PROCESSO DE PROMOÇÃO E PROTEÇÃO
MEDIDA DE CONFIANÇA COM VISTA À FUTURA ADOÇÃO
NULIDADE INSANÁVEL
NOMEAÇÃO DE PATRONO
PROGENITOR
PROVA
AUDIÊNCIA
CONHECIMENTO OFICIOSO
RECURSO DE APELAÇÃO
NULIDADE PROCESSUAL
Sumário

I. Enferma de nulidade insanável o debate judicial realizado em processo de promoção e proteção em que se perspetive a aplicação da medida de confiança judicial para futura adoção, se apenas se nomeou patrono ao pai na sessão em que ele foi ouvido em declarações, tendo-se omitido tal nomeação na primeira sessão do debate judicial, em que se ouviram as testemunhas arroladas pelo Ministério Público e pela progenitora.
II. A nulidade referida em I é de conhecimento oficioso e pode ser arguida em apelação interposta contra a decisão final da 1.ª instância.

Texto Integral

Acordam os juízes no Supremo Tribunal de Justiça

I. RELATÓRIO

1. Os presentes autos respeitam a AA, nascida em D.M.2019, filha de BB e de CC, tendo conhecido o seu início, em tribunal, a impulso do Ministério Público, na sequência de intervenção frustrada da CPCJP, iniciada logo no momento de nascimento da criança, por existir perigo para o seu bem-estar, a segurança e o desenvolvimento, por sucessivos registos de episódios de agressão do progenitor para com a progenitora, de conflito constante entre ambos com marcada disfunção relacional, a que acresciam suspeitas de consumo de substâncias estupefacientes pelos pais, o que motivara já a sujeição da fratria da criança a intervenção de promoção e proteção, incluindo com execução de medidas de acolhimento residencial e de apoio junto de outros familiares.

2. Em 10.05.2022, foi aplicada à criança, por acordo homologado por sentença dessa data, a medida de apoio junto dos pais, ao abrigo do disposto nos artigos 35.º, n.º 1, a), e 39.º da LPCJP, por seis meses.

3. No âmbito do acompanhamento da execução da medida, foi esta revista, mantendo-se a sua aplicação, com adicionais deveres a que ficariam sujeitos os pais, conforme decorre da ata da conferência de 21.09.2022.

4. Na sequência de várias e sucessivas informações da EMAT acerca da execução da medida, havendo notícia de que a criança continuava exposta a situações de violência interparental e que os pais se furtavam a contactos da equipa técnica, não cumprindo com os deveres que haviam assumido no âmbito do acordo de promoção e proteção, foi aplicada à criança, a título provisório e cautelar, por despacho de 13.04.2023, a medida de promoção e proteção de acolhimento residencial, nos termos dos artigos 37.º, n.º 1, e 35.º, n.º 1, f), da LPCJP, pelo período de três meses, e cuja execução se iniciou em 02.06.2023, na Casa de Acolhimento Mãe d’Água.

5. A medida em apreço foi revista e prorrogada na sua execução por despachos de 31.07.2023, 23.01.2024 e 21.05.2024, neste último caso por seis meses, com vista a decisão definitiva sobre a situação da criança, uma vez que fora proposta pela EMAT a aplicação da medida de confiança a instituição com vista a encaminhamento para adoção.

6. Foram subsequentemente notificados os intervenientes para alegar e oferecer prova, nos termos do artigo 114.º da LPCJP, por não existir acordo quanto ao projeto de vida futuro da criança.

7. Realizaram-se exames periciais de psicologia forense à mãe e à criança, não tendo sido possível a sua concretização quanto ao pai, por falta de colaboração deste para sua comparência no INML, tendo sido juntos os relatórios, em 31.10.2023.

8. Realizou-se debate judicial, no qual se ouviram os pais e se produziu a prova requerida.

9. Foi proferido acórdão nos termos da qual foi decretada a medida de confiança a instituição, com vista a futura adoção, nos termos das disposições conjugadas dos artigos 35.º, n.º 1, g), 38.º-A, 46.º, 49.º e 62.º-A, da Lei de Proteção de Crianças e Jovens em Perigo.

10. Os progenitores interpuseram recurso desta decisão, tendo a Relação do Porto, por acórdão proferido em 20.02.2025, julgado a apelação improcedente, confirmando a decisão recorrida.

11. Contra este acórdão os progenitores interpuseram revista ordinária e, subsidiariamente, revista excecional, formulando as seguintes conclusões:

“I.

1. O recorrente progenitor vem, pelo presente recurso, invocar nulidade do douto Acórdão recorrido, nos termos do disposto nos artigos 615º nº 1 al. b) e c) e 674º nº 1 al. c) do CPC e para os efeitos previstos no artigo 684º do CPC, na parte em que decidiu sobre a nulidade por si invocada nas conclusões 39 a 42 do recurso de apelação nos termos dos artigos 195º e 199º do CPC, assente no fundamento de que o Tribunal de 1ª Instância violou o disposto no artigo 117º da LPCJP.

2. Nas conclusões 39 a 42 do recurso de apelação de 09-12-2024, o recorrente progenitor invocou uma nulidade nos termos do artigo 195º do CPC, por entender que o Tribunal de 1ª Instância violou o artigo 117º da LPCJP, pois que na fundamentação do douto Acórdão por si proferido em 27-11-2024 considerou provas que o recorrente progenitor não pôde contraditar no Debate Judicial, nomeadamente, os depoimentos das testemunhas arroladas pelo Ministério Público (Dra. DD, Dra. EE, Dra. FF e Dra. GG) que foram inquiridas na primeira sessão do Debate Judicial sem que nela o recorrente progenitor estivesse presente nem representado por advogado (Ata com a referência .......01), com clara influência na decisão da causa, por serem provas que fundamentam a matéria de facto dada como provada e não provada, matéria essencial à verificação dos requisitos de que depende a medida aplicada de confiança a instituição com vista à adoção.

3. O douto Acórdão recorrido julgou improcedente a invocada nulidade, fundamentando-a nos seguintes termos: “a arguição do fundamento dessa nulidade não foi tempestiva. Acresce que a diligência em causa foi realizada em 26.9.24 e esta arguição só foi realizada nas alegações em 9.1.24. Portanto, nos termos expostos a mesma não poderá proceder”.

4. A nulidade em causa, tendo como fundamento a própria fundamentação do douto Acórdão de 1ª Instância, só poderia ser invocada a partir da data em que o recorrente progenitor foi notificado deste, o que fez nas alegações de recurso que apresentou em 09-12-2024, respeitando assim o prazo de 10 dias de que dispunha para invocar a nulidade, nos termos do disposto nos artigos 138º nº 2, 149º, 195º e 199º do CPC.

5. Entende, por isso o recorrente progenitor, que o douto Acórdão recorrido não especificou fundamentos de facto e de direito aptos a fundamentar a improcedência da invocada nulidade, uma vez que o fundamento apresentado pelo douto Acórdão recorrido, de que “a diligência em causa foi realizada em 26.9.24 e esta arguição só foi realizada nas alegações em 9.1.24” não é apto a fundamentar a decisão e, por isso, não pode ser considerado um fundamento da decisão, existindo assim absoluta falta de fundamentação, nulidade que expressamente se invoca nos termos do disposto nos artigos 615º nº 1 al. b) e nº 4, 666º e 674º nº 1 al. c) do CPC e para os efeitos previstos no artigo 684º do CPC, com as legais consequências.

6. Caso este Colendo Supremo Tribunal de Justiça assim não o entenda, salvo melhor opinião, a fundamentação apresentada é assente num raciocínio que torna a decisão de improcedência da invocada nulidade totalmente ininteligível, por não haver um mínimo correspondência e conexão entre a nulidade invocada, o fundamento apresentado com alusão à “diligência em causa foi realizada em 26.9.24” e a decisão proferida pelo douto Acórdão recorrido, sendo por isso uma decisão obscura, nulidade que expressamente se invoca nos termos do disposto nos artigos 615º nº 1 al. c) e nº 4, 666º e 674º nº 1 al. c) do CPC e para os efeitos previstos no artigo 684º do CPC.

II.

7. Vem o progenitor recorrer do douto Acórdão proferido pelo Tribunal da Relação do Porto, nos termos do artigo 671º nº 1 do CPC, na parte em que este decidiu (ponto 4.2.), com base em critérios de legalidade, julgar improcedente a parte do recurso de apelação contido nas conclusões 1 a 38 onde invocou a invalidade do Acórdão proferido pelo Tribunal de 1ª Instância e pediu a sua anulação, em face de não lhe ter sido assegurada a obrigatória nomeação de patrono na fase de Debate Judicial em violação do disposto nos artigos 103º nº 4, 104º e 114º da LPCJP e dos seus direitos fundamentais previstos nos artigos 20 n.ºs 1 e 4 e 36º nº 6 da CRP, uma vez que no seu entendimento tal violação consubstancia concomitantemente a violação dos princípios de efetivo acesso ao direito e de exercício do contraditório, com relevância substantiva na decisão da causa e que, como tal, deverá conduzir à invalidade do douto Acórdão de 1ª Instância e sua subsequente anulação.

8. A invocada invalidade do douto Acórdão proferido pelo Tribunal de 1ª Instância, foi decidida pela primeira vez nos presentes autos pelo douto Acórdão recorrido, pelo que, no modesto entendimento do recorrente progenitor, não existe dupla conforme que obste à admissibilidade do presente Recurso de Revista quanto a essa decisão, nos termos do disposto no artigo 671º nº 1 do CPC.

9. O recorrente progenitor, alegou nas conclusões 1 a 38 do seu recurso de apelação que não lhe foi assegurada a obrigatória nomeação de patrono na fase de Debate Judicial, em violação do disposto nos artigos 103º nº 4, 104º e 114º da LPCJP e dos seus direitos fundamentais previstos nos artigos 20 n.ºs 1 e 4 e 36º nº 6 da CRP, e que tal violação é manifestamente grave e teve profunda relevância substantiva na decisão proferida pelo Tribunal de 1ª Instância, com afetação da sua validade, não sendo por isso de se lhe aplicar o regime das nulidade processuais, tendo concluído que “deverá a douta decisão ora recorrida ser anulada e ordenada a reabertura do debate judicial, concedendo-se ao recorrente progenitor prazo para apresentar alegações e prova, agora devidamente mandatado, o que se requer”.

10. O douto Acórdão recorrido, apreciando tal pedido, afirmou e decidiu que “Pretendem os apelantes que foi cometida uma nulidade devido à não constituição de mandatário ao pai da criança. Decidindo. (…) In casu, conforme resulta da ATA DE DEBATE JUDICIAL de 26.9.24 nessa diligência só interveio o mandatário da mãe, pelo que essa norma foi claramente violada pelo tribunal a quo. Mas na diligência seguinte desse mesmo debate judicial (continuação) já compareceu um patrono Dra. HH, bem como a ilustre patrona da mãe. Nessa acta nada foi requerido. No dia 29.10.24 realizou-se novo debate judicial sem que nada de novo tenha sido requerido. Só em 9.12.24, no decurso das alegações, apresentadas em é que essa questão foi suscitada. Assim teremos de considerar que a invocação desse vicio é manifestamente intempestiva. Nos termos dos arts. 198, nº1, e 195º, do CPC ex vi art. do a parte deveria ter arguido a mesma na primeira intervenção processual. Não o tendo feito a mesma terá de se considerar sanada e por isso improcedem as questões suscitadas nas alegações 1 a 38”, isto, não obstante o recorrente progenitor nunca ter invocado nas suas conclusões 1 a 38 uma qualquer nulidade processual.

