REGISTO PREDIAL
PROCESSO DE RETIFICAÇÃO
RECURSO HIERÁRQUICO
IMPUGNAÇÃO JUDICIAL
Sumário


I. No âmbito processo de retificação de registo predial, a decisão sobre o pedido de retificação pode ser impugnada mediante interposição de recurso hierárquico para o conselho diretivo do Instituto dos Registos e do Notariado, I.P., ou mediante impugnação judicial para o tribunal da comarca da área da circunscrição a que pertence o serviço de registo, nos termos dos números seguintes ( art.º 130º n.º 1 do CRPredial)
II. Caso se opte pela dedução de recurso hierárquico e o mesmo seja julgado improcedente o interessado pode ainda impugnar judicialmente a decisão sobre o pedido de retificação, ou seja, apenas é possível impugnar a decisão do conservador e não a decisão do IRN sobre o recurso hierárquico. ( art.º 131º C n.º 1 do CRPredial).
III. Muito o n.º 1 do art.º 131º C apenas se refira ao caso de o recurso hierárquico sido julgado improcedente, deve ser interpretada no sentido de abranger, por interpretação extensiva, todas as decisões que ponham termo ao procedimento, seja uma decisão de indeferimento liminar (porque o pedido é manifestamente improcedente ou porque ocorrem, de forma evidente, exceções dilatórias insupríveis de conhecimento oficioso), seja uma decisão final que conheça do mérito.
IV. Tendo a impugnação judicial por objecto a decisão do IRN, a mesma deve ser rejeitada por não ser legalmente admissível.

Texto Integral


Recorrente: AA

ACORDAM OS JUÍZES DA 1ª SECÇÃO CÍVEL DO TRIBUNAL DA RELAÇÃO DE GUIMARÃES

1. Relatório

Sobre o prédio descrito na ficha n.º ...89 da Freguesia ..., concelho ... incidiu a seguinte sequência de registos:

- Penhora – Ap. ...83 de 2017/11/23 - Exequente AA; Quantia exequenda: € 9.721,86; Processo n.º 1788/17.... - Tribunal Judicial ... - Chaves - Juízo de Execução.
- Penhora – Ap. ...73 de 2018/01/19 – Exequente BB; Quantia exequenda: € 34.624,97; Processo n.º 420/08.... - Tribunal Judicial da Comarca ... - Juízo do Trabalho ... - Juiz ....
- Penhora – Ap. ...39 de 2018/05/18 - Exequente: AA; Quantia exequenda: € 73.291.03 – Ampliação da inscrição F-1 (Processo n.º 1788/17.... - ... - Chaves - Juízo de Execução.

A 10/12/2018, no processo 420/08.... – Oposição à penhora, foi proferido o seguinte despacho:

“Analisada a certidão que antecede verifica-se que assiste razão à aqui requerente no sentido de que estando registada, sobre o bem imóvel em apreço, penhora anterior referente aos autos com o n.º 1788/17.... cumpre determinar a sustação da execução no que àquele bem diz respeito nos termos do art.º 794º do CPC.
Uma vez que este bem constitui o único objecto da presente oposição à penhora e face ao acima decidido, entende-se que estamos perante a inutilidade superveniente da prseente lide, pelo que ao abrigo do disposto no art. 277º al. e) do C.P.C. se determina a extinção da respectiva instância.
Fixa-se à presente lide o valor de € 34.624,97.
Custas pelo requerido sem prejuízo do beneficio do apoio judiciário
Registe e notifique”

A 25/01/2019 e no âmbito do processo 420/08.... – Execução para pagamento de quantia certa, a secretaria do J ... do Juízo de Trabalho ... - Tribunal Judicial da Comarca ... – endereçou à Conservatória do Registo Predial ... o oficio com a ref.ª ...42 e “Assunto: Cancelamento do registo e levantamento da penhora – Imóvel – Ap. ...73, de 19.01.2018”, com o seguinte teor:
“Junto tenho a honra de enviar a V.ª Ex.ª certidão extraída dos autos supra identificados, para efeitos de cancelamento do registo e levantamento da penhora, nos termos do art.º 755º do CPC.
Mais se informa que a decisão foi proferida em 10.12.2018. que, devidamente notificada, transitou em julgado em 17.01.2019.”

A Conservatória do Registo Predial ... procedeu ao cancelamento do registo da penhora inscrita pela Ap. ...73 de 2018/01/19.
           
A 25/02/2019 e no âmbito do processo 420/08.... – Execução de sentença foi aberta conclusão: “ com informação a V.ª Exª que, por lapso, foi levantada a penhora do prédio urbano inscrito na matriz sob o art.º ...27, da Conservatória do Registo Predial ..., sob o n.º ...89... ..., quando na verdade, a mesma deveria manter-se, pelo que requer a Vª Exª ordene o que tiver por conveniente, mais se requerendo se releve o referido lapso.”

E foi proferido o seguinte despacho:

“Atento o acima consignado determina-se que seja de imediato reposta a penhora ordenada nos autos a qual deverá, de acordo com o despacho proferido no âmbito dos autos de oposição á penhora – apenso D) – refª ...11 – ficar sustada em face da existência de penhora anterior, relevando-se o lapso cometido.”

Na sequência do referido facto, sob a ap. ...90 de 2019/02/27, foi inscrita Penhora – Exequente: BB; Quantia exequenda: € 21.235,02;  Processo n° 420/08.... – Tribunal Judicial da Comarca ... – Juiz de ... – J ....
 
A 26/04/2019, no âmbito do processo 420/08.... – Execução de sentença foi proferido o seguinte despacho:

“ O lapso da secretaria já apreciado no despacho de fls. 367 determinou, nessa mesma decisão que se ordenasse a imediata reposição da penhora anterior, o que como é bom de ver não determinará nova penhora mas antes a reposição da penhora original de forma a não prejudicar a parte pelo lapso de que não é responsável.
Assim, com cópia do despacho – refª ...75 – e do presente diligencie-se junto da competente Conservatória do Registo predial para que se proceda em conformidade.”

Na sequência do referido despacho, a 29/04/2019 a secretaria do J ... do Juízo de Trabalho ... - Tribunal Judicial da Comarca ... remeteu à Conservatória do Registo Predial ..., o oficio com a referência ...86, tendo por “Assunto” “Pedido de reposição do registo de penhora” e que tem o seguinte teor:
“Conforme despachos que seguem em anexo, solicita-se a Vª Exª a reposição do registo de penhora original de forma a não prejudicar a parte pelo lapso de que não é responsável, ou seja, deve ser reposta a situação previstas com a A. 3173, de 2018/01/19, por vez da A. 3390, de 2019/02/27.
(…)”

A ...3/5/20195 a Sra. Conservadora em substituição ordenou que o oficio recebido, com os documentos que o acompanhavam, fosse autuado como processo de retificação nos termos do artigo 120º e seguintes do Código do Registo Predial.

A ...3/10/2019 a Sra. Conservadora exarou despacho com o seguinte teor:
“ O Tribunal Judicial da Comarca ... - Juízo de Trabalho ... - Juiz ..., remeteu a esta conservatória despacho proferido no processo n.º 420/08.... acompanhado de ofício do oficial de justiça, na qualidade de agente de execução o qual foi configurado como pedido de retificação e apresentado como tal sobre o prédio n.º ...17 da Freguesia ..., concelho ....
(…)
Verifica-se (…) que no âmbito deste último processo de execução 420/08...., esteve registada penhora pela Ap. ...73 de 2018/01/19, na qual é exequente BB, a qual foi cancelada pela ap. ...10 de 2019/01130, com base em despacho proferido neste processo pelo oficial de justiça na qualidade de agente de execução.
Vem agora o tribunal mediante novo despacho da Srª Juiz, esclarecer que o que se determinou com o despacho de 25/02/2019 (fls 367 dos autos) foi a reposição do registo de penhora original, lavrada pela Ap. ...73 de 2018/01/19, e não o registo de nova penhora conforme havia sido comunicado pelo agente de execução. e veio a ser registado pela ap. ...90 de 2019/02/27.
Tal pedido fundamentou-se no facto de que a penhora foi “levantada” por lapso (com base no referido despacho), quando na verdade a mesma deveria manter-se.
Configura esta situação uma retificação de registo, prevista nos artigos 18 n.º 1 e 120º e seguintes do Código de registo Predial, pois pretende-se:
- Retificar o registo de cancelamento de penhora lavrado pela ap. ...10 de 2019/01/30 no sentido de cancelar o mesmo, repristinando o registo de penhora lavrada pela Ap. ...73 de 2018/01/19 que havia sido cancelado;
- Consequentemente cancelar o registo de penhora entretanto lavrado pela ap. ...90 de 2019/02/27, uma vez que, de acordo com o último despacho, o que se pretendia com o despacho judiciai proferido em 25/02/2019, era apenas repor a penhora que havia sido cancelada e não que fosse lavrada nova penhora que mais não é do que a repetição da primeira.
Em suma, pretende-se repor a situação tabular existente antes do cancelamento efetuado pela ap. ...10 de 2019/01/30, o que será efetuado em consequência do presente processo.
Tendo em conta o exposto, notifique-se o interessado inscrito AA para, nos termos do art.º 129º do Código de Registo Predial, apresentar, querendo, oposição à referida retificação, devendo juntar os elementos de prova e pagar os emolumentos devidos.”
           
