado ou se pretende invocar e o requerimento tem de ser considerado inepto, por aplicação analógica do disposto no art. 193, n.º 2, a), do CPC, nos termos do qual a petição inicial é inepta, quando falte ou seja ininteligível o pedido ou a causa de pedir» - acórdão do STJ de 02.11.2005, processo 05S1920, em www.dgsi.pt;
- «afigura-se-nos que, para que o meio interruptivo da prescrição, seja ele a citação, a notificação judicial ou qualquer outro meio judicial pelo qual se dê conhecimento do acto àquele contra quem o direito possa ser exercido, produza aquela eficácia, necessário se torna que o credor que o pratica concretize, minimamente, o direito ou direitos que pretende reclamar do devedor sobre o qual o faz incidir, não sendo, portanto, suficiente qualquer declaração de intenção vaga ou genérica de exercício de direito ou direitos contra o mesmo.
É que o efeito interruptivo do mesmo, baseia-se, precisamente, em que, a partir dele, o devedor fica a ter conhecimento do direito ou direitos que o credor exerce ou pretende exercer judicialmente» - acórdão do Tribunal da Relação de Lisboa de 2.03.2005, proc. 9981/2004-4;
- «De outro modo, bastaria a qualquer credor ou titular de direitos endereçar sucessivas notificações judicias vagas e despidas de conteúdo ao devedor ou obrigado para que este nunca pudesse beneficiar da prescrição prevista na lei, o que de todo em todo contrariaria a segurança e paz jurídica que com o instituto da prescrição se quis alcançar. Da análise do alegado pelos Autores nas suas Notificações Judiciais Avulsas, conclui-se que estes: - não só não contabilizaram quaisquer montantes, quando já o poderiam e deveriam ter feito, posto que, como ora se vê das petições, estão em causa créditos vencidos na pendência da relação laboral e não danos ou prejuízos futuros ou indeterminados; - como não especificaram a origem (vigência, cessação ou violação do contrato) tipo (diferenças salariais, trabalho suplementar, despesas, etc.) nem período a que os pretensos créditos se reportavam. Na verdade, os AA. limitaram-se a comunicar que teriam créditos laborais, sem qualquer detalhe quanto aos mesmos. Ou seja, invocaram direitos meramente hipotéticos, não identificando qualquer crédito laboral que concretamente lhes fosse devido pela Ré. Ficou assim a R. sem saber, mesmo com a Notificação Judicial Avulsa, de que direitos se poderia vir a ter de defender na futura ação judicial, que elementos de prova deveria manter sobre a relação havida com os autores e, enfim, sujeita a outros notificações análogas que, indefinidamente, manteriam em “aberto” o prazo prescricional. Não terá certamente sido esse o intuito do legislador ao prever, para além da citação judicial para a acção propriamente dita, também uma notificação judicial avulsa como meio de interromper a prescrição. E, o telos ou fim visado com as normas jurídicas é um elemento integrante da interpretação delas – cfr. o art. 9º do Cód. Civil, que claramente afasta, no domínio da interpretação, a velha jurisprudência dos conceitos, apelando não só ao texto da lei, mas também ao fim tido em vista pelo legislador – acórdão do Tribunal da Relação do Porto de 27.04.2015, processo 1336/13.6TTVNG.P1;
- «Ou seja, para que a notificação judicial avulsa produza o seu efeito, é necessário que a mesma explicite ao destinatário, de forma clara, concreta e precisa, que direito ou direitos tem ou se arroga o requerente da notificação. A não ser assim, bastaria a qualquer credor, ou titular de direitos, endereçar ao devedor, ou ao obrigado, sucessivas notificações judicias vagas e despidas de conteúdo, para que este nunca pudesse beneficiar da prescrição prevista na lei, o que, de todo em todo, contrariaria a segurança, certeza e paz jurídica que, com o instituto da prescrição, se quis alcançar. Ora, o teor do ponto 10 do requerimento de notificação judicial avulsa - “O requerente tem vários créditos laborais a receber, que carecem de decisão judicial, nomeadamente, férias, subsídio de férias, subsídio de natal, crédito decorrente da falta de formação, despesas e ainda avultadas horas de trabalho suplementar prestadas ao longo de vários anos” – porque vago e impreciso, não se enquadra na doutrina no citado acórdão de uniformização de jurisprudência n.