11. Do relatório elaborado pela EMAT em 15-05-2024 e remetido aos presentes autos, da douta promoção do Ministério Público com a referência .......83 e do douto despacho proferido pelo Tribunal de 1ª Instância em 21-05-2024 com a referência .......84, resulta claro que em momento prévio à ordenação da notificação dos recorrentes progenitores para apresentarem as suas alegações e provas nos termos do artigo 114º nº 1 da LPCJP, o Tribunal de 1ª Instância tinha já conhecimento de que no Debate Judicial se iria discutir a aplicação à criança AA da medida de promoção e proteção de confiança com vista à adoção, prevista no artigo 35º nº 1 al. g) da LPCJP.

12. Através do douto despacho com a referência .......84, o Tribunal de 1ª Instância ordenou a notificação dos progenitores e do Ministério Público para apresentarem alegações e provas nos termos do artigo 114º nº 1 da LPCJP e determinou “que se proceda à nomeação de ilustre patrono à criança, sendo também notificado/a nestes termos”.

13. O Ministério Público apresentou as suas alegações, com a referência ...39, onde deduziu o pedido que havia já manifestado nos presentes autos intenção de vir a deduzir: – “Nestes termos, e tendo em vista a defesa do superior interesse da AA, requer-se a aplicação, em seu beneficio, da medida de promoção e proteção de confiança a pessoa selecionada para adoção, a família de acolhimento ou instituição com vista a sua futura adoção, nos termos e para os efeitos constantes dos artigos 35.º nº 1 al. g)”, reforçando o conhecimento prévio do Tribunal de 1ª Instância, de que na fase de Debate Judicial se iria discutir a aplicação da medida de promoção e proteção prevista no artigo 35º nº 1 al. g) da LPCJP.

14. O Tribunal notificou o recorrente progenitor para apresentar alegações e provas através de correio registado remetido para o Estabelecimento Prisional do Porto em que naquela data se encontrava preso preventivamente à ordem do inquérito criminal 1475/22.2PAVNG (referência .......66 e referência CTT ...........PT), o qual, sem mandatário constituído nem patrono nomeado, elaborou pelo seu próprio punho e a partir do Estabelecimento Prisional uma missiva em resposta àquela notificação, recorrendo a uma folha branca e caneta, que remeteu aos presentes autos no dia 12-062024.

15. O Tribunal notificou a recorrente progenitora para apresentar alegações e provas, tendo esta requerido voluntariamente proteção jurídica na modalidade de “nomeação e pagamento da compensação de patrono” e apresentado as suas alegações e provas em 12-08-2024, devidamente representada por I. Patrona nomeada (referência 49646754).

16. Em 22-08-2024, o Tribunal de 1ª Instância proferiu despacho afirmando e ordenando que “Tomei conhecimento das alegações. Para realização do debate judicial, designo o dia 26 de setembro de 2024, às 14 horas, não antes por indisponibilidade de agenda. (…) Notifiquem-se os pais e as ilustres patrona da mãe e defensora da criança nos termos e para os efeitos do artigo 114.º, n.º 4, da LPCJP” (referência .......51).

17. A Ata da primeira sessão do Debate Judicial ocorrida em 26-09-2024 é um documento autêntico que, nos termos do artigo 371º do CC, faz prova plena de que nessa sessão: apenas estiveram presentes a progenitora BB, a sua I. Patrona, a I. Defensora da criança e as testemunhas arroladas pelo Ministério Público e pela progenitora; o Tribunal de 1ª Instância determinou que se produzisse a prova testemunhal arrolada pelo Ministério Público; foi produzida toda a prova testemunha arrolada pelo Ministério Público, com a inquirição das testemunhas Dra. DD, Dra. EE, Dra. FF e Dra. GG (referência .......01) sem que o recorrente progenitor estivesse presente nem representado por advogado.

18. A Ata da segunda sessão do Debate Judicial ocorrida em 22-10-2024 é um documento autêntico que, nos termos do artigo 371º do CC, faz prova plena de que nessa sessão pelo pai aqui presente foi dito que pretendia ser assistido por advogado/a, pedindo a nomeação de defensor, o que a Mma. Juíza de imediato determinou. Pela secção, foi pedida a nomeação urgente via citius e foi nomeada como ilustre patrona do pai a Sr.ª Dra. HH, com cédula profissional ....9P”.

19. E, conjuntamente com a Ata da terceira sessão do Debate Judicial ocorrida em 29-10-2024, nos termos do artigo 371º do CC faz ainda prova plena de que o único meio de prova produzido em Debate Judicial com o ora recorrente progenitor devidamente representado por advogado foi, precisamente, a produção das suas próprias declarações, ao que se seguiram as alegações finais, com o subsequente encerramento do Debate.

20. Em 27-11-2024 foi proferido Acórdão pelo Tribunal de 1ª Instância que decidiu “aplicar a AA, nascida em D/M/2019, a medida de confiança a instituição, com vista a futura adoção, nos termos das disposições conjugadas dos artigos 35.º, n.º 1, g), 38.º-A, 46.º, 49.º e 62.º-A da Lei de Proteção de Crianças e Jovens em Perigo”.

21. Os recorrentes apenas constituíram mandatário em 03-12-2024, conforme resulta do requerimento e procuração juntos aos presentes autos em 03-12-2024 com a referência 50661695.

22. O douto Acórdão recorrido apreciou e reconheceu que o Tribunal de 1ª Instância violou a obrigatoriedade de nomeação de patrono ao progenitor, prevista no artigo 103º nº 4 da LPCJP: – “conforme resulta da ATA DE DEBATE JUDICIAL de 26.9.24 nessa diligência só interveio o mandatário da mãe, pelo que essa norma foi claramente violada pelo tribunal a quo, não obstante ter decidido que a violação dessa obrigatoriedade consubstancia uma nulidade processual a ser arguida nos termos do disposto nos artigos 195º e 199º do CPC, tendo, por isso, a considerado sanada.

23. Com a norma prevista no artigo 103º nº 4 da LPCJP, o legislador pretendeu reforçar e salvaguardar, recorrendo a uma lex specialis, a inviolabilidade das garantias constitucionais dos progenitores ao efetivo acesso ao direito (e tutela jurisdicional efetiva) e ao exercício do contraditório, assegurando a sua representação na fase de Debate Judicial por profissional forense habilitado a aconselhá-los e representá-los em juízo sempre que estiver em causa a aplicação de medida de confiança com vista à adoção da criança (artigo 35º nº 1 al. g) da LPCJP), pois que essa fase representa para os progenitores a única via para defenderem o seu direito a conviverem com os seus filhos, pelo que lhes deve ser assegurado o direito a, com o patrocínio concedido, contestar as alegações apresentadas pelo Ministério Público e conhecer as provas oferecidas, poder contraditá-las, oferecer os seus argumentos através de alegações escritas, apresentar as suas provas, preparar o Debate Judicial e ter uma intervenção ativa no Debate Judicial com o necessário respeito pelo exercício do contraditório.

24. A intenção do legislador, de salvaguardar as garantias constitucionais dos progenitores através da obrigatória representação destes por advogado no Debate Judicial quando esteja em causa a aplicação de medida de confiança com vista à adoção prevista no artigo 35º nº 1 al. g) da LPCJP, é clara e resulta da exposição de motivos da Proposta de Lei nº 339/XII que procedeu à segunda alteração à LPCJP, através da Lei nº 142/2015, de 08/09: – “As alterações introduzidas ao nível do processo judicial de promoção e proteção relevam essencialmente do propósito de agilização do processo, em ordem à oportunidade da resposta de proteção, bem como do reforço de garantias dos intervenientes processuais, há muito reclamado, inclusivamente pela jurisprudência do Tribunal Europeu dos Direitos do Homem (…) consagra-se a previsão obrigatória de constituição de advogado ou nomeação de patrono aos pais da criança no debate judicial, sempre que esteja em causa a aplicação de medida de confiança com vista a futura adoção.

25. Da interpretação conjugada das normas estabelecidas nos artigos 103º nº 4 e 117º da LPCJP, salvo melhor opinião, resulta o entendimento do legislador de que as garantias constitucionais de efetivo acesso ao direito e de exercício do contraditório na fase de Debate Judicial só são efetivamente asseguradas através obrigatória representação dos progenitores por advogado (quando seja discutida a aplicação de medida de promoção e proteção de confiança da criança com vista à adoção).

26. O douto Acórdão do Colendo Tribunal Constitucional de 04-04-2016 proferido no processo nº 193/2016 reconheceu que é inconstitucional, por violação do direito ao contraditório, ínsito no artigo 20.º, n.º 4, em conjugação com o artigo 36.º, n.º 6, ambos da Constituição, a norma extraída do artigo 103.º, na sua redação originária, da Lei de Proteção de Crianças e Jovens em Perigo, aprovada pela Lei n.º 147/99, de 1 de setembro, segundo a qual, em processo de promoção e proteção de crianças e jovens em que esteja em causa a aplicação de medida de confiança a pessoa selecionada para adoção ou a instituição com vista a futura adoção prevista no respetivo artigo 35.º, n.º 1, alínea g), com a redação dada pela Lei n.º 31/2003, de 22 de agosto, não é obrigatória a constituição de advogado aos progenitores das crianças ou jovens em causa a partir da designação do dia para o debate judicial a que se refere o artigo 114.º, n.º 3”.

27. Este Colendo Supremo Tribunal de Justiça reconheceu no douto Acórdão de 19-10-2021 proferido no âmbito do processo 686/18.0T8PTG-A.E1.S1 que, em processo de promoção e proteção em que esteja em causa a aplicação de medida de confiança com vista a futura adoção, prevista no artigo 35º nº 1 al. g) da LPCJP, “decisivo é que os pais estejam representados por advogado ou lhes tenha sido nomeado um patrono oficioso, que o tribunal os notifique a informar da aplicabilidade da medida e lhes permita o exercício do direito ao contraditório”.

28. O douto Acórdão do Tribunal da Relação de Évora de 28-06-2018, proferido no âmbito do processo nº 1380/17.4T8FAR.E1, pronunciou-se sobre a violação do artigo 103º nº 4 da LPCJP em face da não nomeação obrigatória de patrono aos progenitores na fase de Debate Judicial quando está em causa a aplicação da medida prevista no artigo 35º nº 1 al. g) da LPCJP, afirmando que “o princípio da participação efectiva no desenvolvimento do processo – que é um corolário do princípio do contraditório, entendido em sentido material e amplo, como se mostra adequado em relação a ameaças significativas contra direitos como os que estão em causa nos presentes autos – exige a assistência do interessado, isto é do titular da posição jurídica subjectiva fundamental ameaçada, por advogado. Com efeito, no processo judicial de promoção e protecção regulado pela LPCJP em que esteja em causa aplicar a medida de promoção e protecção de confiança da criança ou jovem a pessoa seleccionada para a adopção ou a instituição com vista a futura adopção prevista no respectivo artigo 35.º, n.º 1, alínea g), a fase em que mais é necessário tal apoio é, pela sua centralidade e importância, aquela que corresponde ao debate judicial previsto no artigo 114.º e regulado nos artigos 115.º a 119.º da mesma lei. É aí que todas as provas e todas as razões têm de ser produzidas, avaliadas e discutidas. E, por isso mesmo, o contraditório, entendido como garantia da mencionada participação efectiva no desenvolvimento do processo, exige que, logo na preparação de um debate judicial em que se equacione a aplicação da medida prevista na alínea g) do n.º 1 do artigo 35.º da LPCJP, e mesmo após o seu termo, na avaliação do mesmo e na apreciação crítica da decisão judicial que se lhe sucede, os progenitores se encontrem assistidos por advogados. (…) “é crucial a assistência dos progenitores por advogado, não só no debate judicial, mas também na fase que antecede a realização deste, por forma a assegurar a participação efectiva e informada dos pais no desenvolvimento do processo nesta fase, tendo em conta que, para os progenitores, o processo que antecede a decisão representa a única via para defenderem o seu direito a conviverem com os seus filhos, e um dos modos de efectivarem esse direito é terem a possibilidade poderem, com o patrocínio concedido, contestar as alegações apresentadas pelo Ministério Público e conhecer as provas oferecidas, poderem contraditá-las, oferecerem os seus argumentos através de alegações escritas, apresentarem as suas provas e prepararem o debate judicial.