AA deduziu oposição invocando, em síntese, que o despacho de 10/12/2018 transitou em julgado, pelo que os despachos de 25/02/2019 e 26/04/2019, que contrariam aquele, são ineficazes; o pedido de retificação viola o caso julgado; o cancelamento do registo de penhora pela ap. ...40 tornou-se definitivo, não podendo ser declarado sem efeito através de simples processo de retificação
Termina requerendo o arquivamento do processo de retificação.

Foi também notificado BB, exequente, para deduzir oposição, nada tendo dito.
           
No âmbito das diligências instrutórias do processo, por oficio de 20/12/2019, a Sra. Conservadora solicitou ao Tribunal que esclarecesse “qual a instância que se extinguiu por força“ da decisão de 10/12/2018: “ a execução propriamente dita, no âmbito da qual foi lavrada aquela penhora, ou apenas o seu apenso (aparentemente de oposição á penhora), consistindo o lapso precisamente nessa circunstância: (não se ter extinguido a execução, mas sim a oposição à mesma):”
           
A 03/01/2020, o Sr. Escrivão Adjunto CC endereçou á Conservatória do Registo Predial um e-mail com o seguinte teor:
“Na sequência do Vº oficio (…), leva-se ao conhecimento de Vª Exª que o despacho de 10.12.2018. (…) foi proferido no apenso de Oposição á penhora, Proc. n.º 420/08...., o qual determinou a extinção da respectiva instância, ou seja, a extinção desse mesmo apenso e, em simultâneo, a sustação da execução no que àquele bem (imóvel) diz respeito nos termos do art.º 794º do C.P.C., dado haver penhora anterior (processo de execução n.º 1788/17.... …, mantendo-se, no entanto, em vigor o respectivo processo de execução com o n.º 420/08.....
Daí ter havido lapso no pedido de levantamento da penhora. uma vez que não foi a execução que se extinguiu, mas tão só o apenso de oposição à penhora, apenso “D", mantendo-se, por isso, a penhora ao imóvel ...71 e cuja reposição anterior (constante da ap ...73, de 2018/01/19) se solicita.”
           
A 21/4/2021 a Sra. Conservadora proferiu decisão final, em cuja fundamentação consta:

“O que está em causa no presente processo e cuja viabilidade se analisa é a que seja reposta “no respectivo lugar”, por assim dizer, a penhora lavrada pela Ap. ...73 de 2018/01/19, repristinando-a, em consequência da invalidade do cancelamento lavrado pela ap. ...10 de ...30.
(…)
O pedido de cancelamento apresentado pela ap. ...10 de ...30, foi feito pelo Sr. Oficial de Justiça tendo como base o despacho proferido pelo Juiz em 10.12.2018 e transitado em julgado, no qual se determina a extinção da instância por inutilidade superveniente da lide.
Porém, tal despacho não foi proferido nos autos a que se referem a penhora registada pela ap ...73 de 2018/01119. mas sim num seu apenso - apenso de oposição à penhora.
Foram estes autos de oposição à penhora que se extinguiram e não o processo de execução no âmbito do qual foi registada aquela penhora.
Tal facto foi indevidamente qualificado pelo Oficial de Justiça que, com base no mesmo despacho, pediu o cancelamento da penhora e não foi também percetível ao registrador, dado estar junto ao pedido de registo, não tendo sido abarcado o facto de o processo aí identificado (no despacho) ser o Procº 420/08.... (e não A).
Ora, parece-nos claro que o registo de cancelamento foi lavrado indevidamente e desde logo porque, como é bom de ver, o processo de execução não se extinguiu, elemento essencial para que nos termos do disposto no artigo 58º do Código do Registo Predial seja o registo da penhora cancelado (…).
O que se extinguiu foi tão somente o apenso de oposição. mantendo-se o processo de execução.
(…)
O que nos leva à conclusão de que o registo foi lavrado com base em títulos insuficientes para a prova legal do facto, pois o facto que poderia ter levado ao cancelamento do registo seria a extinção daquele processo de execução e isso não foi, como se demonstra, judicialmente ordenado.
Ainda de acordo com o disposto no artigo 43º nº 1 do Código de Registo Predial, “Só podem ser registados os factos constantes de documentos que legalmente os comprovem"
Como vimos, o facto determinativo do cancelamento da penhora, i. é, a extinção da instância executiva, não constava do documento apresentado, ou seja do despacho que baseou o pedido.
Ora, nos termos do disposto no artigo 16º nº 1 alínea b) do CRP, o registo é nulo quando tiver sido lavrado com base em títulos Insuficientes para a prova legal do facto registado.
Tal nulidade. pode e deve ser declarada e os registos cancelados. ao abrigo do nº 2 do artigo 121º o do Código de Registo Predial, sendo este processo o próprio para o efeito.
Em consequência, julgo procedente o pedido de retificação e, nos termos do disposto nas ora citadas disposições legais, declaro a nulidade do registo de cancelamento lavrado pela ap. ...10 de 2019/01/30 e, consequentemente, que seja repristinado o registo da penhora lavrado pela Ap. ...73 de 2018/01/19 e cancelado o registo de penhora lavrado pela ap. ...90 de 2019/02/27.”

AA, “notificado da decisão de procedência do pedido de retificação, pelos fundamentos constantes do despacho proferido, por dele não se conformar, vem deduzir recurso hierárquico para o Conselho Diretivo do Instituto dos Registos e Notariado, IP, ao abrigo dos artigos 140º e ss do Código de Registo Predial…”

BB (exequente) respondeu.

O Conselho Consultivo do IRN emitiu Parecer, aprovado por unanimidade em sessão de 16/12/2021, em que concluiu nos seguintes termos:
“ 6. Entendendo que o recorrente, com base nas considerações precedentes, não tem legitimidade para recorrer, não resta senão pois propor, com esse fundamento, o indeferimento liminar da presente impugnação ( cfr. art. 641º/2-a CPC ex vi do art.º 120º CRP.”

O referido Parecer foi Homologado por Despacho da Exmª Sra. Presidente do IRN de 30/12/2021.

AA deduziu IMPUGNAÇÃO JUDICIAL, “ao abrigo do disposto nos artigos 145º e ss do Código de Registo Predial….”, pedindo seja dada procedência à impugnação e em consequência seja a decisão impugnada revogada, substituindo-a por outra que determine a procedência da presente impugnação, tendo terminado as suas alegações com as seguintes conclusões:

1ª A presente impugnação judicial é interposta do despacho do Conselho Superior do Instituto dos Registos e do Notariado na sequência de interposição de recurso hierárquico, o qual em suma decidiu pelo indeferimento liminar do recurso hierárquico por falta de legitimidade do recorrente nos termos do art.º 641.°/2 aI. a) do CPC ex vi art.º 129° do CRPredial.
2º Está em causa um processo de retificação de registo de penhora sobre o seguinte prédio e com a seguinte situação registral: Prédio Urbano composto de casa de habitação de ..., sótão e logradouro, sito na Rua ... Paredes ..., descrito sob o art.º ...89 da Freguesia ..., concelho ..., inscrito na matriz sob o artigo ...27 da freguesia ..., com aquisição a favor de DD, divorciada pela ap....25 de 2016/02/01.
- Penhora registada pela Ap. ...83 de 2017/11/23, registada no âmbito do processo executivo n.º ...7... a correr termos no Tribunal Judicial da Comarca ... - Juízo de Execução ..., cujo exequente é aqui recorrente AA e executada a referida titular inscrita DD.
- Penhora registada pela Ap. ...39 de 2018/05/2018, registada no âmbito do processo executivo n.º ...7... a correr termos no Tribunal Judicial da Comarca ... - Juízo de Execução ... cujo exequente é aqui recorrente AA e executada a referida titular inscrita DD.
- Penhora registada pela ap. ...90 de 2019/02/27, registada no âmbito do processo executivo n.º 420/08.... do Tribunal Judicial da Comarca ... - Juízo de Trabalho ...- Juiz ..., cujo exequente é BB e executada a referida titular inscrita DD.
3ª Sucede que esteve registada ainda, a penhora pela Ap. ...73 de 2018/01/19 no âmbito do processo executivo n.º 420/08...., tendo sido lavrado o respetivo registo de cancelamento da mesma pela ap. ...10 de 2019/30/01.
4ª É sobre esta penhora pela Ap. ...73 de 2018/01/19 e posterior registo de cancelamento da mesma pela ap. ...10 de 2019/30/01, que incidiu o pedido de retificação de registo que conforme consta da decisão se fundamenta em lapso do Sr. Oficial de Justiça no pedido de levantamento da penhora, que se alegou ter sido indevidamente efetuado.
5ª Por ofício de 25.10.2019 a Sra. Conservadora notificou o oponente AA para, no prazo de 10 dias, deduzir, querendo, oposição à retificação de registo determinada pelo Tribunal Judicial da Comarca ... - Juízo de Trabalho ... - Juiz ... - Processo n.? 420/08.....
6ª No dia 13.11.201, foi recebida na conservatória a oposição deduzida pelo AA.
7ª No dia 21.04.2021 a Sra. Conservadora decidiu julgar procedente o pedido de retificação, declarando a nulidade do averbamento de cancelamento efetuado sob a ap. ...10 de 30.01.2019 e, em consequência, determinou a repristinação da inscrição de penhora F-2 e o cancelamento da inscrição de penhora F-4.
8ª Por ofícios de 23.04.2021 a decisão foi notificada ao Tribunal (com referência ao processo 420/08.... e aos interessados AA e BB ("titulares do registo de penhora).
9ª No dia 12.05.2021 foi recebido na conservatória o requerimento do recurso hierárquico interposto pelo interessado AA contra a decisão da Sra. Conservadora, pedindo a revogação da mesma, alegou, em suma que:
10ª No dia 27.05.2021 veio o interessado BB impugnar contra os fundamentos do recurso hierárquico deduzido pelo interessado AA.
11ª Acontece que, não obstante, no despacho de que se recorre, reconhecer-se que a oposição do recorrente é tempestiva, quando se lê "(…) facilmente se conclui que o recurso está em prazo (... )". decidiu, porém, que não pode ser atendida.
12ª E, entendeu-se que a oposição não podia ser atendida, por razões com a irregularidade da representação do oponente, por se ter entendido, estar em causa a indeterminação dos poderes da mandatária do recorrente, em virtude de tais poderes derivarem de substabelecimento passado nos autos de execução em que o opoente é exequente e, em virtude de, não de ter comprovado o conteúdo da procuração original, desconhecendo-se se incluía poderes especiais para representar o interessado em processos de retificação de registo que, segundo parecer que alude, não serão suficientes poderes forenses gerais.
13ª Concluiu-se, no despacho de que se recorre, que, a desconsideração da oposição apresentada é desprovida de qualquer efeito cominatório por se tratar de um processo onde prevalece o interesse público na exatidão e na verdade do registo.
14ª E entendeu-se no despacho de que se recorre, que a Sra. Conservadora não promoveu as diligencias de regularização que ao caso caberiam (Cfr. 48/2 CPC).
15ª Concluiu-se, ainda, no despacho de que se recorre do caráter oficioso da retificação, constatando-se que, "o processo de retificação foi da iniciativa da Sra. Conservadora, que assim decidiu autuar a comunicação recebida do tribunal como de processo de retificação e de proceder à correspondente anotação no Diário".
16ª Ora, sucedeu que, não obstante, no despacho recorrido do Conselho do IRN se ter entendido que, o processo de retificação não deviria ter existido, nem devia ter sido instaurado pela Sra. Conservadora e, não obstante, ter entendido que o recorrente foi indevidamente chamado para opor-se ao pedido de retificação de registo, veio a final e, sem mais, decidir que não assistia legitimidade ao recorrente para recorrer.
17ª Ora, o recorrente não se pode conformar com tal decisão, pois, se se entendeu que, o processo de retificação foi indevidamente instaurado e o recorrente foi indevidamente notificado, para opor-se a tal decisão, sendo o recorrente parte interessada porquanto foi notificado para querendo, opor-se, impõe-se concluir que, assistia ao recorrente legitimidade para opor-se, quanto mais não fosse, para defender a inadmissibilidade ou ilegalidade do processo de retificação, e nessa senda terá forçosamente de se lhe atribuir a qualidade de interessado.
18ª A decisão de indeferimento liminar do recurso hierárquico, padece de contrariedade, tendo ocorrido erro de interpretação e aplicação do direito aos factos, nomeadamente, de desconsiderar o recorrente como parte interessada para efeitos do disposto no art.º 129º do CRP.
Mais,
19ª Pois, ao decidir desatender o recurso hierárquico apresentado equivale a que se mantenha a decisão da Sra. Conservadora de 21.04.2021 que decidiu "julgar procedente o pedido de retificação e declarar a nulidade do registo de cancelamento lavrado pela ap. ...10 de 2019/01/30 e, consequentemente, seja repristinado o registo de penhora lavrado pela Ap. ...73 de 2018/01/19 e cancelado o registo de penhora lavrado pela ap. ...90 de 2019/02/27".
20ª Pois, o que em bom rigor sucedeu foi que, foi indeferido liminarmente o recurso hierárquico por alegada falta de legitimidade, mas ao mesmo tempo também se decidiu e constatou que o processo de retificação foi indevidamente instaurado, e que, o recorrente foi indevidamente notificado para se opor.
21ª Pelo que, impunha-se, salvo melhor opinião, que fosse o recurso hierárquico admitido, por o recorrente ser, efetivamente, interessado, e aí decidir-se pela ilegalidade e inadmissibilidade legal da instauração do processo de retificação por parte da Sra. Conservadora ficando por o inicio do processo de retificação padecer de vicio de nulidade que o tolhe por completo, declarando nulo e sem nenhum efeito o processado posterior, nomeadamente todas as decisões contidas no despacho recorrido, nomeadamente, ficar prejudicado o recurso hierárquico.
22ª Não se compreende como, o despacho que se impugna, começa por entender que, o processo de retificação foi indevidamente instaurado oficiosamente pela Sra. Conservadora, que o recorrente foi indevidamente notificado para opor-se, para, no final, acabar por determinar o indeferimento liminar do recurso hierárquico por falta de legitimidade do recorrente.
23ª Crê-se que, com o indeferimento liminar do recurso hierárquico, acarrete que se mantenha a decisão da Sra. Conservadora de 21.04.2021 que decidiu 'julgar procedente o pedido de retificação e declarar a nulidade do registo de cancelamento lavrado pela ap. ...10 de 2019/01/30 e, consequentemente, seja repristinado o registo de penhora lavrado pela Ap. ...73 de 2018/01/19 e cancelado o registo de penhora lavrado pela ap. ...90 de 2019/02/27".
24ª No entanto, pode ler-se no despacho recorrido que, "o AA, titular da inscrição F-1, atualização ampliada pela inscrição F-3 não resulta minimamente afe ta do, positiva ou negativamente pela retificação preconizada e entretanto decidida pela Sra. Conservadora e ainda que, que a situação registaI se mantivesse como estava - com a penhora atinente ao processo 420/08.... em garantia do credito do BB albergada pela inscrição F-4 que pela inscrição F-2, a posição registaI do AA pela inscrição F-1 permanece absolutamente imperturbável, pois o "lugar" da sua penhora será sempre à frente do da outra e única penhora concorrente, concluindo-se existir absoluta indiferença para o AA o resultado da retificação".
25ª Ora, a ser assim, tal deveria ter sido assim decidido em sede de decisão do recurso, e não ter sido alegado no despacho para depois a final indeferir-se liminarmente o recurso hierárquico.
26ª Pois, em bom rigor, atentamos que, no despacho recorrido são apreciadas várias questões que não somente, a questão da (i)legitimidade do recorrente, para depois a final decidir-se, sem mais, pelo indeferimento liminar.
27ª Salvo melhor opinião, a decidir-se pelo indeferimento limiar do recurso por falta de legitimidade para recorrer, deveria simultaneamente, ter-se decidido pela ilegalidade da instauração do processo de retificação ab initio, caso contrário, impõe-se a questão, se o recorrente não tem legitimidade para recorrer como parte interessada, quem é que tinha legitimidade?
28ª Deve concluir-se que, assistia legitimidade ao recorrente para apresentar o recurso hierárquico como o fez, na sequência da decisão de procedência do pedido e retificação que declarou a nulidade do registo de cancelamento lavrado pela ap....10 de 2019/01/30 e decidiu seja repristinado o registo da penhora lavrado pela Ap. ...73 de 2018/01/19 e cancelado o registo de penhora lavrado pela ap. ...90 de 2019/02/27, devendo ser revogada a decisão de indeferimento liminar do recurso hierárquico e substituída por outra que o admite e que julgue o mesmo procedente, por provado, com as legais consequências.
29ª Porém, o despacho que se impugna, decidiu-se pelo indeferimento liminar do recurso hierárquico, com fundamento em falta de legitimidade do recorrente, nos termos do art." 641.°/2 aI. a) do CPC ex vi art.º 129º do CRPredial.
30ª Salvo o devido respeito, incorreu o despacho impugnado, em errada interpretação e aplicação do direito aos factos.
31ª O recorrente AA é interessado no processo de retificação e não requerente do mesmo.
32ª Pelo que, assistia-lhe legitimidade para vir deduzir oposição na sequência da notificação que lhe foi dirigida, por estar em causa a repristinação de registo de penhora anteriormente cancelado sobre um imóvel do qual o recorrente tem penhora registada a seu favor.
33ª Tanto que assim, que o recorrente arguiu a nulidade e ilegalidade do próprio processo de retificação ab initio.
34ª Como defendido, o pedido de retificação com vista à reposição da penhora anterior é ilegal e desprovido de qualquer fundamento legal que o sustente, além de constituir uma violação do caso julgado, que a propósito a decisão recorrida faz mera referência sem, contudo, alegar fundamentos para que sustente não estarmos perante a violação do caso julgado.
35ª Como é bom de se ver, o pedido de reposição da penhora anterior que havia sido registada pela Ap. ...73 de 2018/01/19 e posteriormente cancelada pela ap. ...10 de 2019/01/30 motivado por alegado lapso que não é concretizado nem sequer esclarecido, é, pois, desprovido de qualquer fundamento legal.
36ª O registo de cancelamento de penhora sobre o imóvel pela Ap. ...73 de 19.01.2018 efetuado pela ap. ...10 de 30.01.2018 está devidamente lavrado, já que o documento que o baseou é suficiente para prova do facto e, portanto, mostra-se registado e lavrado em conformidade com o documento que lhe serviu de base, a certidão judicial.
37ª Salvo o devido respeito, não assiste razão para lançar-se mão do procedimento de retificação do registo, já que viola o caso julgado e não subsiste da sua fundamentação um grau de incerteza e de rigor quanto a tratar-se de uma mera retificação.
38ª Ora, o cancelamento do registo e levantamento da penhora pela ap. ...40 de 30.01.2019 tornou-se definitivo não podendo o mesmo ser declarado nulo em processo de retificação, nem sequer ser objeto de qualquer retificação.
39ª O que significa que, não pode o cancelamento do registo e levantamento da penhora pela ap. ...40 de 30.01.2019 ser dado sem efeito através de simples processo de retificação nos termos do artigo 121° do CRP.
40ª O despacho ora impugnado violou, por erro de interpretação e aplicação, o disposto nos artigos art.º 30°, 195°, art.º 641.°/2 aI. a), 613°, 619°, do Código de Processo Civil e art.ª 129° do Código de Registo Predial.
41ª A decisão recorrida deve ser revogada e substituída por outra que acolha e considere procedente a alegação supra exposta.

