PRODUTO DEFEITUOSO
RESPONSABILIDADE DO PRODUTOR
RESPONSABILIDADE OBJETIVA
PRESSUPOSTOS
OBRIGAÇÃO SOLIDÁRIA
CAUSA DE PEDIR
FUNDAMENTOS
DEVER DE INFORMAÇÃO
ÓNUS DA PROVA
NEXO DE CAUSALIDADE
ILICITUDE
MEDICAMENTO
RECURSO DE REVISTA
EXCEÇÃO DILATÓRIA
INIBIÇÃO
Sumário


I. Optando os Autores por demandar a Ré e interveniente por terem colocado no mercado produto defeituoso, não invocando quaisquer outros pressupostos de responsabilidade para além da responsabilidade objetiva do produtor, há que entender que é apenas no âmbito desta responsabilidade que pretendem a respetiva tutela, estando a mesma sujeita aos termos e limites previstos no DL n.º 383/89, de 06 de Novembro.
II. No exclusivo domínio da responsabilidade objetiva, o produtor não tem responsabilidade solidária, nem subsidiária, pelos danos decorrentes da desconformidade dos bens de consumo que não derivem de defeitos de fabricação ou da violação do dever de informação.

III. A solidariedade passiva que resulta do art. 519º nº 1 pressupõe uma pluralidade de sujeitos e uma mesma relação obrigacional.

IV. Tendo a Ré e Interveniente principal sido demandadas em ação configurada exclusivamente pela sua responsabilidade decorrente de produtos defeituosos, a solidariedade a que estão sujeitas, manifesta-se apenas entre si.

V. Um produto é defeituoso quando não oferece a segurança com que legitimamente se pode contar tendo em atenção todas as circunstâncias, designadamente a sua apresentação, a utilização que dele razoavelmente possa ser feita, e o momento da sua entrada em circulação.

VI. Em matéria de responsabilidade decorrente de produtos defeituosos, o lesado terá de alegar e provar o defeito, o dano e o nexo de causalidade entre o defeito e o dano, enquanto elementos constitutivos da responsabilidade objetiva.

VII. Provar o defeito e o nexo causal pode representar para o lesado um obstáculo difícil de ultrapassar, principalmente nos casos em que os produtos são demasiado complexos, sofisticados, com características especiais, cuja prova só pode ser levada a cabo por peritos ou técnicos especializados para o efeito, o que justifica se deva temperar essa prova com as regras da experiência da vida.

VIII. O efeito “falência vacinal” ou falta de eficácia da vacina não corresponde, só por si, a um defeito de fabrico ou a uma deficiência de informação do produto.

Texto Integral

Acordam no Supremo Tribunal de Justiça

I. Relatório

1. AA e BB, este, menor, representado por sua mãe, aqui 1ª Autora, instauraram a presente ação contra GLAXOSMITHKLINE – Produtos Farmacêuticos, Lda., pedindo que a Ré seja condenada:

a. A informar no Processo, suportado documentalmente, as medidas que tomou em relação à situação de falência vacinal do 2º A. e qual o estado da averiguação que fez quanto a esse mesmo evento e medidas que tomou, e vai tomar quanto à situação atual e futura do 2º A.;

b. A proceder ao imediato acompanhamento clínico do 2º A., com feitura de todos os exames médicos necessários com vista ao apuramento da causa e natureza da falência vacinal;

c. No pagamento, a título de danos morais, à 1ª A. da quantia de € 50.000,00 e ao 2º A. da quantia de € 75.000,00 (no total de € 125.000,00), com juros de mora sobre as importâncias em dívida, calculados à taxa legal e devidos desde a citação até integral pagamento.

Para o efeito, alegaram em síntese que nas datas de 28-08-2015 e 28-10-2015, o 2º Autor tomou duas doses de vacina, denominada Bexsero, para a meningite B.

Não obstante, em 18 de setembro de 2016 foi-lhe diagnosticada tal doença, o que ocorreu em virtude da falência da vacina que lhe foi administrada.

Tal situação provocou aos Autores os danos descritos na petição inicial.

Sendo a Ré produtora da vacina Bexsero, é responsável por ter colocado no mercado um produto defeituoso, devendo responder pelos mesmos, nos termos regulados pelo Decreto-Lei n.º383/89, de 6 de novembro, que regula o Regime da Responsabilidade Decorrente de Produtos Defeituosos.

2. A Ré contestou, defendendo-se por exceção e por impugnação.

Invocou, em síntese:

- A exceção dilatória da incapacidade judiciária do 2º Autor, por não estar representado por ambos os progenitores, mas apenas pela mãe, 1ª Autora.

- A exceção de ilegitimidade passiva, uma vez que os Autores terão pretendido demandar a produtora da vacina Bexsero, acabando por demandar apenas a distribuidora da mesma em Portugal –sociedade distinta –, deixando de fora da ação a produtora da vacina.

- A exceção inominada decorrente da impossibilidade em demandar judicialmente a Ré, em virtude do regime da solidariedade entre os devedores da prestação, porquanto os Autores propuseram prévia e autonomamente uma ação contra o Hospital da Luz de Lisboa e contra a Médica Pediatra que atendeu o 2º Autor, ação que assenta na mesma causa de pedir e que tem o mesmo pedido.

3. Os Autores deduziram o incidente de intervenção principal provocada de GSK VACCINES SRL, na qualidade de produtora da vacina.

4. O pai do 2º Autor juntou declaração por si subscrita em que ratificou o processado.

5. Por despacho de 10/11/2021, foi admitida a intervenção principal provocada de GSK VACCINES SRL, do lado passivo, tendo sido citada.

6. A Interveniente/Chamada GSK VACCINES SRL contestou invocando:

- A exceção inominada da inibição dos Autores de procederem judicialmente contra si, com fundamento em que os propuseram anteriormente ação com o mesmo pedido e a mesma factualidade contra o Hospital da Luz de Lisboa e a Médica Pediatra que atendeu o 2º Autor.

- A prescrição do direito dos Autores contra a GSK VACCINES.

- A exceção atinente às causas de exclusão de responsabilidade do produtor ao abrigo do artigo 5.º do DL nº 383/89.

Pediu, ainda, a condenação dos Autores como litigantes de má fé no pagamento de multa e indemnização.

7. Em saneador-sentença, a 1ª instância decidiu julgar procedente a exceção perentória inominada de inibição dos Autores AA e BB de procederem judicialmente contra a Ré GLAXOSMITHKLINE – Produtos Farmacêuticos, Lda. e contra a Interveniente GSK VACCINES SRL, absolvendo ambas, Ré e Interveniente, dos pedidos deduzidos pelos Autores. Com custas pelos Autores, sem prejuízo do apoio judiciário de que beneficiam.

8. Fundamentou a 1ª instância tal decisão no facto de ter sido intentada uma primeira ação (ainda que na mesma data) contra o Hospital da Luz de Lisboa e a Médica Pediatra, sendo idênticos os danos invocados nas duas ações.

E que, existindo várias pessoas potencialmente responsáveis pela mesma obrigação, a sua responsabilidade é solidária, nos termos do art. 6.º, n.º 1 do DL 383/89 para a responsabilidade do produtor, bem como nos termos do artigo 497.º, n.º 1 para a responsabilidade por factos ilícitos e ainda nos termos do artigo 507.º, n.º 1 para a responsabilidade pelo risco, estes do Código Civil.

Assim, porque na primeira ação foi judicialmente exigido o cumprimento da obrigação de indemnizar a um dos corresponsáveis solidários dessa obrigação, os credores não podem exigir separadamente aos outros corresponsáveis o cumprimento da mesma obrigação.

9. Os Autores recorreram de apelação pedindo fosse anulado e sanado o saneador-sentença pelo vício de falta de indicação dos factos provados, nos termos do artigo 662 nº2, alª c), do CPC ou, revogada a decisão e sua substituída por outra que julgue improcedente a exceção de inibição dos Autores procederem contra as Rés, prosseguindo os autos.

10. No despacho de admissão do recurso a 1ª instância “prevenindo entendimento diverso e admitindo a existência da invocada nulidade” aditou os seguintes factos provados:

1\ Os autores instauraram ação contra o Hospital da Luz e médica pediatra (em 09/09/2019, às 11h53), correspondente ao processo ......19 […]

2\ A presente ação ......19 foi instaurada em 09/09/2019, às 13h.

3\ O pedido deduzido em ambas as ações pelos autores é idêntico e o conteúdo das petições iniciais é, quase na sua totalidade, coincidente, conforme PI deduzida no processo ......19, cuja cópia foi junta a fls. 557 a 584, 2.º volume, com o requerimento de 02/05/2023, cujo teor dá-se aqui por integralmente reproduzido, e petição inicial dos presentes autos.

4\ Os danos invocados pelos autores em ambas as ações, cujo ressarcimento é peticionado, são os mesmos: trata-se dos danos resultantes do facto de o autor ter contraído a doença meningocóccica invasiva causada pelo grupo B e das consequências e prejuízos daí advenientes para os Autores.

5\ A causa do mesmo dano é atribuída numa ação ao Hospital da Luz e à médica pediatra e na presente ação é atribuída às aqui ré e interveniente.

Factos não provados: inexistem.

11. Notificados de tal decisão, vieram os autores “alargar o âmbito do recurso, na parte em que, suprindo a nulidade alegada, enuncia agora a matéria de facto provada” com utilização de expressões de teor conclusivo ou valorativo, requerendo que seja a mesma expurgada.

12. O Tribunal da Relação de Lisboa proferiu acórdão que reconheceu a existência das nulidades e a necessidade de as suprir, vindo a julgar o recurso improcedente, nos seguinte termos:

(…) julga-se o recurso improcedente, mantendo-se a decisão de absolvição dos pedidos, embora com fundamento diverso daquele que esteve na base da decisão recorrida.

Custas do recurso, quer da taxa de justiça não paga ainda, quer das custas de parte das rés, pelo autor, que não beneficia de apoio judiciário (o facto de a autora ter apoio judiciário, como autora, não quer dizer que o autor, parte nesta acção, também o tenha; a autora, enquanto representante do autor, não é parte no processo, quem é parte é o autor).

Os autores vão condenados em 1 UC de multa pela apresentação inadmissível do documento com o recurso, documento que deverá ser desentranhado (artigos 443/1 do CPC e 27/1 do RCP).

13 . Ponderou-se em tal decisão:

“Portanto, como se antecipou, concorda-se com a conclusão a que chegou o saneador-sentença de que o pedido indemnizatório (o c) desta ação é igual ao da outra ação, isto é, diz respeito aos mesmos danos que estão em causa nessa outra ação. Os autores não identificam nenhuns outros danos que tenham sofrido em consequência da atuação do Hospital e da médica que não tenham sido objeto de pedido nesta ação. Identificam outros comportamentos, não outros danos.

Pedindo os autores a indemnização total dos mesmos danos a pessoas diferentes, a situação cai no âmbito do art. 519/1 do CC.

(…)

Em suma, entende-se que as rés deviam ter sido absolvidas da instância e não do pedido, por estarem verificados os pressupostos da exceção dilatória da inibição, temporária, de os autores procederem judicialmente contra as rés prevista do art. 519/1 do CPC.”

14. Adiantando o acórdão que:

“[h]á algo que salta imediatamente à vista, que é a manifesta improcedência da pretensão dos autores (o que seria motivo suficiente para o indeferimento liminar da petição inicial – art. 590/1 do CPC -, indeferimento liminar que não está por natureza sujeito a contraditório: art. 3/3 do CPC, e para a decisão imediata do mérito da causa nos termos do art. 595/1b do CPC: (…)

A manifesta improcedência resulta de não poder haver dúvidas de que os factos constitutivos do direito não estão sequer alegados nem podiam ter sido alegados porque os autores não têm nenhuma razão para considerar a vacina com defeito para além daquela que deram e que não é razão suficiente para o efeito (falência vacinal) e portanto não se podem vir a provar.

