ACÇÃO EXECUTIVA
EMBARGOS DE EXECUTADO
ILEGITIMIDADE SUBSTANTIVA
ABUSO DE DIREITO
Sumário


A invocação, nos embargos de executado, da ilegitimidade substantiva e da excepção perenptória de abuso de direito, não consubstanciam a invocação da inexistência de título executivo, da incerteza, inexigibilidade ou iliquidez da obrigação exequenda, nem o uso indevido do procedimento de injunção por parte a embargada.

Texto Integral


Acordam no Tribunal da Relação de Guimarães

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1. Relatório

EMP01... – Produtos Para Pastelaria e Panificação, Ldª intentou execução sumária, para pagamento de quantia certa - € 10.360,56 -, fundada em injunção, contra AA.

Com o requerimento executivo juntou injunção, intentada contra o aqui executado, em que pedia o pagamento de € 10.360,56, sendo € 8.842,52 de capital, € 1.266,04 de juros de mora, € 150,00 relativa a “Outras quantias “ € 102,00 de taxa de justiça.
Alegou para tanto que é uma sociedade comercial que se dedica à venda de produtos de pastelaria e panificação, no exercício da sua actividade forneceu diversos produtos ao requerido, transações tituladas pelas facturas que discrimina, a mercadoria foi entregue e nunca foi objecto de qualquer reclamação dentro do prazo legal, ao valor das facturas e juros de mora acresce a quantia de € 150,00 relativa a despesas administrativas suportadas pela requerente com as diligências extrajudiciais levadas a cabo com vista ao ressarcimento do valor do seu crédito.

No requerimento de injunção consta no canto superior direito, a seguinte menção:
“Este documento tem força executiva.
Ref. ...40
..., 23-09-2022
O Secretário de Justiça”

Citado o executado veio o mesmo deduzir embargos de executado invocando que a embargada não forneceu ao embargante os bens constantes das facturas indicadas no requerimento executivo, nem nunca enviou as facturas ao mesmo, nem nunca o interpelou para o pagamento do que quer que fosse; responsável pelo pagamento é a sociedade AA Unipessoal, Lda, a quem a embargada forneceu os bens constantes das facturas à sociedade, a qual foi declarada insolvente por sentença proferida em 08/06/2022, no âmbito do processo nº 423/22.... que correu termos no Juízo de Comércio ... do Tribunal Judicial da Comarca ... e onde foi reconhecido que a embargada detinha um crédito sobre a insolvente no montante de 8.842,52 €; a embargante abusivamente decidiu intentar uma injunção contra o socio da sociedade devedora, com o propósito de obter um pagamento ilegítimo, porque bem sabe a embargada que nada forneceu ao ora embargante; a embargada tenta receber a mesma quantia em dois processos distintos, o que configura um abuso de direito e um enriquecimento sem causa; deve o opoente ser absolvido da instância por inexistência de titulo executivo e ou de qualquer divida do embargante para com a embargada.