29. Este douto Acórdão do Tribunal da Relação de Évora de 28-06-2018 decidiu que foram preteridas formalidades essenciais relativas à defesa dos interesses do progenitor, com ofensa do direito ao contraditório, ínsito no artigo 20.º, n.º 4, em conjugação com o artigo 36.º, n.º 6, ambos da Constituição, susceptíveis de influir no exame e decisão da causa. I…) a falta do patrocínio em causa na fase que precedeu o debate judicial, nos termos supra referidos afectou a validade da decisão final tomada no processo quanto à medida de promoção e protecção concretamente adoptada, correspondendo a um princípio geral com relevância substantiva, não sendo adequado aplicar-lhe o regime das nulidades processuais, tal como se decidiu, a respeito da falta de audição da criança, no aresto do Supremo Tribunal de Justiça, de 14/12/2016 (proc. n.º 268/12.0TBMGL.C1.S1), onde se concluiu que “[a] falta de audição da criança afecta a validade das decisões finais dos correspondentes processos por corresponder a um princípio geral com relevância substantiva, não sendo adequado aplicar-lhe o regime das nulidades processuais”. Deste modo, a procedência desta questão importa a anulação do acórdão recorrido e a reabertura do debate judicial, com a prévia concessão ao recorrente, agora devidamente patrocinado, de prazo para, querendo, apresentar alegações e oferecer prova, após o que se decidirá novamente como for de direito”.

30. In casu, a violação da obrigatoriedade estabelecida no artigo 103º nº 4 da LPCJP teve clara influência do desenvolvimento da fase de Debate Judicial, uma vez que, com tal violação, o recorrente progenitor não teve o necessário acompanhamento jurídico que lhe permitiria exercer o seu direito de apresentar alegações, juntar prova, preparar a audiência de Debate Judicial e exercer o contraditório quanto à prova arrolada pelo Ministério Público nas suas alegações e produzida na primeira sessão do Debate Judicial, a qual serviu, inclusivamente, de fundamentação do Acórdão de 1ª Instância.

31. A violação da nomeação obrigatória de patrono na fase de Debate Judicial não pode ser vista como a mera preterição de uma formalidade prescrita pela lei processual sujeita ao regime das nulidades do artigo 195º do CPC e, bem assim, suscetível de se considerar sanada, pois que a sua violação consubstancia, concomitantemente, a violação de direitos e garantias constitucionais de acesso ao direito e exercício do contraditório previstos no artigo 20º nºs 1 e 4 da CRP, e a violação destes nunca se poderá considerar sanada.

32. Salvo melhor opinião em contrário, o paralelismo comparativo pode ser encontrado na salvaguarda das garantias dos arguidos no âmbito do processo penal, desde logo, quando o legislador determinou no artigo 119º al. c) do Código de Processo Penal que a ausência de defensor do arguido sempre a lei exija a respetiva comparência constitui uma nulidade insanável, assegurando assim a inviolabilidade das garantias constitucionais dos arguidos.

33. Nos processos de promoção e proteção, quando está em causa a aplicação da medida de confiança com vista à adoção prevista no artigo 35º nº 1 al. g) da LPCJP, não se discute a aplicação de uma qualquer pena em matéria criminal por tempo determinado, discute-se sim a aplicação de uma medida que pode conduzir à adoção de crianças, a que está adjacente a aplicação de uma “pena perpétua” às crianças e aos progenitores, com a decisão de inibição do direito ao exercício das responsabilidades parentais e de perda definitiva de contacto entre pais e filhos biológicos.

34. Salvo melhor opinião, aplicar o regime das nulidades ao incumprimento da obrigação de nomeação de patrono aos progenitores na fase de Debate Judicial pelo Tribunal de 1ª Instância com a possibilidade de sanação das mesmas, quando está em causa a aplicação da medida de confiança da criança com vista à adoção, será permitir que se decidam definitivamente projetos de vida de crianças, com a rutura total e definitiva do laço biológico de filiação com os seus progenitores, à revelia dos mais elementares princípios fundamentais de um Estado de Direito, porque em manifesta violação dos direitos e garantias fundamentais de efetivo acesso ao direito, de exercício do contraditório e de pais e filhos não serem separados, expressos e ínsitos nos artigos 20º nºs 1 e 4 e 36º nº 6 da CRP.

35. Caso este Colendo Supremo Tribunal de Justiça conclua, nesta parte, pela inadmissibilidade do presente Recurso de Revista nos termos gerais do artigo 671º nº 1 do CPC, no modesto entendimento do recorrente progenitor o mesmo deverá ser admitido como Recurso de Revista nos termos do disposto nos artigos 629º nº 2 al. d) e 671º nº 3 do CPC ou, caso assim não se entenda, como Recurso de Revista Excecional nos termos do disposto no artigo 672º nº 1 al. c) do CPC, o que respeitosamente se requer, atentos os fundamentos supra e os seguintes:

36. No modesto entendimento do recorrente progenitor, o douto Acórdão recorrido, na parte em que decidiu que a violação do artigo 103º nº 4 da LPCJP pelo Tribunal de 1ª Instância, em face do incumprimento da obrigação de nomear patrono ao recorrente na fase de Debate Judicial por estar em causa a aplicação à criança AA da medida de confiança com vista à adoção (ponto 4.2. do douto Acórdão recorrido), está em evidente contradição com o supra identificado douto Acórdão do Tribunal da Relação de Évora de 28-06-2018, proferido no âmbito do processo nº 1380/17.4T8FAR.E1 e já transitado em julgado.

37. Tanto o douto Acórdão recorrido, como aquele douto Acórdão do TRE (doravante designado Acórdão fundamento), apreciaram a invocação da violação, e a violação, do disposto nos artigos 103º nº 4, 104º e 114º da LPCJP e dos artigos 20º nºs 1 e 4 e 36º nº 6 da CRP, e decidiram contrariamente a consequência jurídica dessa violação, que in casu é a questão fundamental de direito comum a ambos os Acórdãos.

38. Quer o Acórdão fundamento, quer o Acórdão recorrido, apreciam nos respetivos processos se foi, ou não, assegurada aos progenitores a nomeação obrigatória de patrono quando se discutia a aplicação de medida de promoção e proteção de confiança com vista à adoção das crianças, prevista no artigo 35º nº 1 al. g) da LPCJP, e qual a consequência jurídica da não nomeação obrigatória de patrono aos progenitores na fase de Debate Judicial.

39. A factualidade inerente à tramitação processual, apreciada pelo Acórdão fundamento, incide no facto de naqueles autos ter sido inicialmente nomeado patrono ao progenitor para apresentar alegações nos termos do artigo 114º da LPCJP, terem ocorrido sucessivos pedidos de escusa e nomeações de novos patronos ao progenitor até à primeira sessão do Debate Judicial, o último patrono nomeado não ter comparecido na primeira sessão do Debate Judicial em face de não ter sido notificado para o ato, o Tribunal ter ordenado na primeira sessão do Debate Judicial a imediata nomeação de novo patrono (em escala) ao progenitor e ter ordenado a realização da primeira sessão do Debate Judicial nesse mesmo dia, o que resulta da fundamentação do douto Acórdão fundamento: – “No caso em apreço, para apreciação da questão colocada, importa considerar a seguinte tramitação processual relevante que resulta da análise dos autos, bem como dos ofícios da Ordem dos Advogados junto aos autos: 1. No despacho de 22/12/2017, que designou dia para a realização do debate judicial, o Sr. Juiz determinou: - Que se providenciasse pela normação de patrono oficioso único às duas crianças e ainda aos progenitores, nos termos do artigo 103º da Lei de Protecção de Crianças e Jovens em Perigo; - Que se informasse os progenitores que deverão consultar o processo, nomeadamente o teor dos relatórios; - A notificação dos progenitores, com cópia das alegações do Ministério Público, para, querendo, no prazo de 10 dias alegarem por escrito e apresentarem as suas provas. 2. Em 27/12/2017 foi expedida carta para a notificação ao progenitor EE, nos termos e para os efeitos do artigo 114º, n.º 1 e 3 da LPCJP, informando-o ainda de que lhe foi nomeada a Dr.ª II. 3. Na mesma data foi expedida notificação ao patrono nomeado, notificando-o da data designada para o debate judicial, com cópia das alegações e da prova apresentada pelo Ministério Público, informando-o que nessa data foram notificados os progenitores para, no prazo de 10 dias alegarem por escrito e, querendo, apresentarem provas; 4. Com data de 03/01/2018 foi recebida nos autos a informação da I. Advogada Dr.ª II, dando conta de que havia requerido escusa do patrocínio ao competente Conselho Distrital da Ordem dos Advogados, requerendo a suspensão dos prazos processuais em curso, de forma a garantir a devida defesa; 5. Por ofício da Ordem dos Advogados (fls. 293) de 16/01/2018 foi comunicado ao processo o deferimento do pedido de escusa e a nomeação em substituição da I. Advogada Dr.ª JJ …. 6. O progenitor EE foi informado desta substituição/nomeação por carta expedida pelo Tribunal em 23/01/2016. 7. Em 26/01/2018 foi expedida pela secção de processos notificação à I. Advogada Dr.ª JJ … do despacho proferido a 24/01/2018, que se pronunciou sobre diligências pedidas pela progenitora, informando-a de que deverá consultar o processo antes da data agendada para o debate com vista ao exercício do contraditório. 8. Por ofício de 07/02/2018 a Ordem dos Advogados remeteu aos autos “ofício de nomeação”, dando conta que em substituição do patrono anteriormente nomeado, Dr.ª JJ …, foi nomeado o Dr.º KK. 9. Este patrono não foi notificado pelo tribunal da data designada para o debate judicial, nem consta do processo que haja sido dado conhecimento ao patrocinado desta nomeação. 7. Da análise destas ocorrências processuais conclui-se que, não obstante ter sido expedida notificação ao recorrente para alegar e apresentar prova em 27/12/2017, e de na mesma data ter sido igualmente notificado o então patrono nomeado, certo é que aplicando-se à nomeação de patrono as regras do apoio judiciário, (cf. n.º 3 do artigo 103º da Lei de Protecção de Crianças e Jovens em Perigo), seguiram-se sucessivos pedidos de escusa, que nos termos do artigo 34º da Lei n.º 34/2004, de 29 de Julho, determinam a suspensão dos prazos em curso, que só voltam a correr com a nomeação de novo patrono (cf. artigo 24º n.º 5 alínea a))” e “7. Consta da acta do debate judicial de 19/02/2018 que não se encontrava presente o ilustra patrono nomeado ao progenitor da criança BB, Dr. KK, “o qual não se encontrava notificado para comparecer no presente debate e após contactado telefonicamente referiu não ter disponibilidade para comparecer. Face ao exposto e por ordem verbal da Mmª Juíza foi solicitada à Delegação Geral da Ordem dos Advogados a nomeação de advogado de escala para o acto, tendo sido nomeada a Dr.ª LL …”. (sublinhado nosso) Nas 3 sessões do debate judicial o progenitor da criança BB - EE - foi patrocinado pela I. Advogada Dr.ª LL”.