O Juízo de Competência Genérica ... proferiu a seguinte “Sentença”:
“ Nos presentes autos de Recurso de Conservador veio AA, melhor identificado nos autos, colocar em crise a decisão da Senhora Conservadora do Registo Predial que, na sequência da decisão proferida no âmbito do Processo de Execução de Sentença que correu termos por apenso ao Processo n.º 420/08...., do Tribunal de Trabalho ..., determinou a reposição do pedido de penhora, repristinando todos os seus efeitos legais, respeitante à ap ...73 de 2018/10/19, reportado ao bem melhor identificado nos autos. O recorrente não se conforma com tal decisão por considerar que, uma vez ordenado o cancelamento da penhora sobredita, registado pela AP ...10 de 30.01.2019, a mesma assume a veste de caso julgado e não pode ser reposta a penhora original.

*
Notificado o interessado, BB, nos termos nos termos do disposto no n.º 1 do artigo 132.º do Código do Registo Predial, para impugnar os fundamentos do recurso, o mesmo nada disse.
*
Foram os autos com vista ao Digno Magistrado do Ministério Público, pronunciou-se pela manutenção da decisão da Senhora Conservadora do Registo Predial.

São os seguintes os factos provados relevantes para a boa decisão da causa:

1. O prédio composto de casa de habitação e logradouro, sito na Rua ..., Paredes ..., inscrito na freguesia ... sob o art. ..., com a área de 1200m2 está registado a favor de DD, divorciada, residente em Paredes ..., pela AP ...25 de 2016/02/01.
2. Sobre o imóvel encontram-se em vigor as seguintes penhoras:
a) Exequente AA, pela AP ...83, de 2017/11/23, para satisfação da quantia exequenda de € 9.721,86, no âmbito no processo executivo ...7...;
b) Exequente AA, pela AP ...39, de 2018/05/18, para satisfação da quantia exequenda de € 73.291,03, no âmbito no processo executivo1788/17....;
c) Exequente BB, pela AP ...90, de 2019/02/27, para satisfação da quantia exequenda de €21.235,02, no âmbito no processo executivo ...8....
3. No âmbito no processo executivo ...8... esteve registada a penhora pela ap ...73 de 2018/01/19, na qual é exequente BB, que foi cancelada pela AP ...10 de 2019/01/30, na sequência de acto do agente de execução, no caso, oficial de justiça.
4. Sucede que, o cancelamento em causa deveu-se a lapso do oficial de justiça e, por despacho datado de 25.02.2019, foi determinada a reposição da penhora ordenada nos autos, ou seja o Tribunal esclareceu que pretendia a reposição do registo original da penhora lavrada pela ap ...73 de 2018/01/19 e não um novo registo, como realizado pela AP ...90 de 2019/02/27.
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Esta factualidade resulta provada dos documentos que instruem este recurso da decisão da Senhora Conservadora e o recurso do interessado, devidamente conjugados.
*
Pretende o recorrente a rectificação que não sejam tidos por repristinados os efeitos da penhora originária a favor de BB, porquanto, após o seu cancelamento, tal penhora perdeu o seu lugar de ordem, sob pena de estarem a ser violados os direitos do interessado.
Nos termos do artigo 121.º do Código do Registo Predial, os registos inexactos ou indevidamente lavrados devem ser rectificados por iniciativa do conservador ou a pedido de qualquer interessado.
Consagra o artigo 34.º do Código do Registo Predial o princípio do trato sucessivo, nos termos do qual o registo definitivo de constituição de encargos por negócio jurídico depende da prévia inscrição dos bens em nome de quem os onera.
E nos termos do n.º 4 do mesmo artigo, para que possa ser lavrada nova inscrição definitiva sobre bens que já tenham registada aquisição ou reconhecimento de direito susceptível de ser transmitido ou de mera posse, é necessária a intervenção do respectivo titular, salvo nos casos em que o novo facto cujo registo definitivo se pretende é consequência de outro anteriormente registado.
Ora, no presente caso, a Senhora Conservadora limitou-se a fazer a rectificação do registo, nos termos determinados pelo Tribunal, porquanto, o pretendido era repristinar a ap ...73 de 2018/01/19, que havia sido indevidamente cancelado.
Como resulta do despacho judicial datado de 25.02.2019 em causa está uma rectificação do registo, nos termos dos artigos 18.º, 1 e 120.º ambos do CRP, isto é, rectificar o registo de cancelamento da penhora lavrado pela AP ...10 de 2019/01/30, no sentido de ser cancelado, repristinando o registo de penhora lavrado pela AP...73 de 2018/01/19 que havia sido indevidamente cancelado.
Como tal, a actuação da Senhora Conservadora além de ser consentânea com a ordem judicial é a que espelha o mais elementar juízo de Justiça, porquanto a situação tabular do interessado BB não pode ser alterada, em consequência da prática de um acto indevido, de forma a prejudica-lo indevidamente. Não podendo o recorrente vir reclamar direitos que não detém e que é sabedor que os não detém, por força do efeito da prioridade do registo, pois as penhoras registadas a seu favor detêm datas posteriores à posta em crise neste recurso.
Desta feita, sem necessidade de mais considerações, por se revelar evidente, salvo melhor opinião, o presente recurso tem de improceder, o que se decide. E, consequentemente, mantemos a decisão proferida pela Senhora Conservadora.
Notifique, sem esquecer o interessado BB.”