É que os autores estão a pôr em causa, nesta ação, a responsabilidade civil objetiva do produtor (art. 1.º do DL 383/89) de uma vacina, o que pressupõe a existência de um defeito nessa vacina (O produtor é responsável, independentemente de culpa, pelos danos causados por defeitos dos produtos que põe em circulação). Ora os autores não dizem uma palavra que seja no sentido de a vacina ter qualquer defeito.

Com efeito, os autores apenas alegam uma falência vacinal que pressupõem implicitamente equivaler a um defeito da vacina (…), o que não é manifestamente o caso, pois que a falência vacinal quer dizer apenas, no que ao caso interessa, que a vacina não impediu a propagação da doença no organismo do autor. No entanto, nenhuma vacina tem pretensão de ter a capacidade de evitar, em todos os casos, relativamente a todas as pessoas, a evolução da doença causada pela bactéria contra a qual é desenvolvida.

Não quer isto dizer, evidentemente, que nenhuma vacina possa ter defeitos de fabrico. Está-se apenas a dizer que a falência vacinal não é, só por si, um desses defeitos já que se limita a constatar uma situação que é da própria natureza da vacina.

Pelo que intentar uma ação alegando apenas a falência vacinal não corresponde a alegar qualquer defeito de fabrico.

(…)

Ninguém pode legitimamente esperar que uma vacina ofereça a garantia de que a doença causada pela bactéria contra a qual foi desenvolvida não evoluirá na pessoa vacinada.

Sendo manifesta a improcedência daquela pretensão, também é manifesto que os outros dois pedidos formulados pelos autores não podiam proceder porque estavam dependentes da existência do direito que era objeto da pretensão (c).”

Inconformados com tal decisão vieram os Autores recorrer para o Supremo Tribunal de Justiça, ao abrigo do disposto no art 671º, nº 3, 2ª parte, do Código de Processo Civil.

Culminando as alegações de recurso com as seguintes Conclusões:

1ª – Os Autores alegaram nos Artigos 81º a 84º da Petição Inicial:

“81º - Os A.A. interpuseram também uma ação contra o Hospital da Luz e a Médica Pediatra desse Hospital que atendeu o 2º A.. 82º - Trata-se, contudo, nessa ação e nesta de pedidos de indemnização diferentes e por causas diferentes – enquanto aquela se funda em negligência médica nesta, a génese é o incumprimento a responsabilidade da R. nos termos alegados.

83º - Trata-se de indemnizações diferentes e, portanto, cumuláveis.

84º - Com efeito, naquela estão em causa os danos a mais sofridos por força da negligência médica invocada, enquanto nesta estão em causa os danos sofridos por causa da falência da vacina”.

Alegações da mesma natureza e no mesmo sentido foram proferidas pelos Autores em Requerimentos posteriores.

2ª – Ou seja, os Autores configuraram esta ação dessa forma – nela pretendem responsabilizar a Ré e a Interveniente pelos danos sofridos por causa da vacina.

3ª – E configuraram a outra ação, contra o Hospital da Luz e a Médica Pediatra desse Hospital que atendeu o 2º A., de modo a responsabilizar esses Réus pelos danos sofridos por causa do atendimento do 2º Autor no Hospital e pela Médica Pediatra.

4ª – Sendo muitos dos factos naturalísticos os mesmos, o que é diferente é a factualidade que se refere ao comportamento da Ré e da Interveniente, nesta ação, e do Hospital e da Médica Pediatra, na outra.

5ª – Por isso, ao comparar a matéria provada (em referência aos Artigos das duas PI), o douto Acórdão recorrido não encontra correspondência na outra ação ao alegado nos Artigos 18º, 20º, 22º a 36º, 37º, 38º, 39º, 40º, 41º, 58º, 59º, 76º, 77º, desta.

6ª – Quando o Artigo 83º da PI diz que são “indemnizações diferentes e, portanto, cumuláveis” não se confirma que os Autores estão a pedir duas indemnizações a pessoas diferentes pelos mesmos danos, ou seja, um enriquecimento injustificado (vide página 24 do Acórdão recorrido). O que se pretende dizer é que são indemnizações próprias, independentes, e são cumuláveis.

7ª – Dispõe o número 1 do artigo 519º do Código Civil, que «O credor tem o direito de exigir de qualquer dos devedores toda a prestação, ou parte dela, proporcional ou não à quota do interpelado; mas, se exigir judicialmente a um deles a totalidade ou parte da prestação, fica inibido de proceder judicialmente contra os outros pelo que ao primeiro tenha exigido, salvo se houver razão atendível, como a insolvência ou risco de insolvência do demandado, ou dificuldade, por outra causa, em obter dele a prestação».

8ª – Esse preceito legal dá a solução de direito da questão, no segmento em que estipula que o credor pode exigir de qualquer dos devedores parte da prestação.

9ª – Foi isso que fizeram os Autores – na ação do Processo n.º 17956/19.2T8LSB do Juízo Central Cível de Lisboa, J11, exigiram ao Hospital da Luz e à Sra. Dra. CC a parte da prestação correspondente aos danos por eles causados, e neste Processo pedem à Ré e à Chamada a parte da prestação referente aos danos causados por elas.

10ª – Exigir o que se vem exigindo aos Autores, significa que se lhes está a impor, sem base legal, uma situação de litisconsórcio necessário – quando o artigo 519º, número 1, do Código Civil, prevê expressamente a hipótese contrária: ações próprias nas quais se pede, em cada uma, a cada um dos responsáveis (ou grupo de responsáveis) a parte da prestação correspondente à respetiva responsabilidade.

11ª – Quando os Autores alegam a ocorrência vacinal, em particular Artigo 18º da PI, fazem-no com base em documento médicos em que isso vem referido, no caso documentos 5 e 6 que, por via desse mesmo Artigo, juntam à PI.

12ª – Exigir aos Autores que tivessem alegado factos relativos ao defeito da vacina é exigir-lhes uma prova impossível. Com efeito, no campo da realidade real não pode ser exigível a alguém que, especialmente numa área tão específica e técnica, identifique um defeito de uma vacina (quando? No momento da toma? No momento da constatação da falência?).

13ª – O que os Autores fizeram, como aliás dizem nos Artigos 22º a 38º da PI, foi esperar que a Ré, no cumprimento dos deveres de cuidado, informação, responsabilização e acompanhamento que lhe cabem, procedesse aos estudos, às análises, ao acompanhamento, necessários ao conhecimento, dentro do que a ciência permita, do sucedido com o 2º Autor.

14ª – Os Autores dizem mesmo, no Artigo 37º da PI, que “…ainda não sabem o que sucedeu, quais são as causas da falência vacinal, se houve algum problema/defeito/anomalia naquele lote da vacina, se há algum factor pessoal que tenha contribuído para a falência da vacina, se houve erro no doseamento ou na aplicação da vacina, etc., etc., etc..

15ª Só perante a inércia da Ré, cuja resposta aguardaram até quase ao fim do prazo prescricional, é que os Autores se viram forçados a recorrer a Tribunal. O que também ressalta das cartas que enviaram à Ré, constantes dos autos e cujos factos se encontram também alegados na PI.

16ª Não era, portanto, no campo da realidade exequível, possível que os Autores alegassem na PI factos relativos a qualquer defeito da vacina.

17ª Além da indemnização por danos morais, os Autores fazem mais dois pedidos – que a Ré (depois também a Chamada) seja condenada a: .a) A informar no Processo, suportado documentalmente, as medidas que tomou em relação à situação de falência vacinal do 2º A. e qual o estado da averiguação que fez quanto a esse mesmo evento e medidas que tomou, e vai tomar quanto à situação actual e futura do 2º A.; .b) A proceder ao imediato acompanhamento clínico do 2º A., com feitura de todos os exames médicos necessários com vista ao apuramento da causa e natureza da falência vacinal.

18ª Como resulta do alegado na PI, conjugado em particular com os documentos 5 e 6 que juntaram, os Autores fundam os pedidos sob as alíneas b) e c) nos deveres de cuidado, informação, responsabilização e acompanhamento que lhe cabem, procedendo aos estudos, às análises, ao acompanhamento, necessários ao conhecimento, dentro do que a ciência permita, do sucedido com o 2º Autor.

19ª O facto naturalístico sustentador desses pedidos é a falência vacinal – facto atestado por documentos médicos constantes do Processo – e não “um defeito de um produto fornecido por um fabricante”.

20ª Por outro lado, a inibição temporária de proceder contra o fabricante, por força do art. 519/1 do CC, assinalada pelo douto Acórdão recorrido e da forma que o é, apenas se reporta à prestação exigida a título de danos morais.

21ª Os deveres de cuidado, informação, responsabilização e acompanhamento, devidos por força da situação de falência vacinal, apenas cabem à Ré e Interveniente, não sendo, desde logo pela sua natureza, suscetíveis de serem exigidos aos Réus na outra ação.

22ª – Pelo que se discorda que, como diz o douto Acórdão recorrido, tais pedidos estivessem dependentes da existência do direito do pedido feito sob a alínea c).

23ª – Consigna o Acórdão recorrido que “…no recurso os autores alegaram que a outra ação foi já julgada improcedente e que eles não interpuseram recurso contra ela”, mas que “não juntaram…prova do trânsito em julgado, embora tenham junto cópia da sentença…”, mais consignando que esse facto alegado é um facto novo e que só por si seria uma evidente razão atendível para que esta ação pudesse agora prosseguir – concluindo, contudo, não haver razão para atender agora àquele facto nem ao documento, documento que considera não admissível e por isso deve ser desentranhado.

24ª – Ora, nos termos do artigo 651º, número 1, do CPC, as partes podem juntar documentos às alegações no caso de a junção se ter tornado necessária em virtude do julgamento da 1ª instância.

25ª – É o que sucede no caso – foi o douto saneador-sentença, ao julgar procedente a excepção, que tornou necessária a junção do documento.

26ª – Julgando-se pela sua necessidade e entendendo-se não lançar mão do CITIUS para a confirmação do trânsito, cremos, ao abrigo do princípio da colaboração processual, que se imporia a notificação do mandatário para juntar a certidão julgada necessária.

27ª – Pelo que se discorda da imediata desconsideração do alegado e do desentranhamento do documento sem prévia notificação do mandatário para proceder à junção da certidão – bem como, consequentemente, da condenação em multa pela junção do documento.

28ª – A Autora requereu apoio judiciário para a presente ação, que ia intentar por si e em representação do seu filho, e preencheu os documentos conforme as indicações dadas pelos Serviços da Segurança Social – que foi concedido, conforme se verifica dos autos, na modalidade de dispensa de taxa de justiça e demais encargos com o processo.

29ª – Durante o Processo, e até agora, o apoio judiciário sempre foi entendido abrangendo a Autora e o seu filho, menor, por ela representado – com plena dispensa de taxa de justiça.

30ª – E afigura-se-nos que bem, quer porque a concessão não tem qualquer restrição quanto ao seu âmbito, quer porque, em última análise, nunca poderá ao seu filho, menor, ser exigido qualquer pagamento (taxas de justiça ou despesas de parte, como refere o douto Acórdão recorrido), e o próprio apoio judiciário foi concedido com base na constituição do agregado familiar pela Autora e pelo seu filho – as duas pessoas que vivem em economia comum.

31ª – Deverá, assim – e também porque sempre o Tribunal decidiu, sem qualquer impugnação (portanto, em decisões já transitadas em julgado), no sentido de inexigência de taxa de justiça ou qualquer outro pagamento – ser alterada a decisão de condenação do Autor, menor, nas custas do recurso.

32ª – Ao decidir como o fez, violou o douto Acórdão recorrido, em particular, o número 1 do artigo 519º do Código Civil, o artigo 625º, o artigo 651º, número 1, ambos do CPC, artigos 1º, 16º, número 1, alínea a), da Lei nº 34/2004, de 29 de julho.

