ALTERAÇÃO DE MEDIDA DE COACÇÃO APÓS LEITURA DO ACORDÃO
ALTERAÇÃO DAS CIRCUNSTÂNCIAS
Sumário

I–Uma qualquer alteração de uma medida de coação exige um dever acrescido de fundamentação, impondo-se ao julgador que explicite, de forma clara, qual o novo circunstancialismo concreto que fundamenta tal alteração e o seu relevo na reconfiguração dos perigos a que alude o artigo 204.º do Código de Processo Penal.

II–A avaliação das circunstâncias relevantes, assenta sempre num juízo de probabilidade de verificação de uma situação futura que altera as exigências cautelares até então existentes.
Todavia, este juízo nunca pode ser feito em termos abstratos, antes terá de assentar em factos concretos, existentes nos autos à data da respetiva ponderação, donde se possa concluir, como séria, a probabilidade de ocorrência de um facto futuro que coloque em causa a adequação e proporcionalidade da medida de coação pré-existente, enquanto garante das exigências cautelares, aplicáveis no caso em apreço.

III–Qualquer condenação em pena de prisão, em si mesma, mesmo que elevada, e sem qualquer outro facto concreto de suporte, não permite fundamentar a alteração da medida de coação, designadamente aplicando a prisão preventiva, porquanto não consubstancia, por si só, qualquer agravamento da ocorrência, em concreto, de qualquer um dos perigos enunciados no artigo 204.º do Código de Processo Penal.

(Sumário da responsabilidade do relator)

Texto Integral

Acordam, em conferência, na 5.ª Secção Criminal do Tribunal da Relação de Lisboa:


I–RELATÓRIO


1.–O DESPACHO RECORRIDO

Por Acórdão proferido em 24.10.2023, no Processo Comum por Tribunal Coletivo n.º 670/20.3JGLSB do Juízo Central Criminal de Lisboa – Juiz 6, foi decidido [Transcrição Parcial]:

ii)–Arguidos AA, BB e CC.
Os arguidos AA, BB e CC foram detidos em 28 de Julho de 2021 e, submetidos a primeiro interrogatório judicial ocorrido a 29 de Julho de 2021, ficaram sujeitos à medida de coacção de obrigação de apresentações periódicas semanais e proibição de contacto com os arguidos com os quais foram concomitantemente presentes a tal primeiro interrogatório judicial, desde 30 de Abril de 2021.

Posteriormente, foi deduzida acusação, proferido subsequente despacho de pronúncia integralmente confirmador daquela nos autos e realizada a audiência de julgamento, no decurso da qual, por despacho de 28 de Agosto de 2023, ao tempo ponderando que:
– o prazo máximo da medida de coacção de obrigação de apresentações periódicas semanais se encontra previsto para ser alcançado no próximo dia 30 de Agosto de 2023 – artigos 215.º n.ºs 1 alínea c), e 218.º, n.º 1, do Código de Processo Penal.
– o prazo máximo da medida de coacção de proibição de contacto com os arguidos com os quais foram concomitantemente presentes a primeiro interrogatório judicial se encontra previsto para ser alcançado no próximo dia 30 de Outubro de 2023 – artigos 215.º n.ºs 1 alínea c), 2 e 3, e 218.º, n.º 2, do Código de Processo Penal.
– ser consabido que quando não tiver existido qualquer alteração das circunstâncias que justificaram a definição da situação coactiva dos arguidos, por despachos anteriores transitados, não serão passíveis de alteração as medidas de coacção impostas, mormente para uma situação mais gravosa para aquele - condição "rebus sic stantibus", no sentido de que a primeira decisão é intocável e imodificável enquanto não sobrevierem motivos que legalmente justifiquem nova tomada de posição.
– o circunstancialismo consubstanciado, ao tempo, no preciso ponto processual em que se encontravam os autos;
Convocou a cogitação acerca da preservação dos requisitos que estiveram na base da respectiva aplicação – entenda-se, no caso dos arguidos AA, BB e CC, a indiciada incursão criminal e o perigo de continuação da actividade criminosa – artigo 204.º, alínea c), do Código de Processo Penal.
Donde, resultando àquele tempo decorridas 42 (quarenta e duas) sessões da audiência de julgamento, nas quais tais arguidos de um modo geral sempre tenderam a comparecer com assiduidade, tendo já assistido à produção integral da prova do acusatório/pronúncia e visto iniciar a prova da defesa dos arguidos – mais se encontrando, então, previstas para o epílogo daquela as datas de 1, 4, 5, 8, 11, 12 e 15 de Setembro de 2023, obviando a qualquer laivo de adiantamento de juízo sobre a culpa dos arguidos, facto se reconheceu que os requisitos que conduziram ao estatuto coactivo vigente não podiam que ver-se garantidos nos ulteriores termos dos autos.
Com efeito, já a 28 de Agosto de 2023, foi adiantado que as concretas exigências cautelares de continuar a verificar garantia não apenas por via da medida de coacção de proibição de contacto com os arguidos com os quais AA, BB e CC foram concomitantemente presentes a primeiro interrogatório judicial, a par de outra medida de coacção competente sob a égide dos princípios da necessidade, adequação e proporcionalidade que se impôs ser a de proibição de se ausentarem para o estrangeiro, com respectiva entrega do passaporte no prazo de 24 (vinte e quatro horas) e comunicação às autoridades competentes, com vista à não concessão ou não renovação de tal passaporte e ao controlo de fronteiras – artigos 191.º a 193.º, 200.º, n.º 1, alínea b), e n.º 3, e 204.º, alínea c), todos do Código de Processo Penal.
No presente, a audiência de julgamento observou termo da produção da prova a 12 de Setembro de 2023, o Tribunal obtém recente conhecimento que concretamente o arguido BB inobservou a lisura que se impunha no cumprimento da medida de coacção de apresentações periódicas (ora extinta) – ref.ª ...– de 21-09-2023 – conforme ofício remetido aos autos pelo Excelentíssimo Senhor Comandante do Posto Territorial da Trafaria – Destacamento Territorial de Almada – Comando Territorial de Setúbal - da ... (do qual resultamanifesta intermitência de presenças comprovadas) - e o Tribunal Colectivo procedeu a processo deliberativo o qual veio a culminar no teor constante do presente acórdão do qual, no que tange em particular com os arguidos em apreço, a indiciação subjacente ao estatuto coactivo vigente transmuta-se de modo assinalável em convicção plena do cometimento por banda dos arguidos de um feixe particularmente gravoso de crimes que, enquanto tal, os conduz às seguintes condenações:

– AA pela prática, em concurso efectivo:
a.-Em co-autoria e na forma consumada, de um crime de associação criminosa, previsto e punível pelo artigo 299.°, n.°s 1, 2 e 5, do Código Penal, na pena de 4 (quatro) anos de prisão.
b.- Em co-autoria com DD, EE, FF, GG, BB, HH, II, JJ, KK, LL, MM, NN, OO, PP, QQ, RR, SS, TT, UU, VV, WW, XX, YY, ZZ, AAA, BBB, CCC, DDD E EEE, de 1 (um) crime de branqueamento de capitais, na forma consumada: à data da prática dos factos apurados sob os pontos 4.24 a 4.84 e 5. [de 19/06/2019 a 31/08/2020], previsto e punido pelas disposições conjugadas dos art.ºs 26º, 368-A, n.ºs 1 a 6 e 10 (na redacção introduzida pela Lei n.º 83/2017, de 18/08), 202º, al. a), 217º, n.ºs 1 e 2, 218, n.ºs 1 e 2, al. b), e 299º, n.ºs 1 e 3, do Código Penal, art.ºs 2º, al. a), 6º, n.ºs 1, 2, 3, 4, al. a), 5 e 6 da Lei do Cibercrime na redacção da Lei n.º 109/2009, e art.º 1º, n.º 1, al. d), da Lei n.º 36/94, de 29/09; à data da prática dos factos apurados sob os pontos 4.85 a 4.209 e 5. [de 01/09/2020 até 27/04/2021], previsto e punido pelas disposições conjugadas dos art.ºs 26º, 368-A, n.ºs 1, als. c) e d), 2 a 7, 8 e 12 (na redacção introduzida pela Lei n.º 58/2020, de 31/08), 202º, al. a), 217º, n.ºs 1 e 2, 218, n.ºs 1 e 2, al. b), e 299º, n.ºs 1 e 3, do Código Penal, art.ºs 2º, al. a), 3º, n.º 1, 6º, n.ºs 1, 2, 3, 4, al. a), 5 e 6 da Lei do Cibercrime na redacção da Lei n.º 109/2009, e, actualmente, pelas disposições conjugadas dos art.ºs 26º, 368-A, n.ºs 1, als. c) e d), a 8 e 12, 202º, al. a), 217º, n.ºs 1 e 2, 218, n.º 1 e 2, al. b), e 299º, n.ºs 1 e 3, do Código Penal, art.ºs 2º, al. b), 3º, n.º 1, e 6º, n.ºs 1, 2, 3, 4, al. a), 5, al. a), 6 e 7, da Lei do Cibercrime (Lei n.º 109/2009, de 15/09, com as alterações introduzidas pela Lei n.º 79/2021, de 24/11), na pena de 5 (cinco) anos de prisão.
c.-Como cúmplice de DD e FFF, de 1 (um) crime de burla qualificada, na forma consumada, previsto e punido pelas disposições conjugadas dos art.ºs 26º, 27.º, 217º, n.º 1, 218º, n.ºs 1 e 2, al. b) e 202º, al. a), do Código Penal – factos apurados sob os pontos 4.24, 4.25, 4.29, 4.31, 4.46, 4.69, 4.73, 4.75, 4.78, 4.79, 4.81, 4.84, 4.90, 4.96, 4.100, 4.101, 4.104, 4.105, 4.109, 4.112, 4.126, 4.129, 4.139, 4.147, 4.153, 4.164, 4.165, 4.167, 4.168, 4.170, 4.171, 4.196, 4.208, 4.210 [praticados no âmbito da associação criminosa e qualificados pelo modo de vida e valor elevado] – factos apurados sob os pontos 4.28, 4.74, 4.97, 4.99, 4.108 [praticados no âmbito da associação criminosa e qualificados pelo modo de vida e valor elevado] - factos apurados sob os pontos 4.30, 4.47, 4.152, 4.197, 4.209 [praticados no âmbito da associação criminosa e qualificados pelo modo de vida], na pena de 4 (quatro) anos de prisão.
Operado o cúmulo jurídico das penas aplicadas de a. a c., condenação da arguida AA na pena única de 8 (oito) anos de prisão. (…)
Perante tal, resulta com assaz evidência que os pressupostos de facto e de direito que fundamentaram a decisão de sujeitar tais arguidos às medidas de coacção em vigor ganham redimensionamento a convocar reponderação, para o que não se afigura necessário ouvir os arguidos (sendo certo que, perante o sentido da promoção do Ministério Público em sede de alegações orais, designadamente no que contende com o agravamento do seu estatuto coactivo, os arguidos tiveram já oportunidade de se pronunciar quer por via das alegações de defesa quer, mesmo, por via das últimas declarações perante o Tribunal)
Como assim, se a indiciada incursão criminal se consolida agora em plena convicação da qual resultou a formulação condenatória supra citada, por outro lado não só o perigo de continuação da actividade criminosa requer protecção, como também um renovado perigo de fuga (face ao tomar consciência definitiva do mal praticado e às consequências deste consubstanciadas na gravidade da natureza e quantum condenatório infligido) e, bem assim, de perturbação da ordem a tranquilidade públicas, em razão quer da natureza e das circunstâncias dos crimes quer das próprias personalidades reveladas (na justa medida em que a comunidade mal compreenderia que, perante a gravidade dos ilícitos e das conexas condenações, diga-se em medida mínima comparáveis à de situação de arguida já sujeita a prisão preventiva desde 30 de Abril de 2021 – v.g. GG, tais arguidos permanecessem agora em liberdade) se elevam categoricamente, realidade que conduz a um capital incremento das exigências cautelares derivadas do caso subjudice, para as quais não se revelam suficientes as medidas de coacção em vigor.
Termos em que vão substituídas, com efeito imediato, as medidas de coacção de proibição de se ausentarem para o estrangeiro, com respectiva entrega do passaporte no prazo de 24 (vinte e quatro horas) e comunicação às autoridades competentes, com vista à não concessão ou não renovação de tal passaporte e ao controlo de fronteiras e proibição de contacto entre si e com os arguidos DD, FF, GG e DD aplicadas aos arguidos AA, BB e CC pormedidas de coacção de prisão preventiva, sob a tutela das quais, a par do TIR já prestado, passarão a aguardar os ulteriores termos do processo – artigos 1.º, alínea j), 191.º a 193.º, 196.º, 201.º, 202.º, n.º 1, alíneas a), c), d) e e), 204.º, alíneas a) e c), e 213.º n.º 1 alínea b), todos do Código de Processo Penal.
Notifique, sendo os arguidos AA, BB e CC também nos termos do artigo 194.º, n.º 10, do Código de Processo Penal.
Passe mandados de condução dos arguidos AA, BB e CC a competente Estabelecimento, solicitando os bons ofícios do OPC com vista ao necessário encaminhamento para os Estabelecimentos Prisionais competentes.
Comunique ao Serviço de Estrangeiros e Fronteiras.”
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2.–O RECURSO

