ASSESSOR TÉCNICO
CASO JULGADO FORMAL
ADIAMENTO DA AUDIÊNCIA
Sumário


I - O assessor técnico, designado pela(s) parte(s), não desempenha no processo as funções de perito, tanto mais que no artigo 480.o do CPC, norma que institui um direito das partes de fiscalizarem a perícia, assistindo e/ou fazendo-se assistir por assessor técnico, não prevê a possibilidade de as partes dirigirem a este as observações que entendam, contrariamente ao que sucede relativamente ao(s) perito(s).
II - Os despachos que incidam sobre a relação processual e que se mostrem transitados em julgado, têm força obrigatória dentro do processo, impedindo o tribunal de apreciar novamente tal questão.
III - O regime legal em vigor prevê de forma clara e inequívoca que é à testemunha (e não à parte que indica a testemunha) que cabe indicar a razão de ciência e quaisquer circunstâncias que possam justificar o conhecimento, o que deve acontecer no âmbito do respetivo depoimento e depois do juramento e interrogatório preliminar, tal como decorre designadamente do disposto nos artigos 513.o e 516.o do CPC.

Texto Integral


Acordam no Tribunal da Relação de Guimarães

I. Relatório

Na ação declarativa sob a forma de processo comum n.º 1767/19...., que AA instaurou contra EMP01... - Companhia de Seguros S.A., proferido o despacho saneador e delimitado o objeto do litígio, foram selecionados os temas da prova e, além do mais, admitidos os requerimentos probatórios apresentados pelas partes nos articulados (despacho de 20-09-2019, com a ref. ª ...33), nos seguintes termos:
«(…)
Por tempestivos, admito os requerimentos probatórios de fls.14 e seg. e de fls. 49 e seg. e de fls.118.

*
Defiro à requerida notificação e inquirição por videoconferência das testemunhas arroladas - cfr. artº. 507º/2 do C. P. Civil;
(…)
Vai desde já admitida a perícia requerida por Autor e Ré.
(…)».
No final da contestação a ré apresentou rol de testemunhas, do qual consta, com o n.º 5, o seguinte: «(…) 5. Dr. BB, médico, com domicílio profissional sito na Rua ..., ..., ... Lisboa, com prática profissional no ..., a notificar e a ouvir por videoconferência (cfr. art.os 502.º, n.º 1, “2.ª parte” e 507.º, n.º 2, “2.ª parte”, ambos do CPC) na Unidade Central Cível do Tribunal Judicial ..., por ser essa a área em que actua profissionalmente com regularidade».
Em 03-09-2021, o INML apresentou nos autos relatório da perícia médico-legal - Relatório da Perícia de Avaliação do Dano Corporal na especialidade de Neurocirurgia, subscrito pelo perito médico, Dr. CC.
Por requerimento apresentado em 16-09-20211 a ré requereu seja o Senhor Perito, Dr. CC, notificado para comparecer na audiência final, a fim de prestar esclarecimentos sobre o teor e conclusões explanadas no referido relatório, bem como, respetivos esclarecimentos prestados (aqui solicitados), o que foi deferido por despacho de 02-11-2021 (ref. ª ...37).

