RECURSO DE REVISTA
PRESUNÇÃO DE LABORALIDADE
APLICAÇÃO DA LEI NO TEMPO
PLATAFORMA DIGITAL
INTERMEDIÁRIO
AMPLIAÇÃO
MATÉRIA DE FACTO
ANULAÇÃO
Sumário


I - Os artigos 12.º e 12.º-A do CT/2009 contém presunções legais ilidíveis, que implicam a inversão do ónus da prova no que toca à demonstração da existência de um vínculo laboral, cabendo unicamente ao trabalhador a alegação e posterior demonstração cumulativa de dois ou mais dos elementos ou índices elencados nas diversas alíneas do número 1 de cada uma dessas disposições legais, para fazer funcionar as mesmas.
II – A nova jurisprudência do STJ vai no sentido de aplicação imediata da presunção do artigo 12.º-A do Código do Trabalho de 2009 às relações profissionais vigentes, mesmo que tenham conhecido a sua génese em momento anterior.
III - As instâncias, embora não tendo ignorado o único Ponto de Facto que se refere a uma relação sucessiva entre o estafeta e diversos Parceiros de Frota, vieram a desconsiderá-lo grandemente na sua fundamentação de direito, que se nos afigura ter ficado bem aquém das potencialidades jurídicas decorrentes da intermediação aí aflorada [e que nos remete, desde logo e de alguma maneira, para o regime jurídico especial e paralelo dos TVDE, que foi consagrado pela Lei n.º 45/2018 de 10 de agosto].
IV - Essa intermediação desses sucessivos «Parceiros de Frota» foi profusamente alegada pela UBER na sua contestação, mas não teve mais reflexos materiais nos autos, para além do acima aludido Ponto de Facto.
V – Não obstante os factos dados como assentes resultarem do acordo das partes obtido no início da Audiência Final em sede do julgamento em 1.ª instância, não se pode sustentar que tal quadro factual é que, desde esse momento, define as fronteiras e conteúdo da Decisão sobre a Matéria de Facto, mostrando-se excluídos todos os demais factos alegados pelo Autor e pela Ré mas que não foram para aí carreados.
VI - Trata-se, para mais, de um acordo sobre alguma da factualidade articulada pelas partes, que é elaborado e proposto pela juíza titular das três ações ali a serem simultaneamente julgadas e que acaba por ser aceite pelos litigantes presentes.
VII - Cenário adjetivo que não sendo habitual, pode, no entanto, ter lugar, ao abrigo dos princípios da gestão processual, cooperação e boa-fé de todos os intervenientes [artigos 6.º a 8.º do NCPC], sem que, contudo, possa significar o encerramento da discussão da causa quanto a factos que, não integrando aquele consenso factual, ainda se achem controvertidos e sejam relevantes para a boa decisão da causa, como nos parece ser manifestamente o caso dos autos, por referência aos indicados «Parceiros de Frota» e às relações que estabeleceram com o estafeta em causa nos mesmos.
VIII – Qualquer julgador tem o dever funcional de analisar o acordo das partes quanto à matéria alegada nos articulados, por forma a separar as águas do facto das águas do direito ou, inclusive e apenas dentro das primeiras, de maneira a aí distinguir as que possuem algum significado ou relevância para a apreciação e decisão jurídica do litígio ou que, ao invés, se revelam inúteis, despiciendas, desnecessárias a esse desiderato essencial do magistrado judicial que é julgar o pleito em função dos pedidos e exceções formulados pelas partes e das causas de pedir que os suportam.
IX - Tal obrigação funcional prende-se mesmo com proibições e regras especiais que os nossos Código Civil [CC], Código de Processo Civil de 2013 [NCPC] e Código de Processo do Trabalho [CPT] fixam relativamente a determinados meios de prova como os documentos autênticos ou particulares [artigos 362.º a 366.º, 370.º a 372.º e 373.º a 376.º do CC], a confissão, o depoimento de parte ou as declarações de parte [artigos 354.º, 357.º e 360.º do CC, 289.º, número 1, 417.º, números 3 e 4, 453.º, número 2, 454.º, 465.º e 466.º do NCPC e 387.º, número 3 do Código do Trabalho de 2009 e 98.º-J, número 1 do CPT], o acordo de partes [na parte aplicável das normas quanto à confissão antes identificadas], o depoimento testemunhal [artigos 392.º a 395.º do CC e 417.º, números 3 e 4 e 495.º a 497.º do NCPC] ou as presunções judiciais [artigo 351.º do CC].
X - As instâncias deviam, ter tido em maior e melhor atenção os factos referentes à matéria de facto alegada pela Ré e que respeita aos aí mencionados Parceiros de Frota e às concretas relações estabelecidas, quer com a Ré UBER, quer com o estafeta dos autos, havendo que, nessa medida e com vista à ampliação da Decisão da Matéria de Facto, anular, oficiosamente, o Acórdão recorrido e determinar a baixa da ação às instâncias, nos termos e para os efeitos do número 3 do artigo 682.º do CPC/2013, podendo o Juízo do Trabalho de Lisboa, caso o Tribunal da Relação de Lisboa veja necessidade de para aí remeter o processo, para efeitos de reabertura da Audiência Final, com vista à produção da necessária prova, fazer eventual recurso do disposto nos artigos 72.º do CPT e 5.º do NCPC [como dispositivo legal de aplicação subsidiária].

Texto Integral


RECURSO DE REVISTA N.º 729/24.8T8LSB.L1.S1 (4.ª Secção)

Recorrente: MINISTÉRIO PÚBLICO

Recorrida: UBER EATS PORTUGAL, UNIPESSOAL, LDA.

(Processo n.º 729/24.8T8LSB – Tribunal Judicial da Comarca de Lisboa - Juízo do Trabalho de Lisboa - Juiz 2)

ACORDAM NA SECÇÃO SOCIAL DO SUPREMO TRIBUNAL DE JUSTIÇA:

I – RELATÓRIO

1. O MINISTÉRIO PÚBLICO intentou, no dia 05/01/2024, ação de reconhecimento da existência de contrato de trabalho com processo especial [ARECT], contra UBER EATS PORTUGAL, UNIPESSOAL, LDA., com os sinais de identificação constantes dos autos, tendo, para o efeito, apresentado a correspondente Petição Inicial onde pediu que fosse judicialmente declarada a existência de um contrato de trabalho por tempo indeterminado entre UBER EATS, UNIPESSOAL, LDA. e AA com início reportado a 28/06/2023.

Para tanto alegou, em síntese, que:

(i) Desde Junho de 2023 que entre a Ré UBER EATS PORTUGAL, UNIPESSOAL, LDA. e AA existe uma relação laboral, uma vez que este integra a estrutura organizativa daquela;

(ii) AA recebe uma quantia mensal variável, sem negociação;

(iii) Toda a sua atividade é controlada pela Ré UBER EATS PORTUGAL, UNIPESSOAL, LDA., apesar de existir intermediária, sendo que aquela assim procede através dos meios eletrónicos ou de gestão algorítmica, fazendo uso da geolocalização;

(iv) AA, que observa, por regra, um horário de trabalho, é avaliado pela Ré UBER EATS PORTUGAL, UNIPESSOAL, LDA.;

(v) AA não se pode fazer substituir, tendo uma credencial unipessoal e confidencial;

(vi) A Ré UBER EATS PORTUGAL, UNIPESSOAL, LDA. pode restringir o acesso de AAà plataforma;

(vii) Todas as regras da prestação de trabalho do trabalhador são fixadas pela Ré UBER EATS PORTUGAL, UNIPESSOAL, LDA., supervisionando esta, em tempo real, esse trabalho por meio da geolocalização;

(viii) A plataforma é o instrumento de trabalho utilizado.


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2. A Ré devidamente citada contestou a Petição Inicial do Ministério Público, alegando, em breve síntese, que:

(i) O estafeta presta a sua atividade de modo autónomo, inexistindo ordens, subordinação, poder disciplinar, horário ou qualquer controlo do modo como assim procede;

(ii) o estafeta pode trabalhar quando quer e onde quer, durante o tempo que quer, podendo até ficar longos meses ou anos sem se ligar na plataforma;

(iii) O estafeta pode escolher o percurso que entende para entregar os pedidos, sem qualquer interferência da empregadora, e decidir, ele próprio, aceitar ou recusar pedidos;

(iv) É também o estafeta quem fixa o valor mínimo que quer receber (valor mínimo das propostas), embora possa, ainda assim, aceitar abaixo desse valor;

(v) A existência do sistema de geolocalização apenas existe para que o estafeta possa receber as propostas e para o cliente poder acompanhar a entrega e contactá-lo sendo caso disso;

(vi) O estafeta, durante o mesmo período de tempo em que trabalha para a Ré, pode trabalhar para outras plataformas, não tendo exclusividade, ou ter os seus próprios clientes.

Conclui, assim, pela inexistência de indícios permitam concluir pela existência de contrato de trabalho.


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3. AA, notificado nos termos e para os efeitos previstos no artigo 186.º-L, n.º 4, do Código de Processo do Trabalho (CPT), não deduziu qualquer pretensão.

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4. Efetuada a Audiência de Discussão e Julgamento com observância do legal formalismo, foi proferida sentença, com data de 1/10/2024, que julgou a ação totalmente improcedente por não provada, e em consequência, absolveu a Ré do pedido, tendo ainda sido decidido fixar o valor da ação em € 30.001,00, atentos os interesses imateriais em apreço.

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5. O Ministério Público, não se conformando com a decisão proferida, interpôs recurso de Apelação, que tendo sido admitido, subiu ao Tribunal da 2.ª instância e aí seguiu a sua normal tramitação.

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6. Por Acórdão de 9/04/2025, o Tribunal da Relação de Lisboa [TRL] julgou improcedente o recurso e confirmou a sentença recorrida.

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7. O Ministério Público, não se conformando com o douto Aresto do tribunal da 2.ª instância, veio interpor recurso de revista excecional, ao abrigo do disposto no artigo 672.º, n.º 1, als. a), b) e c) do CPC, tendo, para o efeito, formulado as primeiras vinte conclusões e concluindo as mesmas no seguintes termos:

«LV - Deverá, por conseguinte, ser admitido o presente recurso de revista excecional, atenta a relevância jurídica das questões em apreciação, a relevância social dos interesses em causa e a contradição de julgados entre o acórdão recorrido e o acórdão fundamento;

[…]

Contudo Vossas Excelências, Colendos Conselheiros, farão a costumada JUSTIÇA!»


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8. A Ré contra-alegou, sustentando a inadmissibilidade do presente recurso de revista, pelas razões expostas nas suas primeiras vinte conclusões, finalizando as mesmas nos moldes seguintes:

«Nestes termos e nos demais de Direito aplicáveis,

a) Deverá ser rejeitado, por inadmissível, o Recurso Excecional de Revista interposto pelo Recorrente; […]

b) […»


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9. Por despacho judicial de 08/05/2025, o Tribunal da Relação de Lisboa admitiu o recurso de revista, que subiu, oportunamente a este Supremo Tribunal de Justiça [STJ].

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10. O relator do recurso neste STJ considerou em despacho judicial de 16/5/2025, que se verificavam os requisitos gerais de admissibilidade do recurso, assim como uma situação de «dupla conforme» no que respeita ao confronto entre a sentença da 1.ª instância e o Acórdão do Tribunal da Relação de Lisboa, tendo, nessa medida, determinado a apresentação da Revista Exceional
à formação prevista no número 3 do artigo 672.º do NCPC.

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11. Foi proferido, no âmbito da referida formação, Acórdão com data de 18/6/2025, onde foi admitido o recurso de revista excecional, ao abrigo da alínea a) do número 1 do artigo 672.º do CPC/2013.

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12. O Autor MINISTÉRIO PÚBLICO, quanto ao objeto deste recurso de revista comum, formulou as seguintes conclusões:

« XXI - Subsidiariamente, para o caso de ser entendida a inadmissibilidade do recurso de revista excecional, estabelece o artigo 671.º, n.º 1 e 3 do CPC que cabe revista para o Supremo Tribunal de Justiça do Acórdão da Relação, proferido sobre decisão da 1.ª instância, que conheça do mérito da causa ou que ponha termo ao processo, absolvendo da instância o Réu ou alguns dos Réus quanto a pedido ou reconvenção deduzidos, não sendo admissível recurso de revista do Acórdão da Relação que confirme, sem voto de vencido e sem fundamentação essencialmente diferente, a decisão proferida na 1.ª instância, salvos nos casos previstos no n.º 4 da mesma norma;

XXII - A aferição de tal requisito delimitador da conformidade das decisões (fundamentação essencialmente diferente) deve focar-se no eixo da fundamentação jurídica que, em concreto, se revelou crucial para sustentar o resultado declarado por cada uma das instâncias, verificando se existe, ou não, uma real diversidade nos aspetos essenciais;

XXIII - No caso em apreço afigura-se-nos inexistir diversidade substancial entre o que estabelecem os artigos 11.º e 12.º do CT (mencionados no Acórdão recorrido) e aquilo que veio a ser aditado, ou complementado, através do artigo 12.º-A do mesmo diploma, referido na sentença de 1.ª instância;

XXIV - Em ambos os artigos 12.º e 12.º-A constituem indícios de laboralidade: os equipamentos e instrumentos de trabalho utilizados pertencerem ou serem explorados pelo beneficiário da atividade ou pela plataforma digital: artigo 12.º, n.º 1 al. b) e 12.º-A, n.º1, al. f); a existência de retribuição: artigo 12.º, n.º 1 al d) e 12.º-A, n.º 1, al. a);

XXV - Verifica-se ainda correspondência entre o que prescreve o artigo 11.º do CT (Noção de contrato de trabalho) e os indícios do artigo 12.º-A, n.º 1: a integração do prestador da atividade na organização gerida pelo empregador: artigo 12.º- A, n.º 1, al. d); a existência de poder de direção: consubstanciado no poder de determinar regras específicas quanto à forma da prestação da atividade, à verificação da qualidade da mesma e ao exercício do poder disciplinar: artigo 12.º-A, n.º 1, al. b), c) e e);

XXVI - Admitindo-se porém o entendimento que as normas constantes dos artigos 11.º e 12.º possam corresponder a um quadro normativo substancialmente diverso do que se mostra consagrado no novo artigo 12.º-A, também invocado na sentença de 1.ª instância e antecipando-se a estratégia de defesa nesse sentido, propugnando a Ré nas contra alegações que apresentou anteriormente em casos idênticos, o entendimento que o recurso será de revista, quando é interposta revista excecional ( como fez no processo n.º 31 164/23.4T8LSB.L1) ou que será de revista excecional quando interposto recurso de revista normal (como fez no processo n.º 30 383/23.8T8LSB.L1), ou que não é nem um nem outro (como fez no processo n.º 20/24.0T8LSB.L1) requer-se que, nessa circunstância, o presente recurso seja admitido nos termos do artigo 671.º, n.º 1 do CPC, como ocorreu no processo 30383/23.8T8LSB.L1, despacho de admissão do recurso de revista, datado de 21/3/25 proferido pelo Ilustre Juiz Conselheiro Dr. José Eduardo Sapateiro;

XXVII - Nos termos do art.º 11.º do Código do Trabalho contrato de trabalho é aquele pelo qual uma pessoa singular se obriga, mediante retribuição, a prestar a sua atividade a outra ou outras pessoas, no âmbito de organização e sob a autoridade destas;

XXVIII - Para a doutrina e para a jurisprudência dominantes a subordinação jurídica tem constituído o elemento essencial do contrato de trabalho, isto é, o que o caracteriza é o facto de o trabalhador não se limitar a promover a execução de um trabalho ou a prestação de um serviço, mediante o pagamento de determinada retribuição, mas que se coloque sob autoridade da pessoa servida para a execução do referido serviço, podendo comportar diversos graus, nomeadamente em função das aptidões profissionais do trabalhador e da tecnicidade das próprias tarefas, podendo atenuar-se ao ponto de constituir pouco mais do que uma genérica supervisão por parte da entidade patronal, que pode até nunca ser exercida, sendo apenas meramente potencial;

XXIX - O conceito de subordinação dir-se-ia, flexibilizou-se, tornou-se mais dúctil e sofisticado, acompanhando o processo de transição para uma sociedade pós-industrial. Vale dizer, o elemento nuclear de identificação do trabalho subordinado passou a encontrar-se no facto do trabalhador se integrar numa organização de trabalho alheia, submetendo-se à autoridade do titular daquela organização. Este ponto é muito importante, desde logo em sede judicial, em ordem a lograr qualificar corretamente as novas formas de prestação de trabalho próprias da era digital em que vivemos, máxime o trabalho prestado para plataformas digitais. Como se disse, haverá subordinação jurídica quando a integração do prestador da atividade, no quadro de uma organização de trabalho alheia se soma a sujeição à autoridade dessa organização alheia;

XXX - A subordinação consiste, essencialmente, no facto de uma pessoa exercer a sua atividade em proveito de outra, no quadro de uma organização de trabalho concebida, ordenada e gerida por essa outra pessoa; o elemento organizatório implica que o prestador de trabalho está adstrito a observar os parâmetros de organização e funcionamento definido pelo beneficiário, submetendo-se, nesse sentido, à autoridade que ele exerce no âmbito da organização de trabalho, ainda que execute a sua atividade sem, de facto, receber qualquer indicação conformativa que possa corresponder à ideia de ordens e instruções;

XXXI - Inexistem dúvidas que o estafeta AA exerceu sempre as suas funções servindo-se da estrutura e da organização de meios que a Ré lhe disponibilizava; o seu trabalho, sempre se integrou, de forma continuada e desde Junho de 2023, nessa organização, cuja titularidade e controlo lhe é alheia, sendo que o procedimento de recolha e entrega de refeições, produtos alimentares ou outra mercadoria se encontra perfeitamente padronizado e decorre da mesma forma, independentemente do ponto geográfico onde é prestada e da concreta pessoa do estafeta, que se limita a seguir todo o esquema previamente definido pela Ré;

XXXII - Tal realidade decorre, de forma impressiva, do que se mostra elencado e descrito nos factos provados, nomeadamente nos Factos n.ºs 2, 3, 4, 5, 6, 7, 8, 9, 13, 18, 19, 20, 21, 29, 44, 58 e 62;

XXXIII - A Recorrida é uma plataforma de prestação de serviços de entregas on line através de uma aplicação informática e gere um negócio que estabelece a ligação entre o estafeta, o cliente e as empresas do sector da restauração e comércio, atuando como intermediária na entrega dos produtos encomendados sendo esta quem estabelece as parcerias com as empresas do sector da restauração e comércio;

XXXIV - Como resulta dos descritos factos provados, pese embora a Ré UBER EATS, não seja a proprietária da aplicação informática e do site UBER EATS PORTUGAL - Facto provado sob o n.º 59 - é a mesma quem explora o acesso àquela, permitindo a conexão de estabelecimentos comerciais a clientes/consumidores finais e o transporte dos bens entre ambos por estafetas a troco do pagamento de um valor monetário por cada entrega;