º 3/98, dado que não concretizou, minimamente, os créditos laborais que reclamou na presente acção comum. Limitou-se, apenas, a enunciar a natureza dos créditos, sem sequer os enquadrar na execução do contrato de trabalho, quer quanto ao elemento do tempo, quer quanto ao elemento do valor, ainda que aproximados. Na verdade, o elemento temporal é essencial para o cálculo de qualquer crédito laboral, seja relativo a férias e respectivos subsídios, seja relativo a trabalho suplementar. Aliás, mesmo a indicação da natureza dos créditos é exemplificativa e não taxativa, já que empregou o advérbio “nomeadamente”. E, na verdade, na petição inicial, uma parcela do pedido reporta a descanso compensatório não gozado, não mencionado no requerimento de notificação judicial avulsa. Em resumo: o referenciado requerimento de notificação judicial avulsa não satisfaz o requisito substancial da notificação, definido pelo citado acórdão de uniformização de jurisprudência n.º 3/98» - acórdão da Relação do Porto de 16.12.2015, com o processo 742/13.0TTMTS.P1.
Outros podiam ser citados.
Ora, no caso que nos ocupa, de útil na conhecida notificação, e dando por adquirido que afirmar-se «credor da requerida relativamente a diversos créditos laborais» é o mesmo que, na prática, nada dizer, temos apenas a afirmação genérica de se ser credor de:
- Valores relativos a horas de trabalho nocturno por si prestado;
- Valores referentes a subsídios de turno e subsídios de transporte;
- Valores relativos ao subsidio de quilometragem em função do espaço percorrido no desempenho das suas funções de ....
O A. limitou-se, assim, parafraseando o último acórdão citado, a enunciar a natureza do seu crédito, mas sem o enquadrar no tempo nem indicar o seu valor, quando claramente já o podia fazer pois a relação laboral há muito findara. Por isso, e ressalvado o devido respeito, a conhecida notificação é, pelo seu conteúdo, inábil para interromper o prazo prescricional.
Ainda que assim não fosse, não lhe poderia valer para a presente acção.
Com boa vontade, o pretendo devedor ficou ciente que o A. se arroga do direito de lhe exigir créditos por «horas de trabalho nocturno», «subsídios de turno e de transporte» e bem assim por «subsídio de quilometragem», e que o pretende exercer. Porém, o que se discute na acção é a incorrecção (na óptica do A.) da liquidação feita pelo R. dos subsídios de férias e de Natal. Trata-se, no nosso julgamento, de uma questão nova e da qual não fora prevenido pela notificação judicial avulsa (não cabe, a nosso ver manifestamente, no seu texto).
A talho de foice, e ressalvado o devido respeito, o tema não terá passado despercebido ao A. na acção, assim se justificando certamente a redacção final que conferiu ao pedido em a) e no seu artigo 15º.
As considerações expendidas aplicam-se também à obrigação de juros que no caso dos créditos laborais acompanha o regime para estes previsto.
Em conclusão, o alegado crédito do A. está efectivamente prescrito.
Pelo exposto, julga-se procedente a invocada excepção peremptória de prescrição e, por isso, absolve-se o R. dos pedidos contra si formulados.
(…).”
Sustenta o Recorrente, em suma, que, da leitura e análise, quer da Notificação Judicial Avulsa, quer da Petição Inicial, resulta que cumpriu escrupulosa e integralmente com todos os pressupostos a que se encontrava obrigado com vista à interrupção do prazo de prescrição, tendo, na Notificação Judicial Avulsa, identificado e concretizado os créditos salariais que entendia serem-lhe devidos e cujo direito pretendia exercer, com excepção do prémio de assiduidade, subsídio de telefone de emergência e subsídio de km de manobras, itens que reconhece não ter mencionado na sua Notificação Judicial Avulsa. Concluiu pela improcedência da excepção peremptória de pescrição.