40. As diferenças quanto à factualidade inerente à tramitação processual dos presentes autos e daqueles autos do Acórdão fundamento, prendem-se, essencialmente, com o facto de nestes o recorrente progenitor apenas lhe ter visto nomeado patrono aquando da segunda sessão do Debate Judicial, porque a pedido do próprio, quando na primeira sessão do Debate Judicial havia já sido produzida toda a prova testemunhal arrolada pelo Ministério Público (inquirição das testemunhas Dra. DD, Dra. EE, Dra. FF e Dra. GG) sem que nessa sessão o recorrente progenitor tenha estado representado por advogado, pelo que as circunstâncias em que ocorreu a violação da obrigação que resulta do artigo 103º nº 4 da LPCJP, nos presentes autos são, sempre salvo melhor opinião, substancialmente mais gravosas quando comparadas com as dos autos do Acórdão fundamento.

41. Salvo melhor opinião, são evidentes os aspetos de identidade entre ambos os processos e Acórdãos, recorrido e fundamento, desde logo porque em ambos os processos não foi assegurada aos respetivos progenitores a obrigatória e efetiva nomeação e representação por patrono na fase de Debate Judicial, em manifesta violação do disposto no artigo 103º nº 4 da LPCJP com a consequente violação do efetivo acesso ao direito e direito ao exercício do contraditório previsto nos artigos 104º e 114º da LPCJP e no artigo 20º nºs 1 e 4 da CRP e, ainda, do direito fundamental consagrado no artigo 36º nº 6 da CRP.

42. A contradição entre ambos os Acórdãos, recorrido e fundamento, decorre das decisões contraditórias que foram proferidas por um e outro, perante a falta de nomeação obrigatória e efetiva de patrono aos progenitores em cada processo na fase de Debate Judicial.

43. Perante a mesma questão fundamental de direito, o douto Acórdão recorrido, na apreciação que fez do pedido de invalidade e consequente anulação da douta decisão proferida pelo Tribunal de 1ª Instância, deduzido pelo recorrente progenitor nas conclusões 1 a 38 do seu recurso de apelação, afirmou e decidiu que “foi cometida uma nulidade devido à não constituição de mandatário ao pai da criança (…) teremos de considerar que a invocação desse vicio é manifestamente intempestiva. Nos termos dos arts. 198, nº1, e 195º, do CPC ex vi art. do a parte deveria ter arguido a mesma na primeira intervenção processual. Não o tendo feito a mesma terá de se considerar sanada”.

44. Já o Acórdão fundamento, nos respetivos autos, decidiu que “foram preteridas formalidades essenciais relativas à defesa dos interesses do progenitor, com ofensa do direito ao contraditório, ínsito no artigo 20.º, n.º 4, em conjugação com o artigo 36.º, n.º 6, ambos da Constituição, susceptíveis de influir no exame e decisão da causa. I…) a falta do patrocínio em causa na fase que precedeu o debate judicial, nos termos supra referidos afectou a validade da decisão final tomada no processo quanto à medida de promoção e protecção concretamente adoptada, correspondendo a um princípio geral com relevância substantiva, não sendo adequado aplicar-lhe o regime das nulidades processuais, tal como se decidiu, a respeito da falta de audição da criança, no aresto do Supremo Tribunal de Justiça, de 14/12/2016 (proc. n.º 268/12.0TBMGL.C1.S1), onde se concluiu que “[a] falta de audição da criança afecta a validade das decisões finais dos correspondentes processos por corresponder a um princípio geral com relevância substantiva, não sendo adequado aplicar-lhe o regime das nulidades processuais”. Deste modo, a procedência desta questão importa a anulação do acórdão recorrido e a reabertura do debate judicial, com a prévia concessão ao recorrente, agora devidamente patrocinado, de prazo para, querendo, apresentar alegações e oferecer prova, após o que se decidirá novamente como for de direito”.

45. O Acórdão recorrido entendeu que a falta de nomeação obrigatória de patrono ao recorrente progenitor na fase de Debate Judicial, em violação do disposto no artigo 103º nº 4 da LPCJP por estar em causa a aplicação de medida de promoção e proteção de confiança da criança com vista à adopção prevista no artigo 35º nº 1 al. g) da LPCJP, consubstancia a preterição de uma formalidade sujeita ao regime das nulidades processuais previstas no artigo 195º do CPC suscetível de sanação, enquanto que o Acórdão fundamento decidiu que a formalidade preterida é essencial à defesa dos interesses do progenitor, com ofensa do direito ao contraditório, ínsito no artigo 20º nº 4, em conjugação com o artigo 36º nº 6 da CRP, suscetível de influir no exame e decisão da causa, concluindo que a falta dessa mesma nomeação obrigatória de patrono na fase que procedeu o Debate Judicial afetou a validade da decisão final tomada no processo, não sendo adequado aplicar-lhe o regime das nulidades, mas sim decidir pela anulação da decisão final e pela subsequente reabertura do Debate Judicial, com a prévia concessão ao progenitor, devidamente patrocinado, de prazo para, querendo, apresentar alegações e oferecer prova, sendo precisamente esta a contradição que o ora recorrente progenitor pretende ver esclarecida e resolvida por este Colendo Supremo Tribunal de Justiça.

46. Por mera cautela de patrocínio, caso este Colendo Supremo Tribunal de Justiça entenda que os fundamentos apresentados nas conclusões supra não são admitidos por via de Recurso de Revista nos termos do disposto nos artigos 629º nº 2 al. d) e 671º nº 3 do CPC, ou mesmo por via de Recurso de Revista Excecional nos termos do disposto no artigo 672º nº 1 al. c) do CPC, no modesto entendimento do recorrente sempre deverão ser admitidos por via de Recurso de Revista Excecional nos termos do disposto no artigo 672º nº 1 al. a) e b) do CPC, pelos fundamentos supra e seguintes:

47. O douto Acórdão recorrido decidiu (ponto 4.2. da decisão) a questão suscitada pelo recorrente nas conclusões 1 a 38 do recurso de apelação, concluindo que a não nomeação obrigatória de patrono aos progenitores no Debate Judicial quando está em causa a aplicação da medida de confiança com vista à adoção (prevista no artigo 35º nº 1 al. g) da LPCJP) – permitindo que a fase de Debate Judicial seja processada sem que os progenitores tenham o necessário acompanhamento por advogado que lhes permita exercer, de facto, os seus direitos de apresentar alegações e provas, contestar alegações, apresentar requerimentos e intervir ativamente no Debate Judicial exercendo o contraditório – consubstancia a preterição de uma formalidade sujeita ao regime das nulidades previstas no artigo 195º do CPC que, não sendo tempestivamente invocada nos termos do artigo 199º do CPC, ficará sanada.

48. No modesto entendimento do recorrente progenitor, apreciar se a violação da obrigatória nomeação de patrono ao recorrente progenitor na fase de Debate Judicial (estando em causa a aplicação de medida de promoção e proteção de confiança da criança com vista à adopção prevista no artigo 35º nº 1 al. g) da LPCJP) consubstancia uma nulidade processual que deve ser invocada tempestivamente sob pena de se considerar sanada, ou a preterição de uma formalidade com relevância substantiva que conduz à invalidade da decisão final tomada no processo, afigura-se como necessária quer para uma melhor aplicação do direito, quer pela sua relevância social.

49. Crê-se ser claramente necessária para uma melhor aplicação do direito, por se entender que, considerar que a violação do artigo 103º nº 4 da LPCJP (com a consequente violação dos artigos 104º e 114º da LPCJP) consubstancia uma “mera” nulidade processual, será permitir a eventual sanação dessa mesma nulidade que é, concomitantemente, a sanação da violação de direitos e garantias constitucionais de acesso ao direito e de exercício do contraditório previstos no artigo 20º nºs 1 e 4 da CRP, em total afronta ao mais elementar princípio do Estado de Direito.

50. A apreciação do douto Acórdão recorrido afigura-se ainda, salvo melhor opinião, essencial, pelo facto de existir correlação direta entre os fundamentos e a decisão do douto Acórdão recorrido e a proteção da estrutura familiar de todos os cidadãos que sejam ou venham a ser parte em processos de promoção e proteção onde seja ponderada a aplicação da medida prevista na al. g) do nº 1 do artigo 35º da LPCJP.

51. O que se discute nos presentes autos, não é apenas e tão só a consequência da ação judiciária na estrutura familiar do recorrente progenitor, em manifesta violação de imperativos legais e de garantias constitucionais. O que se discute é a consequência que a ação judiciária poderá ter, através dessas mesmas violações, na estrutura familiar de quaisquer cidadãos que sejam parte em processos de promoção e proteção onde se decida pela aplicação de medida de confiança com vista à adoção, em face de, segundo o entendimento perfilhado no douto Acórdão recorrido, ser expectável que aqueles mesmos cidadãos a quem não seja assegurada obrigatória nomeação de patrono tenham conhecimentos técnicos e processuais e sejam capazes de invocar tempestivamente uma nulidade processual nos termos dos artigo 195º e 199º do CPC, sob pena de não poderem reagir contra a violação das suas garantias constitucionais, e das garantias constitucionais dos seus filhos.

52. Sem prejuízo, sempre será de se considerar a verificação de relevância social na apreciação do presente recurso, exclusivamente, pela interferência que a douta decisão recorrida tem na estrutura familiar do recorrente, pois que a estrutura familiar é, por si só, uma garantia fundamental “que naturalmente se sobrepõem também ao mero interesse subjetivo da parte da admissibilidade do terceiro grau de jurisdição – neste sentido, vide António Santos Abrantes Geraldes, Paulo Pimenta e Luís Filipe Pires de Sousa in Código de Processo Civil Anotado, Volume I, 2.ª Edição, pág. 839 em comentário ao artigo 672º CPC.

53. O recorrente progenitor entende que o douto Acórdão recorrido violou os artigos 103º nº 4, 104º e 114º da LPCJP e os artigos 20º nºs 1 e 4 e 36º nº 6 da CRP.

54. Salvo melhor opinião em contrário, estas normas jurídicas deveriam ter sido interpretadas no sentido de se considerar que a violação da obrigação de nomear patrono aos progenitores na fase de Debate Judicial quando esteja em causa a aplicação da medida de promoção e proteção de confiança com vista à adoção, prevista no artigo 35º nº 1 al. g) da LPCJP, consubstancia concomitantemente a violação das garantias fundamentais de efetivo acesso ao direito, de exercício ao contraditório e de pais e filhos não serem separados, não podendo por isso aplicar-se o regime das nulidades processuais do artigo 195º do CPC, pois que, com tal aplicação, estar-se-á a admitir a sanação da violação das referidas garantias constitucionais, em manifesta violação do Direito Constitucional.