A final requer que seja o acórdão revogado e substituído por outro que, anulando o desentranhamento do documento junto com as alegações da apelação, bem como a condenação do 2º Réu nas custas do recurso, julgue improcedente a exceção inominada invocada pelas Ré e Chamada.

GLAXOSMITHKUNE - PRODUTOS FARMACÊUTICOS, LDA. ("GSK") e GSK VACCINES S.R.L ("GSK Vaccines"), respetivamente Ré e Interveniente principal, apresentaram contra-alegações.

Adicionalmente, e prevenindo a possibilidade de o Tribunal ad quem julgar procedente o recurso dos Autores no que respeita à absolvição das Recorridas do pedido vieram requerer, nos termos e para os efeitos do nº1 do artigo 636º do CPC, a ampliação do âmbito do recurso.

Tendo deduzido as seguintes conclusões:

A. Inadmissibilidade do recurso de revista

• Inadmissibilidade parcial do recurso de revista normal

1. O Acórdão Recorrido aprecia várias questões e, quanto a uma delas – a de se verificar, no presente, caso, a exceção de inibição de os Autores procederem judicialmente contra a Ré e a Interveniente Principal, nos termos do artigo 519.º do Código Civil – não assenta a solução numa fundamentação essencialmente diversa daquela em que assentou o Saneador-Sentença da 1.ª Instância.

2. Por assim ser, a revista normal do Acórdão Recorrido está, nesse segmento, e ao abrigo do disposto no artigo 671.º, n.º 3, do CPC, vedada aos Recorrentes, porquanto existe, nesta parte, dupla conforme.

• Inadmissibilidade do recurso de revista excecional

3. Os Recorrentes interpõem o recurso, subsidiariamente, como revista excecional, fundada na previsão da alínea a) do n.º 1 do artigo 672.º do CPC (“questão cuja apreciação, pela sua relevância jurídica, seja claramente necessária para uma melhor aplicação do direito”), mas não cumprem, sequer minimamente, o ónus de justificação que é condição de admissibilidade da revista excecional, consagrado no artigo 672.º, n.º 2, do CPC.

4. É jurisprudência consolidada deste Colendo Supremo Tribunal de Justiça que esse ónus de justificação só é cumprido com a explicação das razões concretas e objetivas, suscetíveis de revelar a alegada relevância jurídica e social, não relevando o mero interesse subjetivo do recorrente.

5. No presente caso, os Recorrentes limitaram-se a indicar e delimitar as questões que pretendem ver reapreciadas e a tecer (curtas) considerações genéricas sobre aquilo que entendem que deveria ter sido a solução a dar às questões. Nem uma palavra foi dita sobre a eventual necessidade de uma apreciação excecional com o objetivo de encontrar uma solução orientadora de casos semelhantes – talvez, por não existir.

6. Pelo que se impõe concluir que o recurso deverá ser liminarmente rejeitado enquanto recurso de revista excecional.

7. A ser admitido, deverá o presente recurso ser admitido apenas como revista normal, mas expurgando do seu objeto a parte em que é impugnada a decisão do Tribunal a quo quanto à verificação da exceção inominada de inibição de os Recorrentes procederem judicialmente contra as Recorridas.

8. Concretamente, e atentas as conclusões dos Recorrentes, deve o presente recurso ser expurgado das conclusões 1.ª a 10ª, por dizerem respeito à questão da verificação da referida exceção inominada.

B. Improcedência do recurso de revista

• O Acórdão Recorrido deve ser confirmado na parte em que considera a ação manifestamente improcedente

9. Os Recorrentes não alegaram que a vacina bexsero, em discussão nestes autos, tivesse algum defeito, limitando-se a alegar que a vacina não impediu a propagação da doença em causa, o que corresponde tão-só a uma situação de falência vacinal.

10. Nenhuma vacina - por muito boa que seja - tem a pretensão de poder evitar, em todos os casos, a propagação da doença que visa prevenir. Daí não resulta, no entanto, que tenha algum defeito.

11. A responsabilidade civil objetiva do produtor, que é a causa de pedir nos presentes autos, tem como elemento fundamental a existência de defeito no produto posto em circulação pelo produtor (cf. artigo 1.º do DL 383/89).

12. Se os Recorrentes não alegam sequer a existência de qualquer defeito - como assumem expressamente que não fazem, nas alegações de revista sob resposta, não estão alegados os factos constitutivos do direito, que nos termos da lei, os Recorrentes o ónus de invocar e provar.

13. Este ónus decorre do disposto no n.º 1 do artigo 342.º do Código Civil, bem como do DL 383/89 e da Diretiva que aquele transpôs para o nosso direito interno, onde se pode ler que “[c]abe ao lesado a prova do dano, do defeito e do nexo causal entre o defeito e o dano” (cf. artigo 4.º da Diretiva). E é confirmado pela jurisprudência, encontrando-se assente, como por diversas vezes salientado por este Douto Tribunal, que é ao autor lesado que cabe alegar e provar o defeito.

14. Assiste, assim, total razão ao Tribunal a quo, que bem decidiu pela manifesta improcedência da presente ação e pela absolvição das Recorridas do pedido por não ter sido alegado pelos Autores, ora Recorrentes, qualquer defeito da vacina Bexsero – pressuposto do seu pedido indemnizatório nesta ação -, decisão que se deverá manter na íntegra.

• Além de não ser passível de recurso, o segmento do Acórdão Recorrido que decide pela verificação da exceção inominada está correto e deve ser mantido

15. Admitindo, por cautela de patrocínio, a hipótese de este Douto Tribunal (i) não confirmar a decisão do Tribunal a quo quanto à manifesta improcedência da presente ação e (ii) entender que o presente recurso é de admitir quanto ao segmento do Acórdão Recorrido que confirmou a verificação da exceção inominada, deve o segmento do Acórdão Recorrido que decide pela verificação da exceção inominada ser mantido.

16. Em momento anterior ao início dos presentes autos, deu entrada a Ação contra o Hospital, na qual os Recorrentes peticionaram que os, ali Réus, fossem condenados no mesmo pedido de indemnização por danos que aqui é formulado, sendo aliás o conteúdo das petições iniciais coincidente na sua quase totalidade.

17. Sendo os pedidos indemnizatórios dirigidos ao ressarcimento dos mesmos exatos putativos danos, nas duas ações, é incontornável que a totalidade da prestação é também o ressarcimento desses (mesmos) danos, o que foi pedido em ambas as ações.

18. Assim, tendo os Recorrentes exigido o cumprimento da totalidade de uma alegada obrigação de indemnizar na Ação contra o Hospital, e tendo-o feito previamente à apresentação da presente ação contra as Recorridas, ficam, à luz do artigo 519.º, n.º 1, do CC, inibidos de proceder judicialmente contra as Recorridas.

19. Não merecendo, por isso, censura o Acórdão Recorrido na parte em que deu como verificados os requisitos para a procedência da referida exceção.

• À cautela, ampliação do objeto do recurso quanto à consequência processual da verificação da exceção inominada

20. O Tribunal a quo entendeu que a exceção inominada determina a absolvição da instância e não do pedido, tratando-se, assim, de uma exceção dilatória, e não perentória.

21. Prevenindo a possibilidade de este Douto Tribunal vir a ter de apreciar a questão da consequência processual desta exceção inominada – o que apenas por dever de patrocínio se equaciona, dada a manifesta improcedência desta ação –, requer-se, nos termos do artigo 636.º, n.º 1, do CPC, a ampliação do objeto do recurso, para se concluir, ao contrário do que fez o Tribunal a quo, pela natureza perentória, e não dilatória, da exceção inominada prevista no artigo 591.º do Código Civil – o que determina a absolvição do pedido.

22. O Tribunal a quo fez uma resenha completa da opinião doutrinária e jurisprudencial emitida a propósito da norma contida no artigo 519.º n.º 1 do Código Civil, para concluir que esta disposição legal prevê uma defesa que é processual, e não material, pois não se refere a um direito exercido pelo devedor no plano substantivo, mas apenas ao impedimento do exercício, temporário, pelo credor, no plano processual, de um putativo direito que ainda não se provou que exista efetivamente. Isto justificaria a qualificação da exceção estabelecida pelo artigo 519.º n.º 1 do Código Civil como dilatória, e não perentória.

23. Salvo o devido respeito, essa não parece ser a melhor interpretação da norma. Esta exceção tem como fonte o direito material, é fundada na relação substantiva existente entre credor e devedor, e tem como efeito o credor ficar totalmente impedido de exercer um direito de crédito contra um devedor. Ainda que, mais tarde, a situação se altere, por dificuldades relacionadas com a obtenção do crédito do demandado, que modifiquem a situação de impedimento, ela terá, de novo, fonte de direito material (cf. parte final do artigo 519.º n.º 1, do Código Civil).

24. Assim, não se vislumbra motivo para o Tribunal a quo alterar o sentido da Sentença da 1.ª Instância relativamente ao efeito processual da verificação da exceção inominada, devendo, por isso, o Acórdão Recorrido ser revogado nesse segmento, e substituído por outro que atribua o correto efeito processual à verificação da exceção inominada prevista no artigo 519.º do Código Civil: a absolvição do pedido.

• O segmento do Acórdão Recorrido que decide sobre os “demais pedidos” é correto e deve ser mantido

25. Quanto aos demais pedidos formulados pelos Recorrentes nestes autos, bem andou o Tribunal a quo ao tê-los julgado improcedentes, uma vez que se trata de pedidos dependentes da existência do putativo direito que era objeto da pretensão indemnizatória julgada improcedente, além de terem natureza meramente probatória.

26. De facto, quanto a estes “pedidos”, os Recorrentes não articularam quaisquer factos geradores de efeitos jurídicos, na petição inicial. Não surgem como consequência lógica de uma causa de pedir composta por factos alegados pelos ora Recorrentes, nem são verdadeiros pedidos nos termos e para os efeitos do artigo 552.º, n.º 1, alínea e), do CPC.

27. Serão no limite, e respetivamente, um pedido de documento em poder da parte contrária (cf. artigo 429.º do CPC) e um pedido dirigido a fazer prova da “causa e natureza da falência vacinal”, não tendo, nenhum deles, qualquer utilidade fora do contexto processual em que se inserem.

• Sobre o facto “novo” e a junção de documento com alegação de recurso de apelação

28. Bem andou o Tribunal a quo ao não ter admitido a alegação dos Recorrentes, feita na alegação de recurso de apelação, relativamente a ter sido proferida sentença no âmbito da Ação contra o Hospital, bem como ao facto de terem optado por dela não recorrer. Bem andou o Tribunal a quo, além disso, ao não ter admitido a junção aos autos dessa sentença.

29. Com efeito, apesar de a sentença ser datada de 2022, nunca os Recorrentes, até ao encerramento da discussão em 1.ª instância – que teve lugar até ao final de 2024 – alegaram que a mesma tinha sido proferida, tendo o seu direito de alegação ficado, por isso, precludido nos termos do artigo 588.º do CPC.

30. Da mesma forma, não alegaram que a apresentação da referida sentença tenha sido impossível até ao encerramento da discussão em 1.ª instância, nem que se tenha tornado necessária pelo teor do Saneador-Sentença, à revelia do disposto nos artigos 651.º, n.º 1, e 425.º, ambos do CPC, pelo que sempre seria inadmissível a junção do referido documento.

31. Por fim, e mesmo que assim não fosse (quod non), o documento não faz prova do facto que os Recorrentes com ele pretendem provar – i.e. que houve trânsito em julgado da sentença na Ação contra o Hospital –, pelo que o documento é, nos termos do artigo 443.º, n.º 1, para além de impertinente, desnecessário, tendo o Tribunal a quo andado bem ao ordenar o seu desentranhamento.

Nestes termos e nos demais de Direito aplicáveis, requer-se a V. Exas. se dignem julgar o recurso interposto pelos Recorrentes:

(i) Parcialmente inadmissível enquanto recurso de revista normal;

(ii) Integralmente inadmissível enquanto recurso de revista excecional; e, em qualquer caso,

(iii) Integralmente improcedente, mantendo-se na íntegra o Acórdão Recorrido.

À cautela, requerem que seja revogado o Acórdão Recorrido no segmento relativo ao efeito processual da verificação da exceção inominada, substituindo-o por outro que lhe atribua o correto efeito de absolvição do pedido.

II. Da admissibilidade do recurso

Nos termos do artigo 671 do Código de Processo Civil:

“1 - Cabe revista para o Supremo Tribunal de Justiça do acórdão da Relação, proferido sobre decisão da 1.ª instância, que conheça do mérito da causa ou que ponha termo ao processo, absolvendo da instância o réu ou algum dos réus quanto a pedido ou reconvenção deduzidos.

(…)

3 - Sem prejuízo dos casos em que o recurso é sempre admissível, não é admitida revista do acórdão da Relação que confirme, sem voto de vencido e sem fundamentação essencialmente diferente, a decisão proferida na 1.ª instância, salvo nos casos previstos no artigo seguinte.”

No caso, inexiste dupla conformidade decisória obstativa do recurso de revista normal porque, o julgamento da exceção de inibição de os Autores procederem judicialmente contra a Ré e a Interveniente Principal conduz, segundo o acórdão recorrido, a uma absolvição de instância e não a uma absolvição do pedido, como decidira a 1ª instância.

A absolvição de pedido surge, a final, como consequência de uma decisão tomada ex novo quanto a questão não apreciada na sentença, de conhecimento oficioso, e que respeita à manifesta improcedência do pedido prevista no art. 590º nº 1 do CPC.

Não tendo tal vício sido conhecido na 1ª instância não ocorre a situação de dupla conforme prevista no art. 671º nº 3 do CPC, obstativa do recurso de revista normal, pois que, o desfecho jurídico – absolvição do pedido – surge em razão de um fundamento diferente.

Verificados os demais pressupostos gerais de admissibilidade da revista (tempestividade, legitimidade, valor da causa e da sucumbência), vai o recurso admitido como revista normal.

III. Do objeto do recurso

O objeto do recurso é, em termos gerais, delimitado pelas conclusões das alegações do recorrente, para além das questões de conhecimento oficioso, nos termos dos artigos 608º, nº 2, 635º, nº 4, e 639º do Código de Processo Civil.

Considerando as alegações de recurso principal e a ampliação do âmbito do recurso subsidiário, importa conhecer:

1. Se não ocorre a exceção inominada de inibição dos Autores procederem judicialmente contra a Ré e Interveniente principal.

3. Da indevida desconsideração de um facto novo, superveniente.

4. Se a ação não se revela manifestamente improcedente

5. Da indevida desconsideração da abrangência do apoio judiciário ao Autor, menor.

6. A ocorrer a exceção inominada de inibição dos Autores, qual o efeito jurídico adequado.

IV. Fundamentação de facto

O acórdão recorrido deu como assente a seguinte factualidade:

1\ Os autores instauraram ação contra o Hospital da Luz e médica pediatra (em 09/09/2019, às 11h53), correspondente ao processo ......19 […]

2\ A presente ação .......9 foi instaurada em 09/09/2019, às 13h.

[Eliminados os anteriores factos 3), 4) e 5)].

Tendo aditado uma análise comparativa de semelhanças e diferenças entre o teor das peças processuais dos dois processos:

“Nesta ação, os autores escreviam, na parte que interessa às questões que o recurso coloca e, na medida do possível, com simplificações, que (a seguir aos números dos artigos desta PI, colocam-se, em parenteses, os números dos artigos da PI da ação ......19 que vão até ao artigo 84 e que são coincidentes ou quase com os daquela):

2 (= 2) Na noite de 17 para 18/09/2016, então com sete anos de idade, o autor […]

3 (= 3) Por volta das 3h, acordou com uma dor muito forte no pé direito, uma pequena mancha vermelha que aparecera, mal disposto e com muitos tremores.

[…]

5 (= 5) Porque não melhorava, os pais levaram o autor às Urgências do Hospital da Luz.

6 (= 7+18) com mais actos médicos e mais respostas dos autores)\ Chegados a esse Hospital e inserida a triagem às 10h34, o autor foi observado e depois mandado para o domicílio com recomendação de repouso e tomada de Ben-u-ron e Brufen

7 (= 20) Porém, em casa a situação do autor piorava a cada instante […]

8 (= 21) Face ao agravamento do estado, os pais dirigiram-se novamente ao Hospital da Luz, onde foi inserida a triagem às 17h36.

9 (= 22) Logo à entrada do Hospital o autor desfaleceu nos braços da mãe, de imediato acudiu uma Enfermeira que o levou para o gabinete e chamou a Médica Pediatra, tendo começado a ser feitas análises.

10 (= 24) Passados alguns minutos dirigiu-se a eles a Médica Pediatra e disse-lhes que a situação era muito, muito grave, não era uma virose e tinha sérias suspeitas que fosse uma meningite, que iria ser feita de imediato uma pulsão lombar mas que se preparassem para o pior diagnóstico.

11\ (≈ 26) Passados cerca de 20 minutos da feitura da pulsão lombar a Médica Pediatra voltou a dirigir-se-lhes, disse que ainda não tinha o resultado disponível mas tinha a certeza que era meningite, o autor estava já a ser medicado para essa doença e tinha que ser transferido para o Hospital de Dona Estefânia – Cuidados Intensivos – e que vinha já a caminho a ambulância.

[…]

13 (= 32) Logo que chegaram a esse Hospital, pelas 18h30, os pais dirigiram-se ao Serviço de Cuidados Intensivos, quase de imediato dirigiu-se-lhes o médico responsável, Dr. DD, que lhes confirmou a gravidade da situação […]

14 (= 33) Passada cerca de uma hora voltou a dirigir-se-lhes, disse que se confirmava a meningite, que era da pior estirpe – meningite B – o que iria agora fazer era induzir o coma […]

15 (= 34) Mais informou que os órgãos estavam a começar a parar devido à septicemia, os rins pararam e o coração estava quase a parar pois estava com um valor médio de tensão arterial de 3.

16 (= 10) Sucede porém que, por prescrição da sua Pediatra, […], ao autor tinha sido ministrada a vacina para a meningite B, […], nas duas doses prescritas […]

18\ Houve, assim, uma situação de falência vacinal […] – atestada, aliás, pelos dois documentos que se juntam.

19 (≈ 39) No Hospital de Dona Estefânia foi comunicado aos pais do autor que, pela via institucional, ia o próprio Hospital desenvolver perante o Laboratório e demais entidades os trâmites normais tendentes à investigação e tratamento da situação – e que, portanto, não desenvolvessem eles qualquer procedimento junto dos Delegados de Saúde, da Escola e do Laboratório.

20\ Efectivamente, após identificação dos lotes vacinais foi feita notificação (para além do Infarmed) à GSK fabricante da vacina.

21\ Quanto à Escola, foram, pelas entidades competentes, tomados os procedimentos normais pelos Delegados de Saúde e demais serviços competentes, bem como em relação aos colegas do autor e demais pessoas que com ele privaram.

22\ Contudo, por parte da ré – enquanto proprietária do Laboratório GSK Portugal – houve uma inércia total, já que nem sequer se dirigiu aos autores com vista a análise, apuramento, investigação e acompanhamento da situação e tomada das medidas convenientes/necessárias.

23\ A autora fez em Novembro de 2016 – passados dois meses, portanto – um contacto telefónico com a ré, identificou a situação, a chamada foi direccionada para a pessoa competente (cuja identificação não lhe foi dada), expôs o assunto com todo o detalhe possível, disseram-lhe ter sido tomada a devida nota e que o próprio Laboratório a ia contactar. Em Outubro e Novembro de 2017 fez novo contacto telefónico com a ré, falou com Dr.ª EE (Responsável de Informação Clínica), realçou as necessidades imperiosas de pela ré [sic - TRL], voltou a ser-lhe dito que o Laboratório a iria contactar.

24\ O que não fez.

25\ Em 01/06/2017, os pais do autor enviaram à ré a carta que se anexa, cujo teor para todos os efeitos aqui se dá por reproduzido. Doc. 7.

26\ Nessa carta, em síntese, afirmam que: 1 - têm o direito de saber e perguntam o que se passou neste caso, o que é que em concreto falhou que levou à falência vacinal; 2 – têm o direito de saber e perguntam o que é que foi, é e será feito para apurar o sucedido e respectivas causas, e acompanhamento da situação; 3 – têm o direito de saber e perguntam que medidas foram e serão tomadas para que a situação seja insusceptível de repetição; 4 – têm o direito de saber e perguntam se já houve casos similares, para a partir deles analisarem o sucedido. 5 – perante o próprio filho sentem o dever de não permitir que a situação – que tanto o fez sofrer e quase lhe causava a morte – seja esquecida e tratada como se nenhuma importância tivesse; 6 – quer os sérios riscos corridos pelo autor – dito pelos médicos, ele esteve à beira da morte –, quer a necessidade do seu acompanhamento permanente para prevenir e evitar agravamento e/ou novas doenças derivadas bem como outras situações graves futuras, exigem o sério apuramento do que se passou; 7 – Perguntam o que é que é feito para acautelar a saúde actual e futura do seu filho, o que requer a investigação séria e responsável com vista ao seu acompanhamento face à susceptibilidade de repetição da situação e para determinação dos cuidados a ter e eventual medicação a tomar; 8 – Em suma, reclamam o direito de que tudo seja feito para apuramento do sucedido e respectivas causas, com vista a garantir a saúde do autor mas também no sentido de em geral evitar repetições da situação.

27\ Em carta de 07/07/2017, também aqui dada por reproduzida, a ré informa que em conformidade com os procedimentos legais de fármaco-vigilância o caso foi registado e acompanhado junto do médico que segue o autor desde a sua notificação inicial e, após dizer que não existe nenhuma vacina que possa garantir 100% de sucesso na prevenção da doença, mais informa que continua a rever este caso de forma a confirmar as suas particularidades do ponto de vista clínico. Doc. 8.

28\ Por carta de 17/07/2017, aqui dada por reproduzida, os pais manifestam incredibilidade pela resposta abstracta, genérica e meramente formal recebida, e 1 – Acentuam que pretendem respostas às situações reais que o autor, seu filho, viveu (e eles próprios também) bem como à sua situação actual e às dúvidas e incertezas, clínicas e médicas, dessa mesma situação e projecção no futuro do seu filho; 2 – Solicitam informação sobre o significado, em termos de acções desenvolvidas e a desenvolver, das afirmações constantes daquela missiva “... este caso foi registado e acompanhado junto do médico que segue o autor desde a sua notificação inicial” e “... informamos que continuamos a rever este caso de forma a confirmar as suas particularidades do ponto de vista clínico”; 3 – Pretendem saber qual o papel que eles próprios, pais do autor, devem ter nas acções desenvolvidas e a desenvolver no âmbito do sucedido e de prevenção futura. Doc. 9.

29\ Em carta de 30/11/2017 a ré informa que continua a acompanhar a situação com toda a atenção e seriedade e em conformidade com todos os procedimentos legais de fármaco-vigilância, que a investigação está a decorrer por uma entidade externa, o Instituto Nacional de Saúde Pública Doutor Ricardo Jorge, com a qual a GSK tem colaborado de forma proactiva, que não foram autorizados a partilhar qualquer informação sobre os resultados sem o consentimento desse Instituto, e disponibilizam as seguintes informações alegadamente já autorizados a partilhar: O estudo genómico (primeira fase da investigação) já foi concluído e o seu relatório enviado à Direcção Geral de Saúde; A segunda fase da investigação será concluída no laboratório de referência para a Neisseria meningitidis no Instituto Carlos III, em Madrid (Espanha). Neste laboratório serão investigados os antigénios bacterianos indutores da resposta imunológica em indivíduos vacinados, pela avaliação in vitro do comportamento dos anticorpos bactericidas séricos na presença de uma cultura bacteriana. Os resultados desta investigação (segunda fase da investigação) serão igualmente partilhados com a Direcção Geral da Saúde. Mais informa não dispor então de mais informações relativas aos resultados da investigação e que irão informá-los sobre qualquer nova informação que possa vir a receber no devido tempo. Doc. 10.

30\ Datada de 11/04/2018 os autores remetem à ré uma carta, que se dá por reproduzida, a reiterar as anteriores, a salientar que as respostas recebidas se resumem “a prometer elementos e informações que nunca mais chegam” e voltam a solicitar os elementos e informações já requeridos. Doc. 11.

31\ Em 27/04/2018, a ré envia uma carta em que no 1.º§ repete exactamente o que já dissera, no 2.º reitera que a avaliação continua em curso e que a informação será enviada à Direcção Geral da Saúde e ao seu pediatra, no 3.º recomenda que entrem em contacto com o pediatra que notificou o caso à GSK, [e] no 4.º [faz] uma afirmação de princípio do seu comprometimento com a segurança dos doentes e a eficácia dos seus produtos. Doc. 12.

[…]

33\ Em 16/07/2018, os pais enviam à ré nova carta, que se dá por reproduzida, acentuando já estarem decorridos praticamente dois anos e continuam sem saber o que se passou com o autor, seu filho, o que falhou e porque falhou, qual o seu estado de saúde actual e perspectivas futuras, qual o acompanhamento em termos de saúde, o que esteve na origem da falha da vacina, como pensa a ré reagir em termos de responsabilidades pelas consequências, danos e prejuízos causados/sofridos. Doc. 13.

34\ Em 05/12/2018, começando por lamentar terem de recorrer a essa via face à ausência de respostas concretas, os pais enviam, com conhecimento à Administração em Portugal, uma carta à Administração da ré em Londres, que aqui a expor a situação, juntando a correspondência essencial trocada, e a requerer as respostas às questões concretas colocadas que em Portugal apenas mereceram afirmações genéricas e evasivas em vez de respostas concretas.

35\ A ré não enviou aos pais do autor qualquer comunicação e resposta após a carta de 27/04/2018 referida no artigo 31º, bem como a administração de Londres não deu qualquer resposta à documentação referida no Artigo anterior.

36\ Em suma: A – Ao autor foi, por prescrição da sua Pediatra, ministrada a vacina para a meningite B, a vacina Bexsero, nas duas doses prescritas, a primeira em 28 de Agosto e a segunda em 28 de Outubro de 2015; B – Em 17/18 de Set/2016 ao autor foi diagnosticada meningite B; C – Houve, assim, uma situação de falência vacinal; D – Devidamente notificada pelo Hospital de Dª Estefânia a ré e mesmo após o envio de diversas cartas pelos pais do autor a ré não deu resposta às questões por eles colocadas, nada fez junto deles e do seu filho para apurar da sua saúde (incluindo consequências futuras) e das causas da falência vacinal, nada fez em termos de acompanhamento da situação e de assunção de responsabilidade.

37\ Por força dessa absoluta inércia os autores ainda não sabem o que sucedeu, quais são as causas da falência vacinal, se houve algum problema/defeito/anomalia naquele lote da vacina, se há algum factor pessoal que tenha contribuído para a falência da vacina, se houve erro no doseamento ou na aplicação da vacina, etc., etc., etc..

38\ A ré violou clara e grosseiramente as suas obrigações de informação, responsabilização e acompanhamento, bem como os deveres de cuidado e de informação que se lhe impõe em relação a um produto que produz e põe no mercado – num sector tão vital na vida humana como a área da saúde.

39\ Por outro lado, pôs a ré no mercado produto defeituoso – entendendo tal conceito no sentido de que no caso “ ... não oferece a segurança com que legitimamente se pode contar, tendo em conta todas as circunstâncias, designadamente a sua apresentação, a utilização que dele razoavelmente possa ser feita e o momento da sua entrada em circulação” – n.º 1 do art. 4 do DL 383/89, de 06/11, que transpõe a Directiva nº 85/374/CEE, do Conselho.

40\ Ao demitir-se do dever de, em responsabilização plena, analisar tecnicamente a situação, estudar e pesquisar tão profundamente quanto exigível cada caso concreto de falência vacinal de modo a conhecer a respectiva natureza e origem, a ré viola os deveres elementares que se lhe impõem enquanto Laboratório a quem é atribuída credenciação para produzir um produto tão essencial à sociedade e tão melindroso como uma vacina.

41\ E ao alhear-se em absoluto do estado de saúde, presente e futuro, do autor a ré viola também os deveres mais elementares de cuidado, protecção e acompanhamento que essa sua natureza de Laboratório produtor da vacina lhe impõe.

[…]

43 (= 41) À entrada na UCIP do HDE apresentava-se “...consciente e colaborante, com períodos de sonolência e discurso pouco coerente e imperecível. Para além das petéquias apresenta ainda conjuntivite com hemorragia conjuntival bilateral, uma sufusão no dorso do pé direito, hepatomegalia dolorosa 4 cm abaixo do RCD e Kernig positivo. Com sinais vitais: FC 140 bpm, MAP 50 mmHg, TRC 4s” e “...na admissão, foi sedado com Midazolan e Ketamine para colocação de CVC (CVC triplo lúmen veia subclávia direita) e entubado em VCPR”. Mesmo doc. 6.

44 (=42) Foi a seguinte a evolução do internamento na UCIP: Do ponto de vista infeccioso cumpriu terapêutica com Ceftriaxone, durante oito dias. Por persistência da febre e lesão cutânea no dorso do pé direito, iniciou Flucloxacilina a 26/9/2016. A hemocultura inicial (H. Luz) isolou Neisseria meningitidis grupo B, com posterior confirmação no INSA do serotipo ST 41-44. Por apresentar picos febris mantidos (máx 38,5) repetiu ecocardiograma no dia 26/9 para exclusão de vegetações cardíacas. Relativamente à parte respiratória, manteve ventilação mecânica invasiva desde a admissão até D5 de internamento e desde então apresenta-se estável em respiração espontânea, sem necessidade de O2 suplementar. A radiografia de tórax à admissão sem alterações de relevo, que se manteve na radiografia de controlo pós extubação. Última radiografia de tórax de 26/9/2016 com hipotransparência em “toalha” da metade inferior do hemitórax esquerdo, sem opacificação completa da base. Do ponto de vista hemodinâmico/hidroelectrolítico/metabólico/renal, durante o internamento iniciou em D1 perfusão de Dopamina (máx 0,3mcg/kg/min) que suspendeu respectivamente em D4 e D3 de internamento. Diurese mantida, sem alterações na função renal e ionograma. Sob o ponto de vista neurológico manteve sedoanalgesia com midazolam (máx. 5 mcg/kg/min) e alfentanil (máx 5 mcg/kg/h), suspendendo em D5 de internamento. Por suspeita de lentificação psico-motora, fez EEG no dia 26/9 que revela “Electrogénese de base regularmente estruturada para o grupo etário. Raras ondas abruptas isoladas sobre as regiões rollândias, sem nítido carácter epileptiforme”. Fez ainda TC-CE nesse mesmo dia sem alterações aparentes. Foi observado pela Neurologia, que após realização do exame neurológico e análise da TC-CE e EEG conclui que “do ponto de vista neurológico não parece ter havido compromisso neurológico da sua sepsies bacteriana”. Iniciou dieta oral em D5 com tolerância. Mesmo doc. 6.

45 (= 43) No dia 22/09/2016 os médicos decidiram tirar a sedação ao autor, bem como todos os suportes de vida inerentes à situação de coma induzido em que permaneceu desde o dia 18 (cinco dias).

46 (= 44) Comunicaram então os médicos aos pais que essa seria uma altura muito difícil para todos, não se sabendo se o autor iria acordar e, se isso sucedesse, em que condições ficaria – podiam esperar tudo ou nada.

47 (= 45) Questionada pela autora sobre o que significava “tudo” uma das Pediatras que acompanhou o filho durante o quinto dia de internamento concretizou que pode significar nunca mais conseguir respirar sozinho, comer, falar, andar, raciocinar, ler, fazer simples operações aritméticas, mesmo mexer qualquer um dos membros.

48 (= 46) “Tudo” iria depender dos danos cerebrais provocados pela bactéria, que ninguém sabia naquele momento quais eram.

49 (= 47) Foram dias de enorme angústia, grande pavor, e profundo sofrimento para os pais, quatro longos e muito dolorosos dias.

50 (= 48) Na sexta-feira e sábado, dias 23 e 24/09/2016, o autor abriu os olhos em esforço e depois paulatinamente começou a falar devagarinho e aos poucos, foi conhecendo todas as pessoas, começou a fazer um discurso coerente.

51 (= 49) No dia seguinte, Domingo, já se sentou no sofá do quarto e jogou um jogo na sua consola.

52 (= 50) Foram efectuados vários exames ao autor – TAC crânio-encefálico, ecocardiogramas, ecografias à zona abdominal, RX ao tórax, análises clínicas (vide documentos juntos) – foi consultado por vários especialistas, revelando um pequeno derrame nos pulmões.

53 (= 51) Ainda muito frágil mas a melhorar de dia para dia o autor foi transferido para a Enfermaria no dia 26/09/2016, onde permaneceu em recuperação algum tempo.

54 (= 52) Teve alta hospitalar no dia 03/10/2016 – nessa altura ainda apresentava sinais de uma virose (possivelmente contraída na enfermaria do serviço de infecciologia), a mancha do pé estava ulcerosa (causa de febre, inferior a 38 graus), pelo que foi com guia de tratamento para mudança do penso de três em três dias.

55 (= 53) Manteve acompanhamento pediátrico, pela sua Pediatra particular, até 21 de Outubro de 2016, altura em que teve alta e voltou para a escola.

56 (= 54) A médica responsável pela alta ao autor no Hospital da Estefânia, Dra. FF, afirmou que ele tem que estar sujeito a acompanhamento médico, para o resto da vida, e fazer regularmente exames de observação da doença.

57 (= 55) Respondendo a pergunta dos pais, recomendou-lhes que não vivessem a pensar no reaparecimento da doença, mas se um dia “sentirem que o BB já não é o BB” vão de imediato para o Hospital.

58\ Conforme decorre do exposto, a meningite que vitimou o autor foi originada por falência da vacina Bexsero que lhe fora ministrada nas doses prescritas e a ré, enquanto Laboratório produtor da vacina, é responsável pelos danos causados decorrentes dessa falência vacinal.

59\ E é também responsável, conforme também já invocado, por força do incumprimento dos seus deveres nos termos já alegados em particular nos artigos 38 a 41.

60\ O autor teve que ser sujeito a coma induzido e que suportar os tratamentos e exames documentalmente atestados pelos documentos do Hospital de Dona Estefânia.

61 (= 65) O autor correu sério risco de vida, inclusive no próprio Hospital da Luz, e esteve entre a vida e a morte no Hospital de Dona Estefânia.

62 (= 66) Correu também o sério risco de, caso sobrevivesse, nunca mais conseguir respirar sozinho, comer, falar, andar, raciocinar, ler, fazer simples operações aritméticas, mesmo mexer qualquer um dos membros.

63 (= 67) Apesar da sua idade, o autor apercebeu-se da gravidade da situação e do risco de vida que correu, viveu momentos de pânico e de grande angústia.

64 (= 68) Sofreu imensas dores físicas.

65 (= 69) Sofreu muito, física e psicologicamente, pensando que ia morrer, que perdia os pais, nunca mais via os seus amigos – isso disse repetidamente aos pais e família nos momentos mais difíceis.

66\ A situação de falência vacinal causou-lhe dores e sofrimento, logo danos.

67 (= 73) A obrigação da reparação de um dano constitui o devedor na obrigação de reconstituir a situação que existiria se não se tivesse verificado o evento que obriga à reparação.

68 (= 74) E cabe ao tribunal, sopesando todos os elementos relevantes – em particular a gravidade do dano, a culpabilidade do responsável, a situação económica de lesante e lesado, as demais circunstâncias do caso – arbitrar em cada caso a indemnização adequada a cada situação.

69 (= 75) Conforme alegado, os pais do autor viveram pessoalmente todo o drama do seu filho.

70 (= 76) Acompanharam-no sempre no Hospital da Luz, em casa e no Hospital de Dona Estefânia, falaram com os Médicos e Enfermeiros, estiveram com ele desde os momentos mais dramáticos à recuperação.

71 (= 77) Aperceberam-se a todo o momento e tomaram consciência de que o seu filho corria sério risco de vida, que a possibilidade de ele morrer era muito séria.

72 (= 78) Ouviram da boca dos médicos que conheciam a situação dizer-lhes que se preparassem para tudo, desde a morte à sobrevivência em situação de nunca mais conseguir respirar sozinho, comer, falar, andar, raciocinar, ler, fazer simples operações aritméticas, mesmo mexer qualquer um dos membros.

73 (= 79) Têm a consciência, pelo que lhes foi dito pelos próprios médicos, que o seu filho corre o risco permanente do reaparecimento da doença – se um dia “sentirem que o BB já não é o BB” vão de imediato para o Hospital, palavras que ouviram porque lhes foram dirigidas.

74 (= 80) Desde aí, até ao presente e por certo no futuro infinito, viveram, vivem e viverão sempre no terror de isso acontecer a todo o instante.

75 (= 81) Ainda hoje acordam cerca de dez vezes por noite e vão à cama do filho ver se ele está a respirar, com a agravante de desconhecerem quais os sintomas a que devem estar atentos.

76\ Quando se dirigiram à ré no sentido de saber o que aconteceu com o seu filho, com vista a zelar pela saúde dele próprio e a contribuir para (dentro do possível) evitar situações da mesma natureza com o próprio e de outras pessoas, depararam com a já invocada situação de absoluto alheamento, mesmo desprezo.

77\ Sentem-se muito tristes, amargurados e revoltados pela total falta de sensibilidade da ré em situações tão graves – num sector tão vital, repete-se, como a saúde.

78 (=82) Tudo isso lhes causou e causa grande angústia, permanente ansiedade, grande pavor, pânico mesmo, enorme sofrimento.

79 (=83) Neste longo período de quase três anos já decorrido os pais do autor. necessitam, quer para fazer face à situação quer para preparação da vivência futura, de apoio psicológico – o que ainda não conseguiram por impossibilidades económicas.

80 (= 84) No caso dos autos, tendo em atenção a factualidade alegada e os danos sofridos, bem como a sua extensão no futuro, o grau de culpabilidade, a situação económica da ré e dos autores (o autor ainda é menor), têm-se por adequados os montantes indemnizatórios de € 75.000 para o autor e de € 50.000 para a autora.

81\ Os autores interpuseram também uma acção contra o Hospital da Luz e a Médica Pediatra desse Hospital que atendeu o autor.

82\ Trata-se, contudo, nessa acção e nesta de pedidos de indemnização diferentes e por causas diferentes – enquanto aquela se funda em negligência médica nesta a génese é o incumprimento a responsabilidade da ré nos termos alegados.

83\ Trata-se, portanto, de indemnizações diferentes e portanto cumuláveis.

84\ Com efeito, naquela estão em causa os danos a mais sofridos por força da negligência médica invocada, enquanto nesta estão em causa os danos sofridos por causa da falência da vacina.

Na outra petição inicial os autores escreveram a mais ou diferente do que o que constava desta o seguinte:

Na sequência de 6\ acrescentaram:

7/ Chegados ao Hospital da Luz e inserida a triagem às 10,34 horas, o autor foi observado clinicamente pela 2ª ré, que fez diversas vezes a observação do pé direito e observação da resistência do pescoço dobrando-o para a frente. Doc. 3.

8/ Nessa observação questionou se o autor tinha caído ou alguém o tinha pisado – ao que o próprio respondeu que tinha jogado à bola na sexta-feira e um colega o tinha pisado, mas acrescentaram os pais que o BB não se tinha queixado de nada, nem na Sexta-Feira nem no Sábado, e que tinha feito a sua vida normalmente sem qualquer transtorno.

9/ Perguntou se ao autor tinha sido ministrada a vacina da meningite, em particular a última vacina para a meningite B – tendo os pais respondido afirmativamente, em duas doses em Agosto e Outubro de 2015.

[…]

12/ Na anamnese da observação a 2.ª ré escreveu “História um pouco incongruente de queda com traumatismo do MS direito e pé direito há 2 dias. Apenas hoje referiu dor localizada ao dorso do pé, com equimose local e ligeiro edema e impotência funcional parcial” (referido doc. 3).

13/ Nessa mesma observação foi medida a temperatura, com resultado 39.1, foram feitas ao autor análises ao sangue e um RX ao pé direito e escreve-se em observações: “Sem exantemas. Sem sinais meníngeos”, “hematoma no dorso pé direito, com dor ao toque e impotência funcional parcial por dor. Mobilização passiva do pé e tibiotársica dolorosas. Sem evidentes sinais de artrite, restantes articulações livres” (mesmo doc. 3).

14/ Como diagnóstico provisório escreve-se: “GEA a iniciar + lesão traumática do pé?” e como diagnósticos finais “febre causal X – GEA?. Traumatismo pé. Sem evidência clínica ou laboratorial de artrite” (mesmo doc. 3).

15/ E como Conclusão/Observação refere-se “Explico sinais de alarme; rever se presentes ou persiste febre em 48-72 h, repouso relativo + gelo + analgesia/antipirético + hidratação. Domicílio”. Mesmo doc. 3.

16/ Após os resultados dos exames a 2.ª ré chamou os pais do autor, estando ele entretanto a tomar um soro devido às náuseas e aos vómitos, e disse-lhes que após ver esses resultados a mancha do pé deveria ser uma luxação pela ocorrência durante o jogo de Sexta-Feira e, uma vez que as análises estavam boas, os vómitos, os tremores e a febre deviam-se a uma virose.

17/ A mãe acentuou que o filho continuava com muitas dores e que a mancha do pé, já então de tom completamente negro, continuava a aumentar.

18/ Dizendo que isso poderia ser a evolução normal, na sequência do referido no artigo 16º, a 2.ª ré deu a alta com recomendação de irem para casa, repousar e aguardar dois dias, e se a febre não baixasse dos 39 graus voltassem então ao Hospital, mais recomendando que fossem ministrando ao filho Ben-u-ron e Brufen, de 8 em 8 horas, bem como gelo no pé.

Em relação a 9\ acrescentaram:

23/ Apreensivos por nada lhes ser dito, os pais do autor tentaram saber o que se estava a passar, tendo-lhes a 2.ª ré dito para aguardarem um pouco que já viria falar com eles.

Em relação a 10\ acrescentaram:

25/ Entretanto, o autor continuava a delirar e a dizer coisas sem sentido a par de outras próprias de um discurso com alguma coerência.

Em relação a 11\ acrescentaram:

27/ Perante o desespero dos pais mais lhes disse que compreendia como se sentiam mas que o filho por certo ia ser recebido e tratado pelos melhores médicos.

Na sequência escrevem:

29/ No exame objectivo ainda no Hospital da Luz consta, nomeadamente “...Palidez cutânea e labial, lábios secos. Hiperventila. Febre 39,4ºC. ..Petéquias no tronco anterior, região púbica e MI. Sem sufusão hemorrágica. Sem sinais meníngeos...” (referido doc. 5).

30/ Consta, na parte Diagnóstico(s) Provisórios(s) “# Meningococemia?” (mesmo doc. 5).

31/ Consta na parte Conclusão/Observação “...Ex citoquímico e bacteriológico do LCR. Fica 1 tubo seco congelado no H. Luz? Contactar para posteriores estudos. Contactei UCIP para transferência. Contactei TIP? para transporte. Esclarecimento aos pais. Internamento noutro Hospital” (mesmo doc. 5).

Depois de 15\ acrescentaram:

35/ Realçou que foi decisivo o facto de não terem esperado mais tempo para levar o filho ao Hospital, já que a espera de mais uma hora seria suficiente para que, muito provavelmente, o filho tivesse morrido mesmo em casa – vieram na chamada hora de ouro, disse.

36/ Pelas 21h30 comunicou aos pais que o seu filho estava em coma induzido, apesar de algumas incoerências no discurso esteve consciente até ao momento da sedação, afirmou esperança na sobrevivência por se tratar de uma criança saudável e forte.

37/ E voltou a afirmar que foi decisivo o facto de se terem dirigido ao Hospital quando o fizeram e a acentuar que foram na hora de ouro.

38/ Reafirmou a gravidade da situação e disse não poder prever o que sucederia a partir daí e que seria também imprevisível como ficaria a sua saúde caso se salvasse.

[…]

Na sequência de 57\ escrevem:

56/ Conforme decorre do exposto, entre os autores e o 1º réu foi celebrado um contrato de prestação de serviços médicos, contrato esse que foi executado pela 2.ª ré sob as ordens e direcção do 1.º réu, pelo que são ambos solidariamente responsáveis pelos danos causados.

57/ Por força desse contrato os réus, o primeiro enquanto instituição prestadora de serviços médicos e a segunda como médica executora dos actos respectivos, obrigaram-se a fazê-lo no escrupuloso cumprimento dos conhecimentos técnicos disponíveis e das leges artis.

58/ A 2.ª ré incumpriu de modo claro e manifesto essas suas obrigações na consulta/observação que fez ao autor quando ele se deslocou ao Hospital 1.º réu na manhã do dia 18/09/2016,

59/ Actuou com manifesta negligência – com isso praticando acto ilícito, culposo e adequado a causar os danos que causou.

60/ E fê-lo em duas vertentes, ambas de gravidade máxima: a) No diagnóstico que fez sobre os sintomas de doença que ele apresentava (vide artigos 12º a 18º e documento aí referido); b) Na decisão de o enviar para o domicílio com indicação de aguardar dois dias e, se a febre não baixasse dos 39 graus, então voltassem ao Hospital (vide artigos 15º a 18º e mesmo documento aí referido).

61/ Com efeito, perante em particular os “sinais” de febre alta, da mancha no pé, dos vómitos, de mialgias, não é verdadeira a observação “sem exantemas” e é pelo menos superficial, ligeira e injustificável a observação “sem sinais meníngeos”.

62/ Por outro lado, é em absoluto inadequada a recomendação para aguardar dois dias e então, se a febre não baixasse dos 39 graus, voltar ao Hospital.

63/ Se os pais assim tivessem feito, disseram-no os médicos do Hospital da Estefânia, tinham perdido o seu filho – recorreram ao hospital na hora de ouro.

Em relação a 60\ acrescentam:

64/ Por causa do incumprimento dos réus o autor teve que ser sujeito a coma induzido e que suportar os tratamentos e exames documentalmente atestados pelos documentos do Hospital de Dona Estefânia.

Em relação a 66\ altera a expressão ‘a situação’ para a expressão ‘a hipótese’ e acrescenta a parte sublinhada => 70/ A hipótese de falência vacinal – por causa e em circunstâncias ainda não apuradas por quem já o devia ter feito – tinha forçosamente que ser equacionada pelos réus.

Na sequência escrevem:

71/ Mas o procedimento dos réus, em manifesta violação pela 2.ª ré dos deveres de zelo, diligência e vigilância a que estava obrigada aquando da primeira deslocação do autor ao Hospital da Luz,

72/ causou-lhe dores e sofrimento, logo danos, em muito maior grau do que se tivesse agido em respeito pelas suas obrigações e, com isso, diagnosticado a doença ou pelo menos mantido em permanente observância no Hospital da Luz o autor.

Em relação ao pedido formulado é o mesmo de (c) destes, mas com referência aos dois réus daqueles autos de que pedem a condenação solidária.”

V. Fundamentação de direito

Importa apreciar:

1. Se (não) ocorre a exceção inominada de inibição dos Autores procederem judicialmente contra a Ré e Interveniente principal.

Na presente ação os Autores demandam a Ré e Interveniente principal ao abrigo do Decreto-Lei n.º 383/89, de 6/11 que regula o Regime da Responsabilidade Decorrente de Produtos Defeituosos.

Prevendo o seu art. 1º a responsabilidade objetiva do produtor:

“O produtor é responsável, independentemente de culpa, pelos danos causados por defeitos dos produtos que põe em circulação.”

Definindo o seu art. 2º quem é produtor:

“1 - Produtor é o fabricante do produto acabado, de uma parte componente ou de matéria-prima, e ainda quem se apresente como tal pela aposição no produto do seu nome, marca ou outro sinal distintivo; 2 - Considera-se também produtor: a) Aquele que, na Comunidade Económica Europeia e no exercício da sua actividade comercial, importe do exterior da mesma produtos para venda, aluguer, locação financeira ou outra qualquer forma de distribuição; b) Qualquer fornecedor de produto cujo produtor comunitário ou importador não esteja identificado, salvo se, notificado por escrito, comunicar ao lesado no prazo de três meses, igualmente por escrito, a identidade de um ou outro, ou a de algum fornecedor precedente.”

Fixando o art. 4.º o conceito de defeito:

“1 - Um produto é defeituoso quando não oferece a segurança com que legitimamente se pode contar, tendo em atenção todas as circunstâncias, designadamente a sua apresentação, a utilização que dele razoavelmente possa ser feita e o momento da sua entrada em circulação.”

Estipula ainda o art. 6º em que situações pode haver responsabilidade solidária:

“1 - Se várias pessoas forem responsáveis pelos danos, é solidária a sua responsabilidade; 2 - Nas relações internas, deve atender-se às circunstâncias, em especial ao risco criado por cada responsável, à gravidade da culpa com que eventualmente tenha agido e à sua contribuição para o dano; 3 - Em caso de dúvida, a repartição da responsabilidade faz-se em partes iguais.”

O legislador consagrou uma responsabilidade direta, objetiva, porém limitada. O produtor será responsabilizado civilmente quando o produto que puser em circulação provocar danos decorrentes de defeitos de fabricação ou quando for violado o dever de informar (… a sua apresentação).

Neste exclusivo domínio da responsabilidade objetiva, o produtor não tem responsabilidade solidária, nem subsidiária, pelos danos decorrentes da desconformidade dos bens de consumo que não derivem de defeitos de fabricação ou da violação do dever de informação.

A responsabilidade do produtor, objetiva, diz respeito apenas à reparação e à substituição do produto e ao pagamento de indemnização por danos materiais e morais decorrentes de defeitos de fabricação e violação do dever de informar.

A responsabilidade civil do produtor, neste âmbito, não observa o princípio da reparação integral dos danos.

Só assim não seria se o lesado relativamente ao produtor optasse por uma tutela mais abrangente fazendo coexistir o regime da responsabilidade objetiva com o regime geral da responsabilidade contratual e extracontratual do mesmo, responsabilizando-o por outros danos, autorizada pelo art. 13º do DL n.º 383/89, de 06/11.

“Convém atender ao facto de o diploma que regula a responsabilidade objetiva do produtor, preceituar no seu artigo 13º, que a responsabilidade prevista no diploma não afasta a responsabilidade decorrente de outras disposições legais. O que equivale a dizer que este regime de responsabilidade não elimina, nesta matéria, a tutela concedida ao consumidor/lesado pelos outros sistemas de responsabilidade civil já consagrados, antes coexistindo com os mesmos. Vigoram, assim, dois regimes de responsabilidade do produtor: o regime geral da responsabilidade contratual e extracontratual e o regime especial do Decreto-Lei nº 383/89, podendo o lesado, desta forma, invocar o regime de responsabilidade do produtor que lhe for mais favorável” (Diana Filipa Montenegro da Silveira in Responsabilidade Civil por reações adversas a medicamentos, Responsabilidade civil dos Médicos, Coimbra editora, p. 341)

Não o tendo feito e, optando os Autores por demandar a Ré e interveniente por terem colocado no mercado produto defeituoso (art. 39º da p.i.), não invocando quaisquer outros pressupostos de responsabilidade para além da responsabilidade objetiva do produtor, há que entender que é nesse âmbito que pretendem a respetiva tutela, estando a mesma sujeita aos termos e limites previstos no DL n.º 383/89, de 06 de Novembro.

Quando o art. 6º deste diploma prevê que, “se várias pessoas forem responsáveis pelos danos é solidária a sua responsabilidade”, tal responsabilidade respeita a todos os intermediários que tiveram intervenção na produção ou construção do produto, quer seja o fabricante do produto acabado, de uma parte componente ou de uma matéria prima, o produtor aparente, o importador e o fornecedor, podendo o lesado demandar qualquer uma delas.

Entendeu o acórdão recorrido, à semelhança da sentença, que a responsabilidade da Ré e Interveniente principal na presente demanda, é solidária com a responsabilidade dos demandados Hospital da Luz de Lisboa e Médica Pediatra que atendeu o 2º Autor, pelos danos resultantes do facto de este ter contraído a Doença Meningocócica Invasiva causada pelo grupo B.

E que tendo aqueles demandados sido acionados em 1º lugar, estavam os Autores inibidos de exigir posteriormente aos corresponsáveis pelos defeitos do produto “o cumprimento da mesma obrigação”.

Desse modo, estariam verificados os pressupostos da exceção dilatória da inibição, temporária, de os Autores procederem judicialmente contra as Rés prevista do art. 519 nº1 do Código Civil.

Vejamos.

Dispõe o art. 519º nº 1 do Código Civil que:

“1. O credor tem o direito de exigir de qualquer dos devedores toda a prestação, ou parte dela, proporcional ou não à quota do interpelado; mas, se exigir judicialmente a um deles a totalidade ou parte da prestação, fica inibido de proceder judicialmente contra os outros pelo que ao primeiro tenha exigido, salvo se houver razão atendível, como a insolvência ou risco de insolvência do demandado, ou dificuldade, por outra causa, em obter dele a prestação.”

De harmonia com o preceituado no art. 513º do Código Civil, a solidariedade entre devedores (ou entre credores) constitui um regime excecional, apenas podendo resultar diretamente da lei (solidariedade legal) ou da vontade das partes (solidariedade convencional).

A solidariedade passiva que resulta do art. 519º nº 1 pressupõe não apenas uma pluralidade de sujeitos, mas também uma mesma relação obrigacional, manifeste-se ela no âmbito da responsabilidade civil por factos ilícitos ou pelo risco (arts. 497º, n.º 1 e 507º, nºs 1 e 2, do CC), o que importa é que a mesma obrigação seja encabeçada por uma pluralidade de devedores.

Só desse modo se pode compreender o dever de prestação integral, que recai sobre qualquer dos devedores e o efeito extintivo recíproco da satisfação dada por qualquer deles ao direito do credor, previstos no art. 519º do CC.

A solidariedade passiva só existe quando a mesma obrigação for encabeçada por uma pluralidade de devedores (Ac. STJ de 15-11-2012, P. 246/10.3YRLSB.S1, www.dgsi.pt)

Como assinala João de Matos Antunes Varela in Das Obrigações em Geral, Vol. I, 3ª ed. p. 620 “As prestações dos devedores ou credores conjuntos resultam do fracionamento ou parcelamento da prestação global, na qual tendem a integrar-se de novo, logo que cesse a causa da sua divisão. Nesse aspeto se distinguem das relações que ligadas embora por certo nexo objetivo de complementaridade, nascem logo como obrigações separadas, assentes sobre vínculos distintos…”

E mais à frente, p. 623 “O nexo existente entre as obrigações solidárias não procede apenas da fixação global da prestação; estende-se ao próprio nexo que liga os dois ou mais vínculos obrigacionais, como o termo solidariedade logo insinua”.

Tendo a Ré e Interveniente principal sido demandadas em ação configurada exclusivamente pela sua responsabilidade decorrente de produtos defeituosos, a solidariedade a que estão sujeitas, manifesta-se apenas entre si e decorre do diploma que regula tal matéria.

Não estando a sua responsabilidade correlacionada com as obrigações contratuais ou extracontratuais do Hospital ou profissional de saúde, relativamente à doença que o produto defeituoso não logrou prevenir.

Estando as obrigações dos sujeitos passivos das duas ações em confronto assentes em vínculos distintos, inexiste solidariedade passiva, nada obstando a que a presente ação fosse intentada separadamente da ação cível ......19.

Inexiste assim fundamento para afirmar que ocorre a exceção inominada de inibição dos Autores procederem judicialmente contra a Ré e Interveniente principal, com a consequente absolvição da instância destas.

Procedendo tal questão do recurso.

Ficando prejudicada a apreciação da injustificada desconsideração de documento novo (decisão de improcedência da anterior ação) para o efeito de autonomizar a presente ação, suscitada pelos Recorrentes.

Bem como a questão do efeito jurídico a aplicar a tal exceção, suscitada pelas Recorridas.

2. Se a ação (não) se revela manifestamente improcedente.

A manifesta improcedência da ação reconduz-se aos casos em que a tese propugnada pelo autor não tenha possibilidades de ser acolhida face à lei em vigor e à interpretação que dela façam a doutrina e a jurisprudência.

Expressou o acórdão recorrido ser manifesta a improcedência da pretensão dos Autores, porquanto não alegam estes, qualquer outra razão para considerar a vacina com defeito, para além da falência vacinal – a qual não é razão suficiente para o efeito.

Sendo esta uma responsabilidade independente de culpa, o lesado terá apenas de alegar e provar o defeito, o dano e o nexo de causalidade entre o defeito e o dano, enquanto elementos constitutivos da responsabilidade objetiva, para haver responsabilização do produtor.

Assim o expressou o Ac. do STJ de 25/09/2018, P.495/14.5TJVNF.G1.S1, in www.dgsi.pt:

“I - Para efeitos do DL n.º 383/89, de 06-11 – que transpôs a Diretiva do Conselho da Europa n.º 85/374, de 25-07 – um produto é defeituoso quando não oferece a segurança com que legitimamente se pode contar tendo em atenção todas as circunstâncias, designadamente a sua apresentação, a utilização que dele razoavelmente possa ser feita, e o momento da sua entrada em circulação.

II - Por produto defeituoso entende-se – não aquele que é inapto para o fim a que se destina – mas que carece de segurança, a legitimamente esperada, decorrente de um defeito de conceção, de fabrico ou de informação.

III - Recai sobre os recorrentes o ónus da prova, entre outros, do defeito e do nexo de causalidade entre o defeito e o dano, que não cumpriram.”

O que vai de encontro à regra geral prevista no Código Civil de que “quem invoca um determinado direito cabe fazer prova dos factos constitutivos desse direito”, enquanto que a contraparte tem de alegar e “provar os factos impeditivos modificativos ou extintivos desse mesmo direito.”

E, conforma-se com o artigo 4.° da Diretiva 85/374/CEE do Conselho, de 25 de julho de 1985 transposta no DL n.º 383/89, de 06 de novembro, “Cabe ao lesado a prova do dano, do defeito e do nexo causal entre o defeito e o dano”, ainda que o não o tenha feito constar do seu texto.

Não obstante este entendimento, a verdade é que provar o defeito e o nexo causal pode representar para o lesado um obstáculo difícil de ultrapassar, principalmente naqueles casos em que os produtos são demasiado complexos, sofisticados, com características especiais, cuja prova só pode ser levada a cabo por peritos ou técnicos especializados para o efeito, o que acarreta para os lesados custos demasiado elevados. Devendo temperar-se essa prova com as regras da experiência da vida.

Refere CALVÃO DA SILVA in “Responsabilidade Civil do Produtor”, 1990, p. 698, que “na apreciação da prova valem as regras do direito comum, mas deve ter-se sempre presente que o lesado deve ser ajudado na espinhosa tarefa de demonstrar o nexo causal, no mínimo através da prova de primeira aparência (…) que, no fundo, é uma espécie de presunção da causalidade”

No mesmo sentido, o Ac. STJ de 14/03/2019, P. 2411/10.4TBVIS.C1.S1 in www.dgsi.pt:

“Se, em relação aos danos e aos defeitos, a produção de prova cai no âmbito da normalidade, já a prova do nexo causal se apresenta, na maior parte das vezes, como sendo muito difícil: perante isso, as regras da experiência de vida, o id quod plerumque accidit e a teoria da causalidade adequada poderão permitir a preponderância da evidência, uma espécie de causalidade”

Não obstante as dificuldades práticas da prova do defeito e da relação causal na produção do dano verificado, no dia 21 de junho de 2017 o Tribunal de Justiça da União Europeia (TJUE) proferiu um acórdão a respeito do regime de responsabilidade do produtor por produtos defeituosos, no qual se inclui a responsabilidade do fabricante de medicamentos, entre os quais se encontram as vacinas, , vindo a declarar que o artº 4º da Diretiva 85/374/CEE deve ser interpretado no sentido de que, não se opõe a um regime probatório nacional, nos termos do qual, quando chamado a pronunciar‑se sobre uma ação destinada a estabelecer a responsabilidade do produtor de uma vacina devido a um alegado defeito desta última, o juiz que conhece do mérito pode considerar, no exercício do poder de apreciação de que está investido a este respeito, que, apesar da constatação de que a investigação médica não estabelece nem infirma a existência de uma relação entre a administração da vacina e o aparecimento da doença de que o lesado padece, certos elementos de facto invocados pelo demandante constituem indícios graves, precisos e concordantes que permitem concluir pela existência de um defeito da vacina e de um nexo causal entre esse defeito e a referida doença. Todavia, os órgãos jurisdicionais nacionais devem garantir que a aplicação concreta que fazem do referido regime probatório não se traduza na violação da regra relativa ao ónus da prova instituída pelo referido artigo 4.° nem prejudique a efetividade do regime de responsabilidade instituído por aquela diretiva.

Mais declarou que o artigo 4.° da Diretiva 85/374 deve ser interpretado no sentido de que se opõe a um regime probatório assente em presunções, nos termos do qual, quando a investigação médica não estabeleça nem infirme a existência de uma relação entre a administração da vacina e o aparecimento da doença de que o lesado padece, se considera sempre provada a existência de um nexo causal entre o defeito atribuído a uma vacina e o dano sofrido pelo lesado, desde que estejam reunidos certos indícios factuais de causalidade predeterminados.

Definidos os limites da prova, que por força do princípio do dispositivo são também os da alegação, vejamos o que decorre da petição inicial e documentação junta:

- A descrição dos sintomas sentidos pelo 2º Autor a partir da noite de 17 para 18 de setembro de 2016 (artºs 2º a 15º)

- A alegação e prova de lhe ter sido prescrita e ministrada as duas doses da vacina para a meningite B, a vacina Bexsero, em datas anteriores aos sintomas (doc. 4).

- A alegação de que os sintomas foram devidos a uma situação de falência vacinal (Neisseria meningitidis grupo B serotipo ST 31- 44) – atestada, pelos documentos 5 e 6.

- A alegação de que, após identificação dos lotes vacinais de Bexsero foi feita notificação pelo Hospital D. Estefânia, para além do Infarmed, à GSK fabricante da vacina (artº 20º e doc. 5)

- A reação da Ré, na qual por carta de 7 de julho de 2017, informa que em conformidade com os procedimentos legais de farmacovigilância o caso foi registado e acompanhado junto do médico que segue o 2º A. desde a sua notificação inicial, informando que continua a rever o caso de forma a confirmar as suas particularidades do ponto de vista clínico, e que “não existe nenhuma vacina que possa garantir 100% de sucesso na prevenção de uma doença” (art. 27º e doc. 8).

- A reação da Ré na carta de 30 de novembro de 2017 a qual informa que “continua a acompanhar a situação com toda a atenção e seriedade e em conformidade com todos os procedimentos legais de farmacovigilância, que a investigação está a decorrer por uma entidade externa, o Instituto Nacional de Saúde Pública Doutor Ricardo Jorge, com a qual a GSK tem colaborado de forma proactiva, que não foram autorizados a partilhar qualquer informação sobre os resultados sem o consentimento desse Instituto, e disponibilizam as seguintes informações alegadamente já autorizados a partilhar:

 O estudo genómico (primeira fase da investigação) já foi concluído e o seu relatório enviado à Direcção Geral de Saúde;

 A segunda fase da investigação será concluída no laboratório de referência para a Neisseria meningitidis no Instituto Carlos III, em Madrid (Espanha). Neste laboratório serão investigados os antigénios bacterianos indutores da resposta imunológica em indivíduos vacinados, pela avaliação in vitro do comportamento dos anticorpos bactericidas séricos na presença de uma cultura bacteriana.

 Os resultados desta investigação (segunda fase da investigação) serão igualmente partilhados com a Direcção Geral da Saúde.

Mais informa não dispor então de mais informações relativas aos resultados da investigação e que irá informar os Autores sobre qualquer nova informação que possa vir a receber no devido tempo. (art. 30º e doc. 10)

- A alegação de que “pôs a R. no mercado produto defeituoso – entendendo tal conceito no sentido de que no caso “ ...não oferece a segurança com que legitimamente se pode contar, tendo em conta todas as circunstâncias, designadamente a sua apresentação, a utilização que dele razoavelmente possa ser feita e o momento da sua entrada em circulação” – nº 1 do art. 4º do Dec. Lei nº 383/89, de 6 de Novembro, que transpõe a Diretiva nº 85/374/CEE, do Conselho (art. 39º)

- A alegação de que “… a meningite que vitimou o 2º A. foi originada por falência da vacina Bexsero que lhe fora ministrada nas doses prescritas e a R., enquanto Laboratório produtor da vacina, é responsável pelos danos causados decorrentes dessa falência vacinal” (art. 58º).

Resulta do alegado pelos Autores que a meningite que vitimou o 2º A. se deveu à falência da vacina que lhe fora ministrada.

Não invocam estes, qualquer outro fundamento para a doença surgida, não se colhendo da documentação junta qualquer outra informação sobre a qualidade defeituosa da vacina administrada ao 2º Autor com vista a prevenir a precisa doença.

Sucede que, quando alguém é vacinado, fica muito provavelmente protegido contra a doença em causa, mas não garantidamente.

“Vacinas 100% eficazes não são uma realidade porque a resposta imunitária gerada no organismo varia de pessoa para pessoa, sendo muito forte e duradoura nalguns casos e muito fraca noutros. As causas podem ser diversas e incluem, nomeadamente, fatores genéticos, presença de algumas patologias ou hábitos de vida, entre outros fatores.”- Lê-se no site do Instituto de Medicina Tropical, 27/09/2021.

Pelo que o efeito “falência vacinal” ou falta de eficácia da vacina não corresponde, só por si, a um defeito de fabrico ou a uma deficiência de informação do produto.

Concordamos, assim, com o acórdão recorrido quando afirma que intentar uma ação alegando apenas a falência vacinal não corresponde a alegar qualquer defeito de fabrico.

Sendo manifesta a improcedência da ação, com a consequente absolvição do pedido da Ré e Interveniente principal.

Improcedendo tal questão do recurso.

3. Da indevida desconsideração da abrangência do apoio judiciário ao Autor, menor.

Fixou o acórdão recorrido o seguinte dispositivo, quanto a custas:

“Custas do recurso, quer da taxa de justiça não paga ainda, quer das custas de parte das rés, pelo autor, que não beneficia de apoio judiciário (o facto de a autora ter apoio judiciário, como autora, não quer dizer que o autor, parte nesta ação, também o tenha; a autora, enquanto representante do autor, não é parte no processo, quem é parte é o autor).”

Efetivamente, quer o requerimento para obtenção do benefício de apoio judiciário, junto com a petição inicial, quer o ofício de 08/10/2019 emanado do Instituto da Segurança Social, identificam apenas a Autora como requerente e beneficiária.

Nas alegações de recurso os Recorrentes referem que “nos autos foi concedido apoio judiciário, na modalidade de dispensa de taxa de justiça e demais encargos, apoio judiciário que foi sempre considerado aplicável aos dois Autores e, em situações já decididas, nunca impugnadas, portanto transitadas em julgado, nunca houve lugar a pagamento de taxas de justiça ou quaisquer condenações em custas.”

Efetivamente a sentença da 1ª instância deu como assente que ambos os autores beneficiam de apoio judiciário. E dos autos resulta terem estes prosseguido sem qualquer pagamento, notificação para pagamento ou consequência pela não abrangência do Autor, filho menor, no apoio judiciário concedido pelo ISSS.

Sendo de crer que o Autor, representado pela sua mãe, coautora, agiu movido pela aparência de estar abrangido pelo mesmo benefício, para a qual o próprio tribunal contribuiu.

Não deve por isso, nas circunstâncias, de acordo com um princípio da boa fé, censurar-se a parte que atuou confiada na aparência da abrangência do apoio judiciário ao Autor menor, sendo essa confiança, porque justificada na própria atuação do tribunal, merecedora de tutela jurídica.

Desse modo, revoga-se a decisão do acórdão recorrido que desconsiderou a abrangência do apoio judiciário ao Autor.

Sumário:

1. Optando os Autores por demandar a Ré e interveniente por terem colocado no mercado produto defeituoso, não invocando quaisquer outros pressupostos de responsabilidade para além da responsabilidade objetiva do produtor, há que entender que é apenas no âmbito desta responsabilidade que pretendem a respetiva tutela, estando a mesma sujeita aos termos e limites previstos no DL n.º 383/89, de 06 de Novembro.

2. No exclusivo domínio da responsabilidade objetiva, o produtor não tem responsabilidade solidária, nem subsidiária, pelos danos decorrentes da desconformidade dos bens de consumo que não derivem de defeitos de fabricação ou da violação do dever de informação.

3. A solidariedade passiva que resulta do art. 519º nº 1 pressupõe uma pluralidade de sujeitos e uma mesma relação obrigacional.

4. Tendo a Ré e Interveniente principal sido demandadas em ação configurada exclusivamente pela sua responsabilidade decorrente de produtos defeituosos, a solidariedade a que estão sujeitas, manifesta-se apenas entre si.

5. Um produto é defeituoso quando não oferece a segurança com que legitimamente se pode contar tendo em atenção todas as circunstâncias, designadamente a sua apresentação, a utilização que dele razoavelmente possa ser feita, e o momento da sua entrada em circulação.

6. Em matéria de responsabilidade decorrente de produtos defeituosos, o lesado terá de alegar e provar o defeito, o dano e o nexo de causalidade entre o defeito e o dano, enquanto elementos constitutivos da responsabilidade objetiva.

7. Provar o defeito e o nexo causal pode representar para o lesado um obstáculo difícil de ultrapassar, principalmente nos casos em que os produtos são demasiado complexos, sofisticados, com características especiais, cuja prova só pode ser levada a cabo por peritos ou técnicos especializados para o efeito, o que justifica se deva temperar essa prova com as regras da experiência da vida.

8. O efeito “falência vacinal” ou falta de eficácia da vacina não corresponde, só por si, a um defeito de fabrico ou a uma deficiência de informação do produto.

VI. Decisão

Em face do exposto, concede-se parcialmente a revista, revogando-se o acórdão recorrido no segmento respeitante à desconsideração do benefício de apoio judiciário pelo Autor.

Quanto ao mais mantém-se a decisão de absolvição do pedido das Rés, ainda que com fundamentação divergente.

Custas pelos Autores, sem prejuízo do apoio judiciário de que ambos beneficiam nos termos supra definidos.

Lisboa, 09 de dezembro de 2025

Anabela Luna de Carvalho (Relatora)

Luís Espírito Santo (1º Adjunto)

Cristina Coelho (2ª adjunta)