O Réu, por seu turno, defende, muito sumariamente, que a Notificação Judicial Avulsa que lhe foi endereçada e recebeu não é idónea a interromper a prescrição, posto que não concretizou os direitos de crédito que o Autor reclama na petição inicial.
Vejamos:
Nos termos do n.º 1 do artigo 298.º do Código Civil, “Estão sujeitos a prescrição, pelo seu não exercício durante o lapso de tempo estabelecido na lei, os direitos que não sejam indisponíveis ou que a lei não declare isentos de prescrição.”
Sobre este instituto, escreve-se no sumário do Acórdão do Supremo Tribunal de Justiça de 22.09.2016, Proc. n.º 125/06.9TBMMV-C.C1.S1, consultável em www.dgsi.pt, “I - A prescrição, cujo nome (praescriptio) e raízes mergulham no húmus fecundo do direito romano, assenta no reconhecimento da repercussão do tempo nas situações jurídicas e visa, no essencial, tutelar o interesse do devedor.
II – O fundamento específico da prescrição reside na negligência do titular do direito em exercitá-lo durante o período de tempo tido como razoável pelo legislador e durante o qual ser legítimo esperar o seu exercício, se nisso estivesse interessado. Negligência que faz presumir ter ele querido renunciar ao direito, ou pelo menos o torna (o titular) indigno de protecção jurídica (dormientibus non succurrit jus)».
III - Ainda que olhada, sob o ponto de vista da moral e do direito natural, com certo desfavor (os antigos qualificaram-na como impium remedium ou impium praesidium), a prescrição continua a ser reclamada pela boa organização das sociedades civilizadas, apresentando-se, entre nós, como uma excepção não privativa dos direitos de crédito (art.º 298º do Cód. Civil) e, por isso mesmo, inserida na sua parte geral, no capítulo relativo ao tempo e à sua repercussão sobre as relações jurídicas (art.ºs 296º a 327º do Cód. Civil).
IV - À prescrição estão sujeitos todos e quaisquer direitos que não sejam indisponíveis ou que a lei não declare isentos dela (art.º 298º, n.º 1, do Cód. Civil) e, uma vez completado o prazo prescricional, tem o beneficiário a faculdade de recusar o cumprimento da prestação ou de se opor, por qualquer forma, ao exercício do direito prescrito (art.º 304º, n.º 1, do Cód. Civil), desse modo, bloqueando e paralisando a pretensão do credor, na configuração de excepção peremptória (art.º 576º, n.º 3, do Cód. Proc. Civil).
(…).”
De acordo com o artigo 303.º do mesmo Código, “O tribunal não pode suprir, de ofício, a prescrição; esta necessita, para ser eficaz, de ser invocada, judicial ou extrajudicialmente, por aquele a quem aproveita, pelo seu representante ou, tratando-se de incapaz, pelo Ministério Público.”
Como é sabido, a prescrição dos créditos emergentes do contrato de trabalho goza de um regime especial, o previsto no artigo 337.º do Código do Trabalho, cujo número 1 estatui:
“1 - O crédito de empregador ou de trabalhador emergente de contrato de trabalho, da sua violação ou cessação prescreve decorrido um ano a partir do dia seguinte àquele em que cessou o contrato de trabalho.”
No caso, as partes estão de acordo que o contrato de trabalho do Autor cessou em 05.07.2021 e que a prescrição ocorreria à meia noite do dia 06.07.2022. Concordam ainda as partes sobre a data em que o Réu recebeu a Notificação Judicial Avulsa (01.07.2022), sobre a data da citação do Réu (29.06.2023) e sobre a data da propositura da acção (27.06.2022).
Em litígio está saber se a Notificação Judicial Avulsa produziu o efeito que lhe atribui o Recorrente, ou seja, se foi idónea a interromper o prazo de prescrição em curso, o que nos remete, necessariamente, para o ao artigo 323.º do Código Civil.
Estabelece o n.º 1 do artigo 323.º do Código Civil que “ A prescrição interrompe-se pela citação ou notificação judicial de qualquer acto que exprima, directa ou indirectamente, a intenção de exercer o direito, seja qual for o processo a que o acto pertence e ainda que o tribunal seja incompetente.”
Nos termos do n.º 4 do mesmo artigo “É equiparado à citação ou notificação, para efeitos deste artigo, qualquer outro meio judicial pelo qual se dê conhecimento do acto àquele contra quem o direito pode ser exercido.”
Como é sabido, a polémica gerada à volta da questão de saber se o artigo 323.º do Código Civil, previa a notificação judicial avulsa como meio idóneo de interromper o prazo prescricional, foi resolvida pelo Acórdão Uniformizador de Jurisprudência n.º 3/98, de 12 de Maio, publicado no Diário da República n.º 109/98, Série I-A de 12 de Maio de 1998, que uniformizou jurisprudência nos seguintes termos:
“A notificação judicial avulsa pela qual se manifesta a intenção do exercício de um direito é meio adequado à interrupção da prescrição desse direito, nos termos do n.º 1 do artigo 323.º do Código Civil.”
A propósito do artigo 323.º do Código Civil, escrevem Fernando Andrade Pires de Lima e João de Matos Antunes Varela, no Código Civil Anotado, Volume I, 3.ª Edição Revista e Actualizada, com a colaboração de Manuel Henrique Mesquita, Coimbra Editora, Limitada, pag.289: “O facto interruptivo da prescrição consiste no conhecimento que teve o obrigado, através duma citação ou notificação judicial de que o titular pretende exercer o direito. Daí as disposições dos n.ºs 3 e 4.”
Assim, não havendo dúvidas de que o Autor usou de um meio idóneo a promover a interrupção da prescrição, resta, então, saber se tal meio cumpriu os requisitos necessários a produzir tal efeito.
Como esclarece o Acórdão do Supremo Tribunal de Justiça, de 12.10.2022, processo 766/07.7TTLSB.L2.S1, consultável em www.dgsi.pt” Também a notificação judicial avulsa, em princípio, tem potencialidades para interromper a prescrição, como é unanimemente entendido[15].
Mas também aqui se exige que o Requerente alegue o concreto direito sobre o qual pretende interromper a prescrição, não se bastando com generalidades como, por exemplo, “pretendo intentar acção a pedir todos os créditos salariais”, sem os discriminar.
A prescrição dos créditos não se mostra interrompida por força das notificações judiciais avulsas apresentadas pelo Recorrente porque as mesmas não explicitavam “ao destinatário, de forma clara, concreta e precisa, que direito ou direitos tem ou se arroga o requerente da notificação”.
Na realidade, e como se constata pela simples leitura do conteúdo das mesmas, “a notificação judicial avulsa não identifica minimamente quais as possíveis prestações que poderiam encontrar-se em dívida, e que, como tudo indica, o próprio declarante desconhecia no momento em que emitiu a declaração, visto que remeteu a sua concretização para um momento posterior”.
De resto, e citando o acórdão recorrido, “Ora, além de as referências na notificação judicial avulsa às profissões e categorias profissionais não coincidirem exactamente com as que o ora recorrente fez constar dos pedidos formulados na petição inicial, o que é susceptível de trazer dúvidas quanto aos concretos direitos que o recorrente tinha a intenção de exercer à data da notificação judicial avulsa, o que se constata é que o recorrente foi vago e impreciso na enunciação dos créditos que pretende fazer valer, não os concretizando, minimamente, quer quanto ao elemento do tempo (apenas situa um ano de não gozo de férias e a data em que a empresa deixou de conceder folgas), quer quanto ao elemento do valor (ao qual não faz sequer alusão mínima, não quantificando, ainda que aproximadamente, qualquer crédito emergente do contrato de trabalho que tencione fazer valer, com excepção dos danos não patrimoniais)”.