XXXV - O cerne da atividade da Recorrida UBER EATS é precisamente prestar serviços à distância, através de APP, a pedido de utilizadores e através de estafetas;

XXXVI - No caso em apreço, a disponibilização efetuada pela Ré UBER EATS através da app é componente necessária e essencial, da organização do trabalho prestado por AA a troco do pagamento das entregas por si efetuadas e só mostrando-se inserido na estrutura organizativa gerida pela Recorrida, pode o estafeta cumprir o contrato de “Parceiro de Entregas Independente” que titula a sua relação com aquela;

XXXVII - E nem mesmo o facto do estafeta poder escolher o seu horário, decidir quando se liga ou desliga da Plataforma e o período em que permanece ligado - Factos provados sob os nº 35.º, 36.º e 37.º - afasta a consideração que tal atividade se insere e integra na estrutura organizativa e empresarial disponibilizada e gerida Recorrida;

XXXVIII - “A ausência de certos indícios tradicionais, como os relativos a horário e assiduidade, não é incompatível com o reconhecimento do vínculo laboral, se o trabalho é desenvolvido no âmbito de uma organização, obedecendo a regras ditadas por esta, em vários aspetos relevantes da relação, designadamente no que respeita ao exercício das tarefas, e dependendo economicamente, ainda que apenas em parte, dos rendimentos auferidos.”;

XXXIX - Constatando-se que o trabalhador se encontra inserido numa atividade heteronomamente unificada e organizada pela Ré, ainda que sem cumprimento de horário de trabalho ou controle de assiduidade, haverá que conferir relevância a esse facto e entender verificado um dos indícios de subordinação jurídica que permite qualificar a relação entre a Recorrida e o estafeta AA, como um contrato de trabalho, ao abrigo do artigo 11.º e 12.º-A, n.º 1, al. a), b) e d) do Código do Trabalho;

XL - Da matéria fáctica considerada provada resulta que: o estafeta estava registado na plataforma digital UBER EATS, como “Parceiro de Entregas Independente”, através da criação de uma conta na plataforma, na aplicação disponibilizada na internet para o efeito; visando o registo em causa, e de acordo com exigência da aplicação UBER EATS, foram submetidos pelo estafeta na referida aplicação os seus documentos de identificação, bem como o certificado de registo criminal, o comprovativo de abertura de atividade como trabalhador independente, entre outros, foi ainda associado à conta do estafeta o meio de transporte em que este se desloca, no caso, a mota, conforme requerido pela plataforma e que o estafeta, para finalizar o registo, ficou ainda obrigado a aderir aos termos e condições aplicáveis constantes do “Contrato de Parceiro de Entregas Independente”; para iniciar a prestação do serviço na plataforma UBER EATS, AA teve que se registar e criar uma conta completa naquela plataforma, a qual se comprometeu a manter atualizada e ativa; a mudança de local de trabalho do estafeta está condicionada ao prévio registo na plataforma e à aceitação por parte da Recorrida; a plataforma exige que a prestação da atividade do estafeta seja efetuada fazendo uso de uma mochila térmica para transporte dos pedidos UBER EATS, sendo que, para a plataforma validar o perfil no ato de criação da conta o estafeta tem de submeter prova de detenção da mochila de transporte, a qual deve cumprir requisitos mínimos quanto às dimensões – 44 cm de largura x 35 cm de profundidade x 40 cm de altura - assim como quanto ao estado de conservação e limpeza; a prática de partilha de contas, por motivos de segurança e conformidade legal, não é permitida na Plataforma, conforme decorre da cláusula 5.ª, dos termos e condições aplicáveis, ou seja, “o estafeta não pode permitir que terceiros utilizem a sua conta, devendo manter os seus detalhes de login confidenciais a todo o tempo; a plataforma pode restringir o acesso à aplicação, ou mesmo desativar a conta em definitivo, no caso de suspeita de violação das obrigações assumidas pelo estafeta ao vincular-se aos termos do contrato de utilização da aplicação, designadamente, se permitir a utilização de conta por terceiros não autorizados, ou por comportamentos fraudulentos"; conforme decorre da cláusula 9 e da cláusula 16.b. dos termos e condições aplicáveis a empregadora tem o direito de restringir o acesso à Plataforma e a resolver o contrato com o prestador de serviços quando a empregadora está a cumprir uma obrigação legal, quando o prestador de atividade não cumpre as suas obrigações contratuais quando está em causa a segurança dos clientes e por motivos de autoproteção (situações de fraude); após aceitar a entrega o estafeta não se pode fazer substituir por ninguém e antes de aceitar uma entrega o estafeta apenas pode fazer-se substituir por outro que esteja igualmente registado na plataforma e possua conta cativa;

XLI - A plataforma estabelece regras conformativas da prestação da atividade do estafeta a que o mesmo se encontra adstrito, não só para o seu registo enquanto tal, mas também quanto à forma de realização de algumas das tarefas contratadas, nomeadamente o facto de não se poder fazer substituir, não poder partilhar a respetiva conta nem prescindir dos equipamentos que contratualmente é obrigado a utilizar para o exercício da atividade de entregas;

XLII - Tais regras configuram ainda uma manifesta faculdade de exercício de um poder sancionatório por parte da Recorrida em caso de eventual incumprimento das obrigações do estafeta no seio desta organização;

XLIII - De acordo com as Cláusulas do “Contrato de Parceiro de Entregas Independente”, totalmente elaborado e redigido pela Recorrida, ao qual o estafeta apenas pode aderir sem que lhe seja concedida a possibilidade de negociação das mesmas, a violação das regras contratuais (por exemplo deixar de possuir veículo, telemóvel, mala térmica com as dimensões regulamentares, fazer-se substituir por estafeta não registado na plataforma ou permitir a utilização da conta por terceiros) poderão conduzir à resolução do “contrato de parceria”, o que evidencia a existência de poder disciplinar e sancionatório por parte da plataforma;

XLIV - Face à matéria fáctica considerada provada e acima transcrita, apenas se pode concluir que a plataforma digital exerce poder disciplinar e sancionatório sobre o prestador de atividade mediante a exclusão da possibilidade de realização de futuras atividades na plataforma através de suspensão ou desativação da conta, pelo que entendemos que também se verifica, e não é irrelevante, a característica prevista na alínea e) do n.º 1 do artigo 12.º-A do Código do Trabalho;

XLV - A aplicação informática que a plataforma digital disponibiliza aos prestadores de atividade ou “estafetas” e que estes descarregam para o respetivo telemóvel, configura um instrumento de trabalho e, na relação estabelecida entre as partes, é o instrumento essencial para que a atividade seja prestada, ou seja, é o meio de organização da atividade através do qual a Ré angaria vendedores (por exemplo, restaurantes), utilizadores (compradores), estes acedem à plataforma e através dela é organizada a atividade de entrega (definição do trajeto, apresentação da proposta, aceitação da proposta, conclusão da tarefa- que apenas não é executada em linha - e a sua eventual avaliação);

XLVI - No que se refere ao software, não sendo um objeto físico visível, não deixa por isso de ser um bem utilitário, com valor económico, suscetível de “pertença”, mormente por direito de propriedade intelectual, direitos de autor, patentes, etc. No caso, o software (APP) utilizado é meio de produção decisivo, infraestrutura essa que é detida pela Ré. Os estafetas sempre que estão ao serviço, necessariamente têm de se socorrer desta aplicação informática. Têm de se conectar e de a utilizar, sendo ali que tudo se processa, desde a atribuição das encomendas, até aos pagamentos, passando pelo uso de GPS incorporado no software. Sem tal instrumento os estafetas não poderiam trabalhar;

XLVII - É a Ré que detém e opera o software utilizado pelos estafetas no serviço de recolhas e entregas;

XLVIII - A aplicação informática disponibilizada pela Ré configura um instrumento de trabalho detido pela Ré e, nessa medida, mostra-se verificada, em relação ao estafeta AA, a presunção de laboralidade prevista na alínea f) do n.º 1 do artigo 12.º -A do CT;

XLIX - Com efeito, perante a matéria fáctica considerada provada, nomeadamente nos Factos n.ºs 2, 3, 4, 5, 6, 7, 9, 12, 29, 44, 58 e 59, conclui-se que o estafeta AA utiliza a aplicação informática que lhe é disponibilizada pela Ré, e que só por intermédio da mesma poderá desenvolver a sua atividade, aceitar pedidos de entrega, conhecer o restaurante ou estabelecimento onde efetuar a recolha e o cliente destinatário, sendo que a aplicação não é de sua pertença mas sim gerida pela Ré que é a entidade que detém e opera a referida APP;

L - Verificando-se que a aplicação informática consubstancia um instrumento de trabalho, (dir-se-á essencial para a atividade do estafeta) e que a mesma é detida ou operada pela Ré, mostra-se preenchido o indício da propriedade ou disponibilidade dos equipamentos e instrumentos de trabalho acima mencionado;

LI - Constata-se assim que, ponderado o que se alegou, resultou demonstrado que o estafeta AA, ao exercer a atividade para a qual foi contratado pela Ré, o fazia inserido numa atividade heteronomamente unificada e organizada pela Ré, servindo-se da estrutura e da organização de meios que a Ré lhe disponibilizava; o seu trabalho, sempre se integrou, nessa organização, cuja titularidade e controlo lhe era alheia, sendo que o procedimento de recolha e entrega de refeições, produtos alimentares ou outra mercadoria se encontrava perfeitamente padronizado e decorria da mesma forma, independentemente do ponto geográfico onde era prestada e da concreta pessoa do estafeta, que se limitava a seguir todo o esquema previamente definido pela Ré;

LII - Resultou ainda demonstrado que o estafeta AA, se mostrava sujeito ao poder disciplinar e sancionatório o qual poderia, em última análise determinar a suspensão ou cessação do “contrato de parceiro de entregas independente” caso ocorresse violação dos deveres contratuais, e ainda que para o exercício da sua atividade, utilizava a aplicação informática disponibilizada pela Ré;

LIII - Conclui-se pois que o Ministério Público logrou demonstrar a verificação de três indícios de laboralidade, o que é entendido pela jurisprudência como bastante para caracterizar a relação em apreço, como uma genuína relação laboral;

LIV - Por seu turno a Recorrida não logrou ilidir, nos termos do n.º 4 do artigo 12.º-A do CT, a presunção de laboralidade decorrente do preenchimento das diversas alíneas do artigo 12.º-A do CT, nomeadamente que o estafeta laborava de forma autónoma, sem se mostrar inserido na sua organização empresarial e sem estar sujeito aos poderes de direção, disciplinar e sancionatório;

LV – […]

LVI - Mais deverá o presente recurso ser julgado procedente, e em consequência considerar-se que a demonstrada integração do estafeta na estrutura organizativa da Ré não carece da verificação de indícios tradicionais, como os relativos a horário e assiduidade, para permitir o reconhecimento do vínculo laboral, a plataforma digital exerce poder disciplinar e sancionatório sobre o prestador de atividade mediante a exclusão da possibilidade de realização de futuras atividades na plataforma através de suspensão ou desativação da conta e ainda que a aplicação informática (APP) gerida pela Ré e disponibilizada ao estafeta, consubstancia um instrumento de trabalho;

LVII - Verificando-se demostrados este três indícios de laboralidade, a relação entre a Ré e o estafeta AA deverá ser reconhecida como contrato de trabalho desde Junho de 2023.

Pelo exposto, entendemos que deverá ser admitido o presente recurso e concedido provimento ao mesmo, revogando-se o Acórdão recorrido, de acordo com os fundamentos acima explanados e substituindo-se por outro que, acolhendo a posição acima firmada, considere que a demonstrada integração do estafeta na estrutura organizativa da Ré não carece da verificação de indícios tradicionais, como os relativos a horário e assiduidade, para permitir o reconhecimento do vínculo laboral; a plataforma digital exerce poder disciplinar e sancionatório sobre o prestador de atividade e ainda que a aplicação informática (APP) gerida pela Ré e disponibilizada ao estafeta, consubstancia um instrumento de trabalho e em consequência, e que verificando-se demostrados este três indícios de laboralidade, a relação entre a Ré e o estafeta AA deverá ser reconhecida como contrato de trabalho desde Junho de 2023.

Contudo Vossas Excelências, Colendos Conselheiros, farão a costumada JUSTIÇA!»


*


13. A Recorrida UBER EATS, UNIPESSOAL, LDA. apresentou contra-alegações de recurso e formulou umas extensas conclusões, que nos abstemos de reproduzir em toda a sua dimensão, por não relevarem para efeitos da decisão que iremos tomar, fazendo-o apenas na parte que para aqui releva:

«21. A Recorrida junta às presentes contra-alegações, como Doc. 1 e Doc. 2, dois pareceres jurídicos (“Parecer da Professora Joana Vasconcelos” e “Parecer do Professor Pedro Madeira de Brito”) que contribuem para a discussão em apreço nos presentes autos, endereçando respostas diretas às questões colocadas pelo Recorrente.

[…]

Nestes termos e nos demais de Direito aplicáveis,

a) […]

b) Deverá ser negado provimento ao recurso de revista, sendo, em consequência, integralmente confirmado o Douto Acórdão recorrido, só assim se fazendo o que é de Lei e de JUSTIÇA!»


*


14. O relator deste recurso proferiu o seguinte despacho judicial, com data de 1 de setembro de 2025:

«Notifiquem-se as partes no sentido de ser nosso entendimento que não se justifica o prévio cumprimento do disposto no artigo 3.º do NCPC quanto à aplicação em sede do Acórdão a prolatar do regime dos artigos 12.º-A ou 12.º do Código de Trabalho de 2009 ou até, eventualmente, do clássico método indiciário, com vista a evitar decisões surpresa, dado as instâncias já terem procedido, de uma forma direta ou indireta, à convocação daquelas duas disposições legais e terem mesmo abordado e desconsiderado o referido método indiciário, sendo certo que aquelas presunções derivam, em menor ou maior parte, deste último, que, nessa medida, lhes subjaz. DN»


*


15. O Ministério Público colocado junto deste Supremo Tribunal de Justiça, na sua qualidade de Autor, veio apresentar requerimento onde se pronunciou nos seguintes moldes sobre o teor do despacho judicial reproduzido no ponto anterior:

«1 – Verifica-se que, efetivamente, as instâncias já apreciaram, de forma direta ou indireta, a aplicação do arts. 12.º e 12.º-A do CT à relação laboral em causa.

2 – A aplicar-se uma destas presunções, ou até nenhuma delas, sempre o método indiciário será seguido no sentido de se apurar se o empregador afastou, ou não, a presunção, ou, em caso da sua inaplicabilidade, se o autor conseguiu provar os elementos de subordinação jurídica típicos do contrato de trabalho.

3 – Em consequência, e salvo melhor opinião, nunca o acórdão a prolatar por este Supremo Tribunal sobre esta matéria, em concreto com a aplicação das presunções do art. 12.º-A do CT ou do art. 12.º do CT, ou até do método indiciário, pode ser considerada uma «decisão surpresa».

4 – Com efeito, e como se refere no acórdão do STJ de 08-09-2020, proc. n.º 602/18.9T8PTG.E1.S11, «[s]ó estaremos perante uma decisão surpresa quando, a mesma, comporte uma solução jurídica que as partes não tinham obrigação de prever, quando lhes não era exigível que a houvessem perspetivado no processo.».

5 – E, conforme se sintetiza no sumário do acórdão do STJ de 13-07-2022, proc. n.º 14281/21.2T8LSB.P1-A.S12:

«II. Decisão-surpresa não se confunde com a suposição que as partes possam ter feito ou com a expectativa que possam ter criado quanto à decisão, quer de facto, quer de direito, do Tribunal, a quem tais julgamentos continuam a pertencer em exclusividade. Não se podendo falar de surpresa quando os mesmos devam ser conhecidos como viáveis, como possíveis.»

6 – Pelo que, utilizando o acórdão a proferir qualquer um daqueles fundamentos, não existirá, seguramente, qualquer surpresa.

7 – Em consequência, não se afigura, de facto, e conforme se refere no mencionado douto despacho, existir qualquer necessidade de, em relação a esta matéria, dar prévio cumprimento ao disposto no artigo 3.º do CPC.»


*


16. A Ré UBER veio igualmente responder a tal despacho judicial, numa extensa resposta de 12 páginas, que nos escusamos de aqui transcrever, face à sua dimensão, tendo concluído a mesma nos seguintes moldes:

«Nestes termos, e nos demais de Direito aplicáveis:

a) Não deverá aplicar-se ao caso concreto o artigo 12.º-A do Código do Trabalho; caso assim não se entenda, o que por mero dever de patrocínio se equaciona;

b) Deve manter-se o Acórdão recorrido, não sendo reconhecida a existência de qualquer contrato de trabalho entre a Recorrida e o prestador de atividade visado, independentemente da presunção que seja aplicada;

c) Devem ser reconhecidas as inconstitucionalidades das interpretações normativas conferidas às normas indicadas.»


*


17. Cumpre decidir, depois de o coletivo ter tomado conhecimento dos autos, recebido o projeto de Acórdão elaborado pelo relator e debatido o seu teor.

II. FACTOS

18. Com relevância para o presente Aresto, há a considerar os seguintes factos, que são os considerados pelo tribunal da 1.ª instância, sem impugnação recursória das partes ou alteração oficiosa pelo Tribunal da Relação de Lisboa:

A - FACTOS PROVADOS PELAS INSTÂNCIAS:

«Os factos materiais relevantes para a decisão da causa – que não foram objecto de impugnação pelas partes, até pela circunstância de terem resultado do acordo das mesmas em sede de Audiência Final – são os seguintes:

1. A empregadora é uma sociedade que tem como objeto social: “prestação de serviços de geração de potenciais clientes a pedido, gestão de pagamentos; Atividades relacionadas com a organização e gestão de sites, aplicações on-line e plataformas digitais, processamento de pagamentos e outros serviços relacionados com restauração; Consultoria, conceção e produção de publicidade e marketing; Aquisição de serviços de entrega a parceiros de entrega e venda de serviços de entrega a clientes finais”;

2. A empregadora é uma plataforma de prestação de serviços de entregas on line, nomeadamente de refeições, através de uma aplicação informática criada e desenvolvida para tal efeito, efetuando a mencionada plataforma a gestão de um negócio que estabelece a ligação entre o estafeta e o cliente, assegurando ainda as necessárias parcerias com empresas do setor da restauração e do comércio;

3. Para a execução das referidas atividades, a empregadora explora uma plataforma tecnológica através da qual certos estabelecimentos comerciais oferecem os seus produtos e, quando solicitado pelos utilizadores clientes – através de uma aplicação móvel (App) ou através da internet – atua como intermediária na entrega dos produtos encomendados;

4. Para efetuar a recolha dos produtos nos estabelecimentos comerciais aderentes e realizar o transporte e a entrega desses produtos aos utilizadores clientes, a empregadora utiliza os serviços de estafetas que se encontram registados na sua plataforma para esse efeito;

5. As funções desempenhadas pelo estafeta consistem na recolha dos bens nos estabelecimentos aderentes (restaurantes, supermercados, lojas, etc.), transportando esses produtos até ao cliente final.

6. Assim, a empregadora atua na intermediação entre os diferentes utilizadores da plataforma:

- Os utilizadores parceiros (estabelecimentos comerciais, como restaurantes, por exemplo);

- Os utilizadores estafetas; e

- Os utilizadores clientes;

7. A atividade da empregadora inclui:

- A intermediação dos processos de recolha nos estabelecimentos comerciais e o pagamento dos produtos encomendados através da plataforma; e

- A intermediação entre a venda dos produtos e a respetiva recolha, transporte e entrega aos utilizadores que efetuaram as encomendas;

8. AA, natural da República Árabe do Egipto, NIF 1, Título de Residência n.º 1, com residência naRua 1, com o n.º de telefone 1 presta a referida atividade de estafeta para a plataforma UBER EATS pelo menos desde Junho de 2023.

9. AA realiza a referida atividade de estafeta, mediante pagamento, entregando refeições e outros produtos, conforme pedidos/tarefas que lhe são disponibilizados e por este aceites através da plataforma UBER EATS, na qual se encontra registado e à qual acede através da aplicação (App) que tem instalada no seu telemóvel/smartphone;

10. No decurso de uma ação inspetiva realizada pela ACT no dia 28/06/2023, pelas 11H, foi verificado queAA se encontrava em frente à entrada do Av. da República, 12, Lisboa, a aguardar a preparação para recolha de pedido efetuado por cliente na aplicação móvel UBER EATS e posterior entrega na morada indicada pelo cliente, tendo-se apurado que desenvolve a sua atividade da seguinte forma:

- O estafeta estava registado na plataforma digital UBER EATS, como “Parceiro de Entregas Independente”, através da criação de uma conta na plataforma, na aplicação disponibilizada na internet para o efeito;

- Visando o registo em causa, e de acordo com exigência da aplicação UBER EATS, foram submetidos pelo estafeta na referida aplicação os seus documentos de identificação, bem como o certificado de registo criminal, o comprovativo de abertura de atividade como trabalhador independente, entre outros;

- Foi ainda associado à conta do estafeta o meio de transporte em que este se desloca, no caso, a mota, conforme requerido pela plataforma;

- O estafeta, para finalizar o registo, ficou ainda obrigado a aderir aos termos e condições aplicáveis constantes do “Contrato de Parceiro de Entregas Independente”;

11. Embora a UBER EATS não mantenha um suporte em papel da adesão aos termos e condições aplicáveis, tem um registo eletrónico de adesão aos mesmos com data e hora;

12. AA realiza a referida atividade de estafeta, mediante pagamento, entregando refeições e outros produtos, conforme pedidos/tarefas que lhe são disponibilizados e por este aceites através da plataforma UBER EATS, na qual se encontra registado e à qual acede através da aplicação (App) que tem instalada no seu telemóvel/smartphone;

13. Para iniciar a prestação do serviço na plataforma UBER EATS, AA teve que se registar e criar uma conta completa naquela plataforma, a qual se comprometeu a manter atualizada e ativa sendo que, uma vez ativada a conta, é iniciada a atividade como estafeta e o início da sessão na plataforma é feito através das credenciais de identificação do estafeta e de uma palavra passe, sendo que, para receber os pedidos, coloca-se em estado de disponibilidade;

14. Para se poder registar e exercer as referidas funções de estafeta para a empregadora, AA tinha que ter atividade iniciada na Administração Tributária, ter veículo próprio (mota, carro ou trotinete/bicicleta), possuir um telemóvel (smartphone) e uma mochila para transporte dos bens;

15. Os prestadores de atividade registados na Plataforma decidem livremente o local onde prestam a sua atividade, ou seja, se prestam a sua atividade numa determinada zona da cidade ou até mesmo do país.

16. Podem inclusivamente bloquear comerciantes e/ou clientes com quem não desejam contactar.

17. A Plataforma não dá qualquer tipo de indicação aos prestadores de atividade sobre o local onde devem estar para receber propostas de entregas, podendo mudar de localidade quando entenderem, desde que previamente efetuem o registo de mudança de área na plataforma e o registo fique aceite e efetuado por parte da UBER;

18. A plataforma fixa, unilateralmente, o valor dos montantes a pagar ao estafeta para as entregas que efetua por entrega, podendo, no entanto, o estafeta “filtrar", aceitando ou não os pedidos que aparecem no ecrã, através do preço por quilómetro (designado de “Taxa Mínima por Quilómetro”)";

19. Com efeito, apesar de o estafeta poder definir na aplicação o valor mínimo por quilómetro, ou seja, o montante mínimo que aceita para proceder à entrega de cada pedido, não existe qualquer negociação entre o prestador e a plataforma quanto aos critérios que estão subjacentes à definição dos valores;

20. Não existe também qualquer intervenção do estafeta no processo de negociação de preços entre a plataforma e os parceiros de negócio, nomeadamente, restaurantes e estabelecimentos comerciais;

21. Cada serviço tem o seu valor definido que o estafeta vê na plataforma e é livre de aceitar, ou não, mas apenas por esse valor;

22. Na Plataforma, os prestadores de atividade dispõem de uma ferramenta que lhes permite visualizar outras ofertas de entrega disponíveis na sua área e que são pagas abaixo da sua Taxa Mínima por Quilómetro, sem necessidade de alterarem a Taxa Mínima por Quilómetro que anteriormente escolheram, e selecioná-las para entrega, se assim o desejarem, através da ferramenta “Radar de Viagens”;

23. Desta forma, os prestadores de atividade podem ajustar o seu preço por quilómetro sempre que quiserem sem o baixar e assim não perder qualquer oferta de entrega que possa surgir na Plataforma;

24. Os prestadores de atividade escolhem quando são pagos, através da ferramenta "CASHOUT", tendo o estafeta em apreço escolhido ser pago semanalmente. Apenas no caso de não optarem por recolher os rendimentos através do “CASHOUT” é que os mesmos são pagos semanalmente;

25. O estafeta é pago por transferência bancária e fica disponível na plataforma o registo de todos os pagamentos recebidos ao longo de um ano, assim como o comprovativo da transferência.

26. O estafeta recebe os valores das entregas que efetuar, podendo aceitar mais ou menos entregas durante qualquer período de tempo;

27. A plataforma exige que a prestação da atividade do estafeta seja efetuada fazendo uso de uma mochila térmica para transporte dos pedidos UBER EATS, sendo que, para a plataforma validar o perfil no ato de criação da conta o estafeta tem de submeter prova de detenção da mochila de transporte, a qual deve cumprir requisitos mínimos quanto às dimensões – 44 cm de largura x 35 cm de profundidade x 40 cm de altura - assim como quanto ao estado de conservação e limpeza;

28. O estafeta não está obrigado a usar roupa distintiva da marca UBER EATS nem a apresentar-se em conformidade com qualquer critério que não seja o pessoal;

29. A partir do momento em que o estafeta AA faz login na aplicação e passa a estar online, a plataforma, ora empregadora, fica a saber qual é a sua localização, através de um sistema de geolocalização do dispositivo que tem de estar obrigatoriamente ligado para que a aplicação funcione e permita ao estafeta receber pedidos de entrega, sendo, pois, indispensável ao exercício da atividade e à atribuição dos pedidos dos clientes;

30. O GPS é uma ferramenta necessária para o funcionamento da Plataforma e para a apresentação de ofertas de entrega aos prestadores de atividade;

31. A localização é um dos fatores relevantes para a apresentação de ofertas de entrega aos prestadores de atividade;

32. O GPS permite aos clientes acompanhar a sua encomenda a partir do momento em que o estafeta a recolhe;

33. O Estafeta é livre de escolher o percurso que entender para fazer cada entrega, assim como o tempo que cada entrega possa levar escolhendo o sistema de GPS que entende para efetuar o percurso ou até nem o utilizar;

34. A plataforma tem a possibilidade de recolher a classificação efetuada ao estafeta, quer pelo cliente quer pelo comerciante/restaurante, através de meios eletrónicos inseridos na aplicação;

35. O estafeta é livre para escolher o seu horário;

36. É livre para decidir quando se liga e desliga da Plataforma;

37. E durante quanto tempo permanece ligado;

38. Sendo ainda livre para rejeitar e aceitar a ofertas de entrega que entender;

39. O que resulta na impossibilidade de a empregadora saber quantos prestadores de atividade estarão com sessão iniciada na Plataforma em determinada altura, quantos deles se manterão conectados (e por quanto tempo) e, por fim, quantos aceitarão as ofertas de entrega disponibilizadas.

40. Não são raras as vezes em que as entregas não são realizadas por não existirem prestadores de atividade com sessão iniciada na Plataforma ou por nenhum prestador de atividade aceitar uma determinada oferta de entrega;

41. O Prestador de Atividade pode passar, dias, semanas, meses sem se ligar à Plataforma, sem que daí resulte qualquer consequência para si.

42. E a sua conta continua ativa;

43. O estafeta não fez entregas desde Outubro de 2023;

44. O estabelecimento, o tipo de pedido, o valor do serviço, o cliente final e a morada de entrega são indicados ao estafeta pela plataforma UBER EATS através da referida aplicação que deve consultar no telemóvel;

45. A prática de partilha de contas, por motivos de segurança e conformidade legal, não é permitida na Plataforma, conforme decorre da cláusula 5.ª, dos termos e condições aplicáveis;

46. Ou seja, o estafeta não pode permitir que terceiros utilizem a sua conta, devendo manter os seus detalhes de login confidenciais a todo o tempo;

47. Só quando o estafeta efetua o login na plataforma é que pode aceder às ofertas de entregas disponíveis;

48. A plataforma pode restringir o acesso à aplicação, ou mesmo desativar a conta em definitivo, no caso de suspeita de violação das obrigações assumidas pelo estafeta ao vincular-se aos termos do contrato de utilização da aplicação, designadamente, se permitir a utilização de conta por terceiros não autorizados, ou por comportamentos fraudulentos;

49. Conforme decorre da cláusula 9 e da cláusula 16.b. dos termos e condições aplicáveis a empregadora tem o direito de restringir o acesso à Plataforma e a resolver o contrato com o prestador de serviços nas seguintes situações:

50. Quando a empregadora está a cumprir uma obrigação legal;

51. Quando o prestador de atividade não cumpre as suas obrigações contratuais;

52. Quando está em causa a segurança dos clientes; e

53. Por motivos de autoproteção (situações de fraude)

54. O sinal de GPS deve encontrar-se ativo entre os pontos de recolha e de entrega, de outro modo, o bom funcionamento da aplicação e o próprio serviço ficam comprometidos;

55. O estafeta autoriza a UBER a aceder à localização do seu dispositivo quando está ligado;

56. Aliás, se os estafetas não tiverem o GPS ligado a aplicação não funciona para entregas, uma vez que é o GPS que permite à plataforma apresentar-lhes propostas de entregas tendo em consideração a sua localização e a proximidade com o ponto de recolha;

57. O estafeta e o estabelecimento que prepara o pedido podem introduzir dados na aplicação de modo a permitir a monitorização de cada recolha, transporte e entrega;

58. A Plataforma faz a ligação entre comerciantes, que desejam vender os seus produtos (não só alimentos), clientes, que desejam adquirir bens e que os mesmos lhes sejam entregues ou optem por eles próprios fazer a sua recolha, e estafetas (como o Prestador de Atividade em causa na presente ação) que desejam fazer entregas aos clientes;

59. A aplicação e o site da UBER EATS PORTUGAL (ora Ré) são pertença da UBER EATS dos Estados Unidos;

60. A empregadora contratou um seguro de responsabilidade civil com a Zurich Insurance e um seguro de proteção de parceiros de entrega que abrange o Prestador de Atividade.;

61. Após aceitar a entrega o estafeta não se pode fazer substituir por ninguém.

62. Antes de aceitar uma entrega existe na plataforma a possibilidade de o estafeta designar um substituto, o qual tem que estar registado na UBER com conta ativa e como substituto, para que este aceite os pedidos que entre ambos entenderem, sendo que a empregadora procederá ao pagamento ao estafeta substituído.

63. O estafeta pode prestar atividade a terceiros, incluindo via outra plataforma. A Plataforma é uma das muitas ferramentas que eles têm para realizar entregas. Os prestadores de atividade podem ter sua própria clientela e atendê-la com liberdade e sem necessidade de comunicar isso à Uber Eats. Eles também podem usar outras plataformas concorrentes, incluindo ao mesmo tempo que estão a prestar a sua atividade na Plataforma. Cabe esclarecer que os prestadores de atividade não estão adstritos a qualquer obrigação de exclusividade, podendo livremente escolher por prestar a sua atividade através de outras plataformas digitais ou qualquer outro meio que escolham, sem necessidade de consentimento ou de dar conhecimento à UBER EATS.

64. Para se registarem na Plataforma, os prestadores de atividade não estão sujeitos a qualquer tipo de processo de recrutamento, no sentido de não haver análise de CV, entrevistas ou qualquer tipo de processo de seleção, exceto o preenchimento dos requisitos contratuais já mencionados supra;

65. A empregadora não faz uso do feedback dado pelos clientes a cada entrega do estafeta, apenas lhe atribuindo pontos por cada entrega que efetua para efeitos de descontos na aquisição de material diverso.

66. O estafeta em apreço sempre se encontrou associado a um intermediário, inicialmente transitou do Parceiro de Frota 1, no dia 20 de junho de 2023, para o Parceiro de Frota 2, LDA., para o Parceiro de Frota x, no dia 10 de julho de 2023, por sua livre e exclusiva iniciativa, sendo este que procedia ao pagamento das entregas que este efetuava, ficando registado na plataforma toda a atividade de entrega por este realizada; [SUBLINHADO DA NOSSA RESPONSABILIDADE]

67. O estafeta recebe os valores das entregas que efetuar, descontando a comissão do intermediário, podendo aceitar mais ou menos entregas durante qualquer período de tempo.»


*


III – OS FACTOS E O DIREITO

19. É pelas conclusões do recurso que se delimita o seu âmbito de cognição, nos termos do disposto nos artigos 87.º do Código do Processo do Trabalho e 679.º, 639.º e 635.º, n.º 4, todos do Novo Código de Processo Civil, salvo questões do conhecimento oficioso (artigo 608.º n.º 2 do NCPC).


*


A – REGIME ADJECTIVO E SUBSTANTIVO APLICÁVEIS

20. Importa, antes de mais, definir o regime processual aplicável aos autos dos quais depende o presente recurso de revista, atendendo à circunstância da instância da ação de reconhecimento da existência de contrato de trabalho [ARECT] ter sido intentada no dia 05/01/2024, com a apresentação, pelo Autor Ministério Público da correspondente Petição Inicial, ou seja, já muito depois das alterações introduzidas pela Lei n.º 107/2019, datada de 4/9/2019 e que começou a produzir efeitos em 9/10/2019.

Tal ação, para efeitos de aplicação supletiva do regime adjetivo comum, foi instaurada depois da entrada em vigor do Novo Código de Processo Civil, que ocorreu no dia 1/9/2013.

Será, portanto e essencialmente, com os regimes legais decorrentes da atual redação do Código do Processo do Trabalho e do Novo Código de Processo Civil como pano de fundo adjetivo, que iremos apreciar as diversas questões suscitadas neste recurso de Revista.

Também se irá considerar, em termos de custas devidas no processo, o Regulamento das Custas Processuais, que entrou em vigor no dia 20 de Abril de 2009 e se aplica a processos instaurados após essa data.

Importa, finalmente, atentar na circunstância dos factos que se discutem no quadro destes autos recursórios terem ocorrido na vigência do Código de Trabalho de 2009, que, como se sabe, entrou em vigor em 17/02/2009, sendo, portanto, o regime dele decorrente que aqui irá ser chamado porventura à colação em função da factualidade a considerar e consoante as normas que se revelarem necessárias à apreciação e julgamento do objeto do presente recurso de Revista.

B – OBJETO DA PRESENTE REVISTA

21. Neste recurso de Revista está em causa decidir se deve ser reconhecida a existência de um contrato de trabalho entre AA e a Ré com efeitos desde dia indeterminado do mês de junho de 2023, situado entre 1 e 20 desse mês, mas que o Autor situa no dia 28/6/2023.

C – FUNDAMENTAÇÃO DA SENTENÇA DA 1.ª INSTÂNCIA

22. A sentença da 1.ª instância, para julgar improcedente os pedidos do Autor, argumentou juridicamente nos moldes seguintes:

«O essencial da presente ação passa pela análise do vínculo contratual existente entre ALAAELDIN ADDELRAHIM SHAANAN HASSAN e a Ré.

Tudo reside em saber se a realidade contratual é de um contrato de trabalho como postula o Ministério Público a reboque da ACT.

É sabido que por todo o país vieram a ser inundados os tribunais de trabalho com ações de reconhecimento de contratos de trabalho dos estafetas das plataformas. A esse respeito importa dizer que a própria lei de trabalho, sofreu uma alteração em Maio de 2023, na estipulação das presunções da existência do contrato de trabalho a ponto de prever as realidades de trabalho em plataformas digitais. Assim surgiu o art.º 12.º-A do Código de trabalho, como acrescento e especificação à presunção da existência de um contrato de trabalho existente no art.º 12.º do mesmo diploma.

A sua redação, no que ora diz respeito, estatui que:

[…]

Atentemos pois se as presunções se verificam.

Estatui a primeira alínea que se presume a existência de um contrato de trabalho quando:

a) A plataforma digital fixa a retribuição para o trabalho efetuado na plataforma ou estabelece limites máximos e mínimos para aquela

Ora, efetivamente o Ministério Pública pugnava pela existência de uma retribuição e de estabelecimento de limites mínimos por cada entrega. Mas curiosamente é exatamente o inverso do que alega. Não é a plataforma que estabelece o limite mínimo de cada entrega mas sim o próprio estafeta que o faz. Ele é que fixa o seu valor mínimo. No entanto, mesmo depois de o fazer ele pode aceitar algo que esteja aquém desse valor.

Por outro lado não é a plataforma que fixa a retribuição do trabalho. É, diga-se com esta simplicidade, o estafeta que escolhe quanto quer receber. Se quer auferir mais ou menos (dentro do seu preço mínimo fixado) é determinado por si próprio que escolhe quantos serviços quer aceitar e por que valor quer aceitar. O preço está fixado. Não é negociado. Mas este escolhe o valor que no final do dia vai aferir consoante o número de entregas que efetue e o valor das mesmas.

Nessa medida não apenas a presunção da alínea não se verifica como ainda se verifica a situação inversa. Nada está fixado, os limites mínimos são fixados pelo próprio e não pela plataforma, e não existe limite máximo pois se o estafeta quiser trabalhar 24 horas sem descansar pode auferir um valor máximo que trabalhando 8h ou 9h não poderia alcançar. A isto acresce algo. Não é a Ré que sequer paga a eventual retribuição ou tem alguma interferência na mesma. O estafeta tinha um intermediário pelo que quando vai receber o valor da entrega sabe que existe um valor de comissão que tem de ser descontado. Mas note-se. O pagamento não é feito pela Ré. Esta nem sequer tem forma de saber quanto aufere o estafeta e quando é que é pago, se mensalmente, semanalmente ou diariamente. Tudo se processa na esfera jurídica do intermediário e do estafeta mas o intermediário nem sequer foi demandado. [SUBLINHADO DA NOSSA RESPONSABILIDADE]

Facilmente se vê que NADA na alínea se verifica afastando-se assim a mesma para o preenchimento da presunção de existência de contrato de trabalho.


***


b) A plataforma digital exerce o poder de direção e determina regras específicas, nomeadamente quanto à forma de apresentação do prestador de atividade, à sua conduta perante o utilizador do serviço ou à prestação da atividade

Nem aqui se verifica a presunção. O estafeta não tem qualquer indumentária, qualquer código e conduta, e nem a sua mochila térmica tem de obedecer a algo que a relacione com a UBER. Até poderá ter do intermediário mas não se sabe. Tem apenas de ser térmica, ter determinada dimensão (até para permitir o transporte de determinas encomendas maiores ou menores) e na fase da atribuição da licença tem de estar limpa e ser exibida para confirmação. Mas nada na forma de apresentação do prestador ou da sua conduta é determinado pela Uber. NADA.

A alínea refere-se ainda ao poder de direção o que sabemos é a pedra de toque das relações de trabalho. A subordinação jurídica de quem exerce uma atividade/trabalho é sempre crucial para saber se a mesma é desempenhada como modo de um relacionamento de trabalho ou como uma mera prestação de serviços.

O que alega então o Ministério Público para sustentar o poder de direção?!

Salvo o devido respeito uma mão cheia de nada.

Afirma que os termos de utilização da plataforma estão definidos. Pois naturalmente que têm de estar, e para todos: para estafetas, comerciantes e clientes. Todas as plataformas de qualquer tipo de serviço têm regras de utilização e funcionamento. Todos os serviços, por ex. um ginásio, tem normas de utilização e condições que têm de ser aceites. Porém, para que se veja que aceitar as regras de utilização da plataforma é um modo de exercício do poder de direção é essencial concretizar que normas é que importam um poder de direção. Quais em concreto revelam o poder de dar ordens e instruções ao estafeta. Onde se concretizam?

Na utilização de uma mala térmica? Na obrigação de ter um veículo próprio? Na obrigação de ter um telemóvel e estar ligado à plataforma?

Creio que não. A obrigação de ter um telemóvel e uma conta registada e aceder à plataforma decorre do modo como o serviço é distribuído pelos comerciantes e aceite pelos estafetas. Sem que tal suceda o trabalho não pode ser aceite, pelo que é apenas um requisito de eficiência geral.

A obrigação de ter uma mala térmica é por condições de higiene, saúde e segurança alimentar. A obrigação de ter um veículo próprio nem é uma obrigação, pois podem sempre ir a pé (se o trajeto for curto) ou pedir um veículo emprestado, e mesmo essa é entre bicicleta ou mota, sendo pois estes livres de escolher.

Afirma o Ministério Público que um dos elementos reveladores do poder de direção desta alínea consiste no seu preenchimento na medida em que os estafetas tiveram de prova da sua identidade para criar uma conta, acendo com reconhecimento facial e têm de ter a plataforma ligada para ser entregue trabalho. Mas voltamos a repetir. Tal é um requisito de eficácia e segurança. O preenchimento de requisitos de identidade para ser atribuída uma conta e de reconhecimento facial é sobretudo uma forma de proteção do cliente, seja ele o comerciante, seja o consumidor final. Há que saber quem faz uma entrega e que quem o faz não é um terceiro sem os requisitos mínimos de concessão da licença atribuída pela Ré. Não é suposto um comerciante entregar mercadoria a alguém que não está identificado. Não é suposto um consumidor final receber à sua porta algo de quem não é um estafeta com os requisitos básicos confirmados pela Uber. Há, pois, mínimos de segurança a observar e há razões de eficácia que determinam que todo o serviço seja atribuído pela plataforma. Não conseguimos sequer vislumbrar como tal pode consistir num poder de direção.

Sustenta ainda o Ministério Público que a ausência de poder de negociação dos estafetas, apenas podendo aceitar ou recusar é uma manifestação desse poder de direção. Mas importa não esquecer que o poder de direção consiste num dos principais poderes das entidades empregadoras: o poder de dar ordens e instruções aos trabalhadores sobre o seu trabalho.

Ora, poder aceitar ou recusar propostas é obrigar a aceitar?! É dar ordens de aceitação?! É determinar qual o valor a aceitar ou quais as ofertas que deve efetuar? Naturalmente que não.

Pelo contrário. Não só não há poder de direção como ainda não há maior autonomia do que a de um estafeta. Este escolhe as horas a que quer trabalhar, o local onde o quer fazer e o tipo de trabalho que quer fazer. Mas se tal for pouco (e diremos algo que me parece demolidor: que trabalhador subordinado pode fazê-lo? Que trabalhador subordinado pode decidir que quer trabalhar uma hora num dia, 20horas no outro, hoje em Lisboa e amanhã no Algarve, e daqui a um mês ou dois voltar a trabalhar?) sempre diremos que é este quem escolhe o modo como executa o seu trabalho. Este escolhe de forma totalmente livre o percurso. Donde mesmo o argumento do GPS que o Ministério Publica emprega para afirmar que é um modo de controlo do trabalho do estafeta cai por terra. Este tem GPS para permitir ao cliente (e eventualmente ao comerciante e até em última análise à UBER) saber em que estado está a entrega solicitada. Tem o GPS para que lhe sejam oferecidas entregas que sem esse não fariam sentido (para quê oferecer uma oferta de Trás-os-Montes a quem está no Algarve?). Mas a sua utilização não importa controlo algum pela Ré pois esta nem sequer pode interferir no percurso, nem impor que seja seguido o do GPS.

É ainda falsa a afirmação de que a Ré dá instruções sobre o momento em que devem introduzir na aplicação a informação sobre a recolha. Só o fazem se o entenderem.

Quanto ao facto de o estafeta estar inserido na organização produtiva da Ré facilmente se vê que não é verdade. Na verdade, a estar é na do intermediário que conta com ele para as suas entregas. A Ré não sabe se pode contar com este “trabalhador” nunca. O trabalho que ele fez hoje pode não o fazer amanhã, e pode nunca mais o fazer. O facto de a Ré não saber, a cada dia, quantos estafetas vai ter disponíveis a cada momento faz com que nunca exista uma organização produtiva estável. No limite a Ré pode não poder promover qualquer serviço de entrega por falta de estafeta. Ora, fazer parte da organização produtiva é alguém saber que pode contar na sua cadeia de produção com outrem de forma a que organize o seu trabalho a contar com x mão de obra e x de encomendas. Não é o caso da R. que nunca sabe se aquele estafeta, ou qualquer outro, vai estar disponível para trabalhar para essa estrutura organizativa de produção.

Em suma. Não só não está verificado o preenchimento da alínea como ainda se constata que NADA nos autos indicia a existência de um poder de direção e antes pelo contrário, inexiste subordinação jurídica e existe total autonomia do estafeta. Nenhuma ordem ou indicação sequer é dada pela Ré, senão a das suas condições de adesão (ter de fazer uso de um veículo e de mochila térmica) o que é apenas revelador de forma de gestão e eficácia do trabalho.


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c) A plataforma digital controla e supervisiona a prestação da atividade, incluindo em tempo real, ou verifica a qualidade da atividade prestada, nomeadamente através de meios eletrónicos ou de gestão algorítmica

Neste tocante tudo quanto já afirmamos é válido e trata-se de repetir o já afirmado. O argumento empregue pelo Ministério Público reside, como já mencionado, na existência do GPS. Sustenta que o mesmo controla em tempo real a sua atividade. Mas já vimos que assim não é. O mesmo serve para o cliente acompanhar a entrega e eventualmente o comerciante. O mesmo serve para que sejam oferecidas ao estafeta ofertas de entregas que sem o GPS não têm forma de saber o local onde pode este aceitar. E se este o desligar durante a execução do serviço nenhuma consequência tem. Se estiver desligado apenas não recebe ofertas. Numa palavra. Não existe monotorização da entrega como sustenta o MP e nem esse resquício de supervisão existe por parte da Ré.

Note-se que o preceito afirma que a plataforma controla e supervisiona. Mas na verdade nenhum tipo de supervisão existe. Chegou a provar-se algo que o revela por completo. Fazendo o estafeta um bom ou um mau trabalho, tendo demorado muito tempo por exemplo a efetuar uma entrega, o mesmo recebe sempre o mesmo tipo de pontos da Ré (consoante o horário) mas apenas para efeitos de descontos. A classificação que o cliente atribui não é sequer relevante para a futura atribuição de ofertas ao estafeta. Não há supervisão nem controle de forma alguma (em momento algum a Ré vai ver à plataforma onde anda o estafeta ou sequer pode alertá-lo para mudar de itinerário) da tarefa desempenhada pelo estafeta. E sobretudo não há consequências exceto nas situações de gravidade previstas como fundamento de resolução do contrato.

Em suma também esta alínea não se encontra preenchida.


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d) A plataforma digital restringe a autonomia do prestador de atividade quanto à organização do trabalho, especialmente quanto à escolha do horário de trabalho ou dos períodos de ausência, à possibilidade de aceitar ou recusar tarefas, à utilização de subcontratados ou substitutos, através da aplicação de sanções, à escolha dos clientes ou de prestar atividade a terceiros via plataforma

É sobretudo por força desta alínea que se percebe que a realidade existente nem proximidade com a realidade de um contrato de trabalho tem.

A autonomia do estafeta é total. Este escolhe onde, quando, quanto e como quer trabalhar. Se o quer fazer ou não. E como quer fazer e por que preço.

É certo que não pode negociar mas salvo o devido respeito num contrato de trabalho o ordenado até pode ser negociado inicialmente mas raramente é passível de posterior negociação, e se a houver pode, ou não ser aceite.

Mas toda a organização do trabalho do estafeta é feita por este. Escolhe o seu horário e os seus períodos de ausência. Escolhe até se quer trabalhar ou não. E isso é uma realidade que nenhum trabalhador subordinado pode ter sem consequências. Quem falta ao trabalho porque não lhe apetece trabalhar tem consequências decorrentes dessa ausência que no limite podem conduzir ao exercício do poder disciplinar e à cessação do contrato de trabalho. No caso do estafeta não conduzem a nada precisamente porque a sua autonomia é total assim como a ausência de interferência da Uber na mesma.

A plataforma não interfere com escolhas de horários, não interfere com a autonomia de aceitar ou não e até depois de ser o estafeta a fixar ele o seu valor mínimo de entrega pode o mesmo “voltar atrás” numa entrega sem que tenha de baixar o seu valor mínimo. A plataforma não impõe clientes o estafeta pode ele próprio decidir que com determinado cliente não quer sequer receber ofertas, ou recusar essa oferta.

E por fim, a plataforma não restringe a autonomia de arranjar substituto, apenas impõe que o trabalho seja pessoal ou com substituto autorizado com licença válida de Uber. E tal não é uma restrição da autonomia é um princípio básico de confiança em qualquer serviço que se presta. Se eu contrato um pedreiro para fazer uma tarefa pequena (que ninguém tem dúvidas não ter cariz laboral) então o mesmo se nesse trabalho se fizer substituir por outra pessoa o mínimo que deve fazer é informar-me e eu aceitar. Quem contrata o A para algo não quer o B precisamente porque contratou o Autor. Não se vê que em prol da segurança dos clientes e comerciantes e de algum rigor que deve nortear o serviço a Ré devesse permitir algo distinto. Pelo contrário. Isso porém não é restringir a autonomia do estafeta. É apenas anuir a algo distinto do contratado.

Em suma, não só esta alínea não se encontra preenchida como ainda se prova exatamente o inverso. O estafeta tem plena autonomia para tudo fazer e decidir como entender.


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e) A plataforma digital exerce poderes laborais sobre o prestador de atividade, nomeadamente o poder disciplinar, incluindo a exclusão de futuras atividades na plataforma através de desativação da conta.

Novamente nada se verifica nesta alínea desde logo porque não existe poder disciplinar. Se o estafeta fizer um mau trabalho porque decidiu a meio do caminho parar para beber uma cerveja e chegar com um atraso grande e a comida fria nenhuma consequência existe. O que se estranha, pois, até numa prestação de serviços se exige algum controlo e disciplina. Mas a verdade é que não existe. Não há exclusão de ofertas para o prestador. Não há situações em que deixam de receber ofertas exceto quando decidem desativar a conta porque puseram em causa a segurança dos clientes, situações de fraude, por alguma obrigação legal não ser observada ou algum incumprimento grave da relação que possa conduzir à resolução. No mais não existe qualquer poder disciplinar. Por hipótese, como meio de reagir a uma insatisfação de um cliente pela demora no atraso não pode a Ré deixar de atribuir ofertas de entrega ao estafeta por uns tempos.

Pode só resolver o contrato e encerrar a conta mas nas situações previstas no contrato e supra referidas.

Nem se veja na possibilidade de encerramento da conta uma forma de exercício supremo do poder disciplinar. Qualquer contrato, de qualquer natureza, pode ser resolvido, desde que as condições contratuais sejam violadas, e o cometimento de uma fraude, a colocação em causa da segurança dos clientes, ou a não observância de obrigações legais têm necessariamente de conduzir ao mesmo resultado de resolução do contrato. Se a Uber não o fizesse, e permitisse aos estafetas continuar a fazer entregas nessas circunstâncias, estaria a prestar um mau serviço aos comerciantes e clientes que a ela recorrem.

Não é, pois, uma forma de exercício do poder disciplinar mas a regulação e profissionalismo que a prática da sua atividade exigem perante terceiros.

Não está, pois, verificada a presunção constante da alínea referida.


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f) Os equipamentos e instrumentos de trabalho utilizados pertencem à plataforma digital ou são por esta explorados através de contrato de locação

Quais são os instrumentos usados pelo estafeta?

Veículo, mochila térmica e telemóvel assim como a plataforma.

Vejamos então. Os três primeiros não são pertença da Ré. São próprios do estafeta. Mas nem a plataforma é da Ré mas sim da Uber dos Estados Unidos.

Não obstante sempre se dirá que a plataforma é um instrumento, mas é um modo de aceder ao trabalho, e é muito pouco para que se possa sequer dizer que os instrumentos de trabalho são fornecidos pela Ré. E é ainda uma forma de garantir a operacionalidade e eficácia dos serviços que presta a comerciantes e a clientes consumidores finais. Sem esta plataforma seria impossível a prestação de serviços tal qual hoje existe destas entregas por via on line e num tempo quase imediato ou curto.

Vemos pois que também esta alínea não se encontra preenchida.


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Importa porém referir mesmo que a presunção tivesse sido preenchida, o que não sucedeu, ainda poderia ser ilidida. Estatui o n.º 4 do referido art.º 12.º-A que a presunção prevista no n.º 1 pode ser ilidida nos termos gerais, nomeadamente se a plataforma digital fizer prova de que o prestador de atividade trabalha com efetiva autonomia, sem estar sujeito ao controlo, poder de direção e poder disciplinar de quem o contrata

Ora, isso tudo mais que ficou demonstrado como já deixamos expresso.

A definição de contrato de prestação de serviços consta do art.º 1154.º do C. Civil, é aquele em que uma pessoa «se obriga a proporcionar à outra certo resultado do seu trabalho intelectual ou manual, com ou sem retribuição».

O contrato de trabalho, definido no artigo 1152.º do Código Civil, consubstancia o vínculo através do qual «(…) uma pessoa se obriga, mediante retribuição, a prestar a sua atividade intelectual ou manual a outra pessoa, sob autoridade e direção desta».

Não obstante a definição do legislador a verdade é que a distinção entre um contrato e o outro não é fácil, e para a destrinça das duas realidades a jurisprudência e a doutrina foram recorrendo a indícios ou factos-índice. Estes originaram inúmeros acórdãos e muitas tomadas de posição doutrinal para a distinção dos dois contratos. Eram assim apontados como factos-índice, nomeadamente, o local do trabalho, o horário de trabalho, as ordens do empregador, o modo da prestação do trabalho, a integração na organização do empregador, a forma da retribuição – subsídios de férias e de Natal – a propriedade dos instrumentos do trabalho, a retenção na fonte de impostos e contribuições, a exclusividade de empregador, a inscrição na segurança social e em associação sindical, existência de pessoal assalariado dependente do trabalhador, o risco do produto final – por conta de quem corre – e a vontade das partes.

Grande parte destes indícios passaram agora para as alíneas do n.º 1 do art.º 12.º do Código do Trabalho de 2009, fazendo presumir a existência de um contrato de trabalho e no caso das plataformas do art.º 12.º-A.

Em traços largos cremos que para a distinção entre contrato de trabalho e contrato de prestação de serviço, dois elementos serão essenciais: o objeto do contrato (prestação de atividade ou obtenção de um resultado) e o relacionamento entre as partes (subordinação ou autonomia). Em causa está claramente um resultado e o pagamento à tarefa. O estafeta é pago pela tarefa que faz, pelo resultado da entrega.

A subordinação jurídica do trabalhador traduz-se no poder do empregador de conformar, através de ordens, diretivas e instruções, a prestação a que o trabalhador se obrigou.

Diversamente, no contrato de prestação de serviço, o prestador obriga-se à obtenção de um resultado, que efetiva por si, com autonomia, sem subordinação à direção da outra parte.

Inerente a esta subordinação jurídica, surge a dependência jurídica em que o trabalhador se coloca face à entidade empregadora, sujeitando-se às ordens daquela, relativamente aos termos da prestação do seu trabalho, bem como pelo exercício do poder disciplinar, sendo que, ainda que essas ordens, bem como o exercício deste poder, possam não estar, a cada passo da execução do contrato, permanentemente em foco, é suficiente, para concluir pela sua existência, que esses poderes possam ser exercidos a qualquer momento, na medida em que a possibilidade do seu exercício está, em rigor, na disponibilidade/disposição do empregador.

No contrato de prestação de serviço não existe esta subordinação, tendo o trabalhador autonomia relativamente aos termos da execução da atividade a cujo desempenho se propôs, sem prejuízo da vinculação à obtenção do resultado que da mesma decorra.

Certo é que com os factos que temos por assentes, a noção de contrato de trabalho não se encontra preenchida, pois não apenas o trabalhador não se inseria numa organização da Ré, que não sabe sequer se pode contar com este ou quando pode fazê-lo, como não fez o seu trabalho sob a autoridade desta (encarada a autoridade como a ausência de autonomia, sob instruções e poder disciplinar daquela).

Os índices dos artigos 12.º e 12.-A do CT mais não são do que uma presunção legal, mas tratando-se de uma presunção juris tantum (art.º 350.º do Código Civil), nada impede o beneficiário da atividade de ilidir esta presunção, demonstrando que, a despeito de se verificarem aquelas circunstâncias, as partes não celebraram qualquer contrato de trabalho mas sim um contrato de outra natureza.

De todos estes indícios mencionados não decorre a prova da existência de um contrato de trabalho, mas antes a convicção de existir uma prestação de serviços. Em nenhum contrato de trabalho deixam de existir consequências para uma falta injustificada de um trabalhador, e no caso em apreço a única que sucede é meramente a de não ser paga pelo trabalho que não chegou a prestar.

Também a subordinação jurídica, por tudo quanto deixamos exposto, não se verifica. Não existe um único facto provado que permita concluir que a Ré desse ordens ao trabalhador. Pelo contrário. Não tem qualquer interferência no processo de aceitação até à entrega. Não verificava como corria, não fiscalizava e não existia sanção. Não dá instruções nem ordens e não há poder disciplinar.

Não há avaliação, e a dos clientes para nada serve, posto que não há consequências que, porventura, adviessem para este nos casos em que desse sistema de avaliação decorresse uma informação negativa, mormente o exercício do poder disciplinar por ausência de uma prestação zelosa ou diligente.

Não existe aqui, cremos, qualquer resquício de subordinação jurídica.

Vejamos.

Se uma pessoa contrata um canalizador para colocar uma torneira em determinado local assiste-lhe o direito de dizer de que modo quer a torneira, onde a quer, que implicações visíveis quer que a mesma tenha. Mas no caso do estafeta nem isso a R. faz. Limita-se a mediar uma necessidade de um comerciante e um consumidor final oferecendo a ambos uma forma de fazer chegar um a outro através de um estafeta que pode ser o João, a Maria ou o José. Não é de todo uma relação intuito personae, como é típico do vinculo laboral, mas sim alguém que possa executar essa tarefa.

Ora, se a tudo quanto afirmamos juntarmos a ausência de um sistema de descontos e contribuições típicas dos trabalhadores subordinados, e valores mensais muito variáveis e podendo até ser ausentes, tudo dependendo da vontade do estafeta querer aceitar mais ou menos ofertas, do local de trabalho poder variar diariamente consoante a sua vontade, da ausência de controlo de assiduidade e absentismo, a ausência de obrigação de justificação de faltas ou apresentação de documentos comprovativos das mesmas, a ausência de poder disciplinar, a ausência de seguro de acidentes de trabalho, a ausência de exclusividade na prestação da atividade por banda do interveniente e a possibilidade de no mesmo horário trabalhar para uma plataforma concorrente (o que numa relação laboral seria uma violação do dever de lealdade), a ausência de qualquer interferência da área de Recursos Humanos da Ré na gestão das ausências, faltas e períodos de indisponibilidade do mesmos, o não enquadramento deste no mapa de férias e mapa de pessoal da Ré, a ausência de pagamento de uma quantia fixa e certa, todos estes factos não deixam margem para dúvidas que o cariz intuito personae não se verifica, e o vinculo laboral não é o próprio dos contratos de trabalho.

Uma palavra final para se dizer o que não pode deixar de ser dito. Desde o início, da leitura da P.I. se vê que nunca a presente ação poderia proceder. Nada de concreto existe que permita concluir pela subordinação jurídica. Não é aceitável que quem trabalha quando quer, onde quer, como quer, quanto quer e sem consequências possa ter uma realidade de contrato de trabalho. Mas ainda assim foram intentadas centenas de ações judicias e entupiram o andamento dos tribunais de trabalho em Portugal. As demais ações pararam em virtude de alegações que nem fumo tinham, quanto mais fogo. O trabalhador que não o das plataformas saiu prejudicado pela demora no andamento da justiça e os contribuintes pagaram com os seus impostos todos os custos inerentes a estas ações judiciais totalmente infundadas.

Muitas situações de reconhecimento de contrato de trabalho acabam por sucumbir. Ao longo de vários anos no Tribunal de trabalho assisti a algumas enchentes de colocação de ações a reboque do ACT. Nenhuma tão infundada quanto esta pois nem o menor indício da existência de algum vínculo laboral existe nesta ação.

Pelos motivos expostos facilmente se vê que não se logrou provar a existência de um contrato de trabalho, donde a presente ação tem de improceder..»

D – FUNDAMENTAÇÃO DO ACÓRDÃO DO TRIBUNAL DA RELAÇÃO DE LISBOA

23. O Aresto do tribunal da 2.ª instância, para julgar também improcedente o recurso de Apelação e nessa medida confirmar a sentença judicial recorrida, desenvolveu, para o efeito, a seguinte argumentação jurídica:

«3. Seguiremos de perto, na medida em que para o caso sub iudice as considerações aí tecidas lhe sejam transponíveis, os fundamentos expostos no Acórdão desta Relação de 15 de Janeiro de 2025, proferido no Processo n.º 31164/23.4T8LSB.L1 [1].

Há muito que os tribunais são chamados a pronunciar-se sobre a natureza de relações jurídicas estabelecidas entre sujeitos e cuja atração a um ou outro modelo contratual é decisiva do ponto de vista do seu enquadramento jurídico. O direito do trabalho não é imune a esses dissídios e, por conseguinte, são os tribunais de trabalho amiúde confrontados com a necessidade de, perante situações jurídicas de maior ou menor complexidade, qualificar as relações jurídicas que lhes subjazem e nas quais se possa surpreender aquilo que é típico do contrato de trabalho, a saber, a subordinação jurídica: de um lado, uma parte que, pela forma como atua, conforma a prestação do outro contraente, deixando-lhe escassa ou nula autonomia ou reservando-a para aspetos puramente acessórios da sua atividade; do outro, a parte que está obrigada à prestação e que, por razões várias – desde o local onde a exerce até aos meios a que recorre para a prestar e o tempo que lhe está reservado para o efeito – vê heterodeterminada a forma como a executa.

Fruto justamente da indefinição do modelo contratual eleito na conformação da prestação ou da sua inadequação à sua regulação surgiu a necessidade de recorrer a modelos cujo desiderato era o de, de entre as várias características subjacentes ao vínculo laboral e que, por regra, nele estavam presentes, justamente atrair para a sua regulação as situações que nele se enquadrassem.

Na verdade, se a definição de contrato de trabalho não encerrava, em si mesma, consideráveis dúvidas ou dificuldades interpretativas relativamente aos elementos que a compunham – a sua natureza onerosa, a essencial relevância da atividade em detrimento do resultado, o destinatário da prestação, a inserção numa organização e a sujeição a poderes de autoridade (art.º 11.º, do Código do Trabalho) –, sobretudo quando confrontada com definições de modelos contratuais mais ou menos afins, como era a prestação de serviço, idêntica facilidade não se estendia à sua aplicação a relações jurídicas que reclamavam nela a sua subsunção. Assim se passava em casos complexos ou em que os contornos que densificavam os apontados elementos surgiam de forma indefinida ou difusa ou mesmo em concurso com outros associados à autonomia característica de outros contratos que, naturalmente, adensavam a dificuldade na integração normativa das relações jurídicas.

Assim surgiu o chamado modelo indiciário a que, durante largas décadas, se recorreu para afastar da indevida ou desadequada subsunção noutras figuras contratuais afins as situações tipicamente subordinadas e que, por isso, deveriam ser tuteladas pelo direito do trabalho.

Conforme se ponderou no Acórdão do Supremo Tribunal de Justiça de 9 de Fevereiro de 2012 [2], «nos casos limite, a doutrina e a jurisprudência aceitam a necessidade de fazer intervir indícios reveladores dos elementos que caracterizam a subordinação jurídica, os chamados indícios negociais internos (a designação dada ao contrato, o local onde é exercida a atividade, a existência de horário de trabalho fixo, a utilização de bens ou utensílios fornecidos pelo destinatário da atividade, a fixação da remuneração em função do resultado do trabalho ou em função do tempo de trabalho, direito a férias, pagamento de subsídios de férias e de Natal, incidência do risco da execução do trabalho sobre o trabalhador ou por conta do empregador, inserção do trabalhador na organização produtiva, recurso a colaboradores por parte do prestador da atividade, existência de controlo externo do modo de prestação da atividade laboral, obediência a ordens, sujeição à disciplina da empresa) e indícios negociais externos (o número de beneficiários a quem a atividade é prestada, o tipo de imposto pago pelo prestador da atividade, a inscrição do prestador da atividade na Segurança Social e a sua sindicalização)».

O recurso a este modelo não dispensava, contudo, a ponderação global dos elementos indiciários constatados, tentando aferir qual o sentido dominante dos mesmos em ordem a estabelecer uma maior ou menor correspondência dessa dimensão global com o conceito-tipo de contrato de trabalho ou de contrato de prestação de serviço [3], não sendo de olvidar, neste âmbito, a vontade real das partes aquando da celebração do contrato [4].

A densificação dos factos indiciários estava a cargo da parte que reclamava a sujeição do seu vínculo ao regime próprio do contrato de trabalho, a par, naturalmente, do seu ónus probatório, à luz do regime previsto no art.º 342.º, n.º 1, do Código Civil.

Seguramente consciente das dificuldades de demonstração da existência de uma relação de trabalho subordinado e da proliferação do recurso a outros modelos contratuais, maxime, os contratos de prestação de serviço, como forma jurídica de enquadramento de verdadeiras relações de trabalho, o legislador consagrou no art.º 12.º, do Código do Trabalho de 2009, a presunção de contrato de trabalho, assim “libertando” o trabalhador, nos termos do regime geral da distribuição do ónus da prova, constante do art.º 342.º, n.º 1, do Código Civil, da prova dos elementos constitutivos do contrato de trabalho, tal como eles resultam definidos no art.º 11.º, do Código do Trabalho

Assim, e tal como decorre do citado art.º 12.º, desde que se demonstrasse a existência de alguns dos índices discriminados nas várias alíneas do seu número 1, na relação entre a pessoa que presta alguma atividade e a outra ou outras que dela beneficiam, presumia-se a existência de contrato de trabalho.

Conforme se ponderou no Acórdão do Supremo Tribunal de Justiça de 2 de Julho de 2015 [5], «[a] técnica da presunção da existência de contrato de trabalho, consagrada no artigo 12.º do Código do Trabalho, embora seja inspirada no modelo indiciário tradicional, altera radicalmente o cenário da prova dos elementos integrativos do contrato de trabalho.

Na verdade, ao contrário do modelo indiciário, que apelava a uma ponderação global dos elementos caracterizadores da concreta relação estabelecida entre partes, destacando nos mesmos aqueles que apontam para a subordinação jurídica, a sopesar com os que apontem no sentido da autonomia, de forma a encontrar o sentido global caracterizador da relação, a demonstração da existência de contrato de trabalho vai ficar agora dependente, e apenas, da demonstração de «alguns» dos índices consagrados nas alíneas do n.º 1 do artigo 12.º».

O tempo e a evolução tecnológica têm feito surgir no tecido social novas formas de vinculação das partes cuja atração a um modelo contratual já definido, designadamente ao contrato de trabalho, encerra sérias e fundadas dúvidas decorrentes da circunstância de, as mais das vezes, não estarem presentes certos indícios que tínhamos por certos aquando da qualificação de situações pretéritas e de outros surgirem de forma diluída ou difusa e, nessa medida, de difícil captação. Falamos, claro está, da atual prestação de atividade através ou com recurso a aplicações ou sítios de internet, disponibilizados através de plataformas digitais, na qual avultam, de sobremaneira, o carácter quase impessoal da relação jurídica que assim se estabelece e a ausência, por via de regra, de certos elementos a que tradicionalmente se recorria em ordem ao seu enquadramento – ou não – na figura do contrato de trabalho.

Conforme enfatizado, a este propósito, no “Livro Verde Sobre o Futuro do Trabalho 2021”, «a circunstância de o prestador de serviço utilizar instrumentos de trabalho próprios, bem como o facto de estar dispensado de cumprir deveres de assiduidade, pontualidade e não concorrência, não é incompatível com a existência de uma relação de trabalho dependente entre o prestador e a plataforma digital» [6].

Citando Jorge Leite [7], «para poder desempenhar o seu papel, deve o Direito do Trabalho moldar-se às realidades que visa organizar e disciplinar, pelo que, sendo estas diversificadas, diversificado deve ser aquele».

Vocacionada a regular estas novas realidades, surgiu a atual presunção de contrato de trabalho no âmbito de plataforma digital, prevista no art.º 12.º-A, do Código do Trabalho, cuja operacionalidade não diverge da já antes consagrada no art.º 12.º, do Código do Trabalho: desde que se demonstre a existência de alguns dos índices discriminados nas várias alíneas do número 1, na relação entre a pessoa que presta alguma atividade e a outra ou outras que dela beneficiam, presume-se a existência de contrato de trabalho.

Seja como for, a constatação da diversidade social e a complexidade dos vínculos que origina não nos deve conduzir à desconsideração do que é essencial no contrato de trabalho, cuja definição não se alterou, qual seja a subordinação jurídica, aferível em função da inserção do trabalhador num determinado contexto organizativo que modela e estrutura a sua prestação e da sua sujeição ao poder de autoridade, estando os factos índice previstos nas várias alíneas do atual 12.º-A, do Código do Trabalho, que estabelecem a presunção da existência de contrato de trabalho no âmbito de plataforma digital, justamente vocacionados a integrar esta que é a principal característica deste vínculo, ainda que para ela olhando de forma dinâmica e ajustada aos modelos atuais que, obviamente, não são os mesmos que estão na génese do Direito do Trabalho. Do mesmo passo, e não obstante a novidade e a singularidade que enformam esta nova realidade, nestes processos, como nos demais, ao juiz cabe subsumir os factos – provados na ação – no direito, interpretando este apenas e tão-só à luz dos cânones instituídos no art.º 9.º, do Código Civil [8].

4. Antes, porém, importa delimitar os termos do conhecimento do objeto do recurso pela precedência lógica normativa que, no nosso modesto entendimento, se impõe.

É que, olvidando os critérios de precedência lógica normativa, o recorrente faz apelo, num primeiro momento, no recurso que interpôs, ao método indiciário, considerando ser ele, por si só, suficiente para que se reconheça a existência de um contrato de trabalho entre a apelada e o trabalhador ALAAELDIN ADDELRAHIM SHAANAN HASSAN. Só depois apela à presunção contida no art.º 12.º-A, do Código do Trabalho.

Ora, se o legislador consagrou o método presuntivo, cujo escopo é o que acima deixámos já enunciado, deve a apreciação da questão que se prende com o reconhecimento do vínculo laboral iniciar-se pela aferição ou presença dos vários factos índice presuntivos que o integram, intervindo o denominado método indiciário numa fase subsequente, tendo em vista a análise global dos indícios que tenhamos em presença. Isto para dizer que, com todo o respeito que nos merece a posição do recorrente, não nos faz sentido primeiro apelar ao denominado método indiciário, a que se associam regras de ónus da prova substancialmente mais onerosas, em detrimento de uma norma cujo desiderato é o de justamente facilitar a prova da existência do contrato de trabalho.

Isto posto, a nossa apreciação iniciar-se-á pela presunção ora contida no art.º 12.º-A, do Código do Trabalho, seguindo-lhe, depois, por apelo à análise global da situação jurídica em presença a que também importa proceder, a apreciação do chamado método indiciário.

5. Estatui o art.º 12.º-A, do Código do Trabalho, que:

(…)».

A nova presunção estabelecida no art.º 12.º-A, do Código do Trabalho, interpela-nos porventura a uma visão diversa da que resultava da presunção do art.º 12.º, do mesmo diploma substantivo, embora não surja, na economia do regime jurídico, na sua globalidade considerado, como um regime autónomo ou diferenciado, como claramente resulta do n.º 1 do citado art.º 12.º-A. O seu propósito é o mesmo: o de facilitar a prova do facto presumido mediante prova de determinados factos presuntivos e de onerar o beneficiário da atividade com a prova de factos que justamente tenham por desiderato afastar a prova do facto presumido, a saber, factos de onde derive autonomia (art.º 12.º-A, n.º 4, do Código do Trabalho).

A nova presunção delimita, claramente, o seu âmbito de aplicação objetiva e subjetiva, tal como decorre do art.º 12.º-A, n.º 2, do Código do Trabalho, estando, por isso, vocacionada a regular as relações jurídicas que se estabeleçam entre a plataforma digital e os indivíduos que, a troco de pagamento, lhe prestem trabalho. Está, também, vocacionada para atividade, organizada, de disponibilização de serviços à distância através de sítio na internet ou aplicação informática que envolve justamente o recurso àqueles indivíduos.

A organização a que apela o preceito e, bem assim, a forma como opera a plataforma – através de sítio de internet ou aplicação informática – surgem, assim, na economia do regime jurídico em apreço, como elementos integrantes do âmbito de aplicação da presunção, a par, naturalmente, dos sujeitos que se relacionem entre si, não devendo, por isso, concorrer, em si mesmos, para a integração dos factos base presuntivos, sob pena de, assim sendo, com base ao mero recurso a esse âmbito objetivo e subjetivo da norma se terem logo por verificados dois dos indícios: o da al. d) do n.º 1, quando aí se apela ao conceito de organização do trabalho, e o da al. f), ao eleger-se como instrumento de trabalho a forma como a plataforma opera. Será, pois, a atividade prestada pelo trabalhador à plataforma digital que, dentro desta organização e com recurso ao sítio de internet ou aplicação informática, será ou não laboral em função do preenchimento de pelo menos duas das alíneas do n.º 1 do mesmo preceito.

A al. a) do n.º 1 do art.º 12.º encerra, como não poderia deixar de encerrar, um dos elementos típicos do contrato de trabalho, qual seja o da onerosidade. O contrato de trabalho é, pela sua própria definição, um contrato oneroso e, por isso, não há contrato de trabalho onde não haja contrapartida pela prestação que lhe está associada. A citada alínea evidencia, também, a unilateralidade na fixação da retribuição, deixando nula ou escassa possibilidade de o trabalhador a influenciar ou negociar, isto é, é a plataforma que fixa o seu valor ou que estabelece os valores mínimos e/ou máximos dentro dos quais o trabalhador se move.

A presente alínea difere, em termos de redação, da que surpreendemos na al. d) do n.º 1 do art.º 12.º do Código do Trabalho, pois que aqui se exige, em ordem à operacionalidade do facto presuntivo, que ao trabalhador seja paga, com determinada periodicidade, uma quantia certa em contrapartida da atividade. Sem prejuízo, esta distinta redação não sugere, no nosso ver, o abandono, na presunção do contrato de trabalho no âmbito de plataforma digital, das características próprias do conceito de retribuição e que se traduzem, como sabemos, pela sua periodicidade, regularidade e, muito em especial, pela contrapartida da prestação. Isto é, a al. a) do n.º 1 do art.º 12.º-A do Código do Trabalho não apoia sentido interpretativo diverso do conceito de retribuição tal como o conhecemos e temos por definido no art.º 258.º, do Código do Trabalho, designadamente consentindo, ao arrepio dos elementos dele estruturantes, o acolhimento de pagamentos à peça, sem periodicidade mais ou menos certa – ainda que possa ser variável o seu valor – e muito menos ditados em função do resultado obtido. Isto é, em ordem ao preenchimento da alínea que vimos de citar, há-de estar presente, a par do poder de a plataforma unilateralmente fixar o valor devido ao trabalhador, também a natureza periódica e regular dos pagamentos – porque são estas características que assinalam a expectativa de ganho do trabalhador e evidenciam a dependência económica típica do trabalho subordinado – e a sua direta associação à atividade que é desenvolvida.

A al. b) do n.º 1 do art.º 12.º do Código do Trabalho convoca a presença, na relação jurídica que se estabeleça entre a plataforma e o trabalhador, do poder de direção, também ele um dos poderes típicos e essenciais que a lei atribui ao empregador, previsto no art.º 97.º, do Código do Trabalho. Embora a lei indique, ainda que a título meramente exemplificativo, situações nas quais se surpreende o exercício desse poder – a forma de apresentação do prestador de atividade, a sua conduta perante o utilizador do serviço e o modo como há-de prestar a atividade – naturalmente que a realidade poderá ser muito mais abrangente e projetar-se o exercício daquele poder, até pela sua natureza multifacetada, em muitos outros aspetos da atividade do trabalhador.

Maria do Rosário Ramalho [9] define o poder diretivo «como a faculdade, que assiste ao empregador, de determinar a função do trabalhador e de emitir comandos vinculativos da sua atuação (sob a forma de ordens concretas ou de instruções genéricas), quanto ao modo de execução da atividade laboral e de cumprimento dos demais deveres acessórios inerentes a essa atividade» ao qual se contrapõe, como não poderia deixar de ser, o dever de obediência do trabalhador (art.º 128.º, n.º 1, al. e), do Código do Trabalho). Assim sendo, a par, naturalmente, dos exemplos a que alude a lei, também em outras circunstâncias ou, mais propriamente, factos, se poderá o exercício do poder de direção e, no fundo, de conformação da prestação do trabalhador.

A al. c) do n.º 1 do art.º 12.º-A do Código do Trabalho alude ao poder de controlo, supervisão e qualidade da prestação, também recorrendo, à semelhança da anterior alínea, a formas típicas, exemplificativas, da sua manifestação. Este poder entronca no poder de direção. Na verdade, se assiste ao empregador, neste caso à plataforma, a possibilidade de dirigir e conformar a prestação, naturalmente que se lhe associará a possibilidade de a controlar, supervisionar e de a verificar em termos qualitativos com vista à aferição do efetivo cumprimento do que deriva daquele primeiro poder. Diremos que um não sobrevive ou se autonomiza, em sentido próprio, do outro, antes ambos concorrendo no que é típico no âmbito de uma atividade subordinada: não fará sentido instruir o trabalhador no sentido de adotar uma determinada conduta ou a fazer – com maior ou menor pormenorização quanto ao modo e tempo em que deve ocorrer – sem que, depois, inexista mecanismo que consinta aferir se o trabalhador acatou o que lhe foi determinado. A especificidade que avulta nesta alínea é o modo como este poder de fiscalização se poderá, entre outras formas, manifestar: os meios eletrónicos ou de gestão algorítmica remetem-nos para formas mais sofisticadas de controlo e, por isso mesmo, de maior dificuldade de apreensão e apuramento factual na medida em que lhes subjaz, em elevada medida, a ausência do contacto pessoal típico do contrato de trabalho e que, nestes casos, é substituído por uma espécie de controlo virtual ou à distância.

A al. d) do n.º 1 do art.º 12.º-A do Código do Trabalho assenta, essencialmente, na natureza subordinada que inere aos vínculos laborais. Naturalmente que se há vínculo laboral o trabalhador tem escassa ou nula autonomia ou esta manifesta-se em atos puramente acessórios da sua prestação. Também nesta alínea optou o legislador por tipificar formas por via das quais é restringida ou anulada a autonomia do trabalhador (se é que em qualquer caso se poderá falar de autonomia!), aludindo-se à existência ou fixação de um horário e períodos de ausência (ou descanso, mais propriamente), às condições a que estão sujeitas a aceitação e o declínio de tarefas, a possibilidade de substituição – em estreita conexão com a característica intuito personae associada ao vínculo laboral –, as condições subjacentes à escolha de clientes e, por fim, a exclusividade na prestação da atividade. Obviamente que esta alínea condensa o que inere à situação de subordinação em que se coloca o trabalhador no âmbito do vínculo laboral, nela se salientando a disponibilidade a ele associada e a possibilidade de, por essa via, o empregador garantir que tem à disposição trabalhadores que permitem a prossecução da sua atividade ou objeto social.

A al. e) do n.º 1 do art.º 12.º-A do Código do Trabalho alude aos poderes laborais, como se todos os demais que antes se enunciaram não o fossem também. Seja como for, estará sobretudo vocacionada para o exercício do poder disciplinar, isto é, a faculdade que tem o empregador de aplicar sanções aos trabalhadores quando as suas condutas – ativas ou omissivas – conflituem com a disciplina da empresa e assumam, por isso, a violação de deveres por parte do trabalhador. Também nesta sede o legislador opta por enunciar a forma como se pode manifestar este poder, cumprindo salientar, de todo o modo, que a existência do poder disciplinar, seja em que caso for e seja qual for a forma por via do qual se manifeste, não sobrevive sem que, a montante, existam os poderes de direção e de conformação da atividade. Conforme se teve ensejo de referir no aresto a que, supra, aludimos, de 15 de Janeiro de 2025, «ao poder disciplinar surge associado, naturalmente, o poder de direção e de fiscalização, bem como o poder de conformação da prestação, destinando-se aquele a sancionar as condutas do trabalhador que sejam desconformes com a disciplina da empresa. Dificilmente, pois, se pode concluir pela sua existência se, a montante, se não provam factos que justamente integrem qualquer um daqueles poderes. O poder disciplinar não sobrevive desligado do substrato que lhe é inerente».

Por fim, a alínea f) do n.º 1 do art.º 12.º-A do Código do Trabalho alude aos instrumentos de trabalho, podendo estes ser pertença da plataforma ou por ela disponibilizados. Não se trata de facto índice presuntivo que se afaste substancialmente do previsto no art.º 12.º, n.º 1, al. b), do Código do Trabalho. Nesta medida e na sua densificação subsistem pertinentes as considerações que, a propósito desta última alínea, se teceram no Acórdão do Supremo Tribunal de Justiça de 2 de Julho de 2015 [10] quando aí se diz estar «em causa uma multiplicidade de elementos que são necessários à concreta prestação da atividade e que cabem nas categorias de equipamentos ou instrumentos de trabalho, com destaque para as máquinas e outros dispositivos que permitem concretizar e efetivar a atividade prestada.

O elemento caracterizador do facto descrito nesta alínea, como índice de uma situação de trabalho subordinado, encontra-se na disponibilização pelo destinatário da atividade prestada de bens necessários à sua concretização que se enquadrem nos conceitos de equipamentos e instrumentos de trabalho.

Não é excludente do preenchimento desta alínea a circunstância de o destinatário da atividade não ser proprietário em sentido técnico-jurídico dos bens em causa, contentando-se a lei com o facto de o mesmo, por um título legítimo, ter a disponibilidade desses bens e de os facultar ao prestador da atividade de que é destinatário».

6. Tecido o enquadramento que nos pareceu ser o significativo, vejamos, então, o que decorre dos factos provados e se o que deles deriva preenche um ou mais dos factos base presuntivos, tal como densificados no art.º 12.º-A, do Código do Trabalho. Mas não sem que antes se reflita sobre o teor dos factos provados e sobre o que tão pouco deles consta que especificamente se refira ao trabalhador ALAAELDIN ADDELRAHIM SHAANAN HASSAN e à forma como, desde que iniciou a atividade de estafeta, se estabeleceu a sua relação com a apelada.

É o que sucede muito em particular em matéria retributiva ou de pagamentos, em que os únicos factos provados que se reportam à específica situação do mencionado trabalhador são os constantes dos pontos 66. e 67., deles avultando não ser a apelada quem procedia a quaisquer pagamentos ao trabalhador. Conforme destes factos decorre, o estafeta em apreço sempre se encontrou associado a um intermediário, inicialmente transitou do Parceiro de Frota 1, no dia 20 de junho de 2023, para o Parceiro de Frota 2, para o Parceiro de Frota 3, no dia 10 de julho de 2023, por sua livre e exclusiva iniciativa, sendo este que procedia ao pagamento das entregas que este efetuava, ficando registado na plataforma toda a atividade de entrega por este realizada. Por outro lado, o trabalhador recebia os valores das entregas que efetuava, descontando a comissão do intermediário. No que se refere a pagamentos efetuados, sua periocidade, regularidade e valor, nada consta da matéria de facto provada. [SUBLINHADO DA NOSSA RESPONSABILIDADE]

Os genéricos factos provados constantes dos pontos 19. a 26., pese embora possam corresponder ao que, por norma, se associa à tipologia de atividade em presença, designadamente nas situações em que os estafetas operam em nome próprio, isto é, sem intermediários, em nada relevam neste conspecto na justa medida em que não estabelecem o que porventura de singular ocorresse entre o trabalhador e apelada.

O apelo do recorrente a esta genérica factualidade, olvidando a única que se refere à específica situação do trabalhador, acaba por, em face do exposto, se revelar de escassa ou nula relevância na pretendida demonstração do índice presuntivo contido na al. a) do n.º 1 do art.º 12.º-A do Código do Trabalho, daí que, necessariamente, se tenha de concluir pela sua inverificação.

As alíneas b), c) e e) do n.º 1 do art.º 12.º-A do Código do Trabalho convocam, como vimos, a presença dos poderes típicos do contrato de trabalho, como sejam os poderes de direção, de fiscalização e disciplinar. A al. d), por seu turno, apela ao conceito de inserção do trabalhador no contexto organizativo da plataforma.

Resultou provado (factos 1. a 9., 12., 13., 28. a 32., 44. a 56., 58. e 66.), no caso, que:

- a empregadora é uma sociedade que tem como objeto social: “prestação de serviços de geração de potenciais clientes a pedido, gestão de pagamentos; Atividades relacionadas com a organização e gestão de sites, aplicações on-line e plataformas digitais, processamento de pagamentos e outros serviços relacionados com restauração; Consultoria, conceção e produção de publicidade e marketing; Aquisição de serviços de entrega a parceiros de entrega e venda de serviços de entrega a clientes finais”;

- a empregadora é uma plataforma de prestação de serviços de entregas on line, nomeadamente de refeições, através de uma aplicação informática criada e desenvolvida para tal efeito, efetuando a mencionada plataforma a gestão de um negócio que estabelece a ligação entre o estafeta e o cliente, assegurando ainda as necessárias parcerias com empresas do sector da restauração e do comércio;

- para a execução das referidas atividades, a empregadora explora uma plataforma tecnológica através da qual certos estabelecimentos comerciais oferecem os seus produtos e, quando solicitado pelos utilizadores clientes – através de uma aplicação móvel (APP) ou através da internet – atua como intermediária na entrega dos produtos encomendados;

- para efetuar a recolha dos produtos nos estabelecimentos comerciais aderentes e realizar o transporte e a entrega desses produtos aos utilizadores clientes, a empregadora utiliza os serviços de estafetas que se encontram registados na sua plataforma para esse efeito;

- as funções desempenhadas pelo estafeta consistem na recolha dos bens nos estabelecimentos aderentes (restaurantes, supermercados, lojas, etc.), transportando esses produtos até ao cliente final;

- a empregadora atua na intermediação entre os diferentes utilizadores da plataforma: Os utilizadores parceiros (estabelecimentos comerciais, como restaurantes, por exemplo); - Os utilizadores estafetas; e - Os utilizadores clientes;

- a atividade da empregadora inclui: - A intermediação dos processos de recolha nos estabelecimentos comerciais e o pagamento dos produtos encomendados através da plataforma; e - A intermediação entre a venda dos produtos e a respetiva recolha, transporte e entrega aos utilizadores que efetuaram as encomendas

- AA presta a referida atividade de estafeta para a empregadora plataforma digital UBER EATS desde Junho de 2023, embora sempre assim haja procedido associado a um intermediário, inicialmente transitou do Parceiro de Frota 1, no dia 20 de junho de 2023, para o Parceiro de Frota 2, para o Parceiro de Frota 3, no dia 10 de julho de 2023 [SUBLINHADO DA NOSSA RESPONSABILIDADE]

- AA realiza a referida atividade de estafeta, mediante pagamento, entregando refeições e outros produtos, conforme pedidos/tarefas que lhe são disponibilizados e por este aceites através da plataforma UBER EATS, na qual se encontra registado e à qual acede através da aplicação (App) que tem instalada no seu telemóvel/smartphone;

- para iniciar a prestação do serviço na plataforma UBER EATS, o estafeta teve de se registar e criar uma conta completa naquela plataforma, a qual se comprometeu a manter atualizada e ativa sendo que, uma vez ativada a conta, é iniciada a atividade como estafeta e o início da sessão na plataforma é feito através das credenciais de identificação do estafeta e de uma palavra-passe, sendo que, para receber os pedidos, coloca-se em estado de disponibilidade;

- o estafeta não está obrigado a usar roupa distintiva da marca UBER EATS nem a apresentar-se em conformidade com qualquer critério que não seja o pessoal;

- a partir do momento em que o estafeta faz login na aplicação e passa a estar online, a plataforma, ora empregadora, fica a saber qual é a sua localização, através de um sistema de geolocalização do dispositivo que tem de estar obrigatoriamente ligado para que a aplicação funcione e permita ao estafeta receber pedidos de entrega, sendo, pois, indispensável ao exercício da atividade e à atribuição dos pedidos dos clientes;

- o GPS é uma ferramenta necessária para o funcionamento da Plataforma e para a apresentação de ofertas de entrega aos prestadores de atividade;

- a localização é um dos fatores relevantes para a apresentação de ofertas de entrega aos prestadores de atividade;

- o GPS permite aos clientes acompanhar a sua encomenda a partir do momento em que o estafeta a recolhe;

- o estabelecimento, o tipo de pedido, o valor do serviço, o cliente final e a morada de entrega são indicados ao estafeta pela plataforma UBER EATS através da referida aplicação que deve consultar no telemóvel;

- a prática de partilha de contas, por motivos de segurança e conformidade legal, não é permitida na Plataforma, conforme decorre da cláusula 5.ª, dos termos e condições aplicáveis;

- o estafeta não pode permitir que terceiros utilizem a sua conta, devendo manter os seus detalhes de login confidenciais a todo o tempo;

- só quando o estafeta efetua o login na plataforma é que pode aceder às ofertas de entregas disponíveis;

- a plataforma pode restringir o acesso à aplicação, ou mesmo desativar a conta em definitivo, no caso de suspeita de violação das obrigações assumidas pelo estafeta ao vincular-se aos termos do contrato de utilização da aplicação, designadamente, se permitir a utilização de conta por terceiros não autorizados, ou por comportamentos fraudulentos;

- conforme decorre da cláusula 9 e da cláusula 16.b. dos termos e condições aplicáveis a empregadora tem o direito de restringir o acesso à Plataforma e a resolver o contrato com o prestador de serviços nas seguintes situações: (i) quando a empregadora está a cumprir uma obrigação legal; (ii) quando o prestador de atividade não cumpre as suas obrigações contratuais; (iii) quando está em causa a segurança dos clientes; e (iv) por motivos de autoproteção (situações de fraude):

- o sinal de GPS deve encontrar-se ativo entre os pontos de recolha e de entrega, de outro modo, o bom funcionamento da aplicação e o próprio serviço ficam comprometidos;

- o estafeta autoriza a UBER a aceder à localização do seu dispositivo quando está ligado;

- se os estafetas não tiverem o GPS ligado a aplicação não funciona para entregas, uma vez que é o GPS que permite à plataforma apresentar-lhes propostas de entregas tendo em consideração a sua localização e a proximidade com o ponto de recolha;

- a plataforma faz a ligação entre comerciantes, que desejam vender os seus produtos (não só alimentos), clientes, que desejam adquirir bens e que os mesmos lhes sejam entregues ou optem por eles próprios fazer a sua recolha, e estafetas (como o Prestador de Atividade em causa na presente ação) que desejam fazer entregas aos clientes.

Já acima densificamos o poder de direção e as várias facetas em que se pode projetar, sem prejuízo dos exemplos contidos na lei e, em especial, os vertidos na al. b) do n.º 1 do art.º 12.º do Código do Trabalho.

Neste conspecto e começando justamente nestes exemplos, não se surpreende, nos factos provados, que a apelada enderece ao trabalhador qualquer espécie de diretriz quanto ao seu modo de apresentação junto dos parceiros ou quanto à forma como com eles se há-de relacionar. Com exceção da recolha do pedido junto do estabelecimento comercial que disponibiliza os bens e da sua subsequente entrega ao cliente final, seguramente mais vocacionados para a forma de organização da atividade do que para o modo como, em concreto, se executa, nada de relevo se prova apto a integrar os índices exemplificativos contidos na citada alínea b) do preceito em análise.

No mais, nos factos provados não existe um único apto a integrar o conceito de ordem ou conformação da atividade. A indicação do local de recolha e local de entrega dos pedidos e a utilização dos meios por via dos quais o estafeta se coloca em situação de os receber são próprios da metodologia da organização do trabalho e da forma como se operacionaliza o serviço, não podendo, neste conspecto, integrar o conceito de ordem, sob pena de estas características, porque transversais à prestação, serem elegíveis para toda e qualquer integração no método subsuntivo. Acresce que, nesta atividade, sequer se surpreende qualquer poder de conformação quando ao seu modo de execução por parte da apelada, uma vez que o estafeta é livre de escolher o percurso que entender para fazer cada entrega, assim como o tempo que cada entrega possa levar, escolhe o sistema de GPS que entende para efetuar o percurso ou pode até nem o utilizar. Também se não surpreende, nos factos provados, que o estafeta esteja sujeito à disciplina da empresa, na aceção da obediência ou conformação a códigos de conduta ou modos de atuação padronizados. Basta, para o efeito, atentar no facto provado constante do ponto 28., sendo que o uso da mochila deriva da atividade que se exerce, eleito enquanto modo de transporte de pedidos, sendo as suas características ditadas por razões de higiene e segurança (facto provado sob o ponto 27.).

Entende-se, pois, nesta conformidade, pela ausência de preenchimento do facto base presuntivo previsto na alínea que vimos de citar.

A al. c) do n.º 1 do art.º 12.º alude, como já dissemos, aos poderes de fiscalização da atividade do trabalhador.

Dos factos provados decorre, inequivocamente, que é a apelada quem define o parceiro no qual há-de ser recolhido o pedido, do mesmo passo que sabemos que é também ela quem define o cliente final a quem será entregue (embora isso derive da própria natureza da atividade e seja, na sua génese, definido em função da opção do cliente final). Sabemos, também, que, para assim proceder, o estafeta tem de se ligar na aplicação, senão não recebe pedidos, e que entre o ponto de recolha e o ponto de entrega tem de manter ativo o sistema de geolocalização. De todo o modo, o que não se apura, de todo, é que este sistema de seja usado, pela apelada, como meio, direto ou indireto, de controlo da prestação ou mesmo da sua fiscalização. E é fundamentalmente isto que nos interessa, sendo indiferentes as vantagens que, desse ponto de vista, o sistema tenha ou o que potencialmente dele derive se nada, nos factos, o demonstre com clareza. É que, veja-se, o estafeta, entre um ponto e outro – de recolha e entrega – pode escolher o percurso que entenda e, também, o tempo de entrega de cada pedido, elegendo o sistema de geolocalização que lhe aprouver para realizar o percurso ou nem sequer usar nenhum (facto provado constante do ponto 33.). E, ainda que a sua prestação seja apta a classificação, aferível pela plataforma, o certo é que a mesma não deriva de intervenção desta, mas antes do cliente ou do parceiro, do mesmo passo que não é usada para efeitos de fiscalização da prestação (factos provados constantes dos pontos 34. e 65.).

Por outro lado, é o estafeta quem elege o local onde irá prestar a sua atividade, podendo alterá-lo quando bem entenda, isto é, sem sujeição a qualquer autorização da plataforma (ponto 17.); e também não tem de estar, a fim de assegurar um melhor e mais eficaz serviço, num local pré-definido a fim de receber pedidos, sendo que, para este efeito, apenas tem de estar ligado na aplicação (factos provados constantes dos pontos 15. e 17.).

Ante o exposto, entendemos assim, com todo o respeito, que também o facto base presuntivo previsto na al. c) do n.º 1 do art.º 12.º-A do Código do Trabalho se não surpreende no relacionamento entre o estafeta e a apelada, nada nos consentindo concluir, por apelo aos factos provados, que esta, de algum modo, fiscalize ou supervisione a prestação.

A subsequente alínea do preceito a que nos temos vindo a referir apela ao conceito de organização.

Não há dúvida, de entre o elenco dos factos provados, que a apelada se constitui como ente que, de forma organizada, estabelece a ligação entre o parceiro e o cliente final, usando, para o efeito, como elo de conexão entre um e outro, o estafeta, que, no fundo, é quem é encarregue de recolher o pedido junto do parceiro e de o entregar ao cliente final. A ligação entre uns e outros é gerida por via de aplicação informática, sendo que a intervenção humana, se assim se pode dizer, se circunscreve à atividade de entrega em si mesma, estando esta acometida ao estafeta.

O conceito de organização pressuposto pela atividade em presença é-lhe intrínseco, na medida em que qualquer atividade, por mais rudimentar que seja, não sobrevive sem aquela. E na organização que nos é sujeita temos por certo que os estafetas são por ela pressupostos, já que sem a sua existência aquele elo de ligação não era possível.

Neste conspecto, e à semelhança do método que segue na formulação das demais alíneas do n.º 1 do art.º 12.º-A do Código do Trabalho, o legislador faz apelo a um contexto factual donde se infere o esquema organizativo da prestação a que se contrapõe a subordinação, a ele, do prestador. Alude, por isso, à possibilidade de a plataforma impor a prestação em função de um determinado horário, a imposição quanto à aceitação de pedidos, a impossibilidade de o prestador se poder fazer substituir por outros prestadores e ao dever de não concorrência.

A imposição de um horário, de maior ou menor amplitude ou de maior ou menor flexibilidade, é facto que pura e simplesmente se não apura, antes estando provado que o estafeta é livre para escolher o seu horário, é livre para decidir quando se liga e desliga da Plataforma e o tempo durante o qual permanece ligado (factos provados constantes dos pontos 35. a 37.). Mais, o prestador de atividade pode passar, dias, semanas, meses sem se ligar à Plataforma, sem que daí resulte qualquer consequência para si (facto provado constante do ponto 41.).

Doutro passo, é, ainda, livre para rejeitar e aceitar as ofertas de entrega que entender (facto provado constante do ponto 38.), sem que nisso intervenha a plataforma ou sequer tenha modo de inverter a opção que haja sido tomada pelo prestador.

Por outro lado, e pese embora, após aceitar a entrega, o prestador não se possa fazer substituir, certo é que, antes disso, pode designar um substituto, o qual tem de estar registado na Uber com conta ativa e como substituto, para que este aceite os pedidos que entre ambos entenderem, sendo que a empregadora procederá ao pagamento ao estafeta substituído (factos provados constantes dos pontos 61. e 62.). A única exigência é, pois, que o substituto seja indivíduo registado na plataforma, caso contrário não poderá, ele próprio, visualizar os pedidos, nada se provando que à substituição presida qualquer espécie de autorização ou consentimento da plataforma.

Finalmente, também inexiste qualquer restrição a que o prestador exerça a sua atividade para terceiros, inclusive cujo objeto seja semelhante e, por isso, concorrente (facto provado constante do ponto 63.).

Vale o exposto por dizer, pois, que dos factos provados nada se extrai, com um mínimo de segurança, que a plataforma, por qualquer meio, restrinja a autonomia do prestador aquando do exercício da sua atividade.

E, ainda que se conceda, por via do esquema organizativo eleito, pela inserção nele dos estafetas, estamos em crer que a integração organizativa a que apela o método indiciário pressupõe constância e estabilidade, de sorte que o demais elenco dos factos provados acabe por conduzir a uma franca mitigação deste elemento, motivada pela intermitência que se associa à prestação do estafeta. É que, bem vistas as coisas, o estafeta só se integra na organização, a fim de receber pedidos de entrega e de os executar, quando entende; e mesmo recebendo pedidos de entrega, porque se coloca na situação de os poder receber ao ligar-se na aplicação, pode recusá-los sem qualquer justificação adicional. É o que claramente resulta dos factos provados constantes dos pontos 36., 37., 38. e 41... Mais: pode o estafeta, sem que dos factos provados se extraia intervenção da apelada ou necessidade de explicação, bloquear clientes e não aceitar pedidos cujo valor se situe abaixo de um determinado valor (pontos 16. e 18.).

João Leal Amado e Teresa Moreira interpelam-nos, na apreciação desta nova realidade, à ponderação do conceito de CROWWORK OFFLINE ou WORK ON DEMAND via APPS que se traduz na gestão «algorítmica de uma multidão de prestadores de atividade disponíveis para trabalhar (daí o termo CROWDWORK)» por via do qual «estas empresas conseguem desenvolver o seu negócio e usufruir (…) de mão de obra sem necessidade de recorrer a institutos tradicionais do Direito do Trabalho, provindos da era industrial». No fundo, a circunstância de, a dado passo, o empregador poder contar, sempre, com uma multidão de prestadores para levar a bom porto o seu negócio traduzir-se-ia na pouca ou nula importância da intermitência da prestação que fizemos apelo: há sempre alguém disponível para trabalhar.

Neste caso, porém, não é evidente a disponibilidade constante de mão-de-obra que se associa ao conceito em apreço, já que, tal como decorre dos factos provados constantes dos pontos 39. e 40. à intermitência e irregularidade da prestação se associa a impossibilidade de a empregadora saber quantos prestadores de atividade estarão com sessão iniciada na Plataforma em determinada altura, quantos deles se manterão conectados (e por quanto tempo) e, por fim, quantos aceitarão as ofertas de entrega disponibilizadas, não sendo raras as vezes em que as entregas não são realizadas por não existirem prestadores de atividade com sessão iniciada na Plataforma ou por nenhum prestador de atividade aceitar uma determinada oferta de entrega.

Isto posto e sendo incontornável a existência de um contexto organizativo no âmbito da atividade prosseguida pela plataforma, é também para nós incontornável que da mesma não deriva, pelas razões expostas, o reverso e que seria a escassa ou nula autonomia do trabalhador, daí que também não tenhamos por verificado, por escassez fáctica, o facto base presuntivo previsto na al. d) do n.º 1 do art.º 12.º-A do Código do Trabalho.

O exercício, de entre outros, do poder disciplinar está previsto na al. e) do preceito que vimos de enunciar.

Ao poder disciplinar surge associado, naturalmente, o poder de direção e de fiscalização, bem como o poder de conformação da prestação, destinando-se aquele a sancionar as condutas do trabalhador que sejam desconformes com a disciplina da empresa. Dificilmente, pois, se pode concluir pela sua existência se, a montante, se não provam factos que justamente integrem qualquer um daqueles poderes. O poder disciplinar não sobrevive desligado do substrato que lhe é inerente. Nesta medida e tendo nós concluído, como concluímos, pela inexistência de factos que, provados, se integrem no exercício de algum daqueles poderes, por maioria de razão não podemos ter por existente o poder disciplinar. Este poder disciplinar destinar-se-ia, então, a sancionar que tipologia de condutas se nenhumas são pré-definidas e ou pré-conformadas? Nesta conformidade, o apelo às condições que permitem à apelada a restrição do acesso do estafeta à plataforma ou mesmo a desativação da sua conta, densificadas nos factos provados constantes dos pontos 49. a 53., não podem, no nosso modesto entendimento, ser eleitas enquanto manifestação típica do poder disciplinar, posto que as condições ou obrigações a que cada contraente está sujeito quando contratualmente vinculado sempre poderão conduzir à resolução do contrato se incumpridas, o que é próprio dos contratos sinalagmáticos.

Inverificado está, por isso, o facto base presuntivo previsto na citada alínea.

Resta a apreciação dos instrumentos de trabalho, prevista na al. f) do n.º 1 do art.º 12.º.

Resultou provado, com relevo, que, para se que se pudesse registar na plataforma, AA tinha de ter veículo próprio (mota, carro ou trotinete/bicicleta), possuir um telemóvel (smartphone) e uma mochila para transporte dos bens. No caso, o trabalhador deslocar-se-ia de mota (facto provado constante do ponto 14.), assumindo-se, face a todo o contexto em presença, que utilizaria o seu telemóvel e também a mochila de transporte.

Nenhum destes instrumentos de trabalho é pertença da apelada ou foi por ela disponibilizado, daí que os factos índice integradores da presunção a que alude a citada al. f) se não verifiquem.

Acresce dizer que, neste conspecto, não podemos, de todo, acompanhar as doutas alegações do apelante. Relegar para o âmbito da acessoriedade e, por isso, da irrelevância da pertença, instrumentos como o veículo, o telemóvel ou a mochila de transporte é, no nosso ver, alegação insubsistente já que se não munido de qualquer um deles o prestador não pode desempenhar a sua atividade. Tratam-se, por isso, de instrumentos essenciais na prossecução da atividade e, portanto, não é despicienda a sua não pertença à plataforma, antes se erigindo este facto de muito significativa relevância na ponderação do facto base presuntivo em presença.

Não se desconhece que a jurisprudência, pelo menos em parte, tem vindo a eleger como instrumento de trabalho a aplicação detida pela plataforma digital e/ou o software que à mesma se associa, enfatizando a circunstância de a noção de equipamentos e instrumentos de trabalho não implicar a sua natureza corpórea.

Sem embargo de nada nos impelir a que assim não seja, isto é, que o conceito de instrumentos e equipamentos de trabalho é suficientemente amplo e, por isso, capaz de abranger elementos incorpóreos, há que relevar que, no caso em apreço, o empregador é uma plataforma digital que opera através de meios eletrónicos e, em particular, a partir de uma app ou aplicação. Vale o que vem de ser dito, sem prejuízo, naturalmente, de todo o respeito que nos merecem as considerações em sentido oposto, que a aplicação por via da qual a plataforma opera ou se manifesta não pode desta ser autonomizada e, assim, ser considerada um instrumento ou um equipamento de trabalho, do mesmo passo que não o será o software que nela se incorpora. Uma e outra realidades – a plataforma e o meio por que se manifesta – são indissociáveis, afigurando-se-nos a separação uma da outra, para efeitos de erigir a aplicação em um equipamento ou instrumento de trabalho, operação assinalavelmente artificial.

Entendemos, pelo exposto, pela inverificação do facto base presuntivo desta última alínea do n.º 1 do art.º 12.º do Código do Trabalho.

De tudo quanto se expôs decorre, pois, que dos factos provados não nos é lícito concluir pela verificação dos factos índice integradores da presunção prevista no art.º 12.º-A, n.º 1, do Código do Trabalho, daí que, sob a sua égide, se imponha concluir pela impossibilidade de reconhecimento da existência, entre a apelada e AA, de um contrato de trabalho desde Junho de 2023.

7. Já acima dissemos que se o modelo indiciário for incapaz ou insuficiente à demonstração do facto presumido, o contrato de trabalho, devemos lançar mão do método indiciário, sendo uma evidência que a ele se refere o apelante quando invoca a existência da titularidade dos meios de produção e dos instrumentos de trabalho, do modo de cálculo da retribuição, do poder de direção e de conformação do modo como é prestada a atividade e do exercício do poder sancionatório.

A todos eles acabámos já por nos referir porquanto a presunção de laboralidade contida no art.º 12.º-A, do Código do Trabalho, a eles apela.

Dispensamo-nos, naturalmente, de outras ou mais considerações a propósito, posto que, com todo o respeito, o apelante não introduz, neste capítulo do seu recurso, factos distintos dos que alude quando analisa a presunção do citado art.º 12.-A, recorrendo, aliás, a outros que sequer vislumbramos constem dos factos provados ou a factos de muito duvidosa verificação na relação que nos foi sujeita, como sejam os relativos aos pagamentos. O recorrente olvida que não é a plataforma quem remunera o trabalhador.

Apenas dar nota que a forma como a plataforma organiza a sua atividade e a prossegue não pode desempenhar o papel preponderante que se lhe empresta e, por isso, justificar a existência de todos os poderes integrantes do vínculo laboral. No âmbito do trabalho prestado às denominadas plataformas digitais estamos cientes que lhe estão subjacentes critérios de delimitação objetiva e subjetiva, como, de resto, isso é claro em face da atual redação do n.º 2 do art.º 12.º-A do Código do Trabalho. No fundo, temos uma plataforma digital, erigida pela lei como o empregador, que presta ou disponibiliza serviços à distância, designadamente com recurso a uma aplicação, e que, para isso, se constitui como uma organização que recorre a outros indivíduos, a troco de pagamento, para concretizar a execução dos serviços. E o que é essencial, no nosso modesto entendimento, é que se apure o modo como se concretiza justamente esta execução dos serviços, isto é, se é toda ela modelada, conformada e controlada pela plataforma digital ou se, ao invés, o prestador dispõe de autonomia na sua execução. Da essencialidade da prestação, no contexto organizativo, não deriva, automaticamente, que a mesma assuma cariz laboral; há-de, pois, ser, o modo como ela é executada e conformada o traço distintivo e fundamental na caracterização dessa prestação, sendo que, como todo o respeito, os factos provados de todo confirmam essa natureza, conforme concluímos.

Em reforço do que vimos de expor, note-se que não se surpreende, nos factos provados, que ao prestador sejam abonadas quantias cuja natureza se associe às prestações de férias, subsídio de férias e subsídio de Natal. A circunstância de o prestador, a fim de poder registar-se na plataforma, ter de ter atividade como trabalhador independente na Autoridade Tributária (factos provados constantes dos pontos 10. e 14.), não é elemento típico da relação subordinada. Também as exigências contidas no ponto 10., dos factos provados, situam-se a montante da prestação da atividade, não se reconduzindo, por isso, a factos a que possamos recorrer para concluir que, por essa via, a apelada dirigia, supervisionava ou fiscalizava a prestação do estafeta.

Tudo visto e ponderado, conclui-se, pois, que, por via do método indiciário e dos indícios internos e externos que o integram e a que faz apelo o recorrente, também não é possível concluir que entre a apelada e AAse haja estabelecido um vínculo de natureza laboral.

8. Por todo o exposto e sem prejuízo da sempre respeitável posição do apelante, será de confirmar a sentença do tribunal a quo, sem prejuízo de todo nos revermos nas suas considerações finais e no tom crítico que por via delas se endereça ao trabalho e missão da Autoridade para as Condições do Trabalho. Por muito que haja sido o trabalho que se tenha desenvolvido na sequência das muitas participações que, pela ACT, foram feitas nos tribunais por este país fora e do impacto que isso gerou na tramitação de outros processos, nada justifica que se desmereça o trabalho daquela Autoridade, tantas vezes tão difícil e com tão escassa colaboração por parte dos principais atores das relações laborais, não devendo esquecer-se a especial missão que, na atividade em presença, lhe foi imposta pelo legislador (cfr., o art.º 32.º, n.º 3, da Lei n.º 13/2023, de 3 de Abril).»

E – REGIME LEGAL APLICÁVEL

24. Há que chamar, desde logo, a legislação civil ou laboral potencial ou eventualmente aplicável ao litígio dos autos:

- CÓDIGO CIVIL

Artigo 1152.º

Noção

Contrato de trabalho é aquele pelo qual uma pessoa se obriga, mediante retribuição, a prestar a sua actividade intelectual ou manual a outra pessoa, sob a autoridade e direcção desta.

Artigo 1154.º

Noção

Contrato de prestação de serviço é aquele em que uma das partes se obriga a proporcionar à outra certo resultado do seu trabalho intelectual ou manual, com ou sem retribuição.

- CÓDIGO DO TRABALHO

Artigo 11.º

Noção de contrato de trabalho

Contrato de trabalho é aquele pelo qual uma pessoa singular se obriga, mediante retribuição, a prestar a sua actividade a outra ou outras pessoas, no âmbito de organização e sob a autoridade destas.

Artigo 12.º

Presunção de contrato de trabalho

1 - Presume-se a existência de contrato de trabalho quando, na relação entre a pessoa que presta uma actividade e outra ou outras que dela beneficiam, se verifiquem algumas das seguintes características:

a) A actividade seja realizada em local pertencente ao seu beneficiário ou por ele determinado;

b) Os equipamentos e instrumentos de trabalho utilizados pertençam ao beneficiário da actividade;

c) O prestador de actividade observe horas de início e de termo da prestação, determinadas pelo beneficiário da mesma;

d) Seja paga, com determinada periodicidade, uma quantia certa ao prestador de actividade, como contrapartida da mesma;

e) O prestador de actividade desempenhe funções de direcção ou chefia na estrutura orgânica da empresa.

2 – […]

Artigo 12.º-A

Presunção de contrato de trabalho no âmbito de plataforma digital

1 - Sem prejuízo do disposto no artigo anterior, presume-se a existência de contrato de trabalho quando, na relação entre o prestador de atividade e a plataforma digital se verifiquem algumas das seguintes características:

a) A plataforma digital fixa a retribuição para o trabalho efetuado na plataforma ou estabelece limites máximos e mínimos para aquela;

b) A plataforma digital exerce o poder de direção e determina regras específicas, nomeadamente quanto à forma de apresentação do prestador de atividade, à sua conduta perante o utilizador do serviço ou à prestação da atividade;

c) A plataforma digital controla e supervisiona a prestação da atividade, incluindo em tempo real, ou verifica a qualidade da atividade prestada, nomeadamente através de meios eletrónicos ou de gestão algorítmica;

d) A plataforma digital restringe a autonomia do prestador de atividade quanto à organização do trabalho, especialmente quanto à escolha do horário de trabalho ou dos períodos de ausência, à possibilidade de aceitar ou recusar tarefas, à utilização de subcontratados ou substitutos, através da aplicação de sanções, à escolha dos clientes ou de prestar atividade a terceiros via plataforma;

e) A plataforma digital exerce poderes laborais sobre o prestador de atividade, nomeadamente o poder disciplinar, incluindo a exclusão de futuras atividades na plataforma através de desativação da conta;

f) Os equipamentos e instrumentos de trabalho utilizados pertencem à plataforma digital ou são por esta explorados através de contrato de locação.

2 - Para efeitos do número anterior, entende-se por plataforma digital a pessoa coletiva que presta ou disponibiliza serviços à distância, através de meios eletrónicos, nomeadamente sítio da Internet ou aplicação informática, a pedido de utilizadores e que envolvam, como componente necessária e essencial, a organização de trabalho prestado por indivíduos a troco de pagamento, independentemente de esse trabalho ser prestado em linha ou numa localização determinada, sob termos e condições de um modelo de negócio e uma marca próprios.

3 - O disposto no n.º 1 aplica-se independentemente da denominação que as partes tenham atribuído ao respetivo vínculo jurídico.

4 - A presunção prevista no n.º 1 pode ser ilidida nos termos gerais, nomeadamente se a plataforma digital fizer prova de que o prestador de atividade trabalha com efetiva autonomia, sem estar sujeito ao controlo, poder de direção e poder disciplinar de quem o contrata.

5 - A plataforma digital pode, igualmente, invocar que a atividade é prestada perante pessoa singular ou coletiva que atue como intermediário da plataforma digital para disponibilizar os serviços através dos respetivos trabalhadores.

6 - No caso previsto no número anterior, ou caso o prestador de atividade alegue que é trabalhador subordinado do intermediário da plataforma digital, aplica-se igualmente, com as necessárias adaptações, a presunção a que se refere o n.º 1, bem como o disposto no n.º 3, cabendo ao tribunal determinar quem é a entidade empregadora.

7 - A plataforma digital não pode estabelecer termos e condições de acesso à prestação de atividade, incluindo na gestão algorítmica, mais desfavoráveis ou de natureza discriminatória para os prestadores de atividade que estabeleçam uma relação direta com a plataforma, comparativamente com as regras e condições definidas para as pessoas singulares ou coletivas que atuem como intermediários da plataforma digital para disponibilizar os serviços através dos respetivos trabalhadores.

8 - A plataforma digital e a pessoa singular ou coletiva que atue como intermediário da plataforma digital para disponibilizar os serviços através dos respetivos trabalhadores, bem como os respetivos gerentes, administradores ou diretores, assim como as sociedades que com estas se encontrem em relação de participações recíprocas, de domínio ou de grupo, são solidariamente responsáveis pelos créditos do trabalhador emergentes de contrato de trabalho, ou da sua violação ou cessação, celebrado entre o trabalhador e a pessoa singular ou coletiva que atue como intermediário da plataforma digital, pelos encargos sociais correspondentes e pelo pagamento de coima aplicada pela prática de contraordenação laboral relativos aos últimos três anos.

9 - Nos casos em que se considere a existência de contrato de trabalho, aplicam-se as normas previstas no presente Código que sejam compatíveis com a natureza da atividade desempenhada, nomeadamente o disposto em matéria de acidentes de trabalho, cessação do contrato, proibição do despedimento sem justa causa, remuneração mínima, férias, limites do período normal de trabalho, igualdade e não discriminação.

10 – […]

12 - A presunção prevista no n.º 1 aplica-se às atividades de plataformas digitais, designadamente as que estão reguladas por legislação específica relativa a transporte individual e remunerado de passageiros em veículos descaracterizados a partir de plataforma eletrónica.

[Aditado pela Lei n.º 13/2023, de 3 de abril - entrada em vigor a 1 de maio de 2023, retificada pela Declaração de Retificação nº 13/2023, de 29 de Maio.]

Interessa desde logo chamar a atenção para a importante alteração que o artigo 10.º do Código de Trabalho de 2009 sofreu, por comparação com a definição que tinha o artigo 10.º do Código de Trabalho de 2003 [11], quando passou a dar uma muito maior incidência à integração do trabalhador na organização da empregadora, ainda que sem dispensar a subordinação jurídica, expressada na autoridade pela segunda sobre o primeiro.

Esta legislação – com especial incidência para a resultante do artigo 12.º e do novo artigo 12.º-A do CT/2009 – visa caracterizar, jurídica e tipicamente, na sua essência, o contrato de trabalho, ao mesmo tempo que, tendo perfeita consciência das dificuldades cada vez maiores de distinção ou de qualificação dos vínculos profissionais, procura munir o intérprete e aplicador do direito de mecanismos ou instrumentos que, como as presunções legais que constam dos aludidos dispositivos legais, facilitem tal juízo valorativo.

A nossa doutrina e jurisprudência estão essencialmente de acordo quanto ao facto de se tratar de presunções legais ilidíveis, que implicam a inversão do ónus da prova no que toca à demonstração da existência [12] de um vínculo laboral, cabendo unicamente ao trabalhador a alegação e posterior demonstração cumulativa de dois ou mais dos elementos ou índices elencados nas diversas alíneas do número 1 do artigo 12.º do C.T./2009 [13], para fazer funcionar as mesmas.

O Supremo Tribunal de Justiça sempre defendeu que os regime legais qualificadores das relações de trabalho e suas subsequentes alterações só seriam aplicáveis aqueles contratos que tivessem sido firmados após a entrada em vigor das respetivas normas jurídicas, sendo estas as únicas que poderiam ser convocadas para tal efeito, desde que não ocorresse supervenientemente uma modificação substancial do vínculo profissional em análise, o que implicava que a presunção legal do artigo 12.º do Código do Trabalho de 2009 só seria convocável para os contratos que se iniciassem após a sua entrada em vigor [14].

Tal posição da Secção Social do STJ conheceu, com a entrada em vigor do artigo 12.º-A do CT/2009, uma importante evolução, que se mostra espelhada no Sumário do Acórdão do Supremo Tribunal de Justiça de 15/5/2025, Processo n.º 1980/23.3T8CTB.C2.S1, relator: MÁRIO BELO MORGADO, tirado por unanimidade e publicado em www.dgsi.pt.

O Sumário deste Aresto reza o seguinte:

«Relativamente a relações jurídicas iniciadas antes da entrada em vigor do art.º 12.º-A, do Código do Trabalho, a presunção de contrato de trabalho no âmbito de plataforma digital é aplicável aos factos enquadráveis nas diferentes alíneas do seu n.º 1 que, no âmbito dessas relações jurídicas, tenham sido praticados posteriormente àquele momento (01.05.2023).» [15]

Conclui-se da leitura desta nova jurisprudência que a presunção do artigo 12.º-A do Código do Trabalho de 2009 se aplica, de imediato, às relações profissionais vigentes, mesmo que tenham conhecido a sua génese em momento anterior.

Esta problemática não tem qualquer impacto na economia dos autos, dado ter ficado demonstrado, no Ponto 8 da Factualidade Assente, que «8. AA, […] presta a referida atividade de estafeta para a plataforma UBER EATS pelo menos desde Junho de 2023.», tendo o Autor desta ação formulado o pedido de reconhecimento da natureza laboral de tal vínculo profissional a partir de 28/6/2023.

F - JURISPRUDÊNCIA DO SUPREMO TRIBUNAL DE JUSTIÇA SOBRE PLATAFORMAS DIGITAIS

25. Importa realçar, a este propósito, alguma outra jurisprudência emanada deste Supremo Tribunal de Justiça e que tem apreciado a natureza jurídica do vínculo profissional que se estabelece entre as Plataformas Digitais [UBER e GLOVO] e os estafetas, no quadro das ações de reconhecimento da existência de contrato de trabalho [ARECT] que o Ministério Público tem proposto, com base nos elementos que lhes são fornecidos pela Autoridade para as Condições de Trabalho [ACT] na sequência das intervenções inspetivas feitas pelos respetivos inspetores:

- Acórdão do Supremo Tribunal de Justiça de 17/9/2025, Processo n.º 1914/23.5T8TMR.E2.S1, relator: MÁRIO BELO MORGADO, tirado por unanimidade e publicado em www.dgsi.pt [16].

- Acórdão do Supremo Tribunal de Justiça de 03/10/2025, Processo n.º 29352/23.2T8LSB.L1.S1, relator: MÁRIO BELO MORGADO, tirado por unanimidade e publicado em www.dgsi.pt [17].

- Acórdão do Supremo Tribunal de Justiça de 15/10/2025, Processo n.º 28891/23.0T8LSB.L1.S1, relator: JÚLIO GOMES, tirado por unanimidade e publicado em www.dgsi.pt [18]

G – AMPLIAÇÃO DA DECISÃO SOBRE A MATÉRIA DE FACTO

26. Chegados aqui e sem olvidar as restrições a que o STJ está sujeito no que concerne ao erro na apreciação das provas e na fixação dos factos materiais da causa [cf. artigos 674.º, número 3 e 682.º, número 3 do CPC/2013], nada nos impede de ponderar acerca da coerência e suficiência da Decisão sobre a Matéria de Facto por referência à forma concreta como o litígio foi delineado pelas partes nos seus articulados e como foi depois espelhada, em sede de Fundamentação de Facto.

Dir-se-á que nada consta nas alegações de recurso das partes quanto à factualidade que iremos referenciar, o que não deixando de ser estranho [v.g. por banda da Ré, embora esta última tenha visto as decisões judiciais das duas instâncias lhe serem favoráveis, o que pode explicar tal omissão alegatória], será, eventualmente justificado pela reduzida importância factual e de direito que lhe foi dada na sentença do Juízo do Trabalho de Lisboa e no Aresto do TRL.

Importa dizer, contudo e antes de mais, que esta nossa análise parte, desde logo, do teor do Ponto de Facto número 66., que tem a seguinte redação: «O estafeta em apreço sempre se encontrou associado a um intermediário, inicialmente transitou do Parceiro de Frota 1, no dia 20 de junho de 2023, para o Parceiro de Frota 2, para o Parceiro de Frota x, no dia 10 de julho de 2023, por sua livre e exclusiva iniciativa, sendo este que procedia ao pagamento das entregas que este efetuava, ficando registado na plataforma toda a atividade de entrega por este realizada;» [que já havíamos aliás sublinhado no local próprio deste Aresto]

As instâncias, embora não tendo ignorado tal Ponto de Facto, vieram a desconsiderá-lo grandemente na sua fundamentação de direito, como resulta das partes que igualmente deixámos sublinhadas acima e que nos escusamos de voltar a transcrever aqui mas que, salvo melhor opinião e com o devido respeito pelo aí exposto, se nos afigura ficarem bem aquém das potencialidades jurídicas decorrentes da intermediação aí aflorada [que nos remete, desde logo e de alguma maneira, para o regime jurídico especial e paralelo dos TVDE, que foi consagrado pela Lei n.º 45/2018 de 10 de agosto], ainda que o acima reproduzido Ponto de Facto possua uma redação algo equívoca, que não nos situa de uma forma clara e segura relativamente aos sucessivos “Parceiros de Frota” existentes que se terão relacionado com o estafeta AA.

Interessa chamar à colação, quanto à intermediação desses sucessivos «Parceiros de Frota» - e que não se confundem minimamente com o «Parceiro de Entregas Independente» [PEI], que é como é designado pela Ré o estafeta [tendo a UBER Contratos-Quadro diferentes para cada uma dessas categorias de “Parceiros”] -, o que foi alegado pela UBER na sua contestação e que é o seguinte:

«103.º - A Ré remeteu a documentação solicitada, tendo declarado relativamente aos quatro prestadores de atividade visados que, derivado do facto de os mesmos se encontrarem registados na Plataforma como Parceiros de Entregas do Parceiro de Frota, não tinha acesso às faturas-recibo emitidas pelos mesmos, cfr. Doc. 9 que se junta para todos os efeitos legais.

[…]

132.º - Os estafetas que desenvolvem a sua atividade na Plataforma diretamente são designados por “Parceiros de Entregas Independentes”.

133.º - Os estafetas que desenvolvem a sua atividade na Plataforma através de um intermediário são designados por “Parceiros de Entregas do Parceiro de Frota”.

134.º - Os intermediários são designados por “Parceiros de Frota”.

135.º - Na Plataforma, todos os estafetas são livres para decidir quando, como, onde, a que clientes, com que restaurantes e por que valor querem prestar a sua atividade de entregas.

136.º - Sendo que, nos casos dos Parceiros de Entregas do Parceiro de Frota, os termos estabelecidos com o Parceiro de Frota poderão limitar de alguma forma a flexibilidade da atividade dos estafetas na Plataforma.

c. O Prestador de Atividade (AA) exerce e sempre exerceu a sua atividade na Plataforma UBER EATS através de um intermediário

137..º - Como referido acima, os estafetas (prestadores de atividade) podem desenvolver a sua atividade na Plataforma diretamente ou através de um intermediário.

138.º - No caso do Prestador de Atividade identificado na presente ação, o mesmo sempre prestou a sua atividade na Plataforma através de um intermediário, sendo que a 28 de junho de 2023 (data da inspeção), exercia a sua atividade na Plataforma através do Parceiro de Frota 2, pessoa coletiva com o número identificativo 1.

139.º - Na presente data, e desde o dia 10 de julho de 2023, o Prestador de Atividade exerce a sua atividade na Plataforma através do Parceiro de Frota 3, pessoa coletiva com o número identificativo 2.

140.º - Assim, os termos e condições que regem a relação entre a Ré e o Prestador de Atividade são os aplicáveis aos Parceiros de Entregas do Parceiro de Frota, que se juntam como Doc. 10 para todos os efeitos legais.

141.º - A Ré não tem qualquer visibilidade, nem influência, sobre os termos e condições acordados entre o Prestador de Atividade e o Parceiro de Frota atual DISCRETA MISTURA, LDA., conforme resulta da cláusula 3.b. dos termos e condições que regulam a relação da Ré com o referido Parceiro de Frota, que se juntam como Doc. 11 para todos os efeitos legais.

142.º - Os prestadores de atividade podem decidir livremente sobre o modelo que preferem e podem alterá-lo sempre que quiserem, sem que a Ré influencie de forma alguma essa escolha.

143.º - Foi o que sucedeu no caso do Prestador de Atividade, que transitou do Parceiro de Frota 1, no dia 20 de junho de 2023, para o Parceiro de Frota 2, para o Parceiro de Frota 4, no dia 10 de julho de 2023, por sua livre e exclusiva iniciativa.

144.º - A Ré não teve, nem tem, qualquer tipo de intervenção e desconhece em absoluto os termos acordados entre as referidas sociedades (intermediários) e o Prestador de Atividade,

145.º - Incluindo o tipo de vínculo contratual celebrado, termos e condições de pagamento, direitos e obrigações das partes e tempos de trabalho, conforme resulta da cláusula 3.b. dos termos e condições do Parceiro de Frota (cfr. Doc. 11 já junto).

146.º - O Prestador de Atividade foi convidado pela Parceiro de Frota para se associar a si, através da Plataforma, e aceitou.

147.°- Para melhor referência, veja-se infra como funciona o convite para fazer parte de um Parceiro de Frota.


148.º - Enquanto Parceiro de Entregas do Parceiro de Frota, é pago pelo Parceiro de Frota, de acordo com os termos acordados com este e sobre os quais a Ré não tem qualquer visibilidade nem influência, conforme resulta das cláusulas 6.a. e 6.b. dos termos e condições do Parceiro de Entregas do Parceiro de Frota, já juntos como Doc. 10.

149.º - Esclarecendo: desde 10 de julho de 2023 até à data da presente contestação, a UBER EATS não pagou qualquer montante ao Prestador de Atividade, uma vez que o mesmo está associado ao Parceiro deFrota 3 e, consequentemente, é o referido Parceiro de Frota que lhe paga os montantes acordados entre ambos e sobre os quais a UBER EATS não tem qualquer informação ou conhecimento.

150.º - Deste modo, é evidente que não existe qualquer relação laboral entre a Ré e o Prestador de Atividade, na medida que este não é pago pela Ré e esta desconhece todas e quaisquer condições contratuais acordardes entre este e o Parceiro de Frota 3.

151.º - Com efeito, é ao Parceiro de Frota que a Ré paga a taxa de entrega relativa às entregas realizadas pelo Prestador de Atividade, tal como resulta da cláusula 6.a. e b. dos termos e condições aplicáveis (cfr. Doc. 10 já junto), …

152.º -… sendo que a Ré desconhece qual o valor que é depois pago ao Prestador de Atividade pelo Parceiro de Frota 3.

153.º - Refira-se ainda que o Prestador de Atividade não fatura a Ré pela sua atividade.

154.º - A Ré é exclusivamente faturada pelo Parceiro de Frota.

[…]

166.º - Note-se que a Taxa de Entrega, que é paga ao Parceiro de Frota, que depois paga ao Prestador de Atividade, é o resultado do preço proposto na altura da apresentação da oferta do respetivo pedido, considerando a respetiva Taxa Mínima por Quilómetro, vezes os quilómetros entre o ponto de recolha e o ponto de entrega.

[…]

169.º - Neste sentido, sendo pago em função do resultado, o valor pago ao Prestador de Atividade nunca poderá ser tido como uma retribuição regular,

170.º … a não ser que tal resulte do acordado entre este e o Parceiro de Frota,

[…]

172.º Conforme já referido, reitera-se que o Prestador de Atividade é um Parceiro de Entrega do Parceiro de Frota, …

173..º … o que significa que o valor que o Prestador de Atividade recebe pela atividade prestada ao seu Parceiro de Frota é acordado e pago por este último sem qualquer intervenção, conhecimento, ou influência da Ré, conforme resulta da cláusