RESOLUÇÃO PELO TRABALHADOR
JUSTA CAUSA DE RESOLUÇÃO
DEVER DE OCUPAÇÃO EFECTIVA
ABUSO DE DIREITO
Sumário

I - O direito do trabalhador de resolver o contrato de trabalho tem de ser fundamentado na violação de obrigações contratuais por parte do empregador, a qual tem de consubstanciar um comportamento ilícito, culposo e que em razão da sua gravidade implique a insubsistência da relação laboral.
II - A justa causa de resolução do contrato assenta na ideia de inexigibilidade da manutenção da relação de trabalho, a apreciar, com as necessárias adaptações, nos termos do n.º 2 do artigo 396.º do Código do Trabalho de 2003.
III - Estando demonstrado que a R. (empregadora) deixou de distribuir ao A. (trabalhador) que exercia funções de motorista, veículo ou transporte ou qualquer outra tarefa para executar, quando aos demais motoristas eram distribuídas tarefas, é de afirmar que a mesma violou o direito à ocupação efectiva que assiste ao trabalhador.
IV - Este comportamento da R. ao manter o A. inactivo, quando a outros motoristas era distribuído serviço, assume natureza discriminatória, tanto mais que não se demonstrou a existência de qualquer causa objectiva ou qualquer interesse legítimo da R. que justificasse a colocação do A. em inactividade.
V - Resultando provado que a R. manteve o A. nessa situação de inactividade por um período de tempo superior a 18 meses e que, em consequência desse comportamento, o A. passou a sofrer problemas graves de saúde, está demonstrado que a violação culposa da R. do dever de ocupação efectiva, assumiu grande gravidade, não sendo, por isso, exigível que o A. permanecesse ligado à empresa por mais tempo.
VI - A resolução do contrato de trabalho operada pelo A. com invocação de justa causa, não padece de abuso de direito, não assumindo, neste contexto, relevância, a circunstância de o A. ter comunicado a resolução do contrato à R. após esta lhe ter comunicado o encerramento do terminal em Setúbal e a sua transferência para o terminal de Camarate, uma vez que o comportamento da R. integrava justa causa de resolução do contrato, permitindo ao A. fazer cessar o vínculo laboral, independentemente de eventuais alterações que se anunciassem, para o futuro, no objecto e execução de tal vínculo, tanto mais que nem sequer havia qualquer expectativa ou garantia por parte do A. de que, com a sua transferência para o terminal de Camarate, viesse a cessar a sua situação de inactividade.

Texto Integral



Acordam na Secção Social do Supremo Tribunal de Justiça:

I. O autor AA pede, na presente acção com processo comum contra a ré A Transportadora L..., Lda, que se declare ter procedido à resolução do contrato de trabalho com justa causa e que a ré seja condenada a pagar-lhe a quantia global de € 27.085,00.
Alegou, para tal, em síntese, e no que aqui interessa, que a R. o manteve inactivo durante vários meses, como forma de castigo, provocando-lhe não só prejuízos materiais, mas ainda sofrimento psicológico e moral, razão por que ele A. resolveu o contrato de trabalho, com invocação de justa causa, o que lhe confere direito à respectiva indemnização.
A Ré contestou, sustentando que o Autor agiu com abuso de direito, na medida em que resolveu o contrato de trabalho apenas quando soube que iria ser transferido para Camarate, na sequência do encerramento do terminal de Setúbal.
Mais invocou que ocorreu a caducidade do direito do Autor à resolução do contrato, por tal ter sido exercido 18 meses após a verificação dos factos que lhe deram origem.
Em sede de impugnação, alegou que ocorreu a redução substancial da actividade no terminal de Setúbal, motivada por razões externas à empresa, pelo que existiam diversos trabalhadores, entre eles o próprio Autor, sem nada para fazer, porque simplesmente não existia trabalho que lhes pudesse ser destinado.
Impugnou ainda os invocados danos morais, afirmando que a eventual doença depressiva do Autor não decorre da sua inactividade laboral, e ainda que não pode o Autor, simultaneamente, peticionar uma indemnização por tais danos e uma outra por antiguidade, nos termos do art. 443.º n.º 1 do Código do Trabalho.
Afirmou ter pago as férias e o subsídio de férias vencidos em 2007, bem como os respectivos proporcionais, num total de € 1.419,21.

Deduziu pedido reconvencional, relativo a dois meses de pré-aviso em falta, num total de € 1.304,78, e ainda um outro de € 4.756,18, relativo a danos provocados pelo Autor, no exercício da sua actividade profissional.

Na resposta, o Autor reafirmou a sua pretensão pugnando pela improcedência das excepções invocadas e impugnando a matéria reconvencional.

Foi proferido despacho, admitindo o pedido reconvencional apenas quanto ao pagamento da quantia de € 1.304,78, nos termos dos arts. 100.º e 101.º da contestação, não sendo admitido no restante.
E relegou-se para final o conhecimento das excepções de abuso de direito e de caducidade invocadas na contestação.