Foi proferido despacho liminar com o seguinte teor:
“Importa proferir despacho liminar, nos termos previstos pelo artigo 732.º, n.º 1 do Código de Processo Civil.
“(…)
Compulsados os autos principais, constata-se que o título ora dado à execução é um requerimento de injunção ao qual foi aposta fórmula executória, tendo sido indicado como valor da acção a quantia de € 10.360,56, correspondente ao valor peticionado no referido requerimento de injunção.
Os fundamentos de oposição à execução baseada em requerimento de injunção constam do artigo 857.º do Código de Processo Civil, que estabelece o seguinte:  
1 - Se a execução se fundar em requerimento de injunção ao qual tenha sido aposta fórmula executória, para além dos fundamentos previstos no artigo 729.º, aplicados com as devidas adaptações, podem invocar-se nos embargos os meios de defesa que não devam considerar-se precludidos, nos termos do artigo 14.º-A do regime dos procedimentos para cumprimento de obrigações pecuniárias emergentes de contratos de valor não superior à alçada do tribunal de 1.ª Instância, aprovado em anexo ao Decreto-Lei n.º 269/98, de 1 de setembro, na sua redação atual.
2 - Verificando-se justo impedimento à dedução de oposição ao requerimento de injunção, tempestivamente declarado perante a secretaria de injunção, nos termos previstos no artigo 140.º, podem ainda ser alegados os fundamentos previstos no artigo 731.º; nesse caso, o juiz receberá os embargos, se julgar verificado o impedimento e tempestiva a sua declaração.
3 - Independentemente de justo impedimento, o executado é ainda admitido a deduzir oposição à execução com fundamento:
a) Em questão de conhecimento oficioso que determine a improcedência, total ou parcial, do requerimento de injunção;
b) Na ocorrência, de forma evidente, no procedimento de injunção de exceções dilatórias de conhecimento oficioso.” (sublinhado nosso).
Já o artigo 729.º do Código de Processo Civil estabelece que:
Fundando-se a execução em sentença, a oposição só pode ter algum dos fundamentos seguintes:
a) Inexistência ou inexequibilidade do título;
b) Falsidade do processo ou do traslado ou infidelidade deste, quando uma ou outra influa nos termos da execução;
c) Falta de qualquer pressuposto processual de que dependa a regularidade da instância executiva, sem prejuízo do seu suprimento;
d) Falta de intervenção do réu no processo de declaração, verificando-se alguma das situações previstas na alínea e) do artigo 696.º;
e) Incerteza, inexigibilidade ou iliquidez da obrigação exequenda, não supridas na fase introdutória da execução;
f) Caso julgado anterior à sentença que se executa;
g) Qualquer facto extintivo ou modificativo da obrigação, desde que seja posterior ao encerramento da discussão no processo de declaração e se prove por documento; a prescrição do direito ou da obrigação pode ser provada por qualquer meio;
h) Contracrédito sobre o exequente, com vista a obter a compensação de créditos;
i) Tratando-se de sentença homologatória de confissão ou transação, qualquer causa de nulidade ou anulabilidade desses atos.”.
Por sua vez, o artigo 14.º-A do anexo ao Decreto-Lei n.º 269/98, de 01.09, estabelece o seguinte:
1 - Se o requerido, pessoalmente notificado por alguma das formas previstas nos n.os 2 a 5 do artigo 225.º do Código de Processo Civil e devidamente advertido do efeito cominatório estabelecido no presente artigo, não deduzir oposição, ficam precludidos os meios de defesa que nela poderiam ter sido invocados, sem prejuízo do disposto no número seguinte.
2 - A preclusão prevista no número anterior não abrange:
a) A alegação do uso indevido do procedimento de injunção ou da ocorrência de outras exceções dilatórias de conhecimento oficioso;
b) A alegação dos fundamentos de embargos de executado enumerados no artigo 729.º do Código de Processo Civil, que sejam compatíveis com o procedimento de injunção;
c) A invocação da existência de cláusulas contratuais gerais ilegais ou abusivas;
d) Qualquer exceção perentória que teria sido possível invocar na oposição e de que o tribunal possa conhecer oficiosamente.” (sublinhado nosso).