O INML apresentou nos autos relatório da perícia médico-legal - Relatório da Perícia de Avaliação do Dano Corporal em Direito Cível, subscrito pela perita médica, Dra. DD.
Por despacho de 10-09-2020 foi deferida a realização de segunda perícia, a realizar pelo INML, na sequência do que veio a ser efetuada avaliação em perícia de Psiquiatria Forense (2.ª perícia), com indicação pelo INML de data para realização do exame (ref.ª ...52 de 12-01-2022), notificada às partes, após o que a ré, em 27-01-2022 (ref.ª ...37), apresentou requerimento com o seguinte teor: «(…) Ré devida e melhor identificada nos autos supra referenciados, em que é Autor AA, notificada do agendamento do exame médico (intercalar) na especialidade de Psiquiatria Forense, vem, muito respeitosamente, nos termos do disposto no artigo 480.º do CPC, requerer a V. Exa. se digne admitir como seu assessor técnico, médico especialista em psiquiatria, o Exmo. Senhor Dr. EE», sobre o qual incidiu o seguinte despacho, datado de 31-01-2022 (ref.ª ...58): «(…) Requerimento Ref: ...37
Admito a intervenção do Exmo. dr. EE como assessor técnico da Ré, na realização do exame médico (intercalar) na especialidade de psiquiatria forense».
Em 04-04-2022 foi apresentado nos autos relatório de exame psiquiátrico forense, subscrito pelo perito médico, Dr. FF, relativamente ao qual a ré requereu a prestação dos esclarecimentos elencados no requerimento de 18-04-2022 (ref. ª ...55), o que foi deferido mediante despacho de 05-05-2022 (ref. ª ...83).
Em 26-05-2022 (ref. ª ...70) foi apresentado nos autos aditamento ao relatório de exame psiquiátrico forense, subscrito pelo perito médico, Dr. FF, com prestação de esclarecimentos aos quesitos formulados.
Em 23-09-2022, a ré apresentou requerimento nos autos (ref.ª ...50), com o seguinte teor: «(…) Ré nos autos em referência, em que é Autor (…), vem, muito respeitosamente, nos termos e para os efeitos do n.º 1 do art.º 486.º do CPC, requerer V. Exa. se digne ordenar a notificação dos Senhores Peritos, Dr. FF (INML, especialidade de psiquiatria) e Dr. EE (Assessor Ré, especialidade de psiquiatria).para comparecerem na audiência final, a fim de prestar, sob juramento, os esclarecimentos que lhe sejam pedidos».
Em 09-12-2022, a ré apresentou requerimento nos autos (ref.ª ...63), com o seguinte teor: «(…) Ré nos autos em referência, tendo sido notificada do relatório final da segunda avaliação médico-legal realizada ao Autor (…), e reiterando também o teor do requerimento apresentado a 23.09.2022, ambos ora em referência, vem, muito respeitosamente, nos termos e para os efeitos do n.º 1 do art.º 486.º do CPC, requerer V. Exa. se digne ordenar a notificação dos Senhores Peritos, Dra. DD (INML), Dr. FF (INML, especialidade de psiquiatria) e Dr. EE (Assessor Ré, especialidade de psiquiatria).para comparecerem na audiência final, a fim de prestar, sob juramento, os esclarecimentos que lhe sejam pedidos».
Após, em 16-12-2022, foi proferido despacho (ref. ª citius ...21), com o seguinte teor: «(…) Referencia ...63
Notifique os Exmos. Peritos para comparecerem na audiência de julgamento, a fim de prestarem os pretendidos esclarecimentos orais».
A 1.ª sessão da audiência final teve lugar em 20-04-2023, pelas 09h30m - em conformidade com a ata com a ref.ª ...63, da qual consta o seguinte: «PRESENTES: Todas as pessoas para este acto convocadas, à excepção dos Srs. Peritos, Dr. FF (o qual se encontra impossibilitado de comparecer, devido a se encontrar no Centro de Saúde ... a realizar consultas de Psiquiatria comunitária - informação prestada via telefónica, pelo Sr. GG, funcionário do Gabinete Médico Legal ...) e eng.º HH (que segundo informação dada por um dos intervenientes presentes, este iria chegar atrasado), ambos devidamente notificados e da testemunha II arrolada pelo Autor, não notificada - cfr. Carta devolvida com a ref.ª: ...07»
Na 1.ª sessão da audiência final (de 20-04-2023), o Tribunal a quo começou por ouvir os peritos médicos DD e CC, em sede de «esclarecimentos de peritos médicos», após o que foi proferido o seguinte despacho: «Uma vez que o Sr. Perito médico que realizou e perícia de psiquiatria, está impossibilitado de comparecer no Gabinete Médico Legal ..., devido a se encontrar neste momento no Centro de Saúde ... a realizar consultas de Psiquiatria comunitária, desde já se designa o próximo dia 11 de maio do corrente ano, pelas 14h:00m (data obtida com a anuência dos Ils. Mandatários presentes), para o mesmo prestar os esclarecimentos pretendidos, para a inquirição das testemunhas arroladas, pela Ré e Interveniente Principal e para as alegações orais caso seja possível, ficando desde já sem efeito a continuação da presente audiência da parte da tarde do dia de hoje.
Notifique».
Após, a 1.ª sessão da audiência final de 20-04-2023 prosseguiu com a inquirição das testemunhas arroladas pelo autor, JJ, KK, no decurso do qual compareceu o perito, Eng.º HH, razão pela qual só nessa altura foi ouvido em «esclarecimentos de perito».
Consta do requerimento junto aos autos com a referência citius ...98 (de 09-05-2023), o seguinte: «Boa noite
Recebi a notificação para a comparência no dia 11/05 às 14h00 para intervir como testemunha no processo 1767/19..... No entanto, não posso comparecer porque fui anteriormente notificado para intervir como testemunha no tribunal de ..., de acordo com a notificação em anexo.
Atenciosamente,
BB».
 A segunda sessão da audiência final teve lugar a de 11 de maio de 2023, com a prestação de esclarecimentos do perito médico FF, passando-se depois à inquirição das testemunhas arroladas pelo autor, LL, MM, após o que, pela Il. Mandatária da ré foi solicitada a palavra e, sendo-lhe a mesma concedida, no uso dela, pela mesma foi dito que a testemunha Dr. BB é comum à ré e, não prescinde do seu depoimento, mais requerendo «a alteração da ordem de produção de prova, por forma a que seja de imediato inquirida por videoconferência a testemunha Dr. EE, que se encontra neste momento no Tribunal Judicial ...» - em conformidade com a ata com a ref.ª ...98 - da qual consta ainda, o seguinte:
«(…) De imediato, pela Mm.ª Juiz foi proferido o seguinte:
DESPACHO
Ao abrigo do disposto nos art.ºs 512º e 604º, n.º 8, do C.P.C., defere-se a requerida alteração da ordem de produção de prova, passando a ouvir de seguida a testemunha abaixo mencionada.
Notifique.
(…)
TESTEMUNHAS DA RÉ
2.ª
EE, professor universitário e médico psiquiatra, com domicílio na Rua ..., Unidade de Psiquiatria na Privada de Coimbra, ... Coimbra.
Registo digital da prova (cfr. art.º 155º, n.º 2 do C.P.C.):
Início do depoimento por videoconferência através do Tribunal Judicial ...: CD n.º 1, tempo – 00:00:00.
Termo do depoimento por videoconferência através do do Tribunal Judicial ...: CD n.º 1, tempo – 00:00:59.
***
Na altura em que a sobredita "testemunha" referiu que esteve presente na perícia como assessor técnico e indicado pela Ré (...), a Mm.ª Juiz proferiu o seguinte:
DESPACHO
Visto que a testemunha declarou ter tido intervenção na perícia como assessor técnico e indicado pela Ré, considera o tribunal que o mesmo está impedido de depor como testemunha e nessa medida não se admite a testemunha a depor.
Notifique.
(…)
Após conferência, pela Mm.ª Juiz foi proferiu o seguinte:
DESPACHO
Notifique a Il. Mandatária da Ré para indicar se a testemunha faltosa, médico de profissão se teve algum contacto direto com o Autor, isto é, se o examinou ou se o seu depoimento, al como sucedeu com a testemunha anterior, também médico de profissão, se destina exclusivamente a pôr em causa o juízo cientifico resultante das perícias, caso em que se pondera indeferir o adiamento da inquirição.
Notifique.
(…)
Finda a prolação do despacho, pela Mm.ª Juiz foi perguntado à Il. Mandatária da Ré se já estava habilitada para dar já a resposta ou se precisava de 10 minutos, tendo a mesma declarado que precisava de tempo, uma vez que não era titular do processo (...),tendo-lhe sido concedido pela Mm.ª Juiz como limite para a resposta, o termo da produção da prova.
(…)
Após conferência com a Ilustre Mandatária da Ré, sobre a razão de ciência da testemunha faltosa, Dr. BB, a Il. Mandatária informou não ter condições para prestar essa informação (...).
(…)
Nesta altura a Mª Juiz proferiu o seguinte despacho:
Visto que a ilustre mandatária não está em condições de assegurar ao Tribunal que a pessoa indicada, tenha conhecimento direto dos factos - informação que não poderia ignorar - afigura-se-nos fortemente indiciado que, sob a capa de um pretenso depoimento testemunhal, a ré pretende mais uma vez, à semelhança do que sucedeu com o assessor técnico, usar a prova testemunhal para questionar a bondade das perícias dos autos, o que manifestamente não pode suceder, até porque o nosso sistema jurídico não admite a figura da testemunha-perito. Ora, não estando presente a testemunha, apesar de notificada, antevendo-se a serventia do referido “depoimento”, não se adia a sua inquirição, passando-se de imediato às alegações».
Inconformada com os despachos proferidos em sede de audiência final (de 11-05-2023) que: - não admitiu a testemunha EE a depor; - não admitiu o adiamento da audiência final com vista à inquirição da testemunha BB; deles vem apelar a ré, pugnando no sentido da sua revogação e substituição por outro que ordene a reabertura da audiência de julgamento, para que se produza a prova não admitida.
Termina as respetivas alegações com as seguintes conclusões (que se transcrevem):
«I. Vem o presente recurso interposto dos dois despachos proferidos na sessão de Audiência Final de discussão e julgamento, ocorrida em 11 de maio de 2023, na qual (i) não foi admitido o depoimento de um assessor técnico e, outrossim, (ii) foi recusado o adiamento da diligência, de forma não admitir o depoimento de uma testemunha que apresento justificação par a sua falta.   
II. Entende a Ré aqui Apelante que andou mal o Meritíssimo Tribunal a quo ao considerar que EE estaria impedido de depor como testemunha, o que se demonstra no seguintes termos:
III. Em 27.01.2022 a Ré requereu a intervenção de EE, como assessor técnico em perícia na especialidade de Psiquiatria Forense, conforme requerimento que aqui junto como documento n.º ..., o que foi admitido pelo Tribunal a 31.01.2022 e conforme despacho que ora junto como documento n.º ....  
IV. Em 23.09.2022, a Ré requereu ao Tribunal a notificação dos Senhores Peritos, Dr. FF (INML, especialidade de psiquiatria) e Dr. EE (Assessor Ré, especialidade de psiquiatria) para comparecerem na audiência final, conforme requerimentos ora juntos como documentos n.os ... e ..., o que também foi admitido pelo Tribunal a 16.12.2022, ordenando a sua notificação, por despacho ora junto como documento n.º ....  
V. Nestes termos, demonstra-se que o despacho recorrido (i) o Tribunal parece confundir a figura em que o Sr. Dr. EE intervém no processo - uma vez que este intervém como assessor técnico e não como mera testemunha - e (ii) profere uma decisão que contraria outro despacho já transitado em julgado.
VI. Ora, nos termos do disposto no n.º 3 do art.º 480.º do CPC, não se verificando nenhuma das hipóteses previstas na 2.ª parte desse mesmo preceito legal, a parte tem direito a assistir às perícias médico-legais e fazer-se assistir por intermédio de um assessor técnico.  
VII. Assim, na presente situação e uma vez que legalmente prevista esta possibilidade, a Ré requereu a intervenção do Dr. EE, médico, como seu assessor técnico na perícia a ser realizada na especialidade de psiquiatria - o que foi admitido pelo Meritíssimo Tribunal a quo.    
VIII. O direito da parte de poder socorrer-se de assessor técnico nos exames médico legais constitui manifestação do direito ao contraditório, na vertente a que se lhe refere o n.º 3 do art.º 3.º do CPC, i.e., no direito de a parte, devidamente esclarecida quanto aos aspetos técnicos do concreto exame médico-legal, poder sindicar o modo e resultado da perícia realizada.    
IX. O que se pretende é conceder à parte a possibilidade de fiscalizar a perícia, designando alguém com conhecimentos técnicos bastantes que a auxilie a apurar e interpretar se a perícia foi corretamente realizada e analisar o resultado da mesma.   
X. E, caso não concorde com o modo de realização da perícia ou com o resultado desta, será este técnico que auxiliará a parte a identificar as falhas ocorridas na perícia para que possa ser assegurado o direito ao contraditório.   
XI. Logo, não podemos cingir o papel do assessor técnico à de um mero observador, já que as suas funções vão muito para além de um mero papel passivo, como se alcança da leitura atenta do disposto no n.º 4 do artigo 50.º do CPC ex vi do estatuído no art.º 480.º, n.os 3 e 4 desse mesmo diploma legal.
XII. Deste modo, fará sentido que o assessor técnico que acompanhou uma perícia possa ser ouvido em tribunal: por um lado, pois, naturalmente, por ser aquele que tem os conhecimentos técnicos para demonstrar os motivos de discordância da parte para com a perícia e, por outro, por ter tido conhecimento directo dos factos (i.e, sobre os moldes em que foi realizada a perícia) - diga-se desde já que é prática reiterada dos Tribunais de primeira instância a admissão do depoimento na audiência final dos assessores técnicos.
XIII. Acresce que na lei não há nada que impeça o depoimento de assessor técnico como tal, de modo que deve ser admitida a possibilidade de este prestar esclarecimentos relevantes em juízo para apreciação da perícia que teve oportunidade de acompanhar.
XIV. Sem prescindir, refere-se ainda que duma interpretação sistemática do Código de Processo Civil, poderíamos concluir que deveria ser aplicável aos assessores técnicos o regime dos depoimentos previsto para os peritos, nos termos previstos no art.º 486.º daquele diploma legal.   
XV. Sendo que, o próprio Tribunal a quo equipara o assessor técnico da Ré como perito (cfr. documento n.º ...).  