Inconformado AA interpôs recurso da referida decisão, pedindo a sua revogação e substituição por outra que determine a procedência do presente recurso, tendo terminado as suas alegações com as seguintes conclusões:

1ª Na sequencia de comunicação recebida pelo Tribunal Judicial da Comarca ... — Juízo de Trabalho ... — Juiz ... — Processo n. º420/08.....", a Sra. Conservadora do Registo Predial ... veio instaurar um processo de retificação de registo de penhora sobre o seguinte prédio e com a seguinte situação registral: Prédio Urbano composto de casa de habitação de ..., sótão e logradouro, sito na Rua ..., ... Paredes ..., descrito sob o art.º ...89 da Freguesia ..., concelho ..., inscrito na matriz sob o artigo ...27 da freguesia ..., com aquisição a favor de DD, divorciada pela ap....25 de 2016/02/01
- Penhora registada pela Ap. ...83 de 2017/11/23, registada no âmbito do processo executivo n. ...7... a correr termos no Tribunal Judicial da Comarca ... - Juízo de Execução ..., cujo exequente é aqui recorrente AA e executada a referida titular inscrita DD.
- Penhora registada pela Ap. ...39 de 2018/05/2018, registada no âmbito do processo executivo n....7... a correr termos no Tribunal Judicial da Comarca ... - Juízo de Execução ... cujo exequente é aqui recorrente AA e executada a referida titular inscrita DD.
- Penhora registada pela ap. ...90 de ...27, registada no âmbito do ... 420/08.... do Tribunal Judicial da Comarca ... - Juízo de Trabalho ...- Juiz ..., cujo exequente é BB e executada a referida titular inscrita DD.
2ª Sendo que esteve registada ainda, a penhora pela Ap. ...73 de 2018/01/19 no âmbito do ... 420/08...., tendo sido lavrado o respetivo registo de cancelamento da mesma pela ap. ...10 de 2019/30/01
3ª Na sequência do ofício remetida pela Sra. veio o recorrente deduzir, oposição à retificação.
4ª Veio a Sra. Conservadora, a final, julgar procedente o pedido de retificação, declarando a nulidade do averbamento de cancelamento efetuado sob a ap. ...10 de 30.012019 e, em consequência, determinou a repristinação da inscrição de penhora F-2 e o cancelamento da inscrição de penhora F-4.
5ª Da decisão da Sra. Conservadora veio o interessado AA interpor recurso hierárquico contra a decisão da Sra. Conservadora, pedindo a revogação da mesma, alegando, em suma: "que os fundamentos invocados para a decisão proferida padecem de nulidade por se mostrarem ambíguos e obscuros, na medida em que, foi no apenso D de oposição à penhora que, foi proferido o despacho a determinar o levantamento da penhora registada pela AP....73 de 2018/01/19 e que levou ao seu pedido e subsequente registo de cancelamento pela ap. ...10 de 2019/01/30 ".
6ª Foi pelo Conselho Superior do IRN proferida decisão de indeferimento limiar do recurso hierárquico, por ilegitimidade do interessado.
7ª Posteriormente, veio o recorrente impugnar judicialmente para o tribunal a quo que por sua vez veio proferir a sentença de que se recorre.
8ª Vem, agora, o recorrente recorrer da sentença proferida pelo tribunal a quo que no dia 26.04.2022 decidiu "julgar improcedente o recurso interposto e consequentemente, manter a decisão proferida pela Senhora Conservadora”.
9ª Assim, veio o recorrente impugnar judicialmente a decisão de indeferimento liminar do recurso hierárquico interposto para o Conselho Diretivo do IRN, da decisão da Exma Senhora Conservadora da Conservatória do Registo Predial ..., o qual em suma decidiu: Julgar procedente o pedido de retificação e, nos termos do disposto das ora citadas disposições legais, declaro a nulidade do registo e cancelamento lavrado pela ap. ...10 de 2019/01/30 e, consequentemente, que seja repristinado o registo de penhora lavrado pela Ap. ...73 de 2018/01/19 e cancelado o registo de penhora lavrado pela ap. ...90 de 2019/02/27.
10ª Ora, no despacho concluiu-se ser de caráter oficioso da retificação, constatando-se que, "o processo de retificação foi da iniciativa da Sra. Conservadora, que assim decidiu autuar a comunicação recebida do tribunal como de processo de retificação e de proceder à correspondente anotação no Diário".
11ª E que, face ao teor da comunicação exarada no despacho de 23.10.2021, procedeu a Sra. Conservadora à delimitação e definição do objeto do processo de retificação, decidindo instaurar o processo de retificação.
12ª Todavia, no despacho do Conselho do IRN que indeferiu o recurso hierárquico, decisão sobre o qual foi interposta impugnação judicial para o tribunal a quo, sobre a qual foi proferida a sentença de que se recorre, esclareceu-se, contudo que, " é apenas na inscrição F-1 que a penhora marca plenamente o seu lugar próprio, a posição que lhe pertence na hierarquia de preferências que se estabelece entre os credores concorrentes (cfr. artº 8220 C. Civil). A inscrição F-3, portanto, não passa de um mero apêndice/acessório da inscrição F-lm, que se limita a atua/izar o valor da quantia exequenda, sem com isso definir qualquer teto no montante pelo qual o exequente e os credores reclamantes poderão à custa do bem fazer-se pagar".
13ª Concluindo-se que, "o AA nunca poderia ter sido considerado interessado para efeitos do artº 129º CRP e que foi indevidamente notificado para deduzir oposição a uma retificação que lhe é completamente indiferente e com a qual nada pode ganhar ou perder".
14ª No despacho do Conselho do IRN entendeu-se que, não obstante, ter constatado que o processo de retificação não deveria ter existido, nem devia ter sido instaurado pela Sra. Conservadora e, não obstante, ter entendido que o recorrente foi indevidamente chamado para opor-se ao pedido de retificação de registo, tal levou a concluir, sem mais, que não assistia legitimidade ao recorrente para recorrer.
15ª Entendimento com o qual o aqui recorrente não concordou e, como tal, veio impugnar judicialmente a decisão com fundamento em que, se se entendeu, por um lado que, o processo de retificação foi, indevidamente instaurado e o recorrente foi indevidamente notificado, para opor-se a tal decisão, sendo o recorrente parte interessada porquanto foi notificada para querendo, opor-se, outra conclusão não se podia chegar senão a de que, assistia ao recorrente legitimidade para opor-se, quanto mais não fosse, para defender a inadmissibilidade ou ilegalidade do processo de retificação, e nessa senda terá forçosamente de se lhe atribuir a qualidade de interessado.
16ª É da decisão de indeferimento liminar do recurso hierárquico que veio o recorrente impugnar judicialmente para o tribunal a quo, que por sua vez, veio proferir a sentença, de que se recorre.
17ª Sucede que o tribunal a quo não se pronunciou sobre as questões colocadas pelo recorrente, ocorrendo nulidade da sentença nos termos do n.º 1 do art.º 615ª do CPC.
18ª Nomeadamente, o tribunal a quo não se pronunciou quanto ao facto de, ao decidir desatender-se o recurso hierárquico apresentado, equivale a que se mantenha a decisão da Sra. Conservadora de 21.04.2021 que decidiu "julgar procedente o pedido de retificação e declarar a nulidade do registo de cancelamento lavrado pela ap. ...10 de 2019/01/30 e, consequentemente, seja repristinado o registo de penhora lavrado pela Ap. ...73 de 2018/01/19 e cancelado o registo de penhora lavrado pela ap. ...90 de 2019/02/27".
19ª Ou seja, ao ter indeferido liminarmente o recurso hierárquico por alegada falta de legitimidade, e ao mesmo tempo se ter decidido e constatado que o processo de retificação foi indevidamente instaurado, e que, o recorrente foi indevidamente notificado para se opor, impunha-se, salvo melhor opinião, que fosse o recurso hierárquico admitido, por o recorrente ser, efetivamente, interessado, e aí decidir-se pela ilegalidade e inadmissibilidade legal da instauração do processo de retificação por parte da Sra. Conservadora ficando o inicio do processo de retificação a padecer de vicio de nulidade que o tolhe por completo, declarando nulo e sem nenhum efeito o processado posterior, nomeadamente todas as decisões contidas no despacho recorrido, nomeadamente, ficar prejudicado o recurso hierárquico.
20ª Todavia, não foi assim o decidido.
21ª Ao invés, no despacho do IRN começa por entender que, o processo de retificação foi indevidamente instaurado oficiosamente pela Sra. Conservadora, que o recorrente foi indevidamente notificado para se opor, mas no final acaba por determinar o indeferimento liminar do recurso hierárquico por falta de legitimidade do recorrente.
22ª Questão que o tribunal a quo não se pronunciou.
23ª Não tendo assim sido decidido, o indeferimento liminar do recurso hierárquico, acarreta que se mantenha a decisão da Sra. Conservadora de 21.04.2021 que decidiu "julgar procedente o pedido de retificação e declarar a nulidade do registo de cancelamento lavrado pela ap. ...10 de 2019/01/30 e, consequentemente, seja repristinado o registo de penhora lavrado pela Ap. ...73 de 2018/01/19 e cancelado o registo de penhora lavrado pela ap. ...90 de 2019/02/27".
24ª Note-se que, lê-se no despacho do IRN sobre o qual se recorreu para o tribunal a quo que, "o AA, titular da inscrição F-1, atualização ampliada pela inscrição F-3 não resulta minimamente afetado, positiva ou negativamente pela retificação preconizada e entretanto decidida pela Sra. Conservadora e ainda que, a situação regista/ se mantivesse como estava — com a penhora atinente ao processo 420/08.... em garantia do credito do BB albergada pela inscrição F-4 que pela inscrição F-2, a posição regista/ do AA pela inscrição F-1 permanece absolutamente imperturbável, pois o "lugar" da sua penhora será sempre à frente do da outra e única penhora concorrente, concluindo-se existir absoluta indiferença para o AA o resultado da retificação".
25ª Mas, a ser assim, tal deveria ter sido assim decidido em sede de decisão do recurso, e não ter sido alegado no despacho para depois a final indeferir-se liminarmente o recurso hierárquico.
26ª Salvo melhor opinião, a decidir-se pelo indeferimento liminar do recurso por falta de legitimidade para recorrer, deveria simultaneamente, ter-se decidido pela ilegalidade da instauração do processo de retificação ab initio, caso contrário, impõe-se a questão, se o recorrente não tem legitimidade para recorrer como parte interessada, quem é que tinha legitimidade?
27ª Se ao douto tribunal não assiste legitimidade por ter sido quem dirigiu comunicação à Sra. Conservadora, se o BB também não lhe assistia legitimidade para recorrer da decisão da Sra. Conservadora, por tal decisão lhe ter sido favorável, portanto, resta o recorrente AA que para tal foi notificado.
28ª Questões que o Tribunal a quo não se pronunciou. o que é causa de nulidade da sentença por forca da al. d) do n.º 1 do art.º 615º do CPC.
29ª Donde se deveria ter concluído que assistia legitimidade ao recorrente para apresentar o recurso hierárquico como o fez, na sequência da decisão de procedência do pedido e retificação que declarou a nulidade do registo de cancelamento lavrado pela ap. ...10 de 2019/01/30 e, decidiu seja repristinado o registo da penhora lavrado pela Ap. ...73 de 2018/01/19 e, cancelado o registo de penhora lavrado pela ap. ...90 de 2019/02/27, devendo ser revogada a decisão de indeferimento liminar do recurso hierárquico e substituída por outra que o admite e que que julgue o mesmo procedente, por provado, com as legais consequências.
30ª Ocorreu, ainda, nulidade da sentença, por falta de fundamentação nos termos da al. b) do n.º 1 do CPC