A este propósito, atente-se que face às alterações introduzidas pela Lei n.º 117/2019, de 13.09 nos preceitos legais acima enunciados, “foi superada a inconstitucionalidade da norma do art. 857º, nº 1 do Cód. de Proc. Civil, deixando de ter razão de ser a jurisprudência constitucional que a declarara quando interpretada no sentido de limitar os fundamentos de oposição à execução instaurada com base em requerimento de injunção à qual fora aposta fórmula executória, por violação do princípio da proibição da indefesa, consagrado no art. 20º, nº 1 da Constituição da República” (cf. acórdão do Tribunal da Relação do Porto de, 18.11.2021, proferido no processo n.º 2918/20.5T8LOU-A.P1 e disponível em www.dgsi.pt).
Feito este breve enquadramento legal, voltemos a nossa atenção para o caso em apreço.
Desde logo, há que atentar que está em causa uma quantia exequenda de valor superior à alçada da primeira instância (cf. artigo 44.º, n.º 1, da Lei n.º 62/2013, de 26.08), pelo que poderão apenas constituir fundamentos para a dedução de embargos os constantes no artigo 729.º ex vi artigo 857.º, n.º 1 ambos do Código de Processo Civil.
Por outro lado, o Embargante não alegou a existência de qualquer justo impedimento à dedução de oposição ao requerimento de injunção, tempestivamente declarado perante a secretaria de injunção (cf. artigo 857.º, n.º 2, do Código de Processo Civil).
Por sua vez, e perscrutados os argumentos vertidos na petição inicial de embargos de executado apresentados pelo Executado AA, constata-se que o ora invocado não constitui fundamento para os mesmos serem legalmente admissíveis, face ao disposto quer no artigo 729.º ex vi artigo 857.º, n.º 1 ambos do Código de Processo Civil, quer no disposto no artigo 857.º, n.º 3, do mesmo diploma legal.
Mais concretamente, note-se que o Embargante alega, em suma, que a Embargada nada lhe forneceu pelo que não é devedora da mesma de qualquer quantia, pois os alegados produtos terão sido fornecidos a outra pessoa, à sociedade AA Unipessoal, Lda. da qual é mero sócio. Ou seja, o que estará em causa será uma verdadeira ilegitimidade substantiva na relação subjacente ao requerimento de injunção, o que constituiu uma excepção peremptória que não é de conhecimento oficioso e que deveria ter sido oportunamente deduzida em sede de oposição à injunção, o que não sucedeu no caso. E mais: tal consubstancia a alegação de factos extintivos da obrigação anteriores ao encerramento da discussão na fase declarativa.
Ademais, afigura-se que a alegação vertida na petição de embargos é, pelo menos em parte, contraditória, uma vez que refere que no aludido processo de insolvência da sociedade AA Unipessoal, Lda. foi reconhecido que a embargada detinha tal crédito sobre a insolvente (cf. artigo 6.º) e, mais à frente em tal articulado, acaba por referir “Perante a insolvência da devedora, ao invés de reclamar o seu crédito no processo de Insolvência, abusivamente decidiu intentar uma injunção contra o socio da sociedade devedora” (artigo 8.º), ou seja, nem sequer se torna claro da exposição dos factos se a ora Embargada reclamou ou não o seu crédito no aludido processo de insolvência e, bem assim, se o mesmo foi reconhecido. Ainda assim, e mesmo que assim fosse (que tivesse peticionado a quantia devida pelo fornecimento dos mesmos bens a duas pessoas distintas – sócio e sociedade), afigura-se-nos que tal não se afigura passível de, no caso em concreto, configurar um abuso do direito face à alegação vertida no requerimento de injunção da qual resulta inequivocamente que a Embargante alegou que forneceu diversos produtos ao aqui Executado/Embargado (ou seja, nestes autos, em momento algum a Embargada alega que a quantia exequenda se reporta ao fornecimento de bens a uma outra pessoa, pelo que se constata que apenas vem exercer o seu alegado direito a receber o preço pelo fornecimento de tais bens contra a pessoa que entende ser devedora, o ora executado/embargante).
Mais se dirá que tal alegação importará apenas para aquilatar da eventual litigância de má-fé da Embargante (por, eventualmente, ter deduzido pretensão ou oposição cuja falta de fundamento não devia ignorar ou, quiçá, ter feito do processo ou dos meios processuais um uso manifestamente reprovável, com o fim de conseguir um objetivo ilegal e impedir a descoberta da verdade), questão essa que sim, pode ser oficiosamente conhecida, e cujo conhecimento será apreciado nos autos principais, uma vez que, face ao exposto, se entende que os presentes embargos terão de ser liminarmente indeferidos por o seu fundamento não ser legalmente admissível.
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DECISÃO

Pelo exposto e ao abrigo do artigo 732.º, n.º 1, al. b), do Código de Processo Civil, indefiro liminarmente os presentes embargos de executado apresentados por AA por os fundamentos ora aduzidos não se ajustarem ao disposto nos artigos 729.º e 857.º do Código de Processo Civil.
Fixo o valor da acção em € 10.360,56 (dez mil e trezentos e sessenta euros e cinquenta e seis cêntimos) – cf. artigos 306.º e 307.º do Código de Processo Civil.
Custas a cargo do embargante (cf. artigo 527.º, n.ºs 1 e 2, do Código de Processo Civil).

O executado interpôs recurso, pedindo a revogação da decisão recorrida e a sua substituição por acórdão que admita os embargos de executado, tendo terminado as suas alegações com as seguintes conclusões:

1- Vem o presente recurso de apelação interposto da douta sentença proferida nos autos, que em suma, decidiu não admitir os embargos de executado deduzidos pelo ora Recorrente
2 – Dá-se aqui por integralmente reproduzida a sentença ora em crise.
3 – Dá-se aqui igualmente por integralmente reproduzidos os embargos de executado deduzidos pelo ora recorrente
4 - Conforme decorre do disposto no artigo 7.º do Regime anexo ao Decreto-Lei 269/98, de 01.09, a injunção é uma providência que tem por fim conferir força executiva a requerimento destinado a exigir o cumprimento das obrigações a que se refere o artigo 1.º do DL 269/98 ou das obrigações emergentes de transacções comerciais abrangidas pelo DL 32/03, de 17.02.
5 - Notificado o requerido, se este não deduzir oposição, o secretário aporá no requerimento de injunção a fórmula executória, em conformidade com o disposto no artigo 14.º, n.º 1 do DL 269/98.
6 - O documento assim obtido pelo requerente integra um título executivo, conforme decorre do disposto no artigo 703.º, n.º 1, al. d) do CPC.“(…).
7 - Mas, o requerimento de injunção, ao qual foi aposta a fórmula executória, não pode ser equiparado a uma sentença.
8 - Trata-se de um título cuja perfeição não depende de qualquer decisão, tão pouco depende da análise de razões de facto ou de direito, dos fundamentos invocados ou da verdadeira existência da obrigação, antes assentando no silêncio do requerido.
9 - E, tal silêncio do requerido, subsequente à sua notificação, faz presumir a existência da dívida, cujo pagamento lhe é exigido, sendo certo que essa presunção é passível de ser ilidida, através da oposição que venha a ser feita à execução.
10 - Estamos perante um título extrajudicial, ao qual, por força de disposição especial, é atribuída força executiva, classificando-o a doutrina de título impróprio porque formado num processo, mas não resultante de uma decisão judicial – v. neste sentido, LEBRE DE FREITAS, CPC Anotado, 1999, Vol. I, 93.
11 - No caso dos autos, o procedimento de injunção iniciou-se após a data da entrada em vigor da Lei 117/19, pelo que têm aqui aplicação a nova redacção do artigo
13.º, n.º 1, al. c) e o artigo 14.º-A do Regime anexo ao DL 269/98, bem como a nova redacção do artigo 857.º, n.º 1 do CPC, introduzidas por aquela Lei.
12 - Tanto assim é, que, conforme está assente, a notificação do procedimento de injunção foi efectuada com a cominação prevista naquele artigo 14.º-A, n.º 1 do DL 269/98.
13 - Por isso, e como decorre das disposições conjugadas dos citados artigos 14.º-A, n.º 1 do DL 269/98 e 857.º, n.º 1 do CPC, a embargante apenas pode invocar como fundamentos de oposição à execução aqueles que estão previstos no n.º 2 do artigo 14.º-A, ou seja:
a) O uso indevido do procedimento de injunção ou da ocorrência de outras excepções dilatórias de conhecimento oficioso;
b) Os fundamentos de embargos de executado enumerados no artigo 729.º do CPC, que sejam compatíveis com o procedimento de injunção;
c) A existência de cláusulas contratuais gerais ilegais ou abusivas;
d) Qualquer excepção peremptória que teria sido possível invocar na oposição e de que o tribunal possa conhecer oficiosamente.
14 - Ora, o embargante invocou como fundamento dos embargos de executado a inexistência de título executivo, e a incerteza, inexigibilidade e iliquidez da obrigação
exequenda, e o uso indevido do procedimento de injunção por parte do requerente.
15 - Ora, o embargante invocou como fundamento dos embargos de executado a inexistência de título executivo, e a incerteza, inexigibilidade e iliquidez da obrigação
exequenda, e o uso indevido do procedimento de injunção por parte do requerente, conforme se pode ver dos factos alegados nos artigos 1º a 11º dos embargos de executado que aqui se dão por integralmente reproduzidos.
16 - Razão pela qual os presentes embargos de executados deviam ter sido admitidos e os os presentes autos ter prosseguido os seus ulteriores termos até final.
17 - A sentença, ora em crise, viola o disposto nos artigos 729º e 857º ambos do Código Processo Civil.

A EMP01... contra-alegou pedindo seja negado provimento ao recurso, tendo terminado as suas contra-alegações com as seguintes conclusões:
A. Em suma, com o recurso interposto, pretende o Recorrente ver apreciada a decisão relativa à inadmissibilidade dos embargos de executado por si peticionados, por considerar que a decisão relativa à procedência ou improcedência do pedido terá contrariado o disposto nos arts. 13.º n.º 1 al. c) e 14.º-A do Regime anexo ao Decreto-Lei n.º 269/98, bem como o disposto na nova redação do art. 857.º n.º 1 do CPC.
B. Nesta senda, sempre se dirá que a douta decisão do Tribunal a quo traduz, com rigor, o disposto dos preceitos legais supramencionados, encontrando-se a apreciação da mesma devidamente fundamentada de forma clara e objetiva na decisão em apreço, pelo que vício algum lhe deverá ser assacado. C. Assim, pugna a Exequente/Embargada pela manutenção integral da decisão recorrida.

2. Questões a apreciar
O objecto do recurso é balizado pelo teor do requerimento de interposição (artº 635º nº 2 do CPC), pelas conclusões (art.ºs 608º n.º 2, 609º, 635º n.º 4, 637º n.º 2 e 639º n.ºs 1 e 2 do CPC), pelas questões suscitadas pelo recorrido nas contra-alegações em oposição àquelas, ou por ampliação (art.º 636º CPC) e sem embargo de eventual recurso subordinado (art.º 633º CPC) e ainda pelas questões de conhecimento oficioso, cuja apreciação ainda não se mostre precludida.

O Tribunal ad quem não pode conhecer de questões novas (isto é, questões que não tenham sido objecto de apreciação na decisão recorrida), uma vez que “os recursos constituem mecanismo destinados a reapreciar decisões proferidas, e não a analisar questões novas, salvo quando… estas sejam do conhecimento oficioso e, além disso, o processo contenha elementos imprescindíveis” (cfr. António Abrantes Geraldes, in Recursos em Processo Civil, 7ª edição, Almedina, p. 139).