XVI. Acontece que, ao contrário do perito, que teve a oportunidade de expor o seu entendimento no relatório pericial, o assessor técnico em momento algum teve a oportunidade de expor ao Tribunal o seu entendimento e sendo este aquele capaz de auxiliar a parte na apreciação e análise das questões técnicas, o seu depoimento demonstra-se mais relevante do que o depoimento do próprio perito autor do relatório, sob pena de violação do princípio do contraditório.       
XVII. Ora, sendo este o único capaz de auxiliar a parte - neste caso, a Recorrente - na apreciação e análise das questões técnicas, o seu depoimento, ainda que através de meros esclarecimentos, surge, algum modo, mais relevante do que o depoimento do próprio perito autor do relatório - o qual já teve a oportunidade de expressar a sua opinião, parecer e posição ao Tribunal.
XVIII. Assim, a não admissão do depoimento de um assessor técnico resulta numa evidente violação do princípio do contraditório constitucionalmente consagrado (cfr. art.º 2 da CRP), uma vez que fica a parte impedida de questionar e sindicar a bondade da perícia.     
XIX. Importa também notar que o Meritíssimo Tribunal a quo proferiu o despacho recorrido com a seguinte fundamentação: “Visto que a testemunha declarou ter tido intervenção na perícia como assessor técnico e indicado pela Ré, considera o tribunal que o mesmo está impedido de depor como testemunha e nessa medida não se admite a testemunha a depor." (evidenciados nossos).   
XX. Através dos documentos n.ºs ... a ... ora juntos, verifica-se que a Ré jamais requereu a intervenção do Dr. EE como testemunha.
XXI. O próprio Meritíssimo Tribunal a quo admitiu a intervenção de EE como perito assessor e ordenou a sua notificação para comparência na audiência de julgamento também como assessor (cfr. documentos n.os ... e ...).
XXII. Assim, o Tribunal não pode, em sede de audiência, contrariar decisão anteriormente por si proferida, sob pena de violação do efeito de caso julgado formal (cfr. art.º 620.º do CPC).
XXIII. Face ao exposto, verifica-se que não há fundamento legal para a não admissão do depoimento de EE, devendo o despacho recorrido ser integralmente revogado ordenando-se a reabertura da audiência de julgamento, para que se produza a prova ilegalmente não admitida.
XXIV. No que se refere ao despacho que recusou o adiamento da diligência e, consequentemente, não admitiu o depoimento da testemunha arrolada BB, importa ter em conta o seguinte encadeamento: 
XXV. A Ré arrolou o Dr. BB como testemunha na sua contestação, tendo o rol de testemunhas sido admitido em sede de despacho saneador.   
XXVI. Em 8 de Maio de 2023, a testemunha informou da sua impossibilidade de estar presente na audiência julgamento marcada para o dia 11.05.2023 (cfr. documento n.º ...), por já se encontrar notificado para prestação de depoimento em outro julgamento.   
 XXVII. Sendo que, ao contrário do Autor (que também arrolou esta testemunha), a Ré que não prescindiu da testemunha BB.
XXVIII. A Meritíssima Senhora Juíza de Direito notificou a Ilustre Mandatária da Ré para para indicar sobre “o que é a testemunha faltosa vai responder” (a partir do minuto 00:21:13 e até 00:21:24 do ficheiro de áudio 20230511161537_5675763_2870527). O que, naturalmente, não poderia a saber.
XXIX. Na sequência, a Meritíssima Senhora Juíza de Direito afirma o seguinte (Início tempo: 00:00:00; e termo da: 00:01:15, do ficheiro 20230511163709_5675763_2870527)
00:00:00 Meritíssima Juiz: (…) isso vai ser uma testemunha para a gente chegar aqui e a testemunha não sabe nada, não é? Médico…
(…)
00:00:43 Meritíssima Juiz: Portanto, uma vez que … oh senhora doutora se não tem o tribunal não vai adiar. Vamos então passar à fase das alegações.
00:00:49 Meritíssima Juiz: Faça constar que não estava em condições de prestar a informação.
00:00:52 Meritíssima Juiz: Sr. Dr. NN….
00:00:53 Mandatária da Ré: Eu … (impercetível)
00:00:54 Meritíssima Juiz: Oh Sr. Doutora desculpe-la, mas eu não vou estar a adiar uma testemunha que me diz que é medico e qual eu lhe pergunto se a testemunha tem algum conhecimento direito da matéria …
00:01:00 Mandatária da Ré: … (impercetível)
00:01:01 Meritíssima Juiz: … já tivemos aqui uma testemunha. Sra. Dra. não vou entrar em …
00:01:03 Mandatária da Ré: Sra. Doutora vai mês desculpar, mas não…
00:01:03 Meritíssima Juiz: Não vou entrar em … Sr. Dr. tem a palavra para alegações.
Shiuuuu! Não vou entrar nesse debate consigo. (…)
XXX. Verifica-se, dos trechos acima transcritos que, para além da forma, cremos, desadequada de tratamento da Ilustre Mandatária da Ré, a decisão de não adiar a diligência veio impossibilitar o depoimento da testemunha arrolada pela Ré, é ilegal.
XXXI. Prevê o art.º 508.º, n.º 3, alínea b) do CPC que, em caso de falta justificada de alguma das testemunhas, deverá ser adiada a inquirição pelo prazo que se afigure indispensável - o que, apesar de requerido, nem sequer foi ponderado pelo Meritíssimo Tribunal a quo.
XXXII. O Tribunal parece ter decidido com base num juízo pré-concebido quando afirma que: “00:00:00 Meritíssima Juiz: “(…) isso vai ser uma testemunha para a gente chegar aqui e a testemunha não sabe nada, não é? Médico…”         
XXXIII. Sendo certo que no despacho recorrido, o qual não foi proferido em sede de audiência de discussão e julgamento - conforme resulta patente das presentes transcrições -, pelo que a acta da audiência de julgamento do dia 11.05.2023, na verdade, não reproduz fielmente o que efectivamente aí ocorreu, ao afirmar que: “Visto que a ilustre mandatária não está em condições de assegurar ao Tribunal que a pessoa indicada, tenha conhecimento direto dos factos - informação que não poderia ignorar - afigura-se-nos fortemente indiciado que, sob a capa de um pretenso depoimento testemunhal, a ré pretende mais uma vez, à semelhança do que sucedeu com o assessor técnico, usar a prova testemunhal para questionar a bondade das perícias dos autos, o que manifestamente não pode suceder, até porque o nosso sistema jurídico não admite a figura da testemunha-perito. Ora, não estando presente a testemunha, apesar de notificada, antevendo-se a serventia do referido “depoimento”, não se adia a sua inquirição, passando-se de imediato às alegações.”    
 XXXIV. Ora, por um lado afirma a Meritíssima Senhora Juíza de Direito que a Ilustre Mandatária da Ré não prestou os esclarecimentos solicitados, mas, por sua vez, afirma que existem indícios fortes de que a Ré pretende, através do depoimento testemunhal, pôr em causa a bondade da perícia dos autos.     
XXXV. Sucede, que não pode o Meritíssimo Tribunal a quo exigir ou determinar que a Ilustre Mandatária da Ré descreva os factos sobre os quais o depoimento irá recair e nem obrigar a mesma a informar antecipadamente a razão de ciência do depoimento, o qual apenas poderá ser aferido no decorrer e em função da prestação do mesmo.