31ª O douto tribunal a quo entendeu - com o devido respeito, erradamente - ser de manter a decisão da Senhora Conservadora de julgar procedente o pedido de retificação, declarando a nulidade do averbamento de cancelamento efetuado sob a ap. ...10 de 30.01.2019 e, em consequência, determinou a repristinação da inscrição de penhora F-2 da Ap. ...73 de 2018/01/19 e o cancelamento da inscrição de penhora F-4.
32ª O tribunal a quo deu como provados os seguintes factos:
1. O prédio composto de casa de habitação e logradouro, sito na Rua ..., Paredes ..., inscrito na freguesia ... sob o art. ..., com a área de 1200m2 está registado a favor de DD, divorciada, residente em Paredes ..., pela AP ...25 de 2016/02/01.
2. Sobre o imóvel encontram-se em vigor as seguintes penhoras:
a) Exequente AA, pela AP ...83, de 2017/11/23, para satisfação da quantia exequenda de € 9.721,86, no âmbito no processo executivo ...7...;
b) Exequente AA, pela AP ...39, de 2018/05/18, para satisfação da quantia exequenda de € 73.291 ,03, no âmbito no processo executivo ...7...;
c) Exequente BB, pela AP ...90, de 2019/02/27, para satisfação da quantia exequenda de € 21.235,02, no âmbito no processo executivo ...8....
3. No âmbito no processo executivo ...8... esteve registada a penhora pela ap ...73 de 2018/01/19, na qual é exequente BB, que foi cancelada pela AP ...10 de 2019/01/30, na sequência de ato do agente de execução, no caso, oficial de justiça.
4. Sucede que, o cancelamento em causa deveu-se a lapso do oficial de justiça e, por despacho datado de 25.02.2019, foi determinada a reposição da penhora ordenada nos autos, ou seja, o Tribuna/ esclareceu que pretendia a reposição do registo origina/ da penhora lavrada pela ap ...73 de 2018/01/19 e não um novo registo, como realizado pela AP ...90 de 2019/02/27.
33ª Todavia, o facto dado como provado no n.º 4 não o podia ter sido, nem tinha a virtualidade de o ser, na medida em que, por si só, e sem mais, não podia suportar e fundamentar a decisão proferida de improceder o recurso e manter a decisão da Senhora Conservadora.
34ª Entendeu o tribunal a quo que, o despacho judicial proferido nos autos de processo executivo ...8..., datado de 25.02.2019 em causa está uma retificação do registo, nos termos dos artigos 18º 1 e 120º ambos do CRP, isto é, retificar o registo de cancelamento da penhora lavrado pela AP ...10 de 2019/01/30, no sentido de ser cancelado, repristinando o registo de penhora lavrado pela AP...73 de 2018/01/19 que havia sido indevidamente cancelado.
35ª Todavia, o douto tribunal a quo incorreu em errada interpretação e aplicação jurídica dos factos, pois há que atender, se o processo de retificação de registo foi devidamente instaurado e se a retificação em causa deve ou não ser efetuada.
36ª Salvo melhor opinião, não devia ter existido qualquer processo de retificação de registo por não haver nenhum registo a retificar.
37ª Na sentença em crise o douto tribunal a quo, limita-se a fundamentar a sua decisão remetendo para a decisão da Senhora Conservadora, referindo que, "a atuação da Senhora Conservadora além de ser consentânea com a ordem judicial é a que espelha o mais elementar juízo de Justiça, porquanto a situação tabular do interessado BB não pode ser alterada, em consequência da prática de um ato indevido, de forma a prejudica-lo indevidamente. Não podendo o recorrente vir reclamar direitos que não detém e que é sabedor que os não detém, por força do efeito da prioridade do registo, pois as penhoras registadas a seu favor detêm datas posteriores à posta em crise neste recurso".
38ª A decisão em crise padece de nulidade por falta de fundamentação, nos termos do n.º 1 do artº 615º do CPC, por a sentença a quo não alegar quaisquer fundamentos que justifiquem a decisão proferida, antes limita-se a remeter para a decisão da Senhora Conservadora, sem mais.
39ª E incorre a sentença em crise em lapso evidente e contradição e errada apreciação e interpretação dos factos quando refere que "não pode o recorrente vir reclamar direitos que não detém e que é sabedor que os não detém, por força do efeito da prioridade do registo, pois as penhoras registadas a seu favor detêm datas posteriores à posta em crise neste recurso". Pois, basta atentar para a situação registral do prédio em causa para constatar que as penhoras registadas a favor do recorrente no âmbito no processo executivo ...7... (AP. AP ...83, de 2017/11/23 e AP ...39, de 2018/05/18) são anteriores à do recorrido BB no processo executivo ...8... (AP ...90, de 2019/02/27).
40ª Ao qual acresce que, como é referido na própria decisão de indeferimento limiar do recurso hierárquico, "o recorrente AA titular da Inscrição F-1 (AP ...83, de 2017/11/23) atualizada pela inscrição F-3 (AP ...39, de 2018/05/18), não resulta minimamente afetado, positiva ou negativamente, pela retificação preconizada e entretanto decidida pela Sra. Conservadora: vale dizer: quer a situação registral se mantenha ou mantivesse tal como está - com a penhora atinente ao processo n.º 420/08.... - Tribunal Judicial da Comarca ... - Juízo de Trabalho ... - Juiz ..., em garantia do credito do BB, albergada sob a inscrição F-4-, quer venha a reconfigurar-se no sentido a que o processo vai dirigido - com a mesma penhora albergada na ressuscitada inscrição F-2, ressurgindo antes da (pseudo)inscrição F-3 — a posição registral do exequente AA, duma ou doutra maneira queda altamente imperturbável: o lugar da " sua" penhora será sempre à frente do da outra, e única, penhora concorrente".
41ª Daí ter o Conselho Superior do IRN ter concluído que AA não pode ser considerado interessado para efeitos do disposto no art, 0 1290 do CRP, por ser absolutamente indiferente da posição registral o resultado da retificação.
42ª Certo é que, o recorrente foi notificado para se opor à retificação, mas se se entendeu que não podia ser considerado interessado para se opor, também se impunha concluir que o processo de retificação não podia ter sido instaurado como foi.
43ª Isto para realçar, a evidente contrariedade e erro de interpretação dos factos, em que incorreu a douta sentença a quo, o que acarreta uma completa omissão de fundamentação para proferir a decisão que proferiu.
44ª Nulidade que se invoca para os devidos e legais efeitos, nos termos do n.º 1 do art.º 615º do CPC.
45ª Verifica-se, ainda, nulidade da sentença por omissão de pronúncia nos termos da al. d) do n. 1 do CPC, na medida em que, na impugnação judicial deduzida pelo aqui recorrente perante o tribunal a quo, foi alegado que no despacho recorrido do Conselho do IRN entendeu-se que, não obstante, ter constatado que o processo de retificação não deveria ter existido, nem devia ter sido instaurado pela Sra. Conservadora e, não obstante, ter entendido que o recorrente foi indevidamente chamado para se opor ao pedido de retificação de registo, tal levou a concluir, sem mais, que não assistia legitimidade ao recorrente para recorrer.
46ª Pois, se se entendeu, por um lado que, o processo de retificação foi, indevidamente instaurado e o recorrente foi indevidamente notificado, para se opor a tal decisão, sendo o recorrente parte interessada porquanto foi notificada para querendo, opor-se, outra conclusão não se podia chegar senão a de que, ou assistia ao recorrente legitimidade para se opor, quanto mais não fosse, para defender a inadmissibilidade/ilegalidade do processo de retificação, e nessa senda terá forçosamente de se lhe atribuir a qualidade de interessado, ou, impunha-se declarar indevido e nulo o processo de retificação, por falta de legitimidade para sua instauração.
47ª alvo o devido respeito, a douta sentença a quo não se pronunciou sobre esta questão, ou seja, da questão alegada de que, a decisão de indeferimento liminar do recurso hierárquico, padece de contrariedade, tendo ocorrido interpretação e aplicação do direito aos factos, nomeadamente, de desconsiderar o recorrente como parte interessada para efeitos do disposto no art.º 129ª do CRP.
48ª Pois, ao decidir desatender o recurso hierárquico apresentado equivale a que se mantenha a decisão da Sra. Conservadora de 21.04.2021 que decidiu "julgar procedente o pedido de retificação e declarar a nulidade do registo de cancelamento lavrado pela ap. ...10 de 2019/01/30 e, consequentemente, seja repristinado o registo de penhora lavrado pela Ap. ...73 de 2018/01/19 e cancelado o registo de penhora lavrado pela ap. ...90 de 2019/02/27".
49ª Ou seja, ao se ter indeferido liminarmente, o recurso hierárquico por alegada falta de legitimidade, mas ao mesmo tempo se ter decidido e constatado que o processo de retificação foi indevidamente instaurado, e que, o recorrente foi indevidamente notificado para se opor, impunha-se, salvo melhor opinião, que fosse o recurso hierárquico admitido, por o recorrente ser, efetivamente, interessado, e aí decidir-se pela ilegalidade e inadmissibilidade legal da instauração do processo de retificação por parte da Sra. Conservadora ficando o inicio do processo de retificação a padecer de vicio de nulidade que o tolhe por completo, declarando nulo e sem nenhum efeito o processado posterior, nomeadamente todas as decisões contidas no despacho recorrido, nomeadamente, ficar prejudicado o recurso hierárquico.
50ª Todavia, tal questão não foi apreciada nem o tribunal tomou conhecimento da mesma para efeitos de tomar a decisão.
51ª Em bom rigor, atentamos que, no despacho recorrido são apreciadas várias questões de mérito que não somente, a questão da (i)legitimidade do recorrente, para depois a final decidir-se, sem mais, pelo indeferimento liminar.
52ª Questão sobre a qual o tribunal a quo não se pronunciou, ocorrendo nulidade da decisão por omissão de pronuncia, nos termos da al. d) do n.º 1 do art.º 615º do CPC.
53ª O tribunal a quo incorreu em errada interpretação e aplicação do direito ao caso concreto e incorreu em erro de julgamento.
54ª Para fundamentar a sua decisão, invocou o tribunal a quo o art.º 121º do CRP no qual somente nos diz que, os registos indevidamente lavrados devem ser retificados por iniciativa do conservador ou a pedido de qualquer interessado, acrescentando que, a Senhora Conservadora limitou-se a fazer a retificação de registo nos termos determinados pelo Tribunal.
55ª Ora, o tribunal a quo, não se pronunciou sobre as questões e fundamentos deduzidas pelo recorrente, na oposição à retificação do registo, nem no recurso hierárquico, nem na impugnação judicial apresentada junto do Tribunal a quo, limitando-se a referir o art.º 121.º do CRP e a remeter para a decisão da Senhora Conservadora em termos gerais e abstratos.
56ª O que salvo o devido respeito. fez incorrer o tribunal a quo. em violação do disposto nas alíneas b) e d) do n o 1 do art.º 615ª do CPC, o que fere a sentença de nulidade.
57ª Assim, andou mal o douto tribunal a quo na parte em que decidiu sem mais julgar improcedente a impugnação judicial e manter a decisão da Sra. Conservadora.
58ª Pelo que, face a todo supra exposto, deve a sentença ora em crise ser considerada nula, nos termos e para os efeitos do art.º 615º n.º 1 alíneas b) e d) do CPC e ainda porquanto, e salvo o devido respeito, a sentença viola normas jurídicas e procedimentos legais e ainda incorreu em erro na interpretação e qualificação jurídica dos factos, violação das normas aplicáveis, e erro de julgamento, em consequência, deve o presente recurso ser julgado procedente, por provado, e em consequência, ser revogada a sentença substituindo-a por outra que julgue procedente a impugnação judicial e revogue a decisão da Senhora Conservadora.

Vislumbrando-se que a Impugnação judicial não podia ter por objecto a decisão proferida no recurso hierárquico e, nessa medida, não era legalmente admissível, devendo ter sido rejeitada com esse fundamento, que tal questão é de conhecimento oficioso e que, sendo assim, seria caso de revogar a decisão recorrida e a sua substituição por outra que não admita a impugnação deduzida, foi determinado se ouvisse as partes em 10 dias.

Nenhuma se pronunciou

2. Questões a apreciar

2.1. O objecto do recurso, é balizado pelo teor do requerimento de interposição (artº 635º nº 2 do CPC), pelas conclusões (art.ºs 608º n.º 2, 609º, 635º n.º 4, 637º n.º 2 e 639º n.ºs 1 e 2 do CPC), pelas questões suscitadas pelo recorrido nas contra-alegações em oposição àquelas, ou por ampliação (art.º 636º CPC) e sem embargo de eventual recurso subordinado (art.º 633º CPC) e ainda pelas questões de conhecimento oficioso cuja apreciação ainda não se mostre precludida.

Tendo em consideração as conclusões do recorrente as questões que se colocavam eram, em essência:
- a sentença padece das nulidades a que se referem as alíneas b) e d) do n.º 1 do art.º 615º do CPC;
- a sentença incorreu em erro de julgamento.

2.2. No entanto, o desenvolvimento dos autos, que consta do Relatório que antecede, suscita uma questão, de conhecimento oficioso, que está a jusante de todas aquelas questões, que é susceptível de conduzir à procedência do recurso, mas que prejudica a apreciação de todas aquelas questões e que se traduz no seguinte: a Impugnação judicial não podia ter por objecto a decisão proferida no recurso hierárquico e, nessa medida, não era legalmente admissível.

3. Fundamentação de facto

As incidências fáctico- processuais  relevantes  para a decisão  são as indicadas no antecedente relatório que aqui se dão por reproduzidas.

4. Direito

Na sequência do envio, a 29/04/2019, de um oficio, pela Secretaria do J ... do Juízo de Trabalho ... - Tribunal Judicial da Comarca ... à Conservatória do Registo Predial ..., a pedir a reposição de uma inscrição de penhora que havia sido cancelada, A ...3/5/2019 a Sra. Conservadora em substituição ordenou que o referido oficio, com os documentos que o acompanhavam, fosse autuado como processo de retificação nos termos do artigo 120º e seguintes do Código do Registo Predial.

O processo de retificação de registo está regulado no Capitulo II do Código de Registo Predial, o qual integra o Título VI do mesmo Código, que tem como epigrafe “Do suprimento, da retificação e da reconstituição do registo” e o respectivo regime jurídico está essencialmente estabelecido nos artigos 120º a 132º D, dispondo, no entanto, o art.º 120º, que  O processo previsto neste capítulo visa a retificação dos registos e é regulado pelos artigos seguintes e, subsidiariamente e com as necessárias adaptações, pelo Código de Processo Civil.

No que aos autos releva, importa atentar especificamente nas normas que emanam dos artigos 130º e 131º - C.

Assim e no que ao art.º 130º respeita, dispõe o seu n.º 1 (sublinhado nosso) que A decisão sobre o pedido de retificação pode ser impugnada mediante interposição de recurso hierárquico para o conselho diretivo do Instituto dos Registos e do Notariado, I.P., ou mediante impugnação judicial para o tribunal da comarca da área da circunscrição a que pertence o serviço de registo, nos termos dos números seguintes.

Assim e à luz deste normativo, abrem-se duas possibilidades de impugnação da decisão do conservador: a impugnação hierárquica ou a impugnação judicial.

Os n.ºs 2 e 3 estabelecem as consequências de se optar pela impugnação judicial e apenas desta: preclude o direito à interposição de recurso hierárquico, e equivale à desistência deste, quando por si já interposto ( n.º 2 ); suspende o processo de recurso hierárquico anteriormente interposto por qualquer outro interessado, até ao trânsito em julgado da decisão que ponha termo àquela impugnação.

As consequências da dedução de recurso hierárquico constam do art.º 131º -C.

No caso, o agora recorrente optou pela dedução de recurso hierárquico, o qual foi indeferido liminarmente.

Releva então o disposto no art.º 131º - C, cujo n.º 1 dispõe (sublinhado nosso):

1 - Tendo o recurso hierárquico sido julgado improcedente o interessado pode ainda impugnar judicialmente a decisão sobre o pedido de retificação.

Em primeiro lugar verifica-se que a norma, muito embora se refira apenas ao caso de o recurso hierárquico sido julgado improcedente, deve ser interpretada no sentido de abranger, por interpretação extensiva, todas as decisões que ponham termo ao procedimento, seja uma decisão de indeferimento liminar (porque o pedido é manifestamente improcedente ou porque ocorrem, de forma evidente, exceções dilatórias insupríveis de conhecimento oficioso), seja uma decisão final que conheça do mérito.

Em segundo lugar, decorre deste normativo que, tendo o recurso hierárquico sido julgado improcedente, o interessado pode ainda impugnar judicialmente a decisão do conservador.

Ou seja: tendo o interessado optado pela possibilidade de deduzir recurso hierárquico – uma das opções conferidas pelo n.º 1 do art.º 130º, para impugnar a decisão do conservador – o citado n.º 1 estabelece as consequências dessa opção – não precludiu a possibilidade de impugnar judicialmente a decisão do conservador, que agora pode actuar.

 Mas – e é este o ponto que aqui cabe enfatizar – apenas se permite impugnar a decisão do conservador e não a decisão do IRN sobre o recurso hierárquico.
Aliás, tanto assim é, que há uma clara diferença com o n.º 2 do art.º 131º -C, pois neste dispõe-se (sublinhado nosso) que Tendo o recurso hierárquico sido julgado procedente, pode qualquer outro interessado, na parte que lhe for desfavorável, impugnar judicialmente a decisão nele proferida.

E a razão de ser da diferenciação reside no seguinte: no primeiro caso a decisão do Sr. Conservador é mantida na ordem jurídica; no segundo caso, isso não sucede: essa decisão é substituída por outra, sendo esta que passa a valer na ordem jurídica.

O n.º 3 do art.º 131º - C dispõe que A impugnação é proposta mediante apresentação do requerimento no serviço de registo competente, no prazo de 10 dias a contar da data da notificação da decisão.

No caso concreto verifica-se que o agora recorrente deduziu impugnação judicial.

Mas tal impugnação não teve por objecto a decisão da Sra. Conservadora da Conservatória do Registo Predial ..., mas sim a decisão proferida no recurso hierárquico.

Desde logo é isso que está expresso na primeira página da impugnação ao afirmar-se (sublinhados nossos) que notificado do despacho de indeferimento liminar do recurso hierárquico interposto da decisão de improcedência do pedido de retificação, por dele não se conformar, vem deduzir IMPUGNAÇÃO JUDICIAL…”

E isso é reiterado:
- na Conclusão 1ª, onde se afirma (sublinhados nossos): “A presente impugnação judicial é interposta do despacho do Conselho Superior do Instituto dos Registos e do Notariado na sequência de interposição de recurso hierárquico…”
- na Conclusão 16ª: (…) não obstante, no despacho recorrido do Conselho do IRN se ter entendido que (…) veio a final e, sem mais, decidir que não assistia legitimidade ao recorrente para recorrer.
- na Conclusão 17ª: Ora, o recorrente não se pode conformar com tal decisão (…)
- na Conclusão 18ª: A decisão de indeferimento liminar do recurso hierárquico, padece (…);
- na Conclusão 21ª: “ Pelo que, impunha-se, salvo melhor opinião, que fosse o recurso hierárquico admitido (…);
- na Conclusão 22ª: Não se compreende como, o despacho que se impugna (…)
- na Conclusão 23ª: Crê-se que, com o indeferimento liminar do recurso hierárquico (…);
- na Conclusão 29ª: Porém, o despacho que se impugna, decidiu-se pelo indeferimento liminar do recurso hierárquico (…);
- na Conclusão 30ª: Salvo o devido respeito, incorreu o despacho impugnado, (…).

O agora recorrente invocou o disposto no art.º 145º n.º 1 do CRP.

O referido normativo integra o TÍTULO VII do CRPredial, cuja epígrafe é “Da impugnação das decisões do conservador”

Se face à epigrafe seria de esperar encontrar neste Titulo um conjunto de normas gerais relativas á impugnação das decisões do conservador, isso não sucede, pois logo o n.º 1 do art.º 140º especifica o seu campo de aplicação (sublinhado nosso): 1 - A decisão de recusa da prática do ato de registo nos termos requeridos pode ser impugnada mediante a interposição de recurso hierárquico para o conselho diretivo do Instituto dos Registos e do Notariado, I.P., ou mediante impugnação judicial para o tribunal da área de circunscrição a que pertence o serviço de registo.

Portanto, este Titulo, que abrange os artigos 140º a 149º, tem por objecto uma outra decisão do conservador: a de recusa do registo.

Na restante parte é idêntico ao n.º 1 do art.º 130º do CPRedial.

E, correspondentemente, o n.º 1 do art.º 145º é idêntico ao n.º 1 do art.º 131º -C: “ 1 - Tendo o recurso hierárquico sido julgado improcedente, o interessado pode ainda impugnar judicialmente a decisão de qualificação do ato de registo.”

Destarte, também aqui não se prevê a impugnação do recurso hierárquico.

Em face de tudo o exposto, a Impugnação judicial deduzida não podia ter por objecto a decisão proferida no recurso hierárquico, pelo que a mesma não era legalmente admissível, devendo ter sido rejeitada com esse fundamento.
Esta questão da admissibilidade da impugnação judicial deduzida está a jusante, é anterior e prévia a todas as questões suscitadas no recurso e prejudica a apreciação das mesmas.

De facto, não é possível apreciar as nulidades da sentença ou o erro de julgamento, se a impugnação deduzida não tinha um objecto legalmente admissível.

E, tratando-se, como se trata de uma questão de admissibilidade legal do objecto da impugnação e, portanto, de uma questão de aplicação do direito, estamos perante uma questão de conhecimento oficioso.

Em face de tudo o exposto, impõe-se revogar a decisão recorrida, que se substitui por outra que não admite a impugnação judicial deduzida pelo recorrente.

5. Decisão

Termos em que acordam os Juízes que compõem a 1ª Secção da Relação de Guimarães em revogar a decisão recorrida, que se substitui por outra que não admite a impugnação judicial deduzida pelo recorrente.
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Custas pelo recorrente – art.º 527º n.º 1 do CPC
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Notifique-se
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Guimarães, 16/03/2023

(O presente acórdão é assinado electronicamente)
           
Relator: José Carlos Pereira Duarte
Adjuntos:  Maria Gorete Roxo Pinto Baldaia de Morais
José Fernando Cardoso Amaral