Inconformada, a arguida AA recorreu do despacho que alterou o seu estatuto coativo, apresentando a sua motivação, extraindo as seguintes conclusões:
A)-O presente recurso tem como objecto apenas e só a Decisão de 24-10-2023 que alterou o estatuto coativo da arguida, substituindo as medidas de coação então em vigor, pela prisão preventiva imediata.
B)-O Tribunal fundamenta tal decisão na condenação aplicada á arguida, entendendo que a prolação do Acórdão renovou o perigo de fuga e a continuação da actividade criminosa.
C)-A condenação em primeira instância não pode justificar, por si só, a sujeição da arguida a prisão preventiva quando esta esteve em liberdade durante todo o processo.
D)-Não ocorreu qualquer alteração factual e real das exigências processuais de natureza cautelar, conforme previsto no artigo 191º do C.P.P.
E)-A arguida cumpriu integralmente tudo o que lhe foi determinado em todas as medidas de coação que lhe foram aplicadas.
F)-A arguida/recorrente foi colaborante, cooperante e compareceu nas mais de 50 sessões de audiência de julgamento.
G)-As medidas de coação foram revistas em despacho datado de 30 de Agosto de 2023, o qual não foi objecto de recurso e transitou, impondo-se a aplicação do princípio “rebus sic standibus”.
H)-Não consta dos autos e não ocorreram quaisquer indícios de que a arguida pretende ausentar-se do país, pois que tem a sua vida organizada em Portugal com os seus dois filhos em idade escolar.
I)-Não ocorreram factos novos nem qualquer agravamento efectivo fundamentado que justifique a alteração das medidas cautelares aplicadas em 30 de Agosto de 2023.
J)-A condenação da Recorrente em primeira instância, a qual é passível de reapreciação mediante recurso jurisdicional, não pode servir, por si só, como fundamento para justificar os pressupostos que a Lei impõe para a aplicação da prisão preventiva à arguida.
K)-A decisão de alterar a medida de coação para prisão preventiva aplicada à recorrente em 24 de Outubro de 2023, afigura-se-nos violar os Princípios da Necessidade, Adequação e Proporcionalidade previstos no art. 193º do C.P.P.
L)-A decisão objecto deste recurso, condiciona igualmente as garantias do processo penal, previstas no art. 32º, nº 1 e 2 da Constituição da República Portuguesa, nomeadamente no que diz respeito á presunção de inocência até ao trânsito em julgado da sentença, o que no caso concreto ainda não ocorreu.
M)-A recorrente tem direito a um processo equitativo e leal.
N)-O Tribunal não pode alterar a medida de coação sem que sejam invocados factos novos, pressupostos e um efectivo e real agravamento das exigências cautelares.
O)-O agravamento das exigências cautelares não pode ser presumido, sustentando-se sim na existência de provas reais, robustas, contundentes e inabaláveis quanto ao alegado perigo de fuga ou de continuação da actividade criminosa.
P)-A Decisão que substituiu as medidas de coação aplicadas em 30 de Agosto de 2023, pela Prisão Preventiva, deverá ser imediatamente revogada por se revelar manifestamente infundada e sem pressupostos legais que justifiquem a sua aplicação, mormente a legalidade, adequação e proporcionalidade.
Q)-Sem condescender quanto ao todo alegado supra, entende a recorrente que seria justificado, adequado e proporcional a aplicação de medida de coação de permanência na habitação, sujeita ainda a vigilância eletrónica, prevista no art. 201º do C.P.P., ao invés da prisão preventiva, a medida mais gravosa do ordenamento jurídico, tendo em conta as medidas de coação que foram aplicadas anteriormente e que a recorrente acatou e cumpriu.
Deve o presente Recurso ser julgado procedente e, em consequência ser revogada a medida de coação de prisão preventiva aplicada à arguida, por se revelar infundada, manifestamente excessiva, desproporcional, desnecessária e até mesmo ilegal, mantendo-se as medidas que lhe foram aplicadas em 30-08-2023, ou, em alternativa, a aplicação da medida de coação de permanência na habitação, ainda que cumulada com vigilância eletrónica,
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O Ministério Público em 1.ª instância respondeu ao recurso, apresentando a sua motivação, extraindo as seguintes conclusões:
1.–As medidas de coação são meios processuais de limitação da liberdade pessoal que têm por função acautelar a eficácia do procedimento penal, quer no que respeita ao seu desenvolvimento quer quanto à execução das decisões condenatórias.
2.–Resulta dos factos dados como provados no acórdão condenatório, e dos quais se evidencia um perigo de fuga, sendo expectável que a condenação sofrida determine a perspectiva de se eximir à justiça, designadamente considerando a concreta pena de oito anos de prisão em que foi condenada.
3.–Os crimes pelos quais foi condenada incrementam o perigo de continuação da actividade criminosa, considerando as vantagens que a arguida obteve na prática e facilidade da sua intervenção, a que se adita a circunstância de um dos “mentores” destes esquema criminoso o arguido EE encontrar-se no Brasil e em liberdade, ainda cumprindo notifica-lo do acórdão condenatório e tendo sempre dirigido o esquema criminoso à distância, assim se perspectivando o perigo de contactar os que sendo próximos do arguido DD permaneçam em liberdade (como manifestamente é o caso do arguido).
4.–Tal circunstancialismo mostra-se idóneo a afetar a paz social de toda a sociedade que vivenciou e acompanhou o caso, tanto mais que afectou mais de duas centenas de pessoas e continua a ocorrer a ser denunciado esquema semelhante com outros arguidos/suspeitos, com a subsequente repercussão em sede de sensibilidade social.
5.–A aplicação da medida de coacção de prisão preventiva não obsta ao direito de recurso da arguida, apenas acautela os concretos perigos evidenciados pelos perigos de fuga, continuação da actividade criminosa e perturbador da paz social.
6.–A arguida confrontada com o requerido pelo Ministério Publico em sede de alegações quanto à agravação do seu estatuto coactivo nada argumentou, não obstante manter a possibilidade do recurso que ora se responde.
7.–Face a tudo o acima exposto, forçoso será concluir que o acórdão ora recorrido nãomerece qualquer censura.
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Admitido o recurso nos termos legais, neste Tribunal da Relação, o Exm.º Procurador Geral Adjunto emitiu o seu parecer, defendendo a total improcedência do recurso, nos termos propostos na resposta do Ministério Público junto da 1.ª instância.
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Realizado o exame preliminar e colhidos os vistos, foram os autos à conferência para decisão do recurso, nos termos do disposto no artigo 419.º, n.º 3, alínea c) do Código do Processo Penal.
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II–FUNDAMENTAÇÃO

QUESTÕES A DECIDIR:

Dos poderes de cognição do tribunal ad quem e delimitação do objecto do recurso
Conforme jurisprudência fixada, o âmbito dos recursos é delimitado pelas conclusões formuladas na motivação, sem prejuízo das questões de conhecimento oficioso (cf. Acórdão de Fixação de Jurisprudência do STJ de 19/10/1995, in D.R., série I-A, de 28/12/1995).
Atentas as conclusões de recurso, a questão a decidir circunscreve-se à questão de saber se a aplicação da medida de coação de prisão preventiva é adequada e proporcional, atenta as exigências cautelares, a presente fase processual dos autos principais e a postura processual da arguida recorrente.
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FACTOS ASSENTES RELEVANTES PARA A DECISÃO DO RECURSO
Por decisão judicial de 30 de Abril de 2021, no âmbito do interrogatório judicial de arguido detido, foram aplicadas à recorrente AA, as medidas de coação de Apresentações periódicas semanais e Proibição de Contacto dos arguidos, constando da mesma os seguintes fundamentos [transcrição parcial]:
Perigos:
Quanto a todos os arguidos. Perigo de Continuação de Actividade Criminosa. (…)
.Medida de Coacção
Quanto aos arguidos AA (…)
- Apresentações periódicas semanais e Proibição de Contacto dos arguidos, cfr. Artº.s 198º e 200 n.º1, todos do Código de Processo Penal.(…)
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Por despacho judicial datado de 23.09.2022, foi decidido [transcrição parcial]:
“VI.B.- Apresentações periódicas e Proibição de contactos – arguidos AA, BB e CC.
Os arguidos AA, BB e CC foram detidos em 28 de Julho de 2021 e, submetidos a primeiro interrogatório judicial ocorrido a 29 de Julho de 2021, ficaram sujeitos à medida de coacção de obrigação de presentações periódicas semanais e proibição de contacto com os arguidos com os quais foram concomitantemente presentes a tal primeiro interrogatório judicial, desde 30 de Abril de 2021. Distribuídos que se encontram os autos a esta Instância, nada ocorre que possa alterar os pressupostos de facto e de direito que fundamentaram a decisão de sujeitar os arguidos AA, BB e CC às medidas de coacção em vigor, razão pela qual não se afigura necessário ouvir os mesmos.
O prazo máximo de tais medidas de coacção ainda não decorreu – artigos 215.º n.ºs 1 alínea c), e 218.º, n.ºs 1 e 2, do Código de Processo Penal.
Termos em que que os arguidos AA, BB e CC continuarão a aguardar os ulteriores termos do processo sujeitos às medidas de coacção de apresentações periódicas semanais e proibição de contacto entre si e com os arguidos DD, FF, GG e DD – artigos 191.º a 193.º, 196.º, 198.º, 200.º, n.º 1, alínea d), 201.º, 204.º, alíneas a) e c), todos do Código de Processo Penal.
Notifique, comunique ao OPC e dê conhecimento aos EP’s.
Prazo máximo das medidas de coacção de apresentações periódicas semanais e proibição de contacto (sem que tenha havido condenação em 1.ª instância): 30 de Agosto de 2023.”
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Por despacho judicial datado de 28.08.2023, foi decidido [transcrição parcial]:

“Do estatuto coactivo dos arguidos AA, BB e CC.
Os arguidos AA, BB e CC foram detidos em 28 de Abril de 2021 e, submetidos a primeiro interrogatório judicial ocorrido a 29 de Abril de 2021, ficaram sujeitos à medida de coacção de obrigação de apresentações periódicas semanais e proibição de contacto com os arguidos com os quais foram concomitantemente presentes a tal primeiro interrogatório judicial, desde 30 de Abril de 2021.
Posteriormente, foi deduzida acusação e proferido subsequente despacho de pronúncia integralmente confirmador daquela nos autos, nos termos dos quais, entre o mais e no que concretamente concerne com tais arguidos, foi entendido traçar as seguintes imputações criminais:
À arguida AA: por referência aos art.ºs 7º, 30º, 110º e 111º do Código Penal, a prática, em concurso efectivo, de:
- Um crime de associação criminosa pp. pelo art.º 299º, n.ºs 1, 2 e 5, do Código Penal;
- Em co-autoria com DD, EE, FF, GG, BB, HH, GGG, HHH, II, III, JJJ, KKK, JJ, KK, LLL, LL, MMM, MM, NN, OO, PP, QQ, RR, SS, TT, UU, VV, NNN, WW, XX, YY, ZZ, AAA, BBB, CCC, DDD, EEE, um crime de branqueamento de capitais, na forma consumada:
À data da prática dos factos descritos nos pontos 4.24 a 4.84 e 5. [de 19/06/2019 a 31/08/2020], previsto e punido pelas disposições conjugadas dos art.ºs 26º, 368-A, n.ºs 1 a 6 e 10 (na redacção introduzida pela Lei n.º 83/2017, de 18/08), 202º, al. a), 217º, n.ºs 1 e 2, 218, n.ºs 1 e 2, al. b), e 299º, n.ºs 1 e 3, do Código Penal, art.ºs 2º, al. a), 6º, n.ºs 1, 2, 3, 4, al. a), 5 e 6 da Lei do Cibercrime na redacção da Lei n.º 109/2009, e art.º 1º, n.º 1, al. d), da Lei n.º 36/94, de 29/09;
À data da prática dos factos descritos nos pontos 4.85 a 4.209 e 5. [de 01/09/2020 até 27/04/2021], previsto e punido pelas disposições conjugadas dos art.ºs 26º, 368-A, n.ºs 1, als. c) e d), 2 a 7, 8 e 12 (na redacção introduzida pela Lei n.º 58/2020, de 31/08), 202º, al. a), 217º, n.ºs 1 e 2, 218, n.ºs 1 e 2, al. b), e 299º, n.ºs 1 e 3, do Código Penal, art.ºs 2º, al. a), 3º, n.º 1, 6º, n.ºs 1, 2, 3, 4, al. a), 5 e 6 da Lei do Cibercrime na redacção da Lei n.º 109/2009, e, actualmente, pelas disposições conjugadas dos art.ºs 26º, 368-A, n.ºs 1, als. c) e d), a 8 e 12, 202º, al. a), 217º, n.ºs 1 e 2, 218, n.º 1 e 2, al. b), e 299º, n.ºs 1 e 3, do Código Penal, art.ºs 2º, al. b), 3º, n.º 1, e 6º, n.ºs 1, 2, 3, 4, al. a), 5, al. a), 6 e 7, da Lei do Cibercrime (Lei n.º 109/2009, de 15/09, com as alterações introduzidas pela Lei n.º 79/2021, de 24/11);
- Como cúmplice de DD e EE:
39 crimes de burla qualificada, na forma consumada, crime previsto e punido pelas disposições conjugadas dos art.ºs 26º, 217º, n.º 1, 218º, n.ºs 1 e 2, al. b) e 202º, al. a), do Código Penal – factos acima descritos nos pontos 4.24, 4.25, 4.29, 4.31, 4.32, 4.41, 4.44, 4.46, 4.54, 4.69, 4.70, 4.73, 4.75, 4.78, 4.79, 4.81, 4.84, 4.90, 4.96, 4.100, 4.101, 4.104, 4.105, 4.109, 4.112, 4.126, 4.129, 4.139, 4.147, 4.153, 4.164, 4.165, 4.167, 4.168, 4.170, 4.171, 4.196, 4.208, 4.210 [crimes praticados no âmbito da associação criminosa e qualificados pelo modo de vida e valor elevado]
8 crimes de burla qualificada, na forma tentada, crime previsto e punido pelas disposições conjugadas dos art.ºs 22º, 23º, 26º, 217º, n.º 1, 218º, n.ºs 1 e 2, al. b) e 202º, al. a), do Código Penal – factos acima descritos nos pontos 4.28, 4.34, 4.40, 4.74, 4.80, 4.97, 4.99, 4.108, [crimes praticados no âmbito da associação criminosae qualificados pelo modo de vida e valor elevado]
7 crimes de burla qualificada, na forma consumada, crime previsto e punido pelas disposições Conjugadas dos art.ºs 26º, 217º, n.º 1, 218º, n.ºs 1 e 2, al. b) e 202º, al. a), do Código Penal – factos acima descritos nos pontos 4.30, 4.35, 4.43, 4.47, 4.152, 4.197, 4.209; [crimes praticados no âmbito da associação criminosa e qualificados pelo modo de vida] (…)
No que concerne com o estatuto coactivo dos arguidos supra citados, tal qual já se adiantara aquando da prolacção do despacho de recebimento nos autos nesta Instância, ocorre que:
i)-o prazo máximo da medida de coacção de obrigação de apresentações periódicas semanais se encontra previsto para ser alcançado no próximo dia 30 de Agosto de 2023 – artigos 215.º n.ºs 1 alínea c), e 218.º, n.º 1, do Código de Processo Penal.
ii)-o prazo máximo da medida de coacção de proibição de contacto com os arguidos com os quais foram concomitantemente presentes a primeiro interrogatório judicial se encontra previsto para ser alcançado no próximo dia 30 de Outubro de 2023 – artigos 215.º n.ºs 1 alínea c), 2 e 3, e 218.º, n.º 2, do Código de Processo Penal.
É consabido que quando não tiver existido qualquer alteração das circunstâncias que justificaram a definição da situação coactiva dos arguidos, por despachos anteriores transitados, não serão passíveis de alteração as medidas de coacção impostas, mormente para uma situação mais gravosa para aquele.
Com efeito, em relação à alteração das medidas de coacção, é comum referir-se que o artigo 212.º, do Código de Processo Penal traduz um afloramento do princípio de que as medidas de coacção estão sujeitas à condição "rebus sic stantibus", no sentido de que a primeira decisão é intocável e imodificável enquanto não sobrevierem motivos que legalmente justifiquem nova tomada de posição.
Este princípio, válido para frequentemente se indeferir pedido de substituição da prisão preventiva por medida mais favorável, é também de seguir nas situações inversas, em que está em causa a aplicação ao arguido de medida mais gravosa que a anterior, o que impedirá qualquer alteração para situação mais desfavorável, sem alteração superveniente das circunstâncias tidas em conta pelos despachos anteriores já transitados.
Esta orientação é imposta, ainda, pelo artigo 20.º, n.º 4, da Constituição da República Portuguesa, que garante a todos o direito a processo equitativo, o que abrange o direito a um processo leal, que permita aos seus intervenientes ter confiança em quem o conduz, por forma que seja legítima a expectativa de quem está sujeito a uma medida de coacção de que, caso cumpra as obrigações dela derivadas e não haja alteração superveniente das circunstâncias que a determinaram, a sua situação coactiva não será agravada. Deve, por isso, ser assegurada, ao arguido, a garantia de não poder ser surpreendido por decisões caprichosas ou arbitrárias, como será a de determinar a sujeição a medida de coacção mais gravosa sem que exista qualquer incumprimento da sua parte, ou sem que haja uma efectiva e real alteração das circunstâncias que determinaram a medida anteriormente fixada por despacho transitado. Tais alterações surpresa, além de injustificadas, tornam-se, ainda, em fonte de instabilidade jurídica e contribuem para o desprestígio do sistema judicial. É também por isto que, legitimamente, se diz que “o modo como no processo penal se aplicam medidas de coacção, mormente as privativas da liberdade, traduz bem a medida do culto de liberdade de um povo e, por isso também, do grau de implantação na sociedade dos ideais democráticos”” – entendimento seguido, entre muitos outros, pelo Ac. Relação do Porto de 31/01/2018, Proc. nº 14407/13.0TDPRTE.P1, disponível em www.dgsi.pt, onde podemos ler que “este reexame da situação do arguido e a subsequente alteração da medida de coacção tem que ser feito com obediência aos princípios e regras gerais das medidas de coacção” – cfr. também Acs. R. de Lisboa de 01/02/2005, Proc. nº 685/2005-5, de 17/12/2020, Proc. nº 186/18.8 GFVFX-J.L1-9, e de 12/10/2021, Proc. n.º 207/18.4GALNH.L1-5; Ac. R. do Porto de 31/01/2018, Proc. nº 14407/13.0TDPRT-E.P1; Ac. R. de Évora de 09/12/2010, Proc. nº 22/07.0GAPTM-A.L1 e de 13/08/2010, Proc. nº 348/08.6GCSLV.E1, consultáveis em www.dgsi.pt.
Ora, no que particularmente concerne com a imposição da medida de coacção de obrigação de apresentações periódicas semanais, precisamente porque o seu prazo máximo se encontra previsto para ser alcançado no próximo dia 30 de Agosto de 2023 – artigos 215.º n.ºs 1 alínea c), e 218.º, n.º 1, do Código de Processo Penal – o circunstancialismo presente consubstanciado no preciso ponto processual em que se encontram os autos, convoca cogitação acerca da preservação dos requisitos que estiveram na base da respectiva aplicação – entenda-se, no caso dos arguidos AA, BB e CC, a indiciada incursão criminal e o perigo de continuação da actividade criminosa – artigo 204.º, alínea c), do Código de Processo Penal.
Donde, precisamente partindo da ancoragem de prevalência da aludida condição "rebus sic stantibus", no sentido de que a primeira decisão é intocável e imodificável enquanto não sobrevierem motivos que legalmente justifiquem nova tomada de posição, resulta a este tempo que, decorridas que se encontram 42 (quarenta e duas) sessões da audiência de julgamento, nas quais tais arguidos de um modo geral sempre tenderam a comparecer com assiduidade, tendo já assistido à produção integral da prova do acusatório/pronúncia e visto iniciar a prova da defesa dos arguidos – mais se encontrando previstas para o epílogo daquela as próximas datas de 1, 4, 5, 8, 11, 12 e 15 de Setembro de 2023 – obviando a qualquer laivo de adiantamento de juízo sobre a culpa dos arguidos, facto ocorre que os requisitos que conduziram ao estatuto coactivo globalmente ainda vigente, não podem que ver-se garantidos nos ulteriores termos dos autos.
Vale dizer que na anunciada extinção da medida de coacção de obrigação de apresentações periódicas semanais, no próximo dia 30 de Agosto de 2023, carecem as concretas exigências cautelares de continuar a verificar garantia não apenas por via da medida de coacção de proibição de contacto com os arguidos com os quais AA, BB e CC foram concomitantemente presentes a primeiro interrogatório judicial, a par de outra medida de coacção competente sob a égide dos princípios da necessidade, adequação e proporcionalidade que, na actualidade dos autos, se impõe ser a de proibição de se ausentarem para o estrangeiro, com respectiva entrega do passaporte no prazo de 24 (vinte e quatro horas) e comunicação às autoridades competentes, com vista à não concessão ou não renovação de tal passaporte e ao controlo de fronteiras – artigos 191.º a 193.º, 200.º, n.º 1, alínea b), e n.º 3, e 204.º, alínea c), todos do Código de Processo Penal.
Termos em que os arguidos AA, BB e CC passarão a aguardar os ulteriores termos do processo sujeitos às medidas de coacção de proibição de se ausentarem para o estrangeiro, com respectiva entrega do passaporte no prazo de 24 (vinte e quatro horas) e comunicação às autoridades competentes, com vista à não concessão ou não renovação de tal passaporte e ao controlo de fronteiras (com efeitos às 00h00 do próximo dia 30 de Agosto de 2023) e proibição de contacto entre si e com os arguidos DD, FF, GG e DD – artigos 191.º a 193.º, 196.º, 200.º, n.º 1, alíneas b) e d), 204.º, alínea c), todos do Código de Processo Penal.
Notifique, comunique ao OPC territorialmente competente e ao Serviço de Estrangeiros e Fronteiras.”
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Por Acórdão datado de 24.10.2023, não transitado em julgado, foi decidido [transcrição parcial]:
“CONDENAR a arguida AA pela prática, em concurso efectivo:
a.-Em co-autoria e na forma consumada, de 1 (um) crime de associação criminosa, previsto e punível pelo artigo 299.°, n.°s 1, 2 e 5, do Código Penal, na pena de 4 (quatro) anos de prisão.
b.-Em co-autoria com DD, EE, FF, GG, BB, HH, OOO, KK, LL, MM, NN, OO, PP, QQ, RR, SS, TT, UU, VV, WW, XX, YY, ZZ, AAA, BBB, CCC, DDD e EEE, de 1 (um) crime de branqueamento de capitais, na forma consumada:
- À data da prática dos factos apurados sob os pontos 4.24 a 4.84 e 5. [de 19/06/2019 a 31/08/2020], previsto e punido pelas disposições conjugadas dos art.ºs 26º, 368-A, n.ºs 1 a 6 e 10 (na redacção introduzida pela Lei n.º 83/2017, de 18/08), 202º, al. a), 217º, n.ºs 1 e 2, 218, n.ºs 1 e 2, al. b), e 299º, n.ºs 1 e 3, do Código Penal, art.ºs 2º, al. a), 6º, n.ºs 1, 2, 3, 4, al. a), 5 e 6 da Lei do Cibercrime na redacção da Lei n.º 109/2009, e art.º 1º, n.º 1, al. d), da Lei n.º 36/94, de 29/09;
- À data da prática dos factos apurados sob os pontos 4.85 a 4.209 e 5. [de 01/09/2020 até 27/04/2021], previsto e punido pelas disposições conjugadas dos art.ºs 26º, 368-A, n.ºs 1, als. c) e d), 2 a 7, 8 e 12 (na redacção introduzida pela Lei n.º 58/2020, de 31/08), 202º, al. a), 217º, n.ºs 1 e 2, 218, n.ºs 1 e 2, al. b), e 299º, n.ºs 1 e 3, do Código Penal, art.ºs 2º, al. a), 3º, n.º 1, 6º, n.ºs 1, 2, 3, 4, al. a), 5 e 6 da Lei do Cibercrime na redacção da Lei n.º 109/2009, e, actualmente, pelas disposições conjugadas dos art.ºs 26º, 368-A, n.ºs 1, als. c) e d), a 8 e 12, 202º, al. a), 217º, n.ºs 1 e 2, 218, n.º 1 e 2, al. b), e 299º, n.ºs 1 e 3, do Código Penal, art.ºs 2º, al. b), 3º, n.º 1, e 6º, n.ºs 1, 2, 3, 4, al. a), 5, al. a), 6 e 7, da Lei do Cibercrime (Lei n.º 109/2009, de 15/09, com as alterações introduzidas pela Lei n.º 79/2021, de 24/11), na pena de 5 (cinco) anos de prisão.
c.-Como cúmplice de DD e FFF, de 1 (um) crime de burla qualificada, na forma consumada, previsto e punido pelas disposições conjugadas dos art.ºs 26º, 27.º, 217º, n.º 1, 218º, n.ºs 1 e 2, al. b) e 202º, al. a), do Código Penal – factos apurados sob os pontos 4.24, 4.25, 4.29, 4.31, 4.46, 4.69, 4.73, 4.75, 4.78, 4.79, 4.81, 4.84, 4.90, 4.96, 4.100, 4.101, 4.104, 4.105, 4.109, 4.112, 4.126, 4.129, 4.139, 4.147, 4.153, 4.164, 4.165, 4.167, 4.168, 4.170, 4.171, 4.196, 4.208, 4.210 [praticados no âmbito da associação criminosa e qualificados pelo modo de vida e valor elevado] – factos apurados sob os pontos 4.28, 4.74, 4.97, 4.99, 4.108 [praticados no âmbito da associação criminosa e qualificados pelo modo de vida e valor elevado] - factos apurados sob os pontos 4.30, 4.47, 4.152, 4.197, 4.209 [praticados no âmbito da associação criminosa e qualificados pelo modo de vida], na pena de 4 (quatro) anos de prisão. (…)
Operar o cúmulo jurídico das penas aplicadas de a. a c. e condenar a arguida AA na pena única de 8 (oito) anos de prisão.
ABSOLVER a arguida AA da prática, em concurso efectivo e como cúmplice dos arguidos DD e FFF, dos demais crimes de branqueamento de capitais e burla qualificada, respectivamente, imputados na forma consumada e tentada, previstos e punidos pelas disposições conjugadas dos art.ºs 26º, 27.º, n.º 2, 41.º, 47.º, 72.º, 73.º, 217º, n.º 1, 218º, n.ºs 1 e 2, al. b), 202º, al. a), 368.º-A (em todas as redacções relevantes), do Código Penal e artigos 2º, al. a), 6º, n.ºs 1, 2, 3, 4, al. a), 5 e 6 da Lei do Cibercrime na redacção da Lei n.º 109/2009, e art.º 1º, n.º 1, al. d), da Lei n.º 36/94, de 29/09 (em todas as redacções relevantes), do Código Penal – factos apurados sob os pontos 4.32, 4.41, 4.44, 4.54 e 4.70 [praticados alegadamente no âmbito da associação criminosa e qualificados pelo modo de vida e valor elevado] - factos apurados sob os pontos 4.34, 4.40 e 4.80 [praticados alegadamente no âmbito da associação criminosa e qualificados pelo modo de vida e valor elevado] – factos apurados sob os pontos 4.35 e 4.43, [praticados alegadamente no âmbito da associação criminosa e qualificados pelo modo de vida].”
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Do Acórdão de 24.10.2023, consta a seguinte factualidade referente à alteração do estatuto coativo da recorrente AA [transcrição parcial]:
ii)-Arguidos AA, BB e CC.
Os arguidos AA, BB e CC foram detidos em 28 de Julho de 2021 e, submetidos a primeiro interrogatório judicial ocorrido a 29 de Julho de 2021, ficaram sujeitos à medida de coacção de obrigação de apresentações periódicas semanais e proibição de contacto com os arguidos com os quais foram concomitantemente presentes a tal primeiro interrogatório judicial, desde 30 de Abril de 2021.
Posteriormente, foi deduzida acusação, proferido subsequente despacho de pronúncia integralmente confirmador daquela nos autos e realizada a audiência de julgamento, no decurso da qual, por despacho de 28 de Agosto de 2023, ao tempo ponderando que:
- o prazo máximo da medida de coacção de obrigação de apresentações periódicas semanais se encontra previsto para ser alcançado no próximo dia 30 de Agosto de 2023 – artigos 215.º n.ºs 1 alínea c), e 218.º, n.º 1, do Código de Processo Penal.
- o prazo máximo da medida de coacção de proibição de contacto com os arguidos com os quais foram concomitantemente presentes a primeiro interrogatório judicial se encontra previsto para ser alcançado no próximo dia 30 de Outubro de 2023 – artigos 215.º n.ºs 1 alínea c), 2 e 3, e 218.º, n.º 2, do Código de Processo Penal.
- ser consabido que quando não tiver existido qualquer alteração das circunstâncias que justificaram a definição da situação coactiva dos arguidos, por despachos anteriores transitados, não serão passíveis de alteração as medidas de coacção impostas, mormente para uma situação mais gravosa para aquele - condição "rebus sic stantibus", no sentido de que a primeira decisão é intocável e imodificável enquanto não sobrevierem motivos que legalmente justifiquem nova tomada de posição.
– o circunstancialismo consubstanciado, ao tempo, no preciso ponto processual em que se encontravam os autos;
Convocou a cogitação acerca da preservação dos requisitos que estiveram na base da respectiva aplicação – entenda-se, no caso dos arguidos AA, BB e CC, a indiciada incursão criminal e o perigo de continuação da actividade criminosa – artigo 204.º, alínea c), do Código de Processo Penal.
Donde, resultando àquele tempo decorridas 42 (quarenta e duas) sessões da audiência de julgamento, nas quais tais arguidos de um modo geral sempre tenderam a comparecer com assiduidade, tendo já assistido à produção integral da prova do acusatório/pronúncia e visto iniciar a prova da defesa dos arguidos – mais se encontrando, então, previstas para o epílogo daquela as datas de 1, 4, 5, 8, 11, 12 e 15 de Setembro de 2023, obviando a qualquer laivo de adiantamento de juízo sobre a culpa dos arguidos, facto se reconheceu que os requisitos que conduziram ao estatuto coactivo vigente não podiam que ver-se garantidos nos ulteriores termos dos autos.
Com efeito, já a 28 de Agosto de 2023, foi adiantado que as concretas exigências cautelares de continuar a verificar garantia não apenas por via da medida de coacção de proibição de contacto com os arguidos com os quais AA, BB e CC foram concomitantemente presentes a primeiro interrogatório judicial, a par de outra medida de coacção competente sob a égide dos princípios da necessidade, adequação e proporcionalidade que se impôs ser a de proibição de se ausentarem para o estrangeiro, com respectiva entrega do passaporte no prazo de 24 (vinte e quatro horas) e comunicação às autoridades competentes, com vista à não concessão ou não renovação de tal passaporte e ao controlo de fronteiras – artigos 191.º a 193.º, 200.º, n.º 1, alínea b), e n.º 3, e 204.º, alínea c), todos do Código de Processo Penal.
No presente, a audiência de julgamento observou termo da produção da prova a 12 de Setembro de 2023, o Tribunal obtém recente conhecimento que concretamente o arguido BB inobservou a lisura que se impunha no cumprimento da medida de coacção de apresentações periódicas (ora extinta) – ref.ª ...– de 21-09-2023 – conforme ofício remetido aos autos pelo Excelentíssimo Senhor Comandante do Posto Territorial da Trafaria – Destacamento Territorial de Almada – Comando Territorial de Setúbal - da ... (do qual resultamanifesta intermitência de presenças comprovadas) - e o Tribunal Colectivo procedeu a processo deliberativo o qual veio a culminar no teor constante do presente acórdão do qual, no que tange em particular com os arguidos em apreço, a indiciação subjacente ao estatuto coactivo vigente transmuta-se de modo assinalável em convicção plena do cometimento por banda dos arguidos de um feixe particularmente gravoso de crimes que, enquanto tal, os conduz às seguintes condenações:
- AA pela prática, em concurso efectivo:
a.-Em co-autoria e na forma consumada, de um crime de associação criminosa, previsto e punível pelo artigo 299.°, n.°s 1, 2 e 5, do Código Penal, na pena de 4 (quatro) anos de prisão.
b.- Em co-autoria com DD, EE, FF, GG, BB, HH, II, JJ, KK, LL, MM, NN, OO, PP, QQ, RR, SS, TT, UU, VV, WW, XX, YY, ZZ, AAA, BBB, CCC, DDD E EEE, de 1 (um) crime de branqueamento de capitais, na forma consumada: à data da prática dos factos apurados sob os pontos 4.24 a 4.84 e 5. [de 19/06/2019 a 31/08/2020], previsto e punido pelas disposições conjugadas dos art.ºs 26º, 368-A, n.ºs 1 a 6 e 10 (na redacção introduzida pela Lei n.º 83/2017, de 18/08), 202º, al. a), 217º, n.ºs 1 e 2, 218, n.ºs 1 e 2, al. b), e 299º, n.ºs 1 e 3, do Código Penal, art.ºs 2º, al. a), 6º, n.ºs 1, 2, 3, 4, al. a), 5 e 6 da Lei do Cibercrime na redacção da Lei n.º 109/2009, e art.º 1º, n.º 1, al. d), da Lei n.º 36/94, de 29/09; à data da prática dos factos apurados sob os pontos 4.85 a 4.209 e 5. [de 01/09/2020 até 27/04/2021], previsto e punido pelas disposições conjugadas dos art.ºs 26º, 368-A, n.ºs 1, als. c) e d), 2 a 7, 8 e 12 (na redacção introduzida pela Lei n.º 58/2020, de 31/08), 202º, al. a), 217º, n.ºs 1 e 2, 218, n.ºs 1 e 2, al. b), e 299º, n.ºs 1 e 3, do Código Penal, art.ºs 2º, al. a), 3º, n.º 1, 6º, n.ºs 1, 2, 3, 4, al. a), 5 e 6 da Lei do Cibercrime na redacção da Lei n.º 109/2009, e, actualmente, pelas disposições conjugadas dos art.ºs 26º, 368-A, n.ºs 1, als. c) e d), a 8 e 12, 202º, al. a), 217º, n.ºs 1 e 2, 218, n.º 1 e 2, al. b), e 299º, n.ºs 1 e 3, do Código Penal, art.ºs 2º, al. b), 3º, n.º 1, e 6º, n.ºs 1, 2, 3, 4, al. a), 5, al. a), 6 e 7, da Lei do Cibercrime (Lei n.º 109/2009, de 15/09, com as alterações introduzidas pela Lei n.º 79/2021, de 24/11), na pena de 5 (cinco) anos de prisão.
c.-Como cúmplice de DD e FFF, de 1 (um) crime de burla qualificada, na forma consumada, previsto e punido pelas disposições conjugadas dos art.ºs 26º, 27.º, 217º, n.º 1, 218º, n.ºs 1 e 2, al. b) e 202º, al. a), do Código Penal – factos apurados sob os pontos 4.24, 4.25, 4.29, 4.31, 4.46, 4.69, 4.73, 4.75, 4.78, 4.79, 4.81, 4.84, 4.90, 4.96, 4.100, 4.101, 4.104, 4.105, 4.109, 4.112, 4.126, 4.129, 4.139, 4.147, 4.153, 4.164, 4.165, 4.167, 4.168, 4.170, 4.171, 4.196, 4.208, 4.210 [praticados no âmbito da associação criminosa e qualificados pelo modo de vida e valor elevado] – factos apurados sob os pontos 4.28, 4.74, 4.97, 4.99, 4.108 [praticados no âmbito da associação criminosa e qualificados pelo modo de vida e valor elevado] - factos apurados sob os pontos 4.30, 4.47, 4.152, 4.197, 4.209 [praticados no âmbito da associação criminosa e qualificados pelo modo de vida], na pena de 4 (quatro) anos de prisão.
Operado o cúmulo jurídico das penas aplicadas de a. a c., condenação da arguida AA na pena única de 8 (oito) anos de prisão. (…)
Perante tal, resulta com assaz evidência que os pressupostos de facto e de direito que fundamentaram a decisão de sujeitar tais arguidos às medidas de coacção em vigor ganham redimensionamento a convocar reponderação, para o que não se afigura necessário ouvir os arguidos (sendo certo que, perante o sentido da promoção do Ministério Público em sede de alegações orais, designadamente no que contende com o agravamento do seu estatuto coactivo, os arguidos tiveram já oportunidade de se pronunciar quer por via das alegações de defesa quer, mesmo, por via das últimas declarações perante o Tribunal)
Como assim, se a indiciada incursão criminal se consolida agora em plena convicação da qual resultou a formulação condenatória supra citada, por outro lado não só o perigo de continuação da actividade criminosa requer protecção, como também um renovado perigo de fuga (face ao tomar consciência definitiva do mal praticado e às consequências deste consubstanciadas na gravidade da natureza e quantum condenatório infligido) e, bem assim, de perturbação da ordem a tranquilidade públicas, em razão quer da natureza e das circunstâncias dos crimes quer das próprias personalidades reveladas (na justa medida em que a comunidade mal compreenderia que, perante a gravidade dos ilícitos e das conexas condenações, diga-se em medida mínima comparáveis à de situação de arguida já sujeita a prisão preventiva desde 30 de Abril de 2021 – v.g. GG, tais arguidos permanecessem agora em liberdade) se elevam categoricamente, realidade que conduz a um capital incremento das exigências cautelares derivadas do caso subjudice, para as quais não se revelam suficientes as medidas de coacção em vigor.
Termos em que vão substituídas, com efeito imediato, as medidas de coacção de proibição de se ausentarem para o estrangeiro, com respectiva entrega do passaporte no prazo de 24 (vinte e quatro horas) e comunicação às autoridades competentes, com vista à não concessão ou não renovação de tal passaporte e ao controlo de fronteiras e proibição de contacto entre si e com os arguidos DD, FF, GG e DD aplicadas aos arguidos AA, BB e CC por medidas de coacção de prisão preventiva, sob a tutela das quais, a par do TIR já prestado, passarão a aguardar os ulteriores termos do processo – artigos 1.º, alínea j), 191.º a 193.º, 196.º, 201.º, 202.º, n.º 1, alíneas a), c), d) e e), 204.º, alíneas a) e c), e 213.º n.º 1 alínea b), todos do Código de Processo Penal.
Notifique, sendo os arguidos AA, BB e CC também nos termos do artigo 194.º, n.º 10, do Código de Processo Penal.
Passe mandados de condução dos arguidos AA, BB e CC a competente Estabelecimento, solicitando os bons ofícios do OPC com vista ao necessário encaminhamento para os Estabelecimentos Prisionais competentes.
Comunique ao Serviço de Estrangeiros e Fronteiras.”
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Do Acórdão condenatório, consta a seguinte factualidade referente à recorrente AA [transcrição parcial]:
“AA é natural de Lisboa, sendo filha única da relação dos seus progenitores, oriundos de .... Quando nasceu, os progenitores tinham outros filhos de anteriores relacionamentos, que a arguida só conheceu mais tarde, por terem permanecido em .... A arguida tem cinco irmãos uterinos e cinco irmãos consanguíneos. À data do seu nascimento, a família residia no bairro clandestino de barracas da “...”, em .... Com 18 meses de vida, os progenitores separaram-se, mudando-se a arguida com a mãe para a ...), onde residiu até aos 12 anos de idade. A mãe trabalhava como empregada de copa/restauração num shopping, deixando-a aos cuidados de uma ama, sua vizinha, que cuidou de si até aos seus 7-8 anos de idade, considerando AA que esta ama foi a referência afetiva mais significativa da sua infância. Na ..., a progenitora refez a sua vida afetiva com um companheiro que passou a integrar o agregado. Com 12 anos, na sequência de ter sido alegadamente vítima de violação, por parte do padrasto, AA passou a integrar o agregado familiar do pai, residente na ..., aqui residindo dos 12 aos 15 anos, concluindo em Almada o 7º ano de escolaridade. Ao ter conhecimento da alegada violação da filha, o progenitor confrontou o padrasto, chegando a atingi-lo com um disparo, o que terá levado a mãe e o padrasto a fugirem para .... Com 14-15 anos, o progenitor foi trabalhar para ..., como armador de ferro, mantendo-se AA a residir no ..., com a madrasta e os filhos desta. Na sequência de desentendimentos com o pai/madrasta, a arguida voltou a integrar o agregado da mãe, que passara a residir em ... com o padrasto.
Em ..., AA refere ter sido novamente violada pelo padrasto, que alegadamente nutriria por ela uma forte obsessão sexual. Esta situação terá levado a que a arguida precipitasse a sua saída do agregado, iniciando vivência marital, aos 16 anos, com o então namorado, PPP, de 23 anos. Dos 16 aos 20 anos de idade, a arguida residiu com o companheiro num quarto arrendado, em ..., nascendo da relação a filha do casal, Jacqueline, quando tinha 17 anos de idade. O companheiro exercia funções como servente da construção civil, sendo o único a trabalhar. Em termos escolares, AA completou o 9.º ano de escolaridade em Saragoça. Quando tinha 20 anos, o casal veio viver para casa dos pais do companheiro, em ...), ocupando um anexo contíguo à habitação. AA obteve então o seu primeiro emprego como caixa, empregada de mesa e ajudante de cozinha, durante três anos, num conhecido restaurante da zona. Com 23 anos, ocorreu a ruptura da relação com o companheiro e pai da sua filha, voltando a arguida a residir na morada do progenitor, no Laranjeiro (a madrasta juntara-se ao progenitor residente em ...), onde partilhava habitação com a irmã consanguínea, QQQ. Aos 25 anos, AA iniciou um relacionamento afetivo com RRR, nascendo da união do casal o seu filho mais novo, em .... Entre ... e ...1.../19, o casal residiu em ...), para onde se mudara a mãe da arguida, já separada do padrasto. Mais tarde, AA autonomizou-se do agregado da mãe, passando a exercer funções como camareira num hotel, sendo o único elemento do casal a exercer funções laborais. Após regressar a Portugal, tendo em conta o domínio que tem das línguas castelhana e francesa, trabalhou como camareira/ empregada de limpeza em vários hotéis de Lisboa e posteriormente no ramo da restauração, em vários restaurantes da área metropolitana de Lisboa. AA reside com os filhos de 16 e 8 anos de idade, estudantes, na actual morada, no ..., em ..., uma habitação aonde reside, desde que se separou do pai do seu filho, há 4-5 anos, e onde pagava uma renda de 450 euros mensais, sem contrato de arrendamento. Contudo, a falha no pagamento da renda da habitação, ocasionada por um período de desemprego, terá ocasionado que o senhorio lhe aumentasse a renda de 450 para 800 euros, condição que não conseguiu cumprir, tendo-lhe sido dado um prazo de seis meses para sair da habitação, até .... O pai do seu filho de 8 anos continua a apoiá-la, no sustento deste, mas apenas de acordo com as suas possibilidades.
O pai da sua filha de 16 anos reside actualmente para ... e não contribui para o sustento da mesma. AA deixou de receber o subsídio de desemprego (380 euros), recentemente, tendo obtido trabalho como camareira, fazendo extras em hotéis em Lisboa, auferindo 800 euros mensais.
Encontra-se actualmente desempregada. Há cerca de oito meses, AA converteu-se ao islamismo, frequentando a ..., por nela ser permitida a presença de mulheres, ainda que separadamente, referindo como factor decisivo para a conversão o “acreditar que a mulher é melhor tratada pelo islão” (sic). AA revela preocupação quanto ao desfecho dos presentes autos, receando as consequências do mesmo. Contudo, quando colocada perante situações abstratas similares às descritas nos autos, manifesta alguma dificuldade de reflexão, adotando uma atitude de distanciamento. (…)
No âmbito do processo comum n.º 2494/09.0TAALM, do 1.º Juízo Criminal do Tribunal Judicial de Almada, por decisão de 10-10-2012, transitada em julgado a 09-11-2012, a arguida AA foi condenada pela prática, em 16-07-2009, de um crime de falsificação de boletins, actas ou documentos, na pena de 80 (oitenta) dias de multa, à taxa diária de € 5,00 (cinco euros), perfazendo o total de € 440,00 (quatrocentos e quarenta euros).
Por despacho de 09-11-2016, tal pena foi declarada extinta por prescrição.
No âmbito do processo comum n.º 458/15.3SMPRT, do Juiz 4 – Juízo Local Criminal do Porto, por decisão de 16-03-2017, transitada em julgado a 24-06-2019, arguida AA foi condenada pela prática, em 09-06-2015, de um crime de furto simples, na pena de 40 (quarenta) dias de multa, à taxa diária de € 5,00 (cinco euros), perfazendo o total de € 200,00 (duzentos euros).
Por despacho de 09-07-2020, tal pena foi declarada extinta pelo pagamento. (…)
AA AA, de 34 anos de idade, cresceu num contexto familiar marcado pela precariedade e desproteção, autonomizando-se precocemente com o objectivo de escapar aos abusos sexuais /violação do padrasto. A arguida apresenta hábitos de trabalho e capacidade de autonomização, sendo o principal garante da subsistência dos seus filhos, de 8 e 16 anos de idade. Avalia-se que as principais necessidades de intervenção junto de AA se centram, em caso de condenação, na manutenção de uma integração social/profissional que permita a estabilização da sua situação económica e na melhoria da sua capacidade de reflexão sobre o seu percurso de vida, nomeadamente quanto aos contactos com o sistema de justiça penal e suas eventuais consequências, para si própria e para o seu agregado familiar. (…)
A existência de antecedência criminal quanto aos seguintes arguidos: (…) AA: crimes de falsificação de boletins, actas ou documentos e furto simples; (…)
Derradeiramente ao nível das exigências de prevenção especial a latência verificada na actualidade de protecção, diante de um intenso e subsistente traço de desprezo pelos bens jurídicos afectados e externalização da culpa comum, em diversas intensidades, é certo, a todos os arguidos, e que anota, a seu modo, paradigmática a postura do arguido DD no decurso das sessões da audiência de julgamento em que não conteve o riso aquando da reprodução pontual das chamadas telefónicas de engodo em que foi interlocutor primordial, sintomática a diabolização que a arguida AA não se inibiu de efectuar expressamente das co-arguidas FF e GG, como que responsáveis primeiras pelos seus actos, com extensão a todos os demais arguidos ou por ausência crassa de assunção de responsabilidades (casos particulares dos arguidos BB, HH, SSS) ou por reiteradas manifestações de actuação sempre em benefício próprio, perante uma “oportunidade de ganho” surgida em meios relacionais de amizade ou conhecimento directo ou indirecto, cuja detecção, apenas e ainda hoje, preocupa quanto à afectação patrimonial dos próprios (por bloqueio de contas bancárias) e situação jurídico-penal gerada (por via da tramitação dos presentes autos). (…)”
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III–APRECIAÇÃO DO RECURSO
No presente recurso, vem a recorrente colocar em causa a adequação e proporcionalidade da aplicação da medida de coação de prisão preventiva que lhe foi imposta aquando da prolação do Acórdão condenatório de 24.10.2023.
Em face dos fundamentos do recurso interposto e dos próprios termos processuais, é manifesto que a aplicação da medida de coação de prisão preventiva decorreu, em abstrato, do cumprimento de um dever de controlo da legalidade, consubstanciado na obrigação de reexame das medidas de coação, sempre que o juiz entenda que as circunstâncias subjacentes à sua aplicação se alteraram de tal modo que as mesmas deixaram de ser as mais adequadas e proporcionais para obstar aos perigos enunciados no artigo 204.ºdo Código de Processo Penal (cf. artigo 212.º do Código de Processo Penal).
No caso em apreço, o reexame das medidas de coação implicou o agravamento das mesmas, tendo o Coletivo optado pela medida de coação mais gravosa: a prisão preventiva. Nesta medida, é necessário analisar se as circunstâncias que estiveram na base da aplicação à recorrente, em 28.08.2023, das medidas de coação de proibição de se ausentar para o estrangeiro, com respetiva entrega do passaporte no prazo de 24 (vinte e quatro horas) e comunicação às autoridades competentes, com vista à não concessão ou não renovação de tal passaporte e ao controlo de fronteiras e proibição de contacto entre si e com os arguidos DD, FF, GG e DD, se alteraram e, em caso afirmativo, se tal alteração implica o agravamento das necessidades cautelares de tal modo intenso que apenas a medida de coação de prisão preventiva é a única suscetível de acautelar tais exigências.
Em primeiro lugar, há que ter em conta que a reapreciação dos pressupostos das medidas de coação está sempre sujeita à cláusula rebus sic stantibus, a qual deve ser entendida no sentido estrito de que a anterior decisão que aplicou a medida de coação, “se mantém válida e deve permanecer imutável se, e enquanto, não ocorrerem circunstâncias de relevo que determinem a sua alteração”1. Como refere o Acórdão do Tribunal da Relação do Porto de 17/06/2020, (ECLI:PT:TRP:2020:251.18.1PAGDM.P1.03) “I- Quaisquer medidas de coação aplicadas no processo estão sujeitas a modificação em face das circunstâncias que em cada momento se verificam sobre a sua necessidade e adequação [condição rebus sic standibus - art. 212º, n.ºs 1, b), e 3]. II- Não são imutáveis mas a sua alteração pressupõe variações do condicionalismo subjacente, por isso, enquanto permanecerem as circunstâncias de facto e se mantiverem os fundamentos de direito que justificaram a respetiva imposição, também as medidas de coação se devem manter inalteradas. III- Não sobrevindo qualquer actuação do arguido que apontasse no sentido da alteração das exigências cautelares e a consequente necessidade do reforço das medidas de coacção a aplicar-lhe, não pode esta ser modificada, ademais por recurso a elementos dos autos que deles já constassem aquando da aplicação da medida de coacção.” 2
Temos assim por acertada a jurisprudência que refere que qualquer alteração de uma medida de coação, “pressupõe sempre que algo mudou entre a decisão que aplicou tal medida e a segunda decisão que procede ao reexame. O Juiz não se confrontando com qualquer alteração superveniente das circunstâncias que possam pôr em causa os pressupostos que fundamentaram a aplicação da medida de prisão preventiva, não pode reformar essa decisão, sob pena de criar uma instabilidade jurídica decorrente de julgados contraditórios.”(cfr. Acórdão do Tribunal da Relação de Lisboa de 20/11/2019, ECLI:PT:TRL:2019:44.19.9PKLRS.B.L1.3.72).3
Daqui decorre, desde logo, que a decisão de manutenção de uma anterior medida de coacção não está sujeita ao mesmo grau de fundamentação que a aplicação de uma nova medida de coação, uma vez que nesta primeira situação, neste reexame, não cabe ao juiz sindicar a decisão que aplicou a medida de coação, mas apenas verificar se, entretanto, ocorreu, ou não, uma atenuação das exigências cautelares que justificaram a imposição de tal medida de coação.
De modo diverso, estando em causa, como no caso em apreço, uma decisão que aplica uma nova medida de coação, da mesma, sob pena de nulidade, tem de constar: a)- A descrição dos factos concretamente imputados ao arguido, incluindo, sempre que forem conhecidas, as circunstâncias de tempo, lugar e modo; b)- A enunciação dos elementos do processo que indiciam os factos imputados, sempre que a sua comunicação não puser gravemente em causa a investigação, impossibilitar a descoberta da verdade ou criar perigo para a vida, a integridade física ou psíquica ou a liberdade dos participantes processuais ou das vítimas do crime; c)- A qualificação jurídica dos factos imputados; d)- A referência aos factos concretos que preenchem os pressupostos de aplicação da medida, incluindo os previstos nos artigos 193º e 204º (cf. artigo 194º, nº 6 do Código de Processo Penal).

Temos assim, por certo, que uma qualquer alteração de uma medida de coação exige um dever acrescido de fundamentação, impondo-se ao julgador que explicite, de forma clara, qual o novo circunstancialismo concreto que fundamenta tal alteração e o seu relevo na reconfiguração dos perigos a que alude o artigo 204.º do Código de Processo Penal
Aliás, em 28.8.2023, o juiz decidiu alterar as medidas de coação aplicáveis, entre outros; à arguida AA, referindo taxativamente que, “Vale dizer que na anunciada extinção da medida de coacção de obrigação de apresentações periódicas semanais, no próximo dia 30 de Agosto de 2023, carecem as concretas exigências cautelares de continuar a verificar garantia não apenas por via da medida de coacção de proibição de contacto com os arguidos com os quais AA, BB e CC foram concomitantemente presentes a primeiro interrogatório judicial, a par de outra medida de coacção competente sob a égide dos princípios da necessidade, adequação e proporcionalidade que, na actualidade dos autos, se impõe ser a de proibição de se ausentarem para o estrangeiro, com respectiva entrega do passaporte no prazo de 24 (vinte e quatro horas) e comunicação às autoridades competentes, com vista à não concessão ou não renovação de tal passaporte e ao controlo de fronteiras – artigos 191.º a 193.º, 200.º, n.º 1, alínea b), e n.º 3, e 204.º, alínea c), todos do Código de Processo Penal.”. Daqui se conclui que até essa data todas as circunstâncias relevantes foram ponderadas e das mesmas resultou a agravação da medida de coação, nos termos supra enunciados. Resta, portanto, indagar, se após tal data ocorreram circunstâncias que justificam a alteração da medida de coação verificada em 24.10.2023.
Aqui chegados urge, desde logo, discutir que tipo de alteração das circunstâncias, deve ser tida em conta para efeito de alteração de uma medida de coação.
Em primeiro lugar, é necessário ter presente que a avaliação das circunstâncias relevantes, assenta sempre num juízo de probabilidade de verificação de uma situação futura que altera as exigências cautelares até então existentes. Todavia, este juízo nunca pode ser feito em termos abstratos, antes terá de assentar em factos concretos, existentes nos autos à data da respetiva ponderação, donde se possa concluir, como séria, a probabilidade de ocorrência de um facto futuro que coloque em causa a adequação e proporcionalidade da medida de coação pré-existente, enquanto garante das exigências cautelares, aplicáveis no caso em apreço.
O juízo de probabilidade subjacente à aplicação de uma medida de coação tem de ancorar-se sempre em factos indiciários concretos que podem ser tomados em consideração no momento processual em que tal decisão é tomada.
Se é certo que a lei prevê expressamente circunstâncias que determinam a reavaliação das exigências cautelares suscetíveis de influenciar o estatuto coativo do arguido, nomeadamente, quando no processo forem proferidos despacho de acusação ou de pronúncia ou decisão que conheça, a final, do objeto do processo e não determine a extinção da medida aplicada, e, necessariamente, após a prolação de sentença condenatória (cf. artigos 213º, nº 1, alínea b) e 375, nº 4, ambos do Código de Processo Penal), tal não implica ,por si só, que a prolação de uma acusação, pronúncia ou sentença/Acórdão, possa fundamentar, sem qualquer elemento fáctico de suporte, uma qualquer alteração da medida de coação, e, muito menos, o agravamento da medida de coação pré-existente à data da prolação de tal decisão.
Neste plano, o legislador apenas sinalizou que tais decisões, atenta a sua relevância na tramitação processual, devem implicar uma tomada de posição do, então, titular do processo quanto ao conteúdo probatório do mesmo e sua relevância nas exigências cautelares atendíveis em cada uma dessas fases processuais.
Em segundo lugar, há que ter sempre em conta que qualquer medida de coação privativa da liberdade, e, designadamente, a medida de coação de prisão preventiva, nunca pode constituir-se como uma antecipação da sanção penal a que eventualmente haja lugar, uma vez concluído o julgamento.
Se é certo que após o julgamento, o nível de convicção do julgador se altera, uma vez que o mesmo produziu, sobre os factos imputados, um juízo de certeza, sempre subjetiva mas ancorada em elementos objetivos racionalmente interligados, a verdade é que até ao trânsito em julgado da sentença/Acórdão, o arguido beneficia ainda da presunção de inocência, a qual implica necessariamente que a prova dos factos imputados na acusação ou pronúncia apenas pode fundamentar uma alteração da medida de coação – designadamente a medida de coação de prisão preventiva – se da conjugação dos mesmos se retirar a conclusão que há uma forte probabilidade, que o arguido venha, no futuro, a alterar o seu comportamento, elevando as exigências cautelares do processo, de tal modo que apenas a medida de coação de prisão preventiva seja a única adequada e proporcional para evitar os perigos daí decorrentes. Conforme resulta claro do disposto nos artigos 193.º, n.º 1 e 202.º, n.º 1 ambos do Código de Processo Penal, o legislador consagrou, quanto à prisão preventiva, um duplo grau de subsidiariedade: apenas é possível aplicar a prisão preventiva se as demais medidas de coação não privativas forem insuficientes para satisfazer as exigências cautelares no caso concreto, e , por outro lado, se a própria obrigação de permanência na habitação se revelar insuficiente para satisfazer tais exigências cautelares.4 Deste modo, não pode o julgador passar de uma medida de coação não privativa da liberdade para a medida de coação de prisão preventiva, sem fundamentar no seu despacho de alteração da medida de coação, a razão da inadequação e insuficiência da obrigação de permanência na habitação para satisfazer tais exigências.
Neste plano, deve ter-se sempre em conta que os factos imputados são sempre a imagem de um momento histórico passado, sendo, portanto, necessário, compreender em que medida os mesmos podem relevar para o futuro, isto é, de que modo poderemos concluir que a prova dos mesmos implica, com grande probabilidade, a ocorrência de um evento futuro suscetível de colocar em causa as exigências cautelares pré-existentes.
Nesta análise, retirando situações em que o facto imputado dado como provado já contem a antecipação do comportamento futuro do arguido (por exemplo, que o mesmo irá ausentar-se do país logo que acabe o julgamento ou a leitura da decisão, para se eximir ao cumprimento de uma pena de prisão, ou que irá continuar a sua atividade criminosa), terá o julgador que se socorrer de todos os elementos probatórios carreados para o processo, bem como analisar o comportamento processual do arguido, por forma a poder antecipar o seu comportamento futuro, em face de uma decisão que lhe será desfavorável.
Esta avaliação não se faz ex novo aquando da prolação da sentença/Acórdão, antes a mesma deverá ser o culminar de uma análise que o julgador tem de fazer ao longo do processo e que deverá plasmar em todas as decisões de reexame das medidas de coação aplicadas, sem prejuízo dos eventos extraordinários que eventualmente venham a ocorrer e sejam idóneos a fundamentar, por si só, tal alteração da medida de coação.
Aqui chegados, temos por assente que qualquer condenação em pena de prisão, em si mesma, mesmo que elevada, e sem qualquer outro facto concreto de suporte, não permite fundamentar a alteração da medida de coação, designadamente aplicando a prisão preventiva, porquanto não consubstancia, por si só, qualquer agravamento da ocorrência, em concreto, de qualquer um dos perigos enunciados no artigo 204.º do Código de Processo Penal (neste sentido, quanto ao perigo de fuga, vide o Acórdão do Tribunal da Relação de Évora de 26/09/2023, ECLI:PT:TRE:2023:123.23.8JAPTM.B.E1.B35; Acórdão do Tribunal da Relação do Porto de 11/05/2011, ECLI:PT:TRP:2011:867.09.7PRPRT.A.P1.6E6; Acórdão do Tribunal da Relação de Lisboa de 24/09/2003, ECLI:PT:TRL:2003:6921.2003.3.757; Acórdão do Tribunal da Relação de Lisboa de 01/02/2005, ECLI:PT:TRL:2005:685.2005.5.738; Acórdão do Tribunal da Relação do Porto de 27/09/2023, ECLI:PT:TRP:2023:19.22.0PEPRT.Y.P1.FA9; Acórdão do Tribunal da Relação de Évora de 17/09/2009, ECLI:PT:TRE:2009:1811.08.4PAPTM.A.E1.FD10).
Como expressivamente refere o Acórdão do Tribunal da Relação do Porto de 31/01/2018 (ECLI:PT:TRP:2018:14407.13.0TDPRT.E.P1.4B), “Se o arguido cumpriu sempre escrupulosamente as obrigações emergentes da medida de coacção que lhe foi aplicada e inexistem factos novos, a simples condenação do arguido, ainda não transitada, não legitima o agravamento da medida de coacção para prisão preventiva por hipotético perigo de fuga decorrente apenas daquela condenação.” (https://jurisprudencia.csm.org.pt/ecli/ECLI:PT:TRP:2018:14407.13.0TDPRT.E.P1.4B/)
Neste sentido, o acrescido perigo de fuga não se pode fundamentar na consideração abstrata de tal resultar do mero “tomar consciência definitiva do mal praticado e às consequências deste consubstanciadas na gravidade da natureza e quantum condenatório infligido”, conforme resulta da decisão recorrida, antes exige que estejamos perante um perigo real de fuga, de modo a justificar a aplicação da medida de coação mais gravosa. Conforme refere António Gama, “O juízo sobre a existência de perigo de fuga tem de basear-se nos dados concretos de um processo e de uma pessoa concreta, na sua personalidade, nas circunstâncias conhecidas da sua vida para, a partir dai, cotejando essa imagem com a experiência comum, averiguar da probabilidade de se verificar uma fuga. (…) A decisão condenatória não transitada, em pena de prisão efetiva não permite, só por si, inferir a existência de perigo de fuga. (…) Esse perigo tem de ser real e não presumido, não basta a alteração da dimensão indiciária após julgamento com a condenação numa pena de prisão(…).11
Ora, compulsados os autos, constatamos que a conduta processual da arguida recorrente, ao longo de todo o decurso do processo e a sua situação pessoal e familiar, em nada nos remete para tal possibilidade. Com efeito, a arguida sempre compareceu, quando notificada para o efeito, em todas as audiências, sendo que a mesma, desde a prolação da acusação, tem a noção da gravidade dos factos que lhe são imputados e a eventual consequência penal daí decorrente, sendo certo que à mesma lhe assiste o direito de recorrer da condenação sofrida, pelo que esta mantém ainda uma expetativa juridicamente válida sobre a sua não condenação definitiva em pena de prisão, que ainda condiciona o seu comportamento presente. Por outro lado, resulta dos autos que a recorrente, “apresenta hábitos de trabalho e capacidade de autonomização, sendo o principal garante da subsistência dos seus filhos, de 8 e 16 anos de idade”. Nestes termos, nenhum elemento, em concreto, resulta dos autos que permita concluir que a arguida recorrente em face da condenação sofrida irá alterar a sua postura processual, tanto mais que à mesma ainda lhe assiste o direito de recorrer da condenação sofrida. Nestes termos, a simples condenação não transmuta um perigo abstrato e hipotético de fuga, num concreto perigo de fuga, que exija a aplicação da medida de coação de prisão preventiva em detrimento das demais medidas de coação, incluindo a medida de obrigação de permanência na habitação.
Quanto ao perigo de continuação da atividade criminosa, da decisão recorrida nada se refere, em concreto, que o fundamente, para além da própria natureza dos crimes imputados e pelos quais a arguida recorrente foi condenada. Daqui decorre a impossibilidade de tal perigo abstrato poder fundamentar uma tal alteração da medida de coação. Aliás, não se pode deixar de atender ao facto de os arguidos que comparticiparam com a arguida recorrente na atividade criminosa julgada nos presentes autos, foram, também eles, condenados nos presentes autos a penas de prisão, efetivas ou suspensas na sua execução, pelo que o desmantelamento de tal organização torna mais difícil a continuação da atividade criminosa por parte da arguida, que não possui, por si só, os meios técnicos e logísticos para a sua concretização. Com efeito, conforme refere Maia Costa, “O perigo de continuação criminosa deverá referir-se à prática de crimes de natureza idêntica ao imputado no processo. Para respeitar o princípio da presunção da inocência, a medida de coação deverá fundar-se num juízo muito rigoroso e preciso de plausibilidade de reiteração criminosa, apoiado nas circunstâncias do caso e na personalidade revelada pelo arguido12
Quanto ao invocado perigo de perturbação da ordem e a tranquilidade públicas, refere a decisão recorrida que “a comunidade mal compreenderia que, perante a gravidade dos ilícitos e das conexas condenações, diga-se em medida mínima comparáveis à de situação de arguida já sujeita a prisão preventiva desde 30 de Abril de 2021 – v.g. GG, tais arguidos permanecessem agora em liberdade”. Nesta matéria, sufragamos por inteiro o entendimento do Professor Germano Marques da Silva, quando refere que “O mediatismo do processo não equivale a qualquer um dos perigos enunciados na norma, como pressuposto da aplicação das medidas de coação, nem a satisfação do clamor da opinião constitui fim do processo penal13
Compulsados os autos, e tendo em atenção que não basta qualquer perturbação, antes se exigindo que a mesma seja grave, não se descortina em que termos a manutenção das medidas de coação aplicadas à arguida em 28.8.2023 se tornaram insuficientes e inadequadas para acautelar os perigos aí enunciados, apenas pelo simples facto de ter havido uma decisão condenatória não transitada em julgado.
Conforme refere António Gama, “O uso de fórmulas estereotipadas, parafrasear os perigos enunciados na norma, sem explicitar os indícios que permitem a sua afirmação, não releva quando é a norma a impor um juízo concreto (nenhuma medida de coação pode ser aplicada se em concreto se não verificar).14
Em conclusão, analisando os perigos que fundamentaram a aplicação da nova medida de coação, não se mostra patenteado nos autos o seu agravamento, já que nada de novo ocorreu, para além da própria condenação não transitada em julgado, nem a insuficiência e desadequação das medidas de coação a que estava sujeita a arguida recorrente e que justifique a alteração e agravamento do seu estatuto coativo.
Ou seja, desde o reexame efetuado em 28.08.2023 até à prolação do despacho recorrido, proferido no seguimento do Acórdão condenatório, não ocorreram quaisquer factos ou circunstâncias dos quais resulte o agravamento dos perigos invocados, de tal modo que apenas a aplicação da medida de prisão preventiva se tenha como a única adequada e proporcional para obstar à concretização de tais perigos.
Não se vislumbra, assim, que os perigos invocados para alterar a medida de coação, que extravasam a própria condenação, não tivessem sido já tidos em consideração aquando das demais reapreciações das medidas de coação aplicadas à arguida recorrente – designadamente a ocorrida em 28.08.2023 - porquanto os mesmos não estão concretizados ou traduzidos em circunstâncias supervenientes que demandem um reforço ou agravamento das medidas de coação, nos termos determinados no despacho recorrido.
Por último, não se descortina sequer em que medida a obrigação de permanência na habitação não poderia acautelar os invocados perigos, tornando desnecessária a aplicação à arguida da medida de coação mais gravosa, a prisão preventiva.
Por todo o exposto, não pode este Tribunal deixar de considerar injustificada, desadequada e desproporcional a aplicação à arguida recorrente da medida de coação de prisão preventiva, impondo-se, em conformidade, a revogação do despacho recorrido, mantendo-se a arguida sujeita às medidas de coação aplicadas em 28.08.2023, sem prejuízo da reapreciação das mesmas em resultado do decurso do tempo e/ou da ocorrência de circunstâncias supervenientes que impliquem nova reponderação das exigências cautelares.
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IV–DISPOSITIVO

Em face do exposto, acordam os Juízes da 5ª Secção - Criminal - deste Tribunal da Relação:
1.-Julgar procedente o recurso, revogando o despacho de aplicação da medida de coação de prisão preventiva à arguida AA, devendo a mesma aguardar o trânsito da decisão condenatória em liberdade, mantendo-se sujeita às medidas de coação aplicadas em 28.08.2023, sem prejuízo da reapreciação das mesmas em resultado do decurso do tempo e/ou da ocorrência de circunstâncias supervenientes que impliquem nova reponderação das exigências cautelares.
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Sem custas.
Proceda-se à imediata emissão dos competentes mandados de libertação da arguida, enviando-os ao Estabelecimento Prisional competente.
Comunique de imediato à 1.ª instância a presente decisão.
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Lisboa, 09.01.2024



(Acórdão elaborado e integralmente revisto pelo relator – artigo 94.º, n.º 2, do CPP-, com assinaturas eletrónicas apostas na 1.ª página, nos termos do art.º 19.ºdaPortarian.º280/2013,de 26-08, revista pela Portaria n.º 267/2018, de 20/09)



João António Filipe Ferreira
(Juiz Desembargador Relator)
Sandra Ferreira
(Juíza Desembargadora Adjunta)
Sandra Oliveira Pinto
(Juíza Desembargadora Adjunto)



1.Cfr. DIAS, Maria do Carmo Silva (2021), Tomo II, Almedina, pág. 447, §11.
2. Cfr. https://jurisprudencia.csm.org.pt/ecli/ECLI:PT:TRP:2020:251.18.1PAGDM.P1.03/
3. Cfr. https://jurisprudencia.csm.org.pt/ecli/ECLI:PT:TRL:2019:44.19.9PKLRS.B.L1.3.72/
4.Neste sentido, vide Milheiro, Tiago Caiado (2021) “Comentário Judiciário do Código de Processo penal, Tomo III, Almedina, pág. 329
5. Cfr. https://jurisprudencia.csm.org.pt/ecli/ECLI:PT:TRE:2023:123.23.8JAPTM.B.E1.B3/
6. Cfr. https://jurisprudencia.csm.org.pt/ecli/ECLI:PT:TRP:2011:867.09.7PRPRT.A.P1.6E/)
7. Cfr. https://jurisprudencia.csm.org.pt/ecli/ECLI:PT:TRL:2003:6921.2003.3.75/
8. Cfr. https://jurisprudencia.csm.org.pt/ecli/ECLI:PT:TRL:2005:685.2005.5.73/
9. Cfr. https://jurisprudencia.csm.org.pt/ecli/ECLI:PT:TRP:2023:19.22.0PEPRT.Y.P1.FA/
10. Cfr. https://jurisprudencia.csm.org.pt/ecli/ECLI:PT:TRE:2009:1811.08.4PAPTM.A.E1.FD/
11.Cfr. Gama, António (2021) “Comentário Judiciário do Código de Processo penal, Tomo III, Almedina, pág. 382.
12.Cfr. Costa, Maia (2022). “Código de Processo Penal Comentado”, 4.ª edição, Almedina, pág. 826.
13.Cfr. Silva, Germano Marques da (2003), “Sobre a Liberdade no processo penal ou do culto da liberdade como componente essencial da prática democrática”, Liber Disciplinorum para Jorge Figueiredo Dias, AA. VV., Manuel da Costa Andrade (org.), Coimbra editora, pág. 1367-1368
14.Cfr. Gama, António (2021) “Comentário Judiciário do Código de Processo penal, Tomo III, Almedina, pág. 378.