XXXVI. Acresce, que a razão de ciência é um elemento que o julgador deve tomar em consideração na apreciação do depoimento, contudo, a sua falta não invalida ou impede a realização do depoimento de uma testemunha.
XXXVII. Note-se que não há na lei processual civil qualquer norma que exija a demonstração da razão de ciência de uma testemunha como pressuposto para a admissão de seu depoimento; pelo contrário, o Código de Processo Civil refere-se precisamente ao conceito “razão de ciência” no n.º 1 do art.º 516.º, que contem a epígrafe Regime do depoimento.
XXXVIII. O que demonstra que a razão de ciência apenas poderá ser indicada pela própria testemunha, o que acontece no momento da prestação do seu depoimento.
XXXIX. Ao acima mencionado, acresce o facto de estar junto aos autos um documento assinado pelo Dr. BB - vide documento n.º ... junto com a contestação - no qual se comprova que o mesmo teve conhecimento directo dos factos controvertidos nos autos, porquanto, examinou presencialmente o Autor no dia 19.09.2016 - facto que o Meritíssimo Tribunal a quo não poderia ignorar -, tendo examinado o Autor logo após o sinistro ocorrido em 10 de Julho de 2016.
XL. Independente do supra referido, com o devido respeito e salvo melhor opinião, não se compreende o entendimento do Meritíssimo Tribunal a quo ao afirmar que não se pode pôr em causa a prova pericial através da prova testemunhal.
XLI. Nos termos do artigo 389.º do Código Civil, a força probatória da perícia é livremente apreciada pelo tribunal, sendo certo que apenas pode ser objeto de perícia factos que exijam conhecimentos especiais, conforme estabelece o artigo 388.º do Código Civil.
XLII. Assim, a única forma de poder questionar uma perícia é demonstrar ao julgador que a posição defendida está equivocada ou não é totalmente acertada - o que, naturalmente, apenas ou quase sempre somente poderá ter lugar com o auxílio de alguém que possua os mesmos conhecimentos técnicos do perito.
XLIII. Importa frisar, que assim como existem discussões doutrinárias entre aqueles que possuem conhecimentos especiais na ciência jurídica, também existem discussões no tocante a outras matérias de conhecimento técnico, como é o caso da medicina.
XLIV. Deste modo, ao impedir o questionamento da bondade da perícia, estará o Meritíssimo Tribunal a quo a inviabilizar o legítimo contraditório da parte e a impedir que sejam demonstrados os equívocos ou as falhas no entendimento do perito - o que prejudica decididamente a descoberta da verdade material.
XLV. Portanto, ainda que o Meritíssimo Tribunal a quo possa considerar que a testemunha BB é uma “testemunha perito”, certo é que não há qualquer norma que impeça o depoimento deste tipo de testemunhas - aliás, a prática jurisprudencial corrente defende a admissão dessa figura, principalmente quando estão em causa factos de natureza técnica, que escapam ao conhecimento comum, como acontece no caso sub judicie.
XLVI. Diga-se ainda, que prevê o art.º 392.º do Código Civil que “[a] prova por testemunhas é admitida em todos os casos em que não seja directa ou indirectamente afastada”.
XLVII. Nesta senda, vide o douto acórdão deste Venerando Tribunal da Relação de Guimarães de 16.02.2017 (proc. n.º 1546/15.1T8VCT.G1), onde ser afirma que “[s]endo a prova pericial livremente apreciada pelo julgador, pode o mesmo afastar-se dos respectivos resultados, desde que o faça de forma fundada na demais prova produzida, nomeadamente em depoimentos que demonstrem ter existido erro nos pressupostos de facto considerados pelo perito, e no depoimento de testemunha com idêntica habilitação técnico-profissional.
(…)
Por fim, dir-se-á que nesta apreciação poderá assumir especial relevo aquela a quem a doutrina apelou de «testemunha perito», admitindo inclusivamente a «autonomização ou institucionalização doutrinária da nova figura». Trata-se de pessoa que reúne em si a dupla qualidade de testemunha e de potencial perito, havendo «toda a vantagem para a boa administração da justiça no aproveitamento da dupla colaboração que elas podem prestar (baseada, por um lado, na sua posição especial perante a situação concreta; fundada, por outro, nos conhecimentos especiais que os julgadores não possuem)».” (evidenciado nossos).
LVIII. O aresto supra citado andou bem em sua análise e conclusão, afirmando que devem as partes poder pôr em causa a perícia, entendendo que a única forma possível de o fazer será através de depoimentos de pessoas com idêntica habilitação técnico-profissional - depoimentos estes que inclusive trazem toda a vantagem para a boa administração da justiça no aproveitamento da dupla colaboração que elas podem prestar - devendo o mesmo raciocínio ser utilizado na apreciação sobre a admissibilidade do depoimento de assessor técnico.
XLIX. Assim, inexiste fundamento para a não admissão da testemunha BB, o qual justificou a sua falta, pelo que deve este Venerando Tribunal ad quem revogar o despacho recorrido, admitindo o depoimento daquela testemunha e ordenar a repetição da audiência de julgamento para essa prestação.
L. Por fim, diga-se ainda, que o Tribunal já havia admitido o depoimento da testemunha e não estando em causa nenhuma inabilidade para depor nos termos dos artigos 495.º a 497.º do CPC, não poderá o Tribunal voltar atras na decisão sob pena de violação do efeito de caso julgado formal (cfr. artigo 620.º do CPC).
LI. Face ao exposto, novamente, deverá o despacho recorrido ser integralmente revogado, sendo admitido o depoimento do Dr. BB, enquanto testemunha arrolada pela Ré, ordenando-se que o Meritíssimo Tribunal a quo reabra a instrução, para que se produza a prova ilegalmente não admitida.
LII. Violou, assim, o Meritíssimo Tribunal a quo o disposto do art.ºs 3.º, 50.º, 480.º, 486.º, 508.º, 620.º e 616.º todos do CPC, bem como os art.ºs 388.º, 389.º e 392.º do Código Civil e, ainda, o art.º 2.º da CRP.
LIII. Posto tudo isto, deverá ser ordenada a continuação do julgamento, ouvindo-se o perito assessor Dr. EE, bem como a testemunha Dr. BB.
LIV. E, consequentemente, deverá igualmente ser declarada a nulidade da sentença, entretanto, apressadamente, proferida, por preterição do princípio do contraditório e violação do caso julgado formal (cfr., entre outros, os art.ºs 615.º, n.º 1, alínea d) e 620.º do CPC).
Termos em que, sempre com o douto suprimento de vossas excelências, deverá ser concedido integral provimento ao recurso de apelação ora interposto, e revogados os despachos recorridos, nos termos supra expendidos, assim se fazendo, tão-somente, a habitual e sã JUSTIÇA.
Não foram apresentadas contra-alegações.
Por despacho proferido em 1.ª instância, de 11-10-2023, foi o recurso admitido com subida imediata, nos próprios autos.
Os autos foram remetidos a este Tribunal da Relação, alterando-se o modo de subida do recurso e determinando-se que a presente apelação subisse em separado, com efeito meramente devolutivo, dando-se cumprimento ao disposto no artigo 653.º, n.º 2 do CPC.

II. Delimitação do objeto do recurso

Face às conclusões das alegações da recorrente e sem prejuízo do que seja de conhecimento oficioso - cf. artigos 608.º, n.º 2, 635.º, n.º 4 e 639.º, n.º 1 do Código de Processo Civil (CPC) -, o objeto do presente recurso circunscreve-se a aferir se o Tribunal recorrido, ao proferir os despachos proferidos em sede de audiência final (de 11-05-2023) que: - não admitiu a testemunha EE a depor; - não admitiu o adiamento da audiência final com vista à inquirição da testemunha BB; violou o caso julgado formal inerente aos despachos oportunamente proferidos a 16-12-2022 (ref.ª citius ...21) e de 20-09-2019, com a ref. ª ...33, respetivamente.
Corridos os vistos, cumpre decidir.

III. Fundamentação

1. Os factos
1.1. Os factos, as ocorrências ou incidências processuais a considerar na decisão deste recurso são as que já constam do relatório enunciado em I supra, que se dão aqui por integralmente reproduzidas, por estarem devidamente documentadas nos autos.

2. Apreciação sobre o objeto do recurso
A recorrente insurge-se contra os despachos proferidos em sede de audiência final (de 11-05-2023) que: - não admitiu a testemunha EE a depor; - não admitiu o adiamento da audiência final com vista à inquirição da testemunha BB.
Analisando as questões submetidas à apreciação na presente apelação importa ter presente que a decisão de não admitir o depoimento da testemunha EE, proferida em audiência final, teve como fundamento a declaração por este prestada no interrogatório preliminar em que dá conta de ter tido intervenção na perícia como assessor técnico indicado pela ré, entendendo o tribunal recorrido que, por tais motivos, o referido interveniente está impedido de depor como testemunha.
Em sede de recurso, a recorrente/ré parece não pôr em causa o impedimento do referido interveniente para depor como testemunha, em face das funções de assessor técnico em que foi investido para intervir na realização do exame médico (intercalar) na especialidade de psiquiatria forense, como assessor técnico da ré - cf. o despacho datado de 31-01-2022 (ref. ª ...58). Contudo, sustenta a apelante que o Tribunal recorrido parece confundir a figura em que o Sr. Dr. EE intervém no processo - uma vez que este intervém como assessor técnico e não como mera testemunha -, proferindo uma decisão que contraria outro despacho já transitado em julgado pois, segundo alega, aquele Tribunal admitiu a intervenção de EE como perito assessor e ordenou a sua notificação para comparência na audiência de julgamento também como assessor.
Nos termos do artigo 580.º, n.º 2 do CPC, a exceção do caso julgado tem por fim evitar que o tribunal seja colocado na alternativa de contradizer ou de reproduzir uma decisão anterior.
Assim, o caso julgado «é a insusceptibilidade de impugnação de uma decisão (despacho, sentença ou acórdão) decorrente do seu trânsito em julgado (…)», traduzindo-se «na inadmissibilidade da substituição ou modificação por qualquer tribunal (incluindo aquele que a proferiu) em consequência da insusceptibilidade da sua impugnação por reclamação ou recurso ordinário. O caso julgado torna indiscutível o resultado da aplicação do direito ao caso concreto (…)»[1].
Deste modo, a relação material controvertida tem força obrigatória dentro do processo e fora dele logo que transitada em julgado, nos termos fixados nos artigos 580.º e 581.º do CPC.
Nos termos do disposto no artigo 628.º do CPC, a decisão considera-se transitada em julgado logo que não seja suscetível de recurso ordinário ou de reclamação.
Contudo, as sentenças e os despachos que recaiam unicamente sobre a relação processual têm força obrigatória dentro do processo, conforme decorre do disposto no artigo 620.º, n.º 1 do CPC, do que resulta que os despachos que incidam sobre a relação processual e que se mostrem transitados em julgado, têm força obrigatória dentro do processo, impedindo o tribunal de apreciar novamente tal questão.
Se tal suceder, cumpre-se a que passou em julgado em primeiro lugar, tal como decorre do disposto no artigo 625.º, n.º 2 do CPC, que manda aplicar às sentenças e aos despachos que versem sobre questões processuais a cominação prevista no n.º 1 do mesmo preceito para as decisões de mérito.
Tal como referem José Lebre de Freitas/Isabel Alexandre[2], a propósito das sentenças e dos despachos previstos no citado artigo 620.º, n.º 1 do CPC, os mesmos «limitam, uma vez transitados em julgado (art. 628), a sua força obrigatória ao processo, sendo nele inadmissível - e, por isso ineficaz (art. 625-2) - decisão posterior sobre a mesma questão que delas tenha sido objecto».
Como vimos, no domínio do direito processual civil impera o princípio da intangibilidade do caso julgado, sendo que a força vinculativa do caso julgado «só pode ser afastada nos casos excecionais em que a imposição do caso julgado acarreta uma compressão intolerável, ou excessiva, de direitos com particular proteção constitucional e em que, constatado determinado circunstancialismo e ante o preceituado no art. 18º, nº 2 da CRP, o próprio legislador ordinário previu a possibilidade de não vigorar o princípio da intangibilidade do caso julgado, tal como acontece nos casos de admissão do recurso extraordinário de revisão previsto no art. 696º do CPC.
(…)
É que se assim não fosse, estar-se-ia a permitir que uma decisão posterior pudesse contrariar o sentido de uma decisão anterior ou repetir o conteúdo de uma outra decisão anterior, com manifesto prejuízo para a certeza e segurança das relações jurídicas»[3].
Por outro lado, «[a]purar do desrespeito do caso julgado duma decisão impõe se aprecie do respectivo objecto - a contraditoriedade entre decisões, traduzindo um desrespeito da decisão posterior pela decisão anterior, supõe (pressuposto nuclear necessário) que tenham por objecto a mesma questão (a identidade de objectos), pois que os efeitos processuais do trânsito em julgado, aportando valor de imutabilidade ao decidido, circunscrevem-se a esse objecto (a proibição de reapreciação e a vinculação ao apreciado reportam-se à questão já decidida, protegendo a continuidade na emissão dos seus efeitos jurídicos)»[4].
No caso, decorre dos autos que a ré, em 23-09-2022, apresentou requerimento (ref.ª ...50), com o seguinte teor: «(…) Ré nos autos em referência, em que é Autor (…), vem, muito respeitosamente, nos termos e para os efeitos do n.º 1 do art.º 486.º do CPC, requerer V. Exa. se digne ordenar a notificação dos Senhores Peritos, Dr. FF (INML, especialidade de psiquiatria) e Dr. EE (Assessor Ré, especialidade de psiquiatria).para comparecerem na audiência final, a fim de prestar, sob juramento, os esclarecimentos que lhe sejam pedidos».
Em 09-12-2022, a ré apresentou requerimento nos autos (ref.ª ...63), com o seguinte teor: «(…) Ré nos autos em referência, tendo sido notificada do relatório final da segunda avaliação médico-legal realizada ao Autor (…), e reiterando também o teor do requerimento apresentado a 23.09.2022, ambos ora em referência, vem, muito respeitosamente, nos termos e para os efeitos do n.º 1 do art.º 486.º do CPC, requerer V. Exa. se digne ordenar a notificação dos Senhores Peritos, Dra. DD (INML), Dr. FF (INML, especialidade de psiquiatria) e Dr. EE (Assessor Ré, especialidade de psiquiatria).para comparecerem na audiência final, a fim de prestar, sob juramento, os esclarecimentos que lhe sejam pedidos».
Mais se verifica que, em 16-12-2022, foi proferido despacho (ref.ª citius ...21), com o seguinte teor: «(…) Referencia ...63
Notifique os Exmos. Peritos para comparecerem na audiência de julgamento, a fim de prestarem os pretendidos esclarecimentos orais».
Neste enquadramento, cumpre concluir que o despacho que determinou a notificação dos Exmos. Peritos para comparecerem na audiência de julgamento, a fim de prestarem os pretendidos esclarecimentos orais, configura, indiscutivelmente, uma decisão sobre uma questão concreta da relação processual.
Sucede que tal despacho apenas faz referência expressa a peritos, o que não permite estender de forma inequívoca os efeitos do juízo positivo formulado em tal decisão também ao assessor técnico designado pela ré.
Note-se que o mesmo despacho remete expressamente para o requerimento ref. ª ...63, no qual a ré alude aos Peritos, Dra. DD (INML), Dr. FF (INML, especialidade de psiquiatria) e ao Assessor Ré, especialidade de psiquiatria, Dr. EE.

Ora, em termos formais, o assessor técnico, designado pela(s) parte(s), não desempenha no processo as funções de perito, tanto mais que no artigo 480.º do CPC, norma que institui um direito das partes de fiscalizarem a perícia, assistindo e/ou fazendo-se assistir por assessor técnico, não prevê a possibilidade de as partes dirigirem a este as observações que entendam, contrariamente ao que sucede relativamente ao(s) perito(s), nos seguintes termos:

Artigo 480.º
Atos de inspeção por parte dos peritos
1 - Definido o objeto da perícia, procedem os peritos à inspeção e averiguações necessárias à elaboração do relatório pericial.
2 - O juiz assiste à inspeção sempre que o considere necessário.
3 - As partes podem assistir à diligência e fazer-se assistir por assessor técnico, nos termos previstos no artigo 50.º, salvo se a perícia for suscetível de ofender o pudor ou implicar quebra de qualquer sigilo que o tribunal entenda merecer proteção.
4 – As partes podem fazer ao perito as observações que entendam e devem prestar os esclarecimentos que o perito julgue necessários; se o juiz estiver presente, podem também requerer o que entendam conveniente em relação ao objeto da diligência.

O mesmo sucede com a possibilidade de reclamações contra o relatório pericial, em que, se forem atendidas, o juiz ordena que o perito complete, esclareça ou fundamente, por escrito, o relatório apresentado (artigo 485.º, n.º 3 do CPC), e com os pedidos de esclarecimentos formulados pelas partes  ou ordenados pelo juiz, caso em que os peritos comparecem na audiência final, a fim de prestarem, sob juramento, os esclarecimentos solicitados (artigo 486.º, n.º 1 do CPC), os quais têm lugar imediatamente, antes da inquirição das testemunhas (artigo 604.º, n.º 3 do CPC).
Compreende-se que assim seja, porquanto, em relação aos pedidos de esclarecimentos previstos no artigo 486.º do CPC, «[t]rata-se, fundamentalmente, de precisar as conclusões do relatório, justificá-las e compreender as eventuais divergências entre os peritos, de modo a proporcionar o máximo de elementos para a formação da convicção judicial»[5].
Com efeito, prevê o artigo 50.º, n.º 4 do CPC que, em relação às questões para que tenha sido designado, o técnico tem os mesmos direitos e deveres que o advogado, mas deve prestar o seu concurso sob a direção deste e não pode produzir alegações orais.
Deste modo, «[a]ssim como ao juiz é legítimo requisitar ou designar um técnico, nos termos dos arts. 492º (inspeção judicial) e 601º (audiência final), também o advogado pode fazer-se acompanhar de pessoa tecnicamente qualificada na fase de produção da prova e na audiência final quando a matéria em causa o justificar. Faculdade que, uma vez acionada, deve ser notificada à parte contrária, em obediência ao princípio do contraditório.
(…) O assistente técnico desempenhará a sua função naturalmente na orla do advogado da parte, sem que lhe seja legítimo produzir alegações orais»[6].
Conforme já concluía o Prof. Alberto dos Reis[7], em anotação ao artigo 43.º do CPC de 1939 - norma em tudo idêntica ao atual artigo 50.º do CPC, com exceção do segmento final do seu n.º 4, entretanto acrescentado, no sentido de o assessor técnico indicado pelas partes não poder produzir alegações orais -, «o técnico funciona, não como um perito, semelhante àqueles a que se referem os artigos 586.º e seguintes, mas como um mandatário (…) e a base do mandato é a confiança do mandante».
Como tal, não se revela possível estender os efeitos do juízo positivo formulado no despacho proferido a 16-12-2022 (ref. ª citius ...21) ao assessor técnico designado pela ré, sendo certo que esta última também não interpôs recurso de tal despacho, assim ficando precludida a possibilidade da sua reapreciação.
Aliás, em sede de audiência final o Tribunal a quo começou por ouvir em esclarecimentos os peritos médicos DD e CC, em conformidade com a ordem prevista no artigo 604.º, n.º 3 do CPC, passando depois à inquirição das testemunhas arroladas - apenas não o tendo feito também em relação ao perito, Eng.º HH e ao perito médico, FF, devido à impossibilidade de comparência imediata destes últimos, conforme decorre das respetivas atas -, sem que a ré tenha reagido quanto à não inclusão do assessor técnico por si indicado - Dr. EE - no âmbito  dos esclarecimentos verbais dos peritos que tiveram lugar em audiência final. Mais se constata que a ora apelante ali requereu a alteração da ordem de produção de prova, por forma a que aquele fosse inquirido, enquanto testemunha, por videoconferência e de imediato, tudo em conformidade com a ata com a ref. ª ....
Por todo o exposto, importa concluir que o despacho em análise não colide com o princípio do contraditório concretamente invocado pela recorrente em sede de apelação.
Improcedem, assim, nesta parte, as conclusões da apelação, não havendo razões para revogar ou alterar a decisão que não admitiu o depoimento, enquanto testemunha, de EE, assessor técnico indicado pela ré.
O despacho que rejeitou o adiamento da audiência para inquirição da testemunha BB, não obstante a justificação apresentada por esta, baseou-se num juízo prévio quanto à falta de pertinência de tal meio de prova, por ter o Tribunal a quo entendido que a parte que a arrolou não esclareceu previamente se a testemunha em causa teve algum contacto direto com o autor, isto é, se o examinou ou se o seu depoimento se destina a pôr em causa o juízo científico resultante das perícias, depreendendo-se da fundamentação da decisão recorrida que cabia à parte indicar previamente a razão de ciência e as demais circunstâncias que permitissem justificar o respetivo conhecimento, sem o que se considerou fortemente indiciada a intenção da ré usar a prova testemunhal para questionar a bondade das perícias dos autos, assim inquinando a admissibilidade do depoimento da referida testemunha.