Pela sua própria natureza, os recursos destinam-se à reapreciação de decisões judiciais prévias e à consequente alteração e/ou revogação, não é lícito invocar nos recursos questões que não tenham sido objeto de apreciação da decisão recorrida.

A única questão que cumpre apreciar é a de saber se os embargos de executado tinham condições para ser admitidos liminarmente.

3. Fundamentação de facto
As incidências fácticas relevantes para a decisão são as indicadas no antecedente relatório e que aqui se dão por reproduzidas.

4. Fundamentação de direito
Os embargos de executado são uma das formas de oposição à execução, pela qual se visa a extinção, total ou parcial, da execução, mediante o reconhecimento da actual inexistência (total ou parcial) do direito exequendo ou da falta de um pressuposto, especifico ou geral da acção executiva (com a concomitante declaração da sua inadmissibilidade) – Lebre de Freitas, in A Acção Executiva, 7ª Edição, pág. 195.
Os embargos de executado têm vista obstar à produção dos efeitos do título executivo e ou da acção em que ele se baseia.
Quando veicula uma oposição de mérito à execução, visa um acertamento negativo da situação substantiva (obrigação exequenda), de sentido contrário ao acertamento positivo consubstanciado no título executivo, cujo escopo é obstar ao prosseguimento da acção executiva mediante a eliminação, por via indirecta, da eficácia do título executivo enquanto tal – autor e ob. cit. pág. 215.
Quando a oposição por embargos tem um fundamento processual, o seu objecto é, já não uma pretensão de acertamento negativo do direito exequendo, mas uma pretensão de acertamento, também negativo, da falta dum pressuposto processual, que pode ser o próprio título executivo, igualmente obstando ao prosseguimento da acção executiva, mediante o reconhecimento da sua inadmissibilidade – autor e ob. cit. pág. 215-216.

O DL 269/98, de 01 de Setembro, aprovou “o regime dos procedimentos destinados a exigir o cumprimento de obrigações pecuniárias emergentes de contratos de valor não superior a (euro) 15 000”, publicado em anexo e parte integrante do citado diploma.

Os procedimentos destinados a exigir o cumprimento de obrigações pecuniárias emergentes de contratos de valor não superior a (euro) 15 000 são dois: Ação Especial para o Cumprimento de Obrigações Pecuniárias Emergentes de Contratos (AECOP), regulada nos artigos 1º a 6º do citado Regime Anexo; Injunção, regulada nos artigos 7º a 22º do citado Regime Anexo.

Nos termos do disposto no art.º 7º, “Considera-se injunção a providência que tem por fim conferir força executiva a requerimento destinado a exigir o cumprimento das obrigações a que se refere o artigo 1.º do diploma preambular, ou das obrigações emergentes de transacções comerciais abrangidas pelo Decreto-Lei n.º 32/2003, de 17 de Fevereiro.”

Ou seja: a injunção é a providência que tem por fim conferir força executiva a requerimento destinado a exigir:
a) o cumprimento das obrigações pecuniárias emergentes de contratos de valor não superior a (euro) 15 000;
b) os pagamentos como remunerações de transacções comerciais, sem qualquer limite quanto ao valor (cfr. art.º 7º, n.º 1, do 32/2003, entendendo-se «Transacção comercial» qualquer transacção entre empresas ou entre empresas e entidades públicas, qualquer que seja a respectiva natureza, forma ou designação, que dê origem ao fornecimento de mercadorias ou à prestação de serviços contra uma remuneração, sendo excluída a sua aplicação
i) aos contratos celebrados com consumidores;
ii) aos juros relativos a outros pagamentos que não os efectuados para remunerar transacções comerciais;
iii) aos pagamentos efectuados a título de indemnização por responsabilidade civil, incluindo os efectuados por companhias de seguros.

A injunção em referência nos autos, integra-se na 1ª parte do art.º 7º do Regime Anexo ao DL 269/98 – destina-se a exigir o cumprimento das obrigações pecuniárias emergentes de contratos de valor não superior a (euro) 15 000.

Dispõe o art.º 14º do Regime Anexo ao DL 269/98:
1 - Se, depois de notificado, o requerido não deduzir oposição, o secretário aporá no requerimento de injunção a seguinte fórmula: 'Este documento tem força executiva.'
2 - O despacho de aposição da fórmula executória é datado, rubricado e selado ou, em alternativa, autenticado com recurso a assinatura electrónica avançada.
3 - O secretário só pode recusar a aposição da fórmula executória quando o pedido não se ajuste ao montante ou finalidade do procedimento.
4 - Do acto de recusa cabe reclamação nos termos previstos no n.º 2 do artigo 11.º
5 - Aposta a fórmula executória, a secretaria disponibiliza ao requerente, preferencialmente por meios electrónicos, em termos a definir por portaria do Ministro da Justiça, o requerimento de injunção no qual tenha sido aposta a fórmula executória.

O requerimento de injunção a que seja aposta a fórmula referido no n.º 1 do art.º 14º do Regime Anexo ao DL 269/98, constitui título executivo nos termos e à luz do disposto no art.º 703º do CPC:  d) Os documentos a que, por disposição especial, seja atribuída força executiva.

Regressando ao citado Regime Anexo, dispõe o seu art.º 14º A, introduzido pelo DL 117/2019, de 13 de Setembro:
1 - Se o requerido, pessoalmente notificado por alguma das formas previstas nos n.os 2 a 5 do artigo 225.º do Código de Processo Civil e devidamente advertido do efeito cominatório estabelecido no presente artigo, não deduzir oposição, ficam precludidos os meios de defesa que nela poderiam ter sido invocados, sem prejuízo do disposto no número seguinte.
2 - A preclusão prevista no número anterior não abrange:
a) A alegação do uso indevido do procedimento de injunção ou da ocorrência de outras exceções dilatórias de conhecimento oficioso;
b) A alegação dos fundamentos de embargos de executado enumerados no artigo 729.º do Código de Processo Civil, que sejam compatíveis com o procedimento de injunção;
c) A invocação da existência de cláusulas contratuais gerais ilegais ou abusivas;
d) Qualquer exceção perentória que teria sido possível invocar na oposição e de que o tribunal possa conhecer oficiosamente.

E dispõe o artigo 857.º do CPC, na redacção que lhe foi dada pelo DL 117/ 2019, de 13 de Setembro:
1 - Se a execução se fundar em requerimento de injunção ao qual tenha sido aposta fórmula executória, para além dos fundamentos previstos no artigo 729.º, aplicados com as devidas adaptações, podem invocar-se nos embargos os meios de defesa que não devam considerar-se precludidos, nos termos do artigo 14.º-A do regime dos procedimentos para cumprimento de obrigações pecuniárias emergentes de contratos de valor não superior à alçada do tribunal de 1.ª Instância, aprovado em anexo ao Decreto-Lei n.º 269/98, de 1 de setembro, na sua redação atual.
2 - Verificando-se justo impedimento à dedução de oposição ao requerimento de injunção, tempestivamente declarado perante a secretaria de injunção, nos termos previstos no artigo 140.º, podem ainda ser alegados os fundamentos previstos no artigo 731.º; nesse caso, o juiz receberá os embargos, se julgar verificado o impedimento e tempestiva a sua declaração.
3 - Independentemente de justo impedimento, o executado é ainda admitido a deduzir oposição à execução com fundamento:
a) Em questão de conhecimento oficioso que determine a improcedência, total ou parcial, do requerimento de injunção;
b) Na ocorrência, de forma evidente, no procedimento de injunção de exceções dilatórias de conhecimento oficioso.

Impõe-se articular os dois normativos.

Assim e desde logo, decorre deste normativo que o requerido deve ser notificado pessoalmente e devidamente advertido de que se não deduzir oposição, ficam precludidos os meios de defesa que nela poderiam ter sido invocados, com excepção dos que constam do n.º 2 do normativo.

No caso, não está colocado em causa que o requerido foi notificado pessoalmente e que de tal notificação constava a referida advertência.

Como também não está colocado em causa que não deduziu oposição, tanto mais quanto foi aposta a fórmula executória no requerimento de injunção.

Neste contexto, o executado apenas pode deduzir embargos de executado invocando:

i) o uso indevido do procedimento de injunção ou a ocorrência de outras exceções dilatórias de conhecimento oficioso – quanto ao primeiro fundamento, a alínea a) do n.º 2 do art.º 14º A do Regime Anexo e 2ª parte do n.º 1 do art.º 857º do CPC e quanto ao segundo fundamento, a alínea b) do n.º 3 do art.º 857º do CPC;
ii) os fundamentos de embargos de executado enumerados no artigo 729.º do Código de Processo Civil, que sejam compatíveis com o procedimento de injunção – alínea b) do n.º 2 do art.º 14º A do Regime Anexo e 1ª parte do n.º 1 do art.º 857º do CPC -, ou seja:
a) Inexistência ou inexequibilidade do título;
b) Falsidade do processo ou do traslado ou infidelidade deste, quando uma ou outra influa nos termos da execução;
c) Falta de qualquer pressuposto processual de que dependa a regularidade da instância executiva, sem prejuízo do seu suprimento;
d) Falta de intervenção do réu no processo de declaração, verificando-se alguma das situações previstas na alínea e) do artigo 696.º ( ou seja, i) Faltou a citação ou que é nula a citação feita; ii) O réu não teve conhecimento da citação por facto que não lhe é imputável; iii) O réu não pode apresentar a contestação por motivo de força maior);
e) Incerteza, inexigibilidade ou iliquidez da obrigação exequenda, não supridas na fase introdutória da execução;
f) Caso julgado anterior à sentença que se executa;
g) Qualquer facto extintivo ou modificativo da obrigação, desde que seja posterior ao encerramento da discussão no processo de declaração e se prove por documento; a prescrição do direito ou da obrigação pode ser provada por qualquer meio;
h) Contracrédito sobre o exequente, com vista a obter a compensação de créditos;
Não se aplica a alínea i) na medida em que se reporta especificamente à nulidade ou anulabilidade de sentença homologatória de confissão ou transação.
iii) a existência de cláusulas contratuais gerais ilegais ou abusivas – alínea c) do n.º 2 do art.º 14º A do Regime Anexo e 2ª parte do n.º 1 do art.º 857º do CPC;
iv) qualquer exceção perentória que teria sido possível invocar na oposição e de que o tribunal possa conhecer oficiosamente – alínea d) n.º 2 do art.º 14º A do Regime Anexo, 2ª parte do n.º 1 e alínea a) do n.º 3 do art.º 857º do CPC;
v) Verificando-se justo impedimento à dedução de oposição ao requerimento de injunção, tempestivamente declarado perante a secretaria de injunção, nos termos previstos no artigo 140.º, podem ainda ser alegados os fundamentos previstos no artigo 731.º, sendo os embargos recebidos se o juiz julgar verificado o impedimento e tempestiva a sua declaração – n.º 2 do art.º 857º do CPC.

O tribunal recorrido indeferiu liminarmente os embargos de executado deduzidos pelo recorrente (art.º 732º, n.º 1, alínea b) aplicável à execução sumária ex vi art.º 551º, n.º 3 do CPC), considerando:
“(…) o Embargante alega, em suma, que a Embargada nada lhe forneceu pelo que não é devedora da mesma de qualquer quantia, pois os alegados produtos terão sido fornecidos a outra pessoa, à sociedade AA Unipessoal, Lda. da qual é mero sócio. Ou seja, o que estará em causa será uma verdadeira ilegitimidade substantiva na relação subjacente ao requerimento de injunção, o que constituiu uma excepção peremptória que não é de conhecimento oficioso e que deveria ter sido oportunamente deduzida em sede de oposição à injunção, o que não sucedeu no caso. E mais: tal consubstancia a alegação de factos extintivos da obrigação anteriores ao encerramento da discussão na fase declarativa.
(…) mesmo que [a exequente] tivesse peticionado a quantia devida pelo fornecimento dos mesmos bens a duas pessoas distintas – sócio e sociedade), afigura-se-nos que (…) não se afigura passível de, no caso em concreto, configurar um abuso do direito face à alegação vertida no requerimento de injunção da qual resulta inequivocamente que a Embargante alegou que forneceu diversos produtos ao aqui Executado/Embargado (ou seja, nestes autos, em momento algum a Embargada alega que a quantia exequenda se reporta ao fornecimento de bens a uma outra pessoa, pelo que se constata que apenas vem exercer o seu alegado direito a receber o preço pelo fornecimento de tais bens contra a pessoa que entende ser devedora, o ora executado/embargante).”

Os fundamentos da decisão recorrida podem sintetizar-se da seguinte forma: o embargante invocou a ilegitimidade substantiva e a excepção perenptória de abuso de direito; o primeiro fundamento não se reconduz a nenhum dos fundamentos admissíveis da dedução de embargos de executado no caso concreto; o concretamente alegado pelo embargante não é susceptível de integrar o abuso de direito.

Alega o recorrente que invocou como fundamento dos embargos de executado a inexistência de título executivo, a incerteza, inexigibilidade e iliquidez da obrigação exequenda e o uso indevido do procedimento de injunção por parte do requerente.

Vejamos, seguindo a ordem dos fundamentos de embargos de executado que acima se deixou consignada.

Em primeiro lugar e ao contrário do que o recorrente invoca, em parte alguma ou em momento algum o mesmo invocou o uso indevido do procedimento de injunção (cfr. a alínea a) do n.º 2 do art.º 14º A do Regime Anexo e 2ª parte do n.º 1 do art.º 857º do CPC), ou seja, o mesmo nunca invocou que a requerente usou o procedimento fora do condicionalismo legal e que é, única e exclusivamente, o mesmo destinar-se a exigir o cumprimento das obrigações pecuniárias emergentes de contratos de valor não superior a (euro) 15 000.