Sobre o mesmo tema debruça-se o Acórdão do Tribunal da Relação de Lisboa, de 2 de Março de 2005, Proc. 9981/2004, igual pesquisa onde se escreve:”“ A notificação judicial avulsa, mediante a qual se manifesta a intenção do exercício de um direito, constitui meio adequado à interrupção da prescrição desse direito (Ac. de Uniformização de Jurisprudência nº 3/98 publicado no DR 1ª série de 12-05-1998).
A eficácia objectiva do acto interruptivo da prescrição depende da projecção do seu conteúdo sobre a própria relação jurídica a que se dirige.
Para que o meio interruptivo da prescrição, seja ele a citação, a notificação judicial ou qualquer outro meio judicial pelo qual se dê conhecimento àquele contra quem o direito possa ser exercido, produza aquela eficácia, necessário se torna que o credor que o pratica concretize, minimamente, o direito ou direitos que pretende reclamar do devedor sobre o qual o faz incidir, não sendo suficiente, portanto, qualquer declaração de intenção vaga ou genérica de exercício de direito ou direitos contra o mesmo.”
Veja-se ainda, o Acórdão do Tribunal da Relação do Porto de 13.04.2015, Proc. n.º 1335/13.8TTVNG.P, igual consulta, em cujo sumário se escreve: (…). II - A equiparação da notificação judicial avulsa a uma citação ou notificação judicial para efeitos de interrupção de prescrição tem sempre como pressuposto que o requerente dessa notificação pretende exercer um concreto direito de que se arroga.
III - Por isso, para que a notificação judicial avulsa seja apta a interromper o prazo de prescrição em curso é necessário que do conteúdo da mesma resulte a intenção do requerente exercer um concreto direito.
IV - Tal não se verifica se da notificação judicial avulsa apenas se extrai que o requerente da mesma alega ter sido trabalhador do notificando, ter cessado o contrato de trabalho em 22-11-2011, na sequência de um despedimento colectivo, ter diversos créditos salariais decorrentes da vigência do contrato que “atingem várias dezenas de milhares de euros”, mas cuja concreta origem não revela, e que não foi possível até àquele momento apurar com exactidão o mesmo.
(…).”
Regressando ao caso e procedendo ao confronto do teor da Notificação Judicial Avulsa com o teor da Petição Inicial, verificamos que os reclamados prémio de assiduidade, subsídio de telefone de emergência e subsídio de km de manobras, não mereceram qualquer alusão na Notificação Judicial Avulsa. Ou seja, a Notificação Judicial Avulsa é completamente omissa quanto a estes créditos e, obviamente, quanto aos respectivos juros. Por isso e quanto a eles, não houve interrupção do prazo prescricional, donde, à data da citação do Réu para a presente acção aqueles créditos estavam prescritos.
Mas igual conclusão não se pode retirar relativamente aos demais créditos laborais reclamados na petição inicial.
Na verdade, quanto aos créditos relativos a horas de trabalho nocturno, subsídios de turno, subsídios de transporte e subsídio de transporte em função do espaço percorrido no desempenho das funções de ..., podemos afirmar que, na Notificação Judicial Avulsa, o Autor concretizou minimamente o seu direito e que pretende reclamar contra o Réu esses créditos. Salvo o devido respeito, não vemos que, nesta parte, a declaração do Autor seja “vaga ou genérica de exercício de direito ou direitos”.
O que notamos é que na Notificação Judicial Avulsa e no que aos mencionados créditos se refere, a declaração do Autor mostra-se imperfeita mas não imperceptível. E é imperfeita porque o Autor não esclareceu, com clareza, que os valores que reclama a título de horas de trabalho nocturno, subsídios de turno, subsídios de transporte e subsídio de transporte em função do espaço percorrido no desempenho das funções de ..., são os referentes às médias que entende deverem ter sido computadas nos subsídios de férias e de Natal, limitando-se a afirmar que lhe são devidos créditos a esse título. Mas a verdade é que esta imprecisão apenas se repercute na “rubrica” sob que são devidos, mas não quanto ao facto de lhe serem devidos valores a esse título.