Porém, quanto a esta decisão, entendemos que o Tribunal a quo estava efetivamente impedido de apreciar novamente a questão da admissão de tal testemunha/meio de prova, por força da verificação do caso julgado formal, nos termos aplicáveis do disposto no artigo 620.º, n.º 1 do CPC.
Assim, o despacho que admitiu os requerimentos probatórios apresentados pelas partes nos articulados (despacho de 20-09-2019, com a ref. ª ...33) engloba o rol de testemunhas apresentado pela ré no final da contestação - do qual consta a testemunha em causa «(…) 5. Dr. BB, médico, com domicílio profissional sito na Rua ..., ..., ... Lisboa, com prática profissional no ..., a notificar e a ouvir por videoconferência (cfr. art.os 502.º, n.º 1, “2.ª parte” e 507.º, n.º 2, “2.ª parte”, ambos do CPC) na Unidade Central Cível do Tribunal Judicial ..., por ser essa a área em que actua profissionalmente com regularidade» - configurando, indiscutivelmente, uma decisão sobre uma questão concreta da relação processual.
Por outro lado, trata-se de decisão imediata e autonomamente recorrível, nos termos do disposto no artigo 644.º, n.º 2, al. d) do CPC e não foi impugnada por qualquer das partes em momento subsequente à sua prolação.
Em qualquer caso, o regime legal em vigor prevê de forma clara e inequívoca que é à testemunha (e não à parte que indica a testemunha) que cabe indicar a razão de ciência e quaisquer circunstâncias que possam justificar o conhecimento, o que deve acontecer no âmbito do respetivo depoimento e depois do juramento e interrogatório preliminar, tal como decorre designadamente do disposto nos artigos 513.º e 516.º do CPC.
Por outro lado, não estão em causa factos sujeitos a prova vinculada, vigorando o princípio da livre apreciação das provas quanto às respostas dos peritos em sede de prova pericial, o mesmo sucedendo quanto aos depoimentos das testemunhas, tudo em conformidade com o disposto nos artigos 341.º, 388.º, 389.º e 396.º do Código Civil (CC).
Ademais, nos termos previstos no artigo 392.º do CC, a prova por testemunhas é admitida em todos os casos em que não seja direta ou indiretamente afastada, não existindo fundamento legal para a decisão de não admitir o adiamento da audiência final com vista à inquirição da testemunha BB.
Procedem, assim, nesta parte, as conclusões da apelação, impondo-se a revogação da decisão recorrida para que seja proferido novo despacho que designe nova data para inquirição da testemunha BB, em face da justificação apresentada por esta, com a tramitação subsequente que se revele necessária.
 Tal implicará a reabertura da audiência final tendo em vista a concretização de tal meio de prova, sem prejuízo da eventual anulação de atos processuais que se mostrem absolutamente incompatíveis com a realização da diligência probatória agora admitida, incluindo a sentença final entretanto proferida.
Tal como resulta da regra enunciada no artigo 527.º, n.º 1, do CPC, a responsabilidade por custas assenta num critério de causalidade, segundo o qual, as custas devem ser suportadas, em regra, pela parte que a elas houver dado causa ou, não havendo vencimento, pela parte que tirou proveito do processo. Neste domínio, esclarece o n.º 2 do citado preceito, entende-se que dá causa às custas a parte vencida, na proporção em que o for. 
No caso em apreciação, como a apelação foi julgada parcialmente procedente, ambas as partes ficaram parcialmente vencidas no recurso, pelo que devem as mesmas ser responsabilizadas pelo pagamento das custas do recurso, na proporção de metade.
*
IV. Decisão

Pelo exposto, acordam os Juízes deste Tribunal da Relação em julgar parcialmente procedente a apelação e, em consequência:

A) revogam a decisão proferida em sede de audiência final (de 11-05-2023), que não admitiu o adiamento da audiência final com vista à inquirição da testemunha BB, devendo ser proferido novo despacho que designe nova data para inquirição desta testemunha, em face da justificação apresentada por esta, com a tramitação subsequente que se revele necessária, nos termos antes explicitados;
B) confirmam a decisão proferida em sede de audiência final (de 11-05-2023), que não admitiu o depoimento de EE, assessor técnico indicado pela ré.
Comunique o teor da presente decisão ao processo em referência.
Guimarães, 11 de janeiro de 2024
(Acórdão assinado digitalmente)

Paulo Reis (Juiz Desembargador - relator)
Ana Cristina Duarte (Juíza Desembargadora - 1.º adjunto)
António Figueiredo de Almeida (Juiz Desembargador - 2.º adjunto)



[1] Cf. Miguel Teixeira de Sousa, Estudos Sobre o Novo Processo Civil, 2.ª edição, LEX, Lisboa, 1997, p. 567.
[2]  Cf. Lebre de Freitas/Isabel Alexandre, Código de Processo Civil Anotado, Vol. 2.º, 3.ª edição, Coimbra, Almedina, p. 753.
[3] Cf. o Ac. do STJ de 07-03-2019 (relatora: Maria Rosa Oliveira Tching), p. 749/17.9T8GRD.C1. S1, disponível em www.dgsi.pt.
[4] Cf. Ac.  TRG de 18-03-2021 (relator: Ramos Lopes), p. 381/08.8TBPTL-I. G1, acessível em www.dgsi.pt.
[5] Cf. Lebre de Freitas/Isabel Alexandre - obra citada, p. 341.
[6] Cf. Abrantes Geraldes, Paulo Pimenta, Luís Filipe Pires de Sousa, Código de Processo Civil Anotado, Vol. I, Coimbra, Almedina, 2018, p. 83.
[7] Cf. Prof. Alberto dos Reis, Código de Processo Civil anotado, Vol. I - 3.ª edição - Reimpressão - 2.º, Coimbra-Editora 1982, p. 507-508.