A alegação feita na petição de embargos de que a embargada não forneceu ao embargante quaisquer mercadorias, mas sim à sociedade AA Unipessoal, Lda. da qual é sócio, o que é o mesmo que dizer que o embargante não celebrou com a embargada qualquer contrato e compra e venda dos produtos inscritos nas facturas referidas no requerimento de injunção, não se reconduz ao fundamento em referência, antes traduzindo uma impugnação direta do que a embargada afirmava no requerimento de injunção e que, como é referido na decisão recorrida, se reconduz a uma situação de ilegitimidade substantiva, ou seja, a parte demandada não tem, na relação material controvertida, tal como ela é na realidade, uma posição que a torne sujeito de direitos ou de deveres.

Em segundo lugar e também ao contrário do que o mesmo alega - aliás contraditoriamente -, também não invocou a inexistência de título executivo ( cfr. alínea a) do art.º 729º do CPC, aplicável ex vi alínea b) do n.º 2 do art.º 14º A do Regime Anexo e 1ª parte do n.º 1 do art.º 857º do CPC).

A acção executiva tem por finalidade a realização coactiva duma prestação, mas pressupõe a prévia definição dos elementos subjectivos e objectivos da mesma.

Para que possa ter lugar a realização coactiva duma prestação devida hão-de estar satisfeitos dois pressupostos, em que o primeiro se traduz no seguinte: o dever de prestar deve constar de um título executivo. Trata-se dum pressuposto de caráter formal, que extrinsecamente condiciona a exequibilidade do direito, na medida em que lhe confere o grau de certeza que o sistema reputa suficiente para a admissibilidade da acção executiva.

 É pelo título executivo que se determinam o fim e os limites da acção executiva, isto é, o tipo de acção e o seu objecto (cfr. art.º 10º n.º 5 do CPC).

Por outro lado, só são títulos executivos os elencados no n.º 1 do art.º 703º do CPC, como aliás resulta do corpo do normativo: “À execução apenas podem servir de base: (…)”

A inexistência de título executivo significa que o instrumento com base no qual  foi intentada a execução não tem essa natureza à luz do referido normativo.

No caso dos autos, o recorrente aceita que a requerente intentou procedimento de injunção e que ao mesmo foi aposta a fórmula executória.

Portanto, existe titulo executivo.

E também aqui se impõe afirmar que o invocado pelo recorrente na petição de embargos não se reconduz a este fundamento, antes tendo natureza substantiva.

Em terceiro lugar e também ao contrário do que o mesmo alega, o recorrente não invocou a incerteza, inexigibilidade e iliquidez da obrigação exequenda.

Um segundo pressuposto da acção executiva traduz-se no seguinte: a prestação deve mostrar-se certa, exigível e líquida (cfr. art.º 713º do CPC). São pressupostos de carácter material, que, intrinsecamente, condicionam a exequibilidade do direito, na medida em que, sem eles não é admissível a satisfação coativa da prestação.

É certa a obrigação cuja prestação se mostra qualitativamente determinada.

É exigível quando se encontra vencida ou o seu vencimento depende, de acordo com estipulação expressa ou com a norma geral supletiva do art.º 777-1 do CC, se simples interpelação do devedor.

É ilíquida a obrigação que tem por objecto uma prestação cujo quantitativo não esteja apurado.

É patente e manifesto que o alegado pelo recorrente não se reconduz a nenhum destes fundamentos.

Em síntese: a invocação, nos embargos de executado, da ilegitimidade substantiva e da excepção perenptória de abuso de direito, não consubstanciam a invocação da inexistência de título executivo, da incerteza, inexigibilidade ou iliquidez da obrigação exequenda, nem o uso indevido do procedimento de injunção por parte a embargada.


Em face de tudo o exposto, a decisão recorrida, que indeferiu liminarmente os embargos de executado, deve manter-se e o recurso deve ser julgado improcedente.

As custas ficam a cargo do recorrente, por vencido – art.º 527º, n.º 1 do CPC

5. Decisão

Nos termos e pelos fundamentos expostos, acordam os juízes da 1ª Secção da Relação de Guimarães em julgar improcedente a apelação e, em consequência manter a decisão recorrida.

Custas da apelação pelo recorrente

Notifique-se
*
Guimarães, 18/01/2024
(O presente acórdão é assinado electronicamente)

Relator: José Carlos Pereira Duarte
1º Adjunto: Pedro Manuel Quintas Ribeiro Mauricio
2º Adjunto: Maria Gorete Roxo Pinto Baldaia de Morais