55. Deveriam sim, aquelas normas ser interpretadas no sentido de considerar que a sua violação invalida a decisão final tomada no processo, importando a sua anulação.

56. Existiu, no entendimento do recorrente progenitor, erro na norma jurídica aplicada, pois que não deveria ter sido aplicado o artigo 195º do CPC, nem o artigo 199º do CPC para considerar sanada a violação do artigo 103º nº 4 da LPCJP. Deveriam sim, ter sido aplicados os artigos 103º nº 4, 104º e 114º da LPCJP e os artigos 20ºs 1 e 4 e 36º nº 6 da CRP para se concluir e decidir pela invalidade e anulação do douto Acórdão proferido pelo Tribunal de 1ª Instância.

57. Assim, a título principal, peticiona-se respeitosamente a este Colendo Supremo Tribunal de Justiça que, uma vez admitido o presente Recurso nesta parte, enquanto Recurso de Revista, ou enquanto Recurso de Revista Excecional, decida pela revogação do douto Acórdão recorrido na parte em que julgou improcedente, com base em critérios de legalidade, o pedido de invalidade do douto Acórdão proferido pelo Tribunal de 1ª Instância e de sua subsequente anulação, substituindo-o por uma outra decisão que reconheça da invalidade do douto Acórdão proferido pelo Tribunal de 1ª Instância, que decida pela sua anulação e que ordene a reabertura da fase de Debate Judicial, com a prévia concessão ao recorrente progenitor, agora devidamente patrocinado, de prazo para, querendo, apresentar alegações e oferecer prova nos termos do artigo 114º nº 1 da LPCJP.

58. No modesto entendimento do recorrente progenitor, outra decisão que não a ora peticionada, violará os seus direitos constitucionais de efetivo acesso aos tribunais para defesa dos seus direitos e interesses legalmente protegidos, de exercício do contraditório e de não ser separado da sua filha AA, previstos nos artigos 20º nºs 1 e 4 e 36º nº 6 da CRP, o que expressamente se invoca.

III.

59. Mais vem o progenitor recorrer do douto Acórdão proferido pelo Tribunal da Relação do Porto, nos termos do artigo 671º nº 1 do CPC, na parte em que este decidiu (ponto 4.3.), com base em critérios de legalidade, julgar improcedente a nulidade invocada nos termos do disposto nos artigos 195º nº 1 e 199º do CPC em face da violação que se entende ter sido cometida, pelo douto Tribunal de 1ª Instância, do disposto no artigo 117º da LPCJP.

60. O recorrente progenitor invocou, nas suas conclusões 39 a 42 do recurso de apelação, uma nulidade nos termos do disposto no artigo 195º do CPC, por entender que o Tribunal de 1ª Instância fundamentou a sua decisão considerando provas que não puderam ter sido contraditadas pelo recorrente progenitor durante o Debate Judicial.

61. O douto Acórdão recorrido apreciou a invocada nulidade, tendo afirmado e decidido que “pretendem os apelantes (conclusão 39 e segs) que “subsidiariamente, deverá a douta decisão recorrida ser considerada nula, nos termos do disposto nos artigos 117º da LPCJP e artigos 195º nº 1 e 199º do Código de Processo Civil, o que expressamente se invoca. Como vimos, a arguição do fundamento dessa nulidade não foi tempestiva. Acresce que a diligência em causa foi realizada em 26.9.24 e esta arguição só foi realizada nas alegações em 9.1.24. Portanto, nos termos expostos a mesma não poderá proceder.”.

62. A nulidade invocada pelo recorrente progenitor, tendo como fundamento a própria fundamentação do douto Acórdão de 1ª Instância, só poderia ser invocada a partir da data em que o recorrente progenitor foi notificado deste, em 27-11-2024, o que fez nas alegações de recurso que apresentou em 09-12-2024, respeitando assim o prazo de 10 dias de que dispunha, nos termos dos artigos 138º nº 2, 149º, 195º e 199º do CPC.

63. Da fundamentação da matéria de facto dada como provada e não provada no douto Acórdão proferido pelo Tribunal de 1ª Instância resulta foram considerados na fundamentação da decisão, os depoimentos das testemunhas Dra. DD, Dra. EE, Dra. FF e Dra. GG (a fls. 10).

64. Ao considerar os depoimentos das mencionadas testemunhas na fundamentação do douto Acórdão de 1ª Instância, sem que tenham sido sujeitos a contraditório do recorrente progenitor no Debate Judicial, o Tribunal de 1ª Instância praticou um ato que a lei não admite nos termos do artigo 117º da LPCJP, com clara influência no exame e na decisão da causa, uma vez que esses depoimentos serviram de base à fundamentação da matéria de facto dada como provada e não provada que, por sinal, serviu de base à decisão de considerar preenchidos os requisitos legais estabelecidos no artigo 1978º do CC e nos artigos 3º e 4º al. e) da LPCJP e de decidir pela aplicação da medida de confiança com vista à adoção.

65. O douto Acórdão recorrido violou as normas jurídicas previstas nos artigos 117º da LPCJP e nos artigos 195º nº 1 e 199º do CPC.

66. Estas normas deveriam ter sido interpretadas no sentido de considerar que o douto Tribunal de 1ª Instância praticou um ato que a lei não admite quando considerou na fundamentação da sua decisão provas que não puderam ser contraditadas pelo recorrente no Debate Judicial, bem como de considerar que, uma vez notificado o recorrente dessa decisão em 27-11-2024, a invocação da nulidade em 09-12-2024 foi tempestiva, pelo que os artigos 117º da LPCJP e os artigos 195º nº 1 e 199º do CPC deveriam ter sido aplicados no sentido de reconhecer e admitir a invocada nulidade.

67. A invocada nulidade, julgada improcedente pelo douto Acórdão recorrido, contende com a violação do princípio do contraditório, pois que a norma violada e que conduz à existência de nulidade é a contida no artigo 117º da LPCJP que prevê expressamente que “para a formação da convicção do tribunal e para a fundamentação da decisão só podem ser consideradas as provas que puderem ter sido contraditadas durante o debate judicial”, pelo que o presente recurso, nesta parte, deverá ser admitido nos termos do disposto no artigo 630º do CPC.

68. Assim, subsidiariamente, requer-se respeitosamente a este Colendo Supremo Tribunal de Justiça que revogue o douto Acórdão recorrido e o substitua por um outro que julgue a invocada nulidade procedente, com as legais consequências.

IV.

69. O douto Acórdão recorrido afirma na fundamentação de direito, quanto à verificação dos pressupostos estabelecidos no artigo 1978º do CC de que depende a aplicação da medida prevista no artigo 35º nº 1 al. g) da LPCJP, que “determina o art. 1978º do CC que a mesma [medida prevista no artigo 35º nº 1 al. g) da LPCJP] pressupõe que se encontrem seriamente comprometidos os vínculos afetivos próprios da filiação, pela verificação objetiva de alguma das situações nele descritas.

70. No entanto, o douto Acórdão do mesmo Tribunal da Relação do Porto, proferido em 04-03-2024 no âmbito do processo 324/20.0T8SJM.P1, decidiu que “a inexistência ou sério comprometimento dos vínculos afetivos próprios da filiação é requisito autónomo da verificação objetiva dos circunstancialismos descritos nas diversas alíneas do nº 1 de que há de fazer-se prova e aferida em ambos os sentidos, ou seja, tanto dos progenitores para a criança, como desta para aqueles”.

71. A medida de confiança com vista à adopção é uma questão que tem movimentado a doutrina e jurisprudência com entendimentos contrários, inclusivamente pelos mesmos Tribunais, quanto aos pressupostos a verificar para aplicação.

72. É uma questão com contornos controversos e susceptíveis de interpretações divergentes, entendendo os recorrentes que a intervenção deste Colendo Supremo Tribunal de Justiça se afigura essencial para assegurar a melhor aplicação do direito, mesmo para aferir do respeito pelo princípio da atualidade, previsto no artigo 4º al. e) da LPCJP.

73. A decisão de que se pretende recorrer interfere com a estrutura familiar dos recorrentes e da criança, pois que confirma a separação definitiva da criança e pais, sendo uma decisão que, se erroneamente tomada, pode violar as suas garantias constitucionais a não serem separados um do outro (artigo 36º nº 6 da CRP), não sendo a sua reapreciação por este Colendo Supremo Tribunal de Justiça, do exclusivo interesse dos recorrentes e criança, pois que estrutura familiar “naturalmente se sobrepõe também ao mero interesse subjetivo da parte da admissibilidade do terceiro grau de jurisdição” (neste sentido, vide António Santos Abrantes Geraldes, Paulo Pimenta e Luís Filipe Pires de Sousa in Código de Processo Civil Anotado, Volume I, 2.ª Edição, pág. 839 em comentário ao artigo 672º CPC).

74. O artigo 988º nº 2 do CPC condiciona a ação deste Colendo Supremo Tribunal de Justiça no âmbito dos processos de jurisdição voluntária, mas a questão que aqui se pretende ver reapreciada consubstancia uma exceção à regra por ter sido tomada com base em critérios de legalidade, porém, “admite recurso para o STJ o acórdão da Relação nos segmentos que (…) aprecie a existência de uma situação de perigo, como a definida no art. 4º da LPCJP, ou de perigo grave ou manifesto desinteresse, como previsto nas als. d) e e) do nº 1 do art. 1978º do CC, tratando-se de pressupostos legais imperativamente fixados para que o juiz possa ponderar da conveniência e oportunidade de decretar a medida que lhe foi requerida (STJ 16-3-17, 1203/12)” (António Santos Abrantes Geraldes, Paulo Pimenta e Luís Filipe Pires de Sousa in Código de Processo Civil Anotado, Volume II, 2.ª Edição, pág. 439 em comentário ao artigo 988º CPC), pelo que o presente Recurso de Revista Excecional, nesta parte, deverá ser admitido nos termos dos artigos 629º nº 1 e 672º nº 1 al. a) e b) do CPC.

75. A matéria de facto dada como provada nos pontos 36, 37, 38, 41, 42, 43, 44, 45, 46, 48, 50, 51, 52, 55 e 59 do douto Acórdão recorrido comprova que existe um vínculo afetivo próprio da filiação, estabelecido entre a AA e os progenitores, em especial entre a AA e progenitora.

76. Comprova ainda que os progenitores procuraram e lograram manter o vínculo afetivo com a AA desde que lhe foi aplicada a medida de acolhimento institucional e até à presente data.

77. O douto Acórdão recorrido entendeu haver uma quebra do vínculo afetivo próprio da filiação entre a criança e os progenitores, fundamentando que “Basta dizer que consta dos autos que “Perguntada sobre a sua vida familiar, a criança verbalizou querer ir para casa e gostar da mãe, caraterizando a sua família como sendo composta por si, pela técnica do lar e pelos “meninos”. Ou seja, o princípio da actualidade (art. 4º) aplicado correctamente aos autos demonstra que a própria menor configura a mãe como um espaço de afecto já não a sua família, mas o lugar onde é cuidada. (…) A própria criança, na sua inocência, já respondeu: “Perguntada sobre a sua vida familiar, a criança verbalizou querer ir para casa e gostar da mãe, caraterizando a sua família como sendo composta por si, pela técnica do lar e pelos “meninos”.”.

78. Com o sempre devido respeito pelo raciocínio realizado pelo douto Acórdão recorrido, considerar o facto que resulta provado no ponto 52 da matéria de facto dada como provada para fundamentar a quebra de vínculo afetivo, desconsiderando o que resulta provado nos factos 36, 37, 38, 41, 42, 43, 44, 45, 46, 48, 50, 51, 52, 55 e 59, afigura-se temerário, pois que não se deverá descurar o facto de a pequena AA, pela sua idade e pela realidade que viveu (reside na instituição há aproximadamente 2 anos) poder criar associações que deturpam as suas efetivas emoções e convicções.

79. O ponto 52 da matéria de facto dada como provada, s.m.o. comprova a confusão sentida pela pequena AA.

80. O Tribunal de 1ª Instância não determinou a audição da criança, o que, pela conjugação dos artigos 84º da LPCJP e 4º nº 1 al. c) do RGPTC, comprova que no entendimento do próprio Tribunal a AA não tem idade e maturidade para compreender o que se discute e o impacto das suas afirmações, pelo que não se deverá sobrepor o facto 52 aos demais factos dados como provados.

81. “a consciência da importância da primazia da família biológica impõe dar apoio às famílias que, não obstante apresentarem disfuncionalidades, não comprometem o estabelecimento de uma relação afectiva gratificante para a criança e manifestam a possibilidade de encontrarem o respectivo equilíbrio em tempo útil” (douto Acórdão do Tribunal da Relação de Guimarães, proferido em 11-11-2009 no âmbito do processo 286/09.5TBPTL.G1), em respeito pelo princípio do superior interesse da criança e do primado da continuidade das relações psicológicas profundas, previstos nas al. a) e g) do artigo 4º da LPCJP.

82. No entendimento dos recorrentes, a matéria de facto dada como provada não permite verificar o requisito autónomo consagrado no artigo 1978º nº 1 do CC, de que não existam ou se encontrem seriamente comprometidos os vínculos afetivos próprios da filiação, o que conduz à impossibilidade legal de decidir pela aplicação da medida de promoção e proteção prevista no artigo 35º nº 1 al. g) da LPCJP.

83. Por outro lado, da matéria de facto dada como provada nos pontos 12, 22, 24, 25, 26 resulta que até à aplicação da medida de acolhimento residencial, os progenitores asseguraram boas condições de higiene pessoal, vestuário, habitação e conforto, cuidados de saúde, afeto e boa educação à criança.

84. A matéria de facto dada como provada no ponto 98 comprova que os progenitores reconheceram que no passado a relação entre ambos se pautava por frequente conflitualidade, e mesmo violência, sendo que a matéria de facto dada como provada nos pontos 67, 68, 86 e 87 comprova que os progenitores procuraram ajuda e mudaram os seus hábitos.

85. O princípio da atualidade estabelecido no artigo 4º al. e) da LPCJP impõe uma atuação dinâmica do tribunal em função dos factos que, a cada momento, são conhecidos, daí que a norma refira que “a intervenção deve ser a necessária e a adequada à situação de perigo em que a criança ou jovem se encontram no momento em que a decisão é [tomada] – cfr. douto Acórdão do Tribunal da Relação do Porto, proferido em 19-02-2024 no âmbito do processo 2182/14.5TBVFR-U.P1.

86. O ponto 99 da matéria de facto dada como provada, aditado pelo douto Acórdão recorrido em face dos documentos nºs 1 e 2 juntos pelos progenitores com o seu recurso de apelação, comprova que no dia 24-10-2024 o Julgador no âmbito do processo de promoção e proteção da jovem MM, filha da recorrente, formou a sua convicção com base nos elementos probatórios carreados esses autos (nomeadamente relatório social) de que a medida aplicada de promoção e proteção junto dos pais para a jovem MM que está a ser executada no agregado dos recorrentes “tem surtido o seu propósito”.

87. O ponto 99 da matéria de facto dada como provada comprova ainda que a Comissão de Proteção de Crianças e Jovens de Vila Nova de Gaia Norte, que é a Comissão que acompanha o agregado dos recorrentes há anos a esta parte, celebrou com os recorrentes em 30-11-2024 um acordo de promoção e proteção para o filho destes, nascido em D-M-2024, no qual aplicou medida de apoio junto dos pais, por suficiente à salvaguarda dos superiores interesses da criança, acordo esse que foi prorrogado em 10-02-2025, cfr. doc. nº 1 que se junta.

88. O respeito pelo princípio da atualidade impõe a valorização do facto aditado pelo Tribunal a quo no ponto 99 da matéria de facto dada como provada e dos documentos que serviram de base a esse mesmo aditamento, um deles, um documento autêntico que faz prova plena das perceções do Julgador, impondo-se daí extrair conclusões, uma vez que o Tribunal e a Comissão de Proteção de Crianças e Jovens em Perigo entenderam que os recorrentes são progenitores capazes de exercer o poder paternal em relação aos filhos MM e NN, respeitando os seus superiores interesses.

89. O ponto 96 da matéria de facto dada como provada comprova que se a recorrente beneficiasse do devido e regular acompanhamento pelos serviços sociais e terapêuticos fortaleceria as suas competências parentais, e o facto 99 comprova que a recorrente está a beneficiar de acompanhamento, nomeadamente por parte da CPCJ.

90. O princípio da atualidade previsto no artigo 4º al. e) da LPCJP impõe que se dê particular relevância ao elemento cronológico de cada facto dado como provado para que o Julgador possa extrair dos factos dados como provados, conclusões que permitam apurar as atuais circunstâncias do agregado familiar, capacidades dos progenitores e necessidades e perigos representados para a menor AA.

91. Com o devido respeito, os recorrentes entendem que o douto Acórdão recorrido violou os artigos 1978º nº 1 e al. d) do CC e os artigos 3º, 4º al. e) e 35º nº 1 al. g) da LPCJP.

92. S.m.o., a norma jurídica prevista no artigo 1978º deveria ter sido interpretada e aplicada no sentido de considerar que o requisito estabelecido no seu nº 1 consubstancia um requisito autónomo e independente da verificação dos requisitos previstos em alguma das suas alíneas, ao invés de ser interpretado e aplicado, como foi, no sentido de que o seu nº 1 se considera verificado pelo mero preenchimento de alguma das previsões estabelecidas nas suas alíneas.

93. A norma jurídica prevista no artigo 3º da LPCJP deveria ter sido interpretada e aplicada no sentido de se considerar que não se verifica a existência de perigo grave para a segurança, saúde, formação, educação e desenvolvimento da criança que legitime a aplicação da medida prevista no artigo 35º nº 1 al. g) da LPCJP.

94. A norma jurídica prevista no artigo 4º al. e) da LPCJP deveria ter sido interpretada e aplicada no sentido de se considerar que o princípio da atualidade deve ser considerado na ponderação acerca da matéria de facto dada como provada por forma a apreciar se, atualmente, se verificam os requisitos de que depende a aplicação da medida prevista no artigo 35º nº 1 al. g) da LPCJP.

95. O artigo 35º nº 1 al. g) da LPCJP foi erroneamente aplicado, uma vez que deveria ter sido aplicada a norma jurídica prevista 35º nº 1 al. a) da LPCJP, de medida de promoção e proteção de apoio junto dos pais.

96. Assim, subsidiariamente, peticiona-se respeitosamente a este Colendo Supremo Tribunal de Justiça que, uma vez admitido o presente Recurso de Revista Excecional nesta parte, decida pela revogação do douto Acórdão recorrido na parte em que julgou improcedente o pedido de aplicação à criança AA da medida de promoção e proteção de apoio junto dos pais, prevista no artigo 35º nº 1 al. a) da LPCJP, com base em critérios de legalidade, substituindo-a por uma outra decisão que aplique à criança AA a medida de promoção e proteção de apoio junto dos pais, prevista no artigo 35º nº 1 al. a) da LPCJP, pois que, salvo melhor opinião em contrário, só assim se fará, JUSTIÇA!”.

12. O Ministério Público apresentou resposta ao recurso, rematando com as seguintes conclusões:

“1. O Ac. da Relação confirmou, sem votos de vencido a decisão proferida na 1ª instância.

2. Os recorrentes de uma forma genérica e vaga, não explicitam, com argumentação sólida e convincente, as razões concretas e objetivas, suscetíveis de revelar a alegada relevância jurídica e social que justifiquem o recurso de revista por via excecional.

3. A questão suscitada não apresenta um caráter paradigmático e exemplar, transponível para outras situações, ou seja, controversa ou, porventura, inédita, reclamando para a sua solução uma reflexão mais alargada.

4. Também, não estão em causa interesses que extravasam, de forma inequívoca, os meros interesses das partes, de repercussão (mesmo alarme, em casos-limite), larga controvérsia (dos interesses em causa), por conexão com valores socioculturais, inquietantes implicações políticas que minam a tranquilidade ou, enfim, situações que põem em causa a eficácia do direito e põem em dúvida a sua credibilidade.

5. Não é idêntico o núcleo da situação de facto no presente Acórdão recorrido e no Ac. da Relação de Évora, de 28-06-1018, proc. 180/17.4T8FAR.E1, www.dgsi.pt.

6. No caso dos autos, nenhum dos progenitores dispõe de competências pessoais que lhe permitam assumir de forma eficaz e adequada as responsabilidades parentais relativamente à menor.

7. Os direitos e interesses dos pais devem ser tidos em conta, mas não se pode ignorar que os direitos e interesses das crianças têm primazia.

8. Decidindo como decidiu, o Acórdão recorrido fez uma adequada e correta aplicação do Direito ao caso concreto.

9. Pelo exposto, não deverá o recurso ser admitido pela verificação de dupla conforme e inexistência dos pressupostos da revista excecional ou, caso seja admitido, ser julgado improcedente.

Porém, V. Exas., farão, como sempre, a costumada JUSTIÇA”.

13. O relator (na Relação) não admitiu a revista ordinária e admitiu a revista excecional, subsidiariamente interposta, determinando a subida dos autos a este Supremo Tribunal de Justiça.

14. Distribuído o processo e apresentado este ao relator, entendeu estarem verificados os pressupostos gerais de admissibilidade da revista e ocorrer “dupla conforme”, pelo que, tendo o recorrente invocado fundamentos da revista excecional, determinou a apresentação do processo à Formação prevista no art.º 672.º n.º 3 do CPC.

15. A Formação admitiu a revista excecional (face à relevância jurídica e social da questão), apenas quanto à questão de saber “se o vício decorrente da falta de nomeação de patrono oficioso ao progenitor em momento anterior à fase do debate judicial se mostra sujeito ao regime das nulidades processuais, previsto nos arts. 195.º e 198.º do CPC ou se, pelo contrário e como pretendem os recorrentes, tal vício se projeta na decisão final proferida, invalidando-a.”

16. Foram colhidos os vistos legais.

II. FUNDAMENTAÇÃO

1. A questão a apreciar, tal como identificada pela Formação, é se o vício decorrente da falta de nomeação de patrono oficioso ao progenitor em momento anterior à fase do debate judicial se mostra sujeito ao regime das nulidades processuais, previsto nos arts. 195.º e 198.º do CPC ou se, pelo contrário e como pretendem os recorrentes, tal vício se projeta na decisão final proferida, invalidando-a.

2.1. Para além do que já consta no Relatório supra, dos autos colhe-se, com relevo para apreciação da questão sub judice, a seguinte

Matéria de facto

1. Por despacho datado de 21.05.2024, determinou-se que os pais fossem notificados para alegar, por escrito, em oito dias, e apresentarem prova no prazo de oito dias.

2. À data referida em 1 a mãe da criança AA havia constituído advogado nos autos.

3. No despacho referido em 1 não foi nomeado patrono ao pai da AA, tendo-se determinado a nomeação de patrono à AA.

4. A progenitora apresentou alegações e apresentou prova.

5. Em 22.8.2024 foi designada data para a realização do debate judicial, tendo sido determinada a notificação dos progenitores, da patrona da mãe e da criança e das testemunhas arroladas e, bem assim, requisitou-se ao estabelecimento prisional em que se encontrava o progenitor a marcação de videoconferência para as suas declarações na referida diligência.

6. Na data designada para o debate judicial, compareceram a progenitora e a sua patrona e a patrona da AA. A progenitora e a sua patrona informaram o tribunal de que o progenitor já não se encontrava no estabelecimento prisional, mas na casa dos pais, a cumprir pena em prisão domiciliária, não tendo meio para ser ouvido por videochamada, por não ter disponível a aplicação que o permitia por telemóvel.

7. De seguida, o tribunal determinou que se iniciasse a produção de prova, tendo sido tomadas declarações à progenitora, ouvidas as quatro testemunhas arroladas pelo Ministério Público e ouvida a testemunha arrolada pela progenitora.

8. Finda a inquirição das testemunhas, o tribunal designou data para continuação do debate, com as declarações do progenitor.

9. Em 22.10.2024, retomada a realização do debate judicial, com a presença do progenitor, por este foi declarado que pretendia ser assistido por advogado.

10. Na sequência do requerido foi nomeada, como patrona do progenitor, a Dr.ª HH, a qual compareceu, de imediato, no tribunal. Após conferenciar com o progenitor, a Dr.ª HH requereu prazo para consulta do processo, de modo a poder representar o progenitor nos autos, assim requerendo a marcação de data para a continuação do debate.

11. O tribunal deferiu ao requerido e, consequentemente, designou, com a concordância dos presentes, o dia 29.10.2024 para continuação do debate judicial.

12. No dia 29.10.2024 ouviu-se o progenitor em declarações. No final, proferiu-se despacho a solicitar informação acerca do eventual consumo de estupefacientes por parte da progenitora, determinou-se que se passasse à fase das alegações e fixou-se o dia 13.11.2024 para a leitura do acórdão.

13. Em 11.11.2024 foi adiada a leitura do acórdão, para o dia 27.11.2024.

14. Em 27.11.2024 foi lido o acórdão suprarreferido em I.9.

2.2. O Direito

Sob a epígrafe “Advogado”, o art.º 103.º da Lei de Proteção de Crianças e Jovens em Perigo – LPCJP -, a Lei n.º 147/99, de 01.9 (com as alterações publicitadas) estipula o seguinte:

1 - Os pais, o representante legal ou quem tiver a guarda de facto podem, em qualquer fase do processo, constituir advogado ou requerer a nomeação de patrono que o represente, a si ou à criança ou ao jovem.

2 - É obrigatória a nomeação de patrono à criança ou jovem quando os seus interesses e os dos seus pais, representante legal ou de quem tenha a guarda de facto sejam conflituantes e ainda quando a criança ou jovem com a maturidade adequada o solicitar ao tribunal.

3 - A nomeação do patrono é efetuada nos termos da lei do apoio judiciário.

4 - No debate judicial é obrigatória a constituição de advogado ou a nomeação de patrono aos pais quando esteja em causa a aplicação da medida prevista na alínea g) do n.º 1 do artigo 35.º e, em qualquer caso, à criança ou jovem”.

No art.º 104.º da LPCJP desenvolve-se a consagração do princípio do contraditório, nos seguintes termos:

Contraditório

1 - A criança ou jovem, os seus pais, representante legal ou quem tiver a guarda de facto têm direito a requerer diligências e oferecer meios de prova.

2 - No debate judicial podem ser apresentadas alegações escritas e é assegurado o contraditório.

3 - O contraditório quanto aos factos e à medida aplicável é sempre assegurado em todas as fases do processo, designadamente na conferência tendo em vista a obtenção de acordo e no debate judicial, quando se aplicar a medida prevista na alínea g) do n.º 1 do artigo 35.º”.

Nos termos do art.º 106.º da LPCJP o processo de promoção e proteção é constituído pelas fases de instrução, decisão negociada, debate judicial, decisão e execução da medida.

A fase do debate judicial está regulada em quatro artigos da LPCJP, que aqui se transcrevem:

Artigo 114.º

Debate judicial

1 - Se não tiver sido possível obter o acordo de promoção e proteção, ou tutelar cível adequado, ou quando estes se mostrem manifestamente improváveis, o juiz notifica o Ministério Público, os pais, o representante legal, quem detiver a guarda de facto e a criança ou jovem com mais de 12 anos para alegarem, por escrito, querendo, e apresentarem prova no prazo de 10 dias.

2 - O Ministério Público deve alegar por escrito e apresentar provas sempre que considerar que a medida a aplicar é a prevista na alínea g) do n.º 1 do artigo 35.º

3 - Recebidas as alegações e apresentada a prova, o juiz designa dia para o debate judicial e ordena a notificação das pessoas que devam comparecer.

4 - Com a notificação da data para o debate judicial é dado conhecimento aos pais, ao representante legal ou a quem tenha a guarda de facto das alegações e prova apresentada pelo Ministério Público e a este das restantes alegações e prova apresentada.

5 - Para efeitos do disposto no artigo 62.º não há debate judicial, exceto se estiver em causa:

a) A substituição da medida de promoção e proteção aplicada; ou

b) A prorrogação da execução de medida de colocação.”

Artigo 115.º

Composição do tribunal

O debate judicial será efetuado perante um tribunal composto pelo juiz, que preside, e por dois juízes sociais”.

Artigo 116.º

Organização do debate judicial

1 - O debate judicial é contínuo, decorrendo sem interrupção ou adiamento até ao encerramento, salvo as suspensões necessárias para alimentação e repouso dos participantes.

2 - O debate judicial não pode ser adiado e inicia-se com a produção da prova e audição das pessoas presentes, ordenando o juiz as diligências necessárias para que compareçam os não presentes na data que designar para o seu prosseguimento.

3 - A leitura da decisão é pública, mas ao debate judicial só podem assistir as pessoas que o tribunal expressamente autorizar”.

Artigo 117.º

Regime das provas

Para a formação da convicção do tribunal e para a fundamentação da decisão só podem ser consideradas as provas que puderem ter sido contraditadas durante o debate judicial.”

Artigo 118.º

Documentação

A audiência é sempre gravada, devendo apenas ser assinalados na ata o início e o termo de cada depoimento, declaração, informação, esclarecimento, requerimento e respetiva resposta, despacho, decisão e alegações orais”.

Artigo 119.º

Alegações

Produzida a prova, o juiz concede a palavra ao Ministério Público e aos advogados para alegações, por trinta minutos cada um”.

Do texto da lei resulta que o debate judicial, em sentido estrito, é a diligência regulada nos artigos 116.º a 119.º da LPCJP. Assim, poderá defender-se que a intervenção de advogado ou patrono aos progenitores a que se refere o n.º 4 do art.º 103.º da LPCJP (sempre que se anteveja a aplicação da medida de confiança judicial de criança a outrem para futura adoção) apenas é exigível no decurso dessa audiência. Mas também é de ponderar que o objeto do debate judicial em sentido estrito é influenciado, na definição dos seus contornos concretos, pelo teor das alegações dos sujeitos processuais e das provas que estes indicarem. Pelo que faz sentido que, perspetivando-se a aplicação da medida de confiança judicial de criança para adoção, seja garantida aos progenitores a nomeação de patrono logo no início da fase processual do debate judicial, isto é, logo aquando da notificação dos progenitores para alegarem, ou pelo menos, aquando da designação da data do debate judicial. Note-se que, no caso dos autos, aquando da prolação do despacho que determinou a notificação dos pais para apresentarem alegações e requererem a prova, concomitantemente se determinou que se diligenciasse pela nomeação de patrono à criança AA e que esse patrono fosse também notificado para alegar e requerer prova.

A obrigatoriedade da assistência, no debate judicial, dos progenitores por advogado constituído ou por patrono nomeado quando estiver em causa a confiança judicial de criança para futura adoção foi introduzida na LPCJP pela Lei n.º 142/2015, de 08.9.

Conforme consta na Exposição de Motivos da Proposta de Lei n.º 339/XII, que deu origem à Lei n.º 142/2015, pretendeu-se proceder ao “reforço de garantias dos intervenientes processuais, há muito reclamado, inclusivamente pela jurisprudência do Tribunal Europeu dos Direitos do Homem”.

Com efeito, em acórdãos do TEDH como o Pontes c. Portugal, n.º 19554/09, de 10.4.2012, e o Assunção Chaves c. Portugal, n.º 61226/08, de 31.01.2012, ajuizou-se que os artigos 6.º n.º 1 (direito a um processo equitativo) e 8.º (direito ao respeito pela vida privada e familiar) da Convenção Europeia sobre os Direitos Humanos exigem que, em processos que podem envolver o desmembramento de uma família, há que garantir que os pais possam desempenhar no processo decisório, considerado como um todo, um papel suficientemente relevante que assegure a proteção que os seus interesses requerem. Tal implicará a obrigatoriedade de assistência dos pais por um advogado.

Conforme ponderou o Tribunal Constitucional no acórdão n.º 193/2016, de 04.4.2016, “a extinção das responsabilidades parentais, mesmo que para tutela de um interesse fundamental que, em concreto deva prevalecer, não deixa de representar, também, sobretudo quando fundamentada numa alegada violação de deveres fundamentais associados às mesmas responsabilidades, a resolução de uma controvérsia, materialmente muito próxima da jurisdição contenciosa. Estão em jogo direitos fundamentais tanto dos pais como dos filhos (recorde-se o artigo 36.º, n.º 6, da Constituição) e um importante dever estadual de proteção relativamente às crianças e jovens (v. o artigo 69.º, n.ºs 1 e 2, da mesma Lei Fundamental). Tal resolução reclama, por isso mesmo, um exercício efetivo do contraditório, de modo a assegurar uma decisão imparcial porque informada, ponderada, fundamentada e, em última análise, ajustada a todos os interesses em jogo e, como tal, justa. Acresce que, para os progenitores, o processo que antecede a decisão representa a única via para defenderem o seu direito a conviverem com os seus filhos; a via de recurso, atendendo à disponibilidade do efeito suspensivo por parte do tribunal recorrido, pode não impedir uma separação efetiva, que poderá ser muitíssimo grave em razão da idade da criança ou jovem confiado, e do tempo necessário para a decisão do recurso”.

E, continuou o Tribunal Constitucional no mesmo acórdão, “o princípio da participação efetiva no desenvolvimento do processo – que é um corolário do princípio do contraditório, entendido em sentido material e amplo, como se mostra adequado em relação a ameaças significativas contra direitos como os que estão em causa nos presentes autos – exige a assistência do interessado, isto é, do titular da posição jurídica subjetiva fundamental ameaçada, por advogado. Com efeito, no processo judicial de promoção e proteção regulado pela LPCJP em que esteja em causa aplicar a medida de promoção e proteção de confiança da criança ou jovem a pessoa selecionada para a adoção ou a instituição com vista a futura adoção prevista no respetivo artigo 35.º, n.º 1, alínea g), a fase em que mais é necessário tal apoio é, pela sua centralidade e importância, aquela que corresponde ao debate judicial previsto no artigo 114.º e regulado nos artigos 115.º a 119.º da mesma lei. É aí que todas as provas e todas as razões têm de ser produzidas, avaliadas e discutidas. E, por isso mesmo, o contraditório, entendido como garantia da mencionada participação efetiva no desenvolvimento do processo, exige que, logo na preparação de um debate judicial em que se equacione a aplicação da medida prevista na alínea g) do n.º 1 do artigo 35.º da LPCJP, e mesmo após o seu termo, na avaliação do mesmo e na apreciação crítica da decisão judicial que se lhe sucede, os progenitores se encontrem assistidos por advogados”.

Daí que o Tribunal Constitucional, no citado acórdão n.º 193/2016, confrontado com a redação original do art.º 103.º da LPCJP, tenha concluído que “…é inconstitucional, por violação do direito ao contraditório, ínsito no artigo 20.º, n.º 4, em conjugação com o artigo 36.º, n.º 6, ambos da Constituição, a norma extraída do artigo 103.º da Lei de Proteção de Crianças e Jovens em Perigo, aprovada pela Lei n.º 147/99, de 1 de setembro, segundo a qual, em processo de promoção e proteção de crianças e jovens em que esteja em causa a aplicação de medida de confiança a pessoa selecionada para adoção ou a instituição com vista a futura adoção prevista no respetivo artigo 35.º, n.º 1, alínea g), não é obrigatória a constituição de advogado aos progenitores das crianças ou jovens em causa a partir da designação do dia para o debate judicial a que se refere o artigo 114.º, n.º 3, do mesmo normativo”.

Revertamos ao caso dos autos.

O tribunal da 1.ª instância, num processo de promoção e proteção de criança em que se perspetivava a aplicação da medida de confiança judicial da criança a outrem tendo em vista a sua futura adoção, designou data para o debate judicial sem que, contrariamente ao que estava previsto no n.º 4 do art.º 103.º da LPCJP, providenciasse pela nomeação de patrono ao pai da criança AA (sendo certo que a mãe tinha advogado constituído).

E o debate teve o seu início, com inquirição das testemunhas arroladas pelo Ministério Público e pela progenitora, sem que o progenitor (também ausente) fosse assistido por advogado.

Porém, sucedeu que, na segunda sessão designada para o debate judicial, para audição do progenitor, este solicitou a nomeação de patrono. E, nomeado advogado para assistir ao progenitor, foi concedido ao patrono tempo para consultar o processo, a fim de poder exercer a sua função de assistência ao pai da AA. Para esse efeito, foi designada nova data para continuação do debate. E, nessa sessão, assim como nas duas que se lhe seguiram (conforme supra relatado em 12 e 14), o patrono nada requereu quanto à falta de nomeação de patrono desde o início do debate judicial.

Será que, sendo assim, se sanou a nulidade processual consubstanciada na omissão da nomeação de patrono ao progenitor aquando da designação de data para a realização do debate judicial?

Vejamos.

O art.º 100.º da LPCJP estipula que o processo judicial de promoção dos direitos e proteção das crianças e jovens em perigo “é de jurisdição voluntária”. Com essa proclamação pretende-se sujeitar o referido procedimento aos princípios que regem a espécie procedimental prevista nos artigos 986.º e seguintes do Código de Processo Civil – sem prejuízo das adaptações decorrentes das regras próprias do processo judicial de promoção e proteção.

Uma das regras próprias do processo judicial de promoção e proteção é, como se viu, a obrigatoriedade de assistência dos progenitores por advogado, nos casos já acima referidos – o que contrasta com o princípio, consignado no n.º 4 do art.º 986.º do CPC, de que “[n]os processos de jurisdição voluntária não é obrigatória a constituição de advogado, salvo na fase de recurso”.

A remissão para a legislação processual comum cível, enquanto fonte subsidiária de normas adjetivas, é reiterada no art.º 126.º da LPCJP, onde se estipula que “[a]o processo de promoção e proteção são aplicáveis subsidiariamente, com as devidas adaptações, na fase de debate judicial e de recurso, as normas relativas ao processo civil declarativo comum”.

O Código de Processo Civil contém um regime detalhado de regulação das nulidades processuais, com a enumeração de alguns vícios em concreto, seu regime de arguição e efeitos no processo, para além da definição de um pormenorizado regime geral sobre a matéria.

Assim, depois de nos artigos 186.º a 194.º se contemplarem casos especiais (vícios do primeiro ato do processo, ou seja, a ineptidão da petição inicial; vícios da citação; erro na forma do processo ou no meio processual; falta de vista ou exame ao Ministério Público enquanto parte acessória), o art.º 195.º fixa um regime geral, nestes termos:

Fora dos casos previstos nos artigos anteriores, a prática de um ato que a lei não admita, bem como a omissão de um ato ou de uma formalidade que a lei prescreva, só produzem nulidade quando a lei o declare ou quando a irregularidade cometida possa influir no exame ou na decisão da causa.”

Portanto, neste artigo preveem-se as seguintes hipóteses: a prática no processo de um ato que a lei não admita; a omissão de um ato que a lei prescreva; a omissão de uma formalidade que a lei imponha.

As consequências destes vícios são:

- os que a lei impuser: a lei pode impor a nulidade (art.º 195.º - “produzem nulidade quando a lei o declare”), ou a anulabilidade, ou a inexistência, ou qualquer valor jurídico que entenda;

- se a lei nada disser em especial, se o vício puder influir no exame ou na decisão da causa, releva; se não, é irrelevante.

Por conseguinte, resulta do art.º 195.º n.º 1 que, em regra, uma irregularidade na sequência processual só releva se afetar a finalidade desta: aquilo que o n.º 1 do art.º 195.º chama “o exame ou a decisão da causa”.

Mas, se na sequência processual se verificar uma nulidade (por ser uma irregularidade que afeta o exame ou a decisão da causa), não é só o ato viciado que é afetado, mas a sequência ulterior, embora nos estritos limites em que depende do ato viciado.

É o que dizem os n.ºs 2 e 3 do art.º 195.º:

2 – “Quando um ato tenha de ser anulado, anulam-se também os termos subsequentes que dele dependam absolutamente; a nulidade de uma parte do ato não prejudica as outras partes que dela sejam independentes.”

3 – “Se o vício de que o ato sofre impedir a produção de determinado efeito, não se têm como necessariamente prejudicados os efeitos para cuja produção o ato se mostre idóneo.”

Assim, a invalidade da contestação acarretará a da réplica que se lhe siga, bem como a do despacho saneador que o juiz profira e da marcação do dia para a audiência final.

A indevida omissão de audiência prévia acarreta a anulação dos atos subsequentes, até à sentença, no caso de ter sido arguida tempestivamente.

Resta chamar a atenção para o facto de que a habitualmente denominada nulidade do processo é em regra uma figura de anulabilidade. Com efeito, o art.º 197.º estabelece que, em regra, esta nulidade “só pode ser invocada pelo interessado na observância da formalidade ou na repetição ou eliminação do ato” e em certo prazo fixado no art.º 199.º n.º 1, disposição complexa cuja ideia central é esta: em regra, no prazo de 10 dias após o conhecimento da irregularidade (vide art.º 149.º n.º 1).

Só nos casos expressamente previstos na lei a nulidade será de conhecimento oficioso (art.º 196.º) – além de que poderão ser sanadas (189.º, 194.º n.º 1, 186.º n.º 3) e em determinados casos só podem ser arguidas até determinado momento processual (200.º n.º 2).

A nulidade a que diz respeito o art.º 103.º da LPCJP não está, como é bom de ver, prevista no CPC. Porém, no que diz respeito aos efeitos do desrespeito pela obrigatoriedade de patrocínio, o art.º 41.º do CPC consagra a oficiosidade da sua verificação pelo tribunal e, no caso de a falta de patrocínio não ser sanada, estipula que, consoante os casos, o réu será absolvido da instância, o recurso não terá seguimento ou fica sem efeito a defesa apresentada.

O art.º 103.º da LPCJP prevê uma norma de teor imperativo. E, em matéria de desrespeito de normas imperativas a regra geral no direito comum é a da nulidade insanável do ato que viole essa regra (artigos 285.º, 286.º e 294.º n.º 1 do Código Civil).

Tal princípio de insanabilidade do vício consubstanciado na violação da obrigatoriedade de intervenção de defensor tem expressa tradução no Código de Processo Penal, onde se consagra a insanabilidade da nulidade decorrente da ausência do defensor do arguido na audiência de julgamento (artigos 64.º n.º 1 alínea c), 119.º alínea c), 122.º n.º 1 do CPP).

E, face à excecional relevância dos interesses em presença no processo judicial de promoção e proteção em que se perspetiva a extinção do laço familiar por força da aplicação da medida de confiança judicial de criança a outrem para futura adoção, temos para nós que são nulos os atos praticados em debate judicial sem a assistência de advogado que patrocine um dos progenitores.

Nulidade essa que decorre diretamente dos termos perentórios do disposto no art.º 103.º n.º 4 da LPCJP. Tal nulidade é de conhecimento oficioso, podendo, pois, ser apreciada em sede de recurso. Aliás, tendo o acórdão da 1.ª instância sido proferido no final de um procedimento em que não se respeitou uma regra essencial à concretização de um processo equitativo (assistência do progenitor por advogado, no decurso da totalidade – nomeadamente no decurso da inquirição da totalidade das testemunhas arroladas pelo Ministério Público e da testemunha arrolada pela progenitora - do debate judicial), o aludido vício afeta a própria decisão. Decisão essa que, sendo desfavorável ao interesse da pessoa que privada foi da obrigatória assistência por advogado, diretamente despoleta a consequente e própria reação, que é a respetiva impugnação judicial.

Pensamos que apenas esta interpretação do regime que rege a matéria se coaduna com as supracitadas exigências de respeito pelo princípio do processo equitativo e pela vida privada e familiar, reiteradamente salientadas e explicitadas pela jurisprudência do Tribunal Europeu dos Direitos Humanos e acolhidas pelo Tribunal Constitucional, este na interpretação dos artigos 20.º n.º 4 e 36.º n.º 6 da Constituição da República Portuguesa.

A revista é, assim, procedente.

III. DECISÃO

Pelo exposto, julga-se a revista procedente e, consequentemente, revoga-se o acórdão recorrido e, em sua substituição, anula-se o acórdão da primeira instância, por não ter sido antecedido de debate judicial onde o progenitor estivesse (em toda a respetiva tramitação) patrocinado por advogado e, consequentemente, determina-se que se proceda a novo debate judicial, nos termos legais, devendo ser concedido ao progenitor, ora patrocinado, prazo para apresentar alegações e oferecer prova, prosseguindo-se a pertinente tramitação.

O Ministério Público, vencido na revista, está isento de custas (art.º 4.º n.º 1 alínea a) do RCP), sem prejuízo do disposto no n.º 7 do art.º 4.º do RCP.

Lisboa, 28.10.2025

Jorge Leal (Relator)

António Pires Robalo

Henrique Antunes