Após julgamento, foi proferida sentença, que decidiu julgar a acção parcialmente procedente, declarando que o Autor AA procedeu com justa causa à resolução do contrato de trabalho, condenando-se a Ré A Transportadora L..., Lda., a pagar-lhe a quantia de € 14.294,19, a título de indemnização, nos termos do art.º 443º, n.º 1 do Código do Trabalho, acrescida de juros de mora, à taxa a que se refere o art. 559.º n.º 1 do CCivil, contados desde a citação e até integral pagamento.

A Ré apelou, tendo a Relação de Évora julgado o recurso improcedente e confirmado a sentença.

II. Novamente inconformada, a R. interpôs a presente revista em que apresentou as seguintes conclusões:

a) O Autor não provou que após um processo disciplinar, a Recorrente o castigou, não lhe distribuindo trabalho e que o quis castigar propositadamente.
b) As testemunhas do Autor não confirmaram tais alegações.
c) Ambos atestaram a diminuição do trabalho do terminal de Setúbal, e a existência de um número maior de motoristas do que viaturas, confessando uma que também esteve inactivo durante meses, por falta de trabalho.
d) A testemunha da Recorrente (BB – responsável do armazém) também confirmou tais factos, que o Autor era o menos dedicado e que exigia sempre a presença de um ajudante de motorista.
e) Mais confirmou que a zona de Almada (distribuição e recolha de mercadorias) foi transferida para o terminal de Lisboa em data anterior ao acidente que o Autor provocou em Junho de 2005.
f) Salientou que o Autor desempenhava as suas funções de forma deficiente, pelo que evitava servir-se dos seus serviços por razões de rentabilidade, garantindo que nunca recebeu qualquer indicação da gerência para o discriminar e que o Autor nunca se queixou da falta de serviço.
g) O depoimento da testemunha da Recorrente CC confirmou integralmente tais factos.
h) Nenhuma prova foi feita – ainda que indiciária – no sentido de que a Recorrente ou o responsável do armazém agiu com intenção de castigar propositadamente o Autor.
i) A Sentença e o Acórdão são omissos quanto a prova da alegada discriminação do Autor: Não refere se foi dada como provada ou não provada.
j) Nunca a Recorrente teve tal comportamento com nenhum dos seus trabalhadores.
k) Não foi provado que a Recorrente tivesse conhecimento da doença do Autor – nem alegado foi.
l) Os documentos juntos pelo Autor não provam a existência do nexo de causalidade entre o comportamento da entidade patronal e a doença do Autor.
m) Os factos ocorridos em 15 de Junho de 2005 não foram objecto de qualquer punição.
n) A inactividade do Autor ficou a dever-se à transferência da volta de Almada para o terminal de Setúbal, em data anterior aos acontecimentos de 15 de Junho de 2005, na baixa de Setúbal.
o) A inactividade do Autor ficou a dever-se a razões de ordem empresarial (de ordem técnica e económica) e não a qualquer castigo encapotado por parte da Ré.
p) Tal questão não foi valorizada no Acórdão sub judice, sendo puramente omitida.
q) A Recorrente provou que a inactividade se verificou em data anterior ao que é alegado e por razões diferentes, caindo por terra a penalização encapotada ou a aplicação de uma sanção sem prévio processo disciplinar.
r) Não existiu qualquer comportamento culposo da Recorrente ou de algum seu representante por acção ou omissão.
s) Não foi ponderada a "culpa" da Recorrente com base em critérios de objectividade, razoabilidade e outros elementos citados.
t) O Autor despediu-se após receber a carta da Recorrente, dando conhecimento da transferência do terminal.
u) A Recorrente fez prova suficiente quanto às causas que lhe assistem e como tal ilidiu a presunção do art. 799 n°. 1 do Código Civil.
v) No Acórdão deveriam ser ponderados, também, os seguintes motivos indicados e provados pela Ré:
· Existência no terminal de Setúbal de um maior número de motoristas do que viaturas;
· Transferência de duas áreas de recolha e entrega de mercadorias para o terminal de Lisboa, por motivos operacionais, de rentabilidade e económicos;
· Falta de zelo e diligência do Autor;
· Direito que assiste à entidade patronal na escolha do trabalhador que execute as tarefas ou trabalho em melhores condições;
· O Autor – regra geral – recusava conduzir sem ajudante e o único também se recusava a acompanhá-lo.
w) O Autor actuou com abuso de direito.
x) Aproveitou a transferência do terminal para tentar obter uma indemnização de maior valor.
y) A inactividade do Autor iniciou-se antes de 15 de Junho de 2005.
Terminou pedindo a revogação do acórdão recorrido, com a sua absolvição do pedido e com a condenação do A. a pagar-lhe a quantia de € 1.304,78 pelo não cumprimento do prazo de aviso prévio, ou se assim se não entender, com a redução do valor a pagar ao Autor já que não existiu qualquer ilicitude no comportamento da Ré.

O A. contra-alegou, defendendo a confirmação do julgado.

No seu douto Parecer, não objecto de resposta das partes, a Ex.ma Procuradora-Geral Adjunta neste Supremo pronunciou-se no sentido de ser negada a revista.

III. Colhidos os vistos, cumpre decidir.

Sabido que o objecto dos recursos é delimitado pelas suas conclusões (art.ºs 684º, n.º 3 e 690º, n.º 1 do CPC, na redacção vigente à data da propositura da acção, que ocorreu em 5.3.2007), estão em causa, na revista, as seguintes questões:
- a da pretendida impugnação da matéria de facto;
- a de saber se procede, ou não, a justa causa invocada pelo Autor para a resolução do contrato de trabalho e, em consequência, se tem direito, ou não, à indemnização que peticionou com esse fundamento;
- a de saber se o Autor agiu com abuso de direito;
- a de saber se a indemnização arbitrada ao Autor se mostra excessiva.

As instâncias deram como provados os seguintes factos, que aqui se mantêm, por não impugnados pelas partes e por não haver fundamento legal para os alterar:
1- A Ré tem por objecto o transporte de mercadorias;
2- O A. foi admitido ao serviço da Ré, mediante contrato de trabalho a termo certo de três meses, em 01.08.1990, tendo o contrato sido renovado, mantendo-se o A. em exercício de funções até 05.01.2007;
3- O A., que possui carta de condução de veículos pesados, foi contratado com a categoria profissional de motorista de viaturas pesadas, conduzindo habitualmente uma viatura dessa classe, cuidando da sua manutenção, verificando níveis de óleo e água, bem como o respectivo estado geral;
4- À data do contrato, a retribuição base mensal acordada foi de 60.000$00, sendo que em Janeiro de 2007 a mesma estava fixada em € 576,39, acrescida de € 76,00 a título de diuturnidades;
5- Até Junho de 2005, o A. efectuava, a mando da Ré, a entrega de mercadorias porta a porta, estando sedeado no terminal de Setúbal da Ré;
6- Em 08.06.2005, a Ré instaurou ao A. um processo disciplinar, no qual lhe enviou nota de culpa em 27.06.2005 e proferiu o relatório e decisão final de 14.11.2005, aplicando a sanção disciplinar de dois dias com perda de vencimento, como melhor consta do escrito de fs. 143 a 146 e que aqui se considera reproduzido;
7- Esta decisão não foi impugnada pelo A., que a cumpriu;
8- No dia 15.06.2005, por indicação do seu superior hierárquico, o A. deslocou-se com uma viatura pesada do terminal de Setúbal a Pegões, a fim de recolher dois bidões de produtos químicos e tóxicos nas instalações de uma cliente, devendo transportá-los para o terminal da Ré, sito na Av. dos Combatentes da Grande Guerra, n.º 15, em Setúbal;
9- A viatura foi carregada e ficou pronta cerca das 12.30 horas, saindo em seguida o A. das instalações dessa cliente;
10- Porém, o A. não se dirigiu de imediato para o terminal de Setúbal;
11- Cerca das 17.00 horas, quando se deslocava com a referida viatura na Av. S. Francisco Xavier, em Setúbal, os dois bidões rebentaram a porta metálica traseira da viatura, caíram e verteram o produto que transportavam na via;
12- Nessa sequência, a via foi encerrada ao trânsito de veículos e pessoas, comparecendo no local a polícia, os bombeiros e uma equipa de uma empresa de reciclagem;
13- A via só foi aberta cerca das 23.25 horas desse dia;
14- Estes factos foram objecto de notícia na comunicação social;
15- A viatura que o A. conduzia pesava mais de 14.500 Kgs., sendo que a Av. S. Francisco Xavier não permite a circulação de viaturas com mais de 5.500 Kgs., para além de ser de inclinação acentuada;
16- Para aceder ao terminal de Setúbal da Ré, o A. não necessitava de circular nessa via;
17- Por tais factos, a Ré iniciou um processo de inquérito, mas não chegou a deduzir qualquer nota de culpa;
18- No entanto, a partir dessa data, não mais foi distribuída qualquer tarefa ao A., com ressalva de 2 ou 3 transportes pontuais;
19- O A. apresentava-se todos os dias (excepto nas datas em que se encontrava de férias ou de baixa) às 8.45 hs., permanecendo nas instalações da Ré até às 18.30 hs. – com ressalva de situações pontuais em que solicitou ao seu superior hierárquico autorização para se ausentar a fim de tratar de assuntos pessoais;
20- No entanto, não era distribuído ao A. veículo ou transporte, ou qualquer outra tarefa para executar;
21- Aos demais motoristas da Ré, servindo no terminal de Setúbal, eram distribuídas tarefas, nenhum tendo estado inactivo como ocorreu com o A.;
22- Pretendeu a Ré castigar por esse modo o A. pelos factos ocorridos em 15.06.2005, sentindo-se este ferido no seu brio e dignidade;
23- O A. foi suportando a situação, pois precisava do salário para fazer face às despesas do seu agregado familiar;
24- Por esta situação, o A. sentiu angústia e desgosto, começando a andar deprimido e nervoso;
25- Começou a ser seguido por psicólogos e psiquiatras a partir do Verão de 2006;
26- Em Agosto de 2006 foi-lhe diagnosticado sintomatologia depressiva com significativa componente de ansiedade, sendo tratado com anti-depressivos e tranquilizantes;
27- Foi acompanhado em consultas de psico-terapia pela Dr.ª DD, Psicóloga Clínica, a qual lhe detectou o seguinte:
- a ansiedade de que sofre o A. afecta-lhe a percepção e a concentração, aumentando a dificuldade em discriminar detalhes essenciais dos não essenciais;
- apresenta dificuldade de análise visuo-espacial;
- revela rigidez e um tipo de funcionamento mais concreto;
- manifesta susceptibilidade à fadiga, distracção e impulsividade;
- apresenta sintomas de desajustamento emocional;
- ao nível da análise dos sintomas de desajustamento emocional, apresenta valores bastante acima do esperado na escala de somatização, o que reflecte um mal-estar resultante da percepção do funcionamento somático, ou seja, queixas centradas no corpo;
- apresenta um resultado acima do esperado ao nível das obsessões/compulsões, manifestando-se em pensamentos, impulsos e acções experimentadas como persistentes e que surgem essencialmente no campo laboral;
- também na escala de ideação paranóide, apresenta valores acentuados, que se traduzem em hostilidade, egocentrismo e medo de perda de autonomia;
- a depressão e a ansiedade surgem associados, essencialmente, ao contexto laboral;
- sente grande irritação interna, podendo ser potencialmente disruptiva para a personalidade;
- a diminuição da eficácia cognitiva a intelectual surge na sequência do quadro depressivo e está essencialmente associada ao contexto laboral;
- onde revela sentir grande mal-estar, cansaço, falta de motivação e de iniciativa;
- salienta uma grande susceptibilidade à fadiga, que perturba o seu desempenho, eficácia, capacidade de memória, atenção e concentração;
- apresenta com frequência experiências intensas de depressão ou maior vulnerabilidade para estados depressivos ou para sofrer alterações nos estados de ânimo;
28- Por carta datada de 27.12.2006, recebida no dia seguinte, a Ré comunicou ao A. que iria encerrar o terminal de Setúbal no dia 31.01.2007 e transferir no dia seguinte todos os funcionários para o terminal de Camarate, invocando uma diminuição drástica do número de encomendas à distribuição e afirmando que pagaria a importância correspondente ao passe mensal de transporte público entre Setúbal e Lisboa, tudo como melhor consta do escrito de fs. 23 e que aqui se considera reproduzido;
29- Por carta datada de 04.01.2007, registada e com A/R, recebida no dia seguinte, o A. comunicou à Ré que procedia à resolução do seu contrato de trabalho, com efeitos a partir da data de recepção da mesma, nos termos que melhor constam do escrito de fs. 36/37 e que aqui se considera reproduzido;
30- A esta carta respondeu a Ré por outra de 29.01.2007, não aceitando os motivos invocados pelo A., como melhor consta do escrito de fls. 140/141 e que aqui se considera reproduzido;
31- O A. é sócio do STRUP - Sindicato dos Trabalhadores de Transportes Rodoviários e Urbanos de Portugal;
32- Desde há vários anos que o terminal de Setúbal acumulava prejuízos, sendo o valor da facturação insuficiente para pagar os salários dos seus trabalhadores;
33- Em 2003 o prejuízo foi de € 101.180,77, em 2004 de € 115.360,90, em 2005 de € 89.924,72 e em 2006 de € 118.386,24;
34- Devido à diminuição drástica de encomendas no terminal, existiam dias em que alguns trabalhadores não executavam tarefas;
35- Outros trabalhadores da Ré permaneceram em casa vários meses, por doença;
36- A Ré não recebeu qualquer visita da IGT em consequência dos factos alegados pelo A. na sua carta de resolução do contrato de trabalho;
37- Com data de 15.01.2007, a Ré emitiu o recibo de fs. 148/149, que aqui se considera reproduzido, pagando ao A. a quantia global de € 1.419,21, através de cheque que este recebeu.
IV. Conhecendo:

A R. retoma, na revista, a impugnação, desatendida pelo acórdão recorrido, da decisão da matéria de facto que havia formulado na apelação.

Fá-lo em termos essencialmente idênticos aos da sua apelação.

Estão em causa, nos termos sintetizados nas conclusões a) a i) da revista, as respostas que deram origem aos factos indicados sob os n.ºs 17 a 22 da matéria de facto, em III do presente acórdão, respostas que a recorrente pretende ver alteradas, no sentido que aponta.

Apreciando:

A R. não tem razão.

Como é sabido, são reduzidos e excepcionais os poderes do STJ, no domínio da matéria de facto, poderes esses definidos nos art.ºs 722º, n.º 2 e 729º, n.ºs 2 e 3 do CPC (na redacção anterior ao DL n.º 303/2007, de 24.08, a aplicável ao caso dos autos).

Dispõe o art.º 729º:

“1. Aos factos materiais fixados pelo tribunal recorrido, o Supremo aplica definitivamente o regime jurídico que julgue adequado.

2. A decisão proferida pelo tribunal recorrido quanto à matéria de facto não pode ser alterada, salvo o caso excepcional previsto no n.º do artigo 722º.

3. O processo só volta ao tribunal recorrido quando o Supremo entenda que a decisão de facto pode e deve ser ampliada, em ordem a constituir base suficiente para a decisão de direito, ou que ocorrem contradições na decisão sobre a matéria de facto que inviabilizam a decisão jurídica do pleito”.

E, por sua vez, preceitua o n.º 2 do art. 722º:

“O erro na apreciação das provas e na fixação dos factos materiais da causa não pode ser objecto de recurso de revista, salvo havendo ofensa de uma disposição expressa da lei que exija certa espécie de prova para a existência do facto ou que fixe a força de determinado meio de prova”.

No caso em apreço, as respostas que a R. pretende ver alteradas reportam-se a matéria de facto submetida ao princípio geral da liberdade de julgamento e da livre e prudente convicção do julgador, previsto no n.º 1 do art.º 655º do CPC - (1)”. , domínio em que é vedado a este Supremo, nos termos dos referidos art.ºs 722º, n.º 2 e 729º, n.º 2, censurar a convicção a que as instâncias, mais concretamente no caso, a Relação chegou, com base na prova testemunhal sobre os respectivos pontos de facto.

E, assim sendo, não há lugar à alteração das respostas à matéria de facto em causa, improcedendo, pois, a revista neste ponto.

O acórdão recorrido, em que já estavam em causa as questões ora retomadas na revista, fundamentou assim a sua decisão de confirmação da sentença, no que respeita à verificação da justa causa de resolução do contrato de trabalho, por parte do A. e ao não preenchimento do abuso de direito, por parte deste, no exercício dessa resolução:

« Como tem salientado a doutrina e a jurisprudência, nem toda a violação de obrigações contratuais por parte do empregador confere ao trabalhador o direito de resolver o contrato, sendo necessário que o comportamento seja ilícito, culposo e que em razão da sua gravidade implique a insubsistência da relação laboral.“- (2).
Direito do Trabalho, Júlio Manuel Vieira Gomes, Coimbra Editora, pág 1038 e segs.
O conceito de justa causa acolhido pelo art. 441º nº 1 do Código do Trabalho tem de ser entendido de forma similar com o consagrado no art. 396º nº 1 do mesmo diploma legal, tanto mais que o nº 4 do primeiro preceito legal citado refere que a justa causa imputável ao empregador deve ser apreciada nos termos estabelecidos para o despedimento por facto imputável ao trabalhador.
Como refere o Professor Monteiro Fernandes, em Direito do Trabalho, 13ª edição, Almedina, pág. 610, esta via de desvinculação utilizável pelo trabalhador respeita a situações anormais e particularmente graves, em que deixa de ser-lhe exigível que permaneça ligado à empresa por mais tempo, isto é, pelo período fixado para o aviso prévio.
De qualquer forma, para que a resolução seja lícita, é preciso que o trabalhador invoque e demonstre a existência de justa causa.
O nº 4 refere que a justa causa é apreciada nos termos do nº 2 do artigo 396º com as necessárias adaptações.
Constata-se assim que esta noção de justa causa, tal como quando se trata de um despedimento promovido pela entidade patronal, assenta também na ideia de inexigibilidade da manutenção da relação de trabalho, agora do lado do trabalhador.
A resolução do contrato deve obedecer ao procedimento que está descrito no art. 442º, devendo a declaração de resolução ser feita por escrito, com indicação sucinta dos factos que a justificam, nos 30 dias subsequentes ao conhecimento desses factos.
A resolução do contrato com fundamento nos factos previstos no nº 2 confere ao trabalhador o direito a uma indemnização por todos os danos patrimoniais e não patrimoniais sofridos, devendo esta corresponder a uma indemnização a fixar entre 15 e 45 dias de retribuição base e diuturnidades por cada ano completo de antiguidade.
A ilicitude da resolução do contrato pode ser declarada por tribunal judicial em acção intentada pelo empregador, mas nessa acção em que for apreciada a ilicitude da resolução apenas são atendíveis para a justificar os factos constantes da comunicação referida no nº 1 do artigo 442º.
A resolução do contrato pelo trabalhador com invocação de justa causa, quando esta não tenha sido provada, confere ao empregador o direito a uma indemnização pelos prejuízos causados não inferior ao montante calculado nos termos do artigo 448º (art. 446º).
O art. 441º nº 1 al. b) do Código do Trabalho estatui que ocorrendo justa causa pode o trabalhador fazer cessar imediatamente o contrato.
Por seu turno, o nº 2 da mesma disposição legal dispõe que constitui justa causa de resolução do contrato pelo trabalhador a violação culposa das garantias legais ou convencionais do trabalhador.
Uma das garantias do trabalhador consagradas no art. 122º do Código do Trabalho consiste na proibição do empregador de obstar, injustificadamente, à prestação efectiva do trabalho (al.b).
A matéria de facto dada como provada nos pontos 17 a 22 é bem elucidativa no que diz respeito à situação profissional do Autor desde 15/06/2005, que se traduziu numa completa inactividade imposta pela Ré, com ressalva de dois ou três transportes pontuais.
Na verdade, ficou provado que desde então não eram distribuídas ao Autor veículo ou transporte, ou qualquer outra tarefa para executar, sendo certo que aos demais motoristas da Ré, servindo no terminal de Setúbal, eram distribuídas tarefas, nenhum tendo estado inactivo como ocorreu com o Autor.
Esta violação continuada do dever de ocupação efectiva assumiu grande gravidade, até pelas suas consequências directas na saúde do Autor, que se viu a braços com uma depressão.
Este comportamento da Ré ao manter o Autor inactivo, quando a outros motoristas era distribuído serviço, tem de se considerar discriminatório, particularmente grave ao ponto de ser inexigível que o trabalhador permanecesse ligado à empresa por mais tempo.
O facto do trabalhador ter feito cessar o contrato invocando a violação do dever de ocupação efectiva numa altura em que lhe foi comunicada a transferência para Camarate não denuncia de forma alguma que tenha actuado com abuso de direito, como pretende a recorrente.
Na verdade, quando ocorreu essa comunicação o Autor apenas vislumbrou que a sua situação profissional se poderia agravar, tanto mais que não lhe foi dada qualquer garantia de ocupação efectiva.
Concluímos assim pela licitude da resolução do contrato por parte do Autor, com as consequências que derivam do art. 443º do Código do Trabalho.
Finalmente a recorrente questiona o montante da indemnização fixada, alegando que é excessiva já que não existiu qualquer ilicitude no seu comportamento.
Como já se referiu, a violação continuada do dever de ocupação efectiva assumiu grande gravidade, com consequências directas na saúde do Autor, que se viu a braços com uma depressão, pelo que nada temos a apontar ao montante da indemnização fixada » (Fim de transcrição).
Reanalisadas as questões em apreço, concordamos, no essencial, com a transcrita fundamentação e com a consequente decisão de confirmação da sentença, o que nos dispensa de mais alargadas considerações e leva tão-só a precisar ou sublinhar alguns aspectos dessas questões.

Como foi entendido nas instâncias, sem discordância das partes, à resolução do contrato de trabalho operada por iniciativa do Autor, em 05.01.2007, com base em factos ocorridos a partir de 15.06.2005, é aplicável o regime estabelecido no Código do Trabalho, aprovado pela Lei nº 99/2007, de 27 de Agosto, entrado em vigor em 1.12.2003, face ao disposto nos art.ºs 3º e 8º de tal Lei.


Como resulta da fundamentação transcrita, o acórdão recorrido entendeu, em síntese, que, atenta a factualidade apurada, se verificava a justa causa de resolução invocada pelo Autor, dado que a Ré, ao colocar o Autor numa situação de completa inactividade, com ressalva de dois ou três transportes pontuais, desde 15.06.2005 até 04.01.2007, data em que o Autor comunicou à Ré a resolução do contrato, violou culposamente e de forma continuada o dever de ocupação efectiva previsto no artigo 122º, alínea b), do Código do Trabalho, comportamento esse que assumiu grande gravidade, com consequências directas na saúde do Autor, não lhe sendo, por isso, exigível que permanecesse ligado à empresa por mais tempo.

A Recorrente discorda, defendendo, em síntese, que o seu comportamento não foi culposo, já que a situação de inactividade do Autor se ficou a dever a causas objectivas indicadas e provadas pela Recorrente, como sejam: a existência no terminal de Setúbal de um maior número de motoristas do que viaturas; transferência de duas áreas de recolha e entrega de mercadorias para o terminal de Lisboa, por motivos operacionais, de rentabilidade e económicas; falta de zelo e diligência do Autor.
Sendo que a entidade patronal tem direito a escolher o trabalhador que execute as tarefas ou trabalho em melhores condições; acontecendo que o Autor, regra geral, recusava conduzir sem ajudante e o único ajudante também se recusava a acompanhá-lo.
Invoca ainda que a inactividade do Autor não pode ser entendida como um castigo que lhe foi aplicado pelo facto de ele, em 15.06.20005, ter provocado um acidente com o veículo da empresa que lhe estava distribuído nesse dia, uma vez que a inactividade do Autor ocorreu antes de 15 de Junho de 2005.

Apreciadas estas objecções da Recorrente, há que dizer, como justamente faz o douto Parecer da Ex.ma Procuradora-Geral Adjunta, que as mesmas não têm qualquer apoio na factualidade apurada.
Como aí acertadamente se refere, ficou provado que, a partir de 15.06.2005, não foi distribuída ao Autor qualquer tarefa, com ressalva de 2 ou 3 transportes pontuais (ponto 18); que o Autor se apresentava todos os dias na empresa, excepto nas datas em que se encontrava de férias ou de baixa, às 8,45h, permanecendo nas instalações da Ré até às 18h, sem que, no entanto, fosse distribuído ao Autor qualquer veículo ou transporte, ou qualquer outra tarefa para executar (pontos 19 e 20); que aos demais motoristas da Ré, servindo no terminal de Setúbal, eram distribuídas tarefas, nenhum tendo estado inactivo como ocorreu com o Autor, tendo a Ré pretendido castigar, por esse modo, o Autor pelos factos ocorridos em 15.06.2005 (pontos 21 e 22); que desde há vários anos o terminal de Setúbal vinha acumulando prejuízos, sendo o valor da facturação insuficiente para pagar os salários aos seus trabalhadores (ponto 32); que devido à diminuição drástica de encomendas no terminal, existiam dias em que alguns trabalhadores não executavam tarefas (ponto 34).
Desta factualidade resulta que a Ré colocou o Autor em situação de inactividade a partir de 15.06.2005, com o intuito de o castigar por ele ter provocado o acidente ocorrido nesse dia, com a viatura da Ré por ele conduzida.
Ou seja, não foram as dificuldades económicas da Ré, nem a diminuição drástica das encomendas no terminal de Setúbal, que motivaram a falta de distribuição de tarefas ao Autor.
Nem se pode afirmar, como ela faz, que estava objectivamente impedida de ocupar o Autor e de que a situação de inactividade do Autor resultou de interessas legítimos dela Ré.
Como se lê no mencionado Parecer, “É inquestionável que a entidade patronal, no uso do seu poder determinativo da função, tem legitimidade para proceder à distribuição de tarefas segundo as necessidades da empresa e as aptidões dos seus trabalhadores. Mas também é ponto assente que o exercício desse poder tem como limites necessários o respeito das garantias e dos direitos dos trabalhadores decorrentes da relação de trabalho, nos quais se inclui o direito à ocupação efectiva (artigo 122º, alínea b), do Código do Trabalho)”.
E como aí também se sublinha, a Ré, a partir de 15.06.2005, data em que o Autor teve um acidente com a viatura da empresa, colocou deliberadamente o Autor em inactividade como forma de punição pelo facto de ele ter provocado o referido acidente.

Do exposto resulta que não se verificou qualquer causa objectiva ou qualquer interesse legítimo da Ré que justificasse a colocação do Autor em inactividade, sendo que tal actuação voluntária da Ré assumiu natureza discriminatória.
É de concluir, assim, como fizeram as instâncias, que a sua conduta, violadora do dever de ocupação efectiva, foi ilícita e culposa e que assumiu, em si mesma e nas suas consequências, acentuada gravidade, quer pela já referida motivação, quer porque a situação de inactividade do Autor perdurou por período significativo (de Junho de 2005 até à data da cessação do contrato, verificada em 05.01.2007), quer ainda porque pôs em causa o brio e a dignidade profissionais do A., quer, finalmente, porque causou ao Autor uma sintomatologia depressiva com significativa componente de ansiedade, obrigando-o a recorrer a psicólogos a partir do verão de 2006 (pontos 26 e 27 da matéria de facto provada).
Nesse quadro, não era exigível ao A. que se mantivesse vinculado ao contrato de trabalho.

E há que dizer que, à semelhança do entendimento perfilhado nas instâncias, não vemos que padeça de abuso de direito a resolução do contrato de trabalho, operada pelo A. com invocação de justa causa.
A esse respeito, subscrevemos a judiciosa posição da sentença, onde se deixou consignado o seguinte:
«Note-se que a Ré não pode invocar abuso de direito pela circunstância de tal carta» – refere-se à carta de 04.01.2007, pela qual o A. comunicou à R. a resolução do contrato de trabalho – «suceder a uma outra, por si remetida, em 27.12.2006, comunicando o encerramento do terminal de Setúbal e a transferência de todos os trabalhadores, inclusive o A., para o seu terminal de Camarate, em Lisboa. Com efeito, o A. já vinha suportando aquela situação» – de inactividade – «há cerca de 18 meses, fazendo-o porque necessitava do salário para fazer face às necessidades do seu agregado familiar.
Sendo-lhe comunicado que iria ser transferido para Lisboa, com um aumento objectivo da penosidade com que prestaria o seu trabalho, o A. não era obrigado a contemporizar com aquela situação por mais tempo – em especial quando corria o risco de ter de se deslocar todos os dias para Lisboa e permanecer no terminal de Camarate todo o dia, sem nada para fazer».
Posição acolhida, no fundo, no acórdão recorrido, ao referir-se que “quando ocorreu essa comunicação o Autor apenas vislumbrou que a sua situação profissional se poderia agravar, tanto mais que não lhe foi dada qualquer garantia de ocupação efectiva”.
Como já vimos, a R. incorreu em comportamento ilícito e culposo, violador do dever de ocupação efectiva, traduzido na inactividade injustificada a que submeteu o A., durante cerca de 18 meses, comportamento esse grave em si mesmo e nas suas consequências, em termos de tornar imediata e praticamente impossível a subsistência da relação de trabalho.
Ora, no quadro legal que se deixou referenciado, esse comportamento da R. integrava justa causa de resolução do contrato, permitindo ao A. fazer cessar o vínculo laboral, como fez, independentemente de eventuais alterações que se anunciassem, para o futuro, no objecto e execução de tal vínculo, sendo, aliás, como resulta do exposto, que nem sequer havia qualquer expectativa ou garantia por parte do A. de que, com a sua transferência para o terminal de Camarate, viesse a cessar a sua situação de inactividade.
Nada vem minimamente provado, na actuação do A., que permita dizer que ele, ao exercer o seu direito à resolução do contrato, tenha excedido – e, menos ainda, manifestamente – os limites impostos pela boa fé, pelos bons costumes ou pelo fim social ou económico desse direito, como exige o art.º 334º do Cód. Civil, sendo que à R. cabia o respectivo ónus de prova, por se tratar de facto impeditivo do direito accionado pelo A. (art.º 342º, n.º 2 do Cód. Civil).

Concluímos, assim, com as instâncias, que houve justa causa de resolução do contrato pelo A., nos termos do art.º 441º, n.ºs 1 e 2, b) do CT, com o consequente direito a indemnização a seu favor.

Quanto ao montante da indemnização arbitrada ao A.:
Ao formular o sentido da sua pretensão na revista, a R. pediu, no que aqui interessa, que, a concluir-se – como se concluiu acima – pela justa causa da resolução, deve ser reduzido o valor da indemnização a pagar pela R. ao A. “já que não existiu qualquer ilicitude no comportamento da Ré”.
E, lidas as conclusões da revista – que, como se disse, delimitam o objecto do recurso –, à semelhança do que, aliás, consta do corpo da alegação, constata-se que nada foi invocado no sentido dessa redução da indemnização, para além dos aspectos que se prendem com a invocada licitude do comportamento da R..
Ora, já acima concluímos pela ilicitude do comportamento da R., o que prejudica a apreciação da questão ora em apreço, independentemente da bondade ou não da posição, em abstracto ou no campo dos princípios, defendida pela R..
E não há outros aspectos em que a R. questione, autonomamente, a decisão do acórdão recorrido, na parte em que confirmou a indemnização arbitrada na sentença - (3)
, o que vale, por dizer, que nada mais há a apreciar, a esse respeito.
Em qualquer caso, mesmo que se admitisse que a impugnação feita pela R., na revista, obrigava a reapreciar a bondade da indemnização arbitrada – que foi calculada à razão de 40 dias da retribuição base e diuturnidades por cada ano completo de antiguidade do A. – sempre seria de a manter, por a mesma se nos afigurar ajustada.
Assim, o recurso improcede também nesta parte.


V. Pelo exposto, acorda-se em negar a revista, confirmando-se a decisão recorrida.
Custas da revista a cargo da R..

Supremo Tribunal de Justiça, 15 de Setembro de 2010


Mário Pereira (Relator)*
Sousa Peixoto
Sousa Grandão
____________________
(1) - Dispõe o art.º 655º: “1. O tribunal colectivo aprecia livremente as provas, decidindo os juízes segundo a sua prudente convicção acerca de cada facto. 2. Mas quando a lei exija, para a existência ou prova de facto jurídico, qualquer formalidade especial, não pode esta ser dispensada”.
(2)“- Cfr. Pedro Romano Martinez, Apontamentos sobre a Cessação do contrato de Trabalho à Luz do Código do Trabalho, edição da A.A.F.D.L, Lisboa 2005, pág. 153 e segs”.
(3)- O acórdão recorrido desatendeu a apelação, nessa parte, com a seguinte fundamentação: “Finalmente a recorrente questiona o montante da indemnização fixada, alegando que é excessiva já que não existiu qualquer ilicitude no seu comportamento.
Como já se referiu, a violação continuada do dever de ocupação efectiva assumiu grande gravidade, com consequências directas na saúde do Autor, que se viu a braços com uma depressão, pelo que nada temos a apontar ao montante da indemnização fixada”.
Sendo que a sentença, mantida pelo acórdão recorrido, fundamentou, assim, a indemnização arbitrada:
“Tem o A. direito à indemnização prevista no art. 443.° n.° 1 do CTrabalho, a fixar entre 15 e 45 dias de retribuição base e diuturnidades por ano completo de antiguidade. Como refere Pedro Romano Martinez, loc. cit., pág. 1007, «se, por exemplo, o trabalhador auferir uma retribuição base elevada e tiver vários anos de antiguidade, tendo sido invocado um motivo de justa causa cuja interpretação seja duvidosa, torna-se viável que a indemnização se fixe em quinze dias de retribuição base e de diuturnidades multiplicadas pela antiguidade; diferentemente, um trabalhador despedido por motivos religiosos, com uma retribuição base diminuta, poderá ver a indemnização fixada em quarenta e cinco dias.
No caso dos autos, sabemos que a situação de inactividade perdurou entre Junho de 2005 e a data de cessação da actividade, provocando ao A. uma sintomatologia depressiva com significativa componente de ansiedade, obrigando-o a recorrer a psicólogos e psiquiatras a partir do Verão de 2006 e sendo acompanhado em consultas de psico-terapia. No entanto, é preciso não olvidar que o escalão da indemnização não é, simplesmente, os 45 dias de retribuição base e diuturnidades por cada ano completo de antiguidade: varia entre 15 a 45 dias, dependendo da gravidade da infracção praticada pela entidade patronal e do montante da retribuição auferida.
Ponderando que está em causa a aplicação de uma sanção disciplinar sem precedência do respectivo processo e que a mesma teve uma duração absolutamente excessiva (18 meses), com prejuízo objectivo para a saúde do trabalhador, mas não olvidando que existem outras situações mais graves, como por exemplo as práticas discriminatórias, entendemos fixar a indemnização em 40 dias da retribuição base e diuturnidades.
Visto que a relação contratual durou 16 anos, 5 meses e 5 dias (158 dias), e que a retribuição base e diuturnidades do A. era de (€ 576,39 + 76,00) € 652,39, a indemnização corresponderá a [(652,39 x 16 x 40/30) + (652,39 x 158/365 x 40/30)] €14.294,19”.