Assim, se é certo que, quanto àqueles subsídios a Notificação Judicial Avulsa não é propriamente uma obra prima, mesmo assim, é de concluir que exprime directamente, perante o Réu, a intenção do Autor reclamar valores relativos aos mesmos, isto é, com a Notificação Judicial Avulsa o Réu percebeu que o Autor tinha a intenção de reclamar créditos a título de horas de trabalho nocturno, subsídios de turno, subsídios de transporte e subsídio de transporte em função do espaço percorrido no desempenho das funções de ..., isto independentemente de não ter esclarecido que eram as médias a considerar nos subsídios de férias e de Natal, omissão que, em nosso entender não inquina a Notificação Judicial Avulsa de ineptidão.
Em consequência, a arguida excepção peremptória improcede quanto aos créditos reclamados a título de horas de trabalho nocturno, subsídios de turno, subsídios de transporte e subsídio de transporte em função do espaço percorrido no desempenho das funções de ..., devendo a acção prosseguir quanto a eles e procede quanto ao prémio de assiduidade, ao subsídio de telefone de emergência e ao subsídio de km de manobras.
Procede, pois, parcialmente o recurso.
Atento o teor do artigo 527.º n.ºs 1 e 2 do CPC, as custas do recurso são da responsabilidade de ambas as partes na proporção do respectivo decaimento.

Decisão
Face ao exposto, acorda-se em julgar o recurso parcialmente procedente e, em consequência:
- Revoga-se o despacho saneador sentença recorrido na parte em que julgou procedente a excepção perempória de prescrição relativamente aos créditos reclamados a título de horas de trabalho nocturno, subsídios de turno, subsídios de transporte e subsídio de transporte em função do espaço percorrido no desempenho das funções de ..., devendo a acção prosseguir quanto a eles.
- Confirma-se, no mais, o despacho saneador sentença recorrido.
Custas por ambas as partes na proporção do respectivo decaimento.
Notifique e registe.

Lisboa, 9 de Outubro de 2024
Maria Celina de Jesus de Nóbrega
António José Alves Duarte
Maria José Costa Pinto-parcialmente vencida conforme declaração de voto.
*
Declaração de voto
Em presença do caso em análise, entendo que a notificação judicial avulsa promovida pelo autor não é suficiente para interromper a prescrição dos créditos de subsídios de férias e de Natal que na acção são peticionados.
Estes subsídios constituem prestações complementares que não se confundem, designadamente, com "valores relativos a horas de trabalho nocturno por si prestado" que o autor entenda estarem em dívida, não me parecendo suficiente a alusão a estes na notificação judicial avulsa para que o réu fique a perceber que o autor pretende reclamar aqueles em ulterior acção judicial.
O acórdão de uniformização de jurisprudência n.º 3/98, de 1998.03.26, publicado no DR, Série I-A, de 1998.05.12, que ditou ser «[a] notificação judicial avulsa pela qual se manifesta a intenção do exercício de um direito é meio adequado à interrupção da prescrição desse direito, nos termos do n.º 1 do artigo 323.º do Código Civil», pondera no seu texto que «o efeito interruptivo do mesmo baseia-se, precisamente, em que, a partir dele, o devedor fica a ter conhecimento do direito ou direitos que o credor exerce ou pretende exercer judicialmente».
Ou seja, com o recebimento da notificação judicial avulsa, atenta a gravidade dos efeitos do acto, o réu deve ficar ciente do que pretende o autor, de qual o direito que se arroga e, neste caso, não vejo como defender que a notificação efectuada – que não situa no tempo os créditos que entende serem devidos e não faz qualquer alusão a subsídios de férias e de Natal – permita ao réu perceber que na acção o autor virá a reclamar, exclusivamente, prestações complementares de subsídios de férias e de Natal em que, segundo alega, deve reflectir-se a média ponderada de outros subsídios que auferiu (lhe foram pagos, ao invés do que indicia a notificação judicial avulsa) ao longo da execução do contrato, quando o tenham sido regular e periodicamente.
Teria, pois, confirmado integralmente a decisão da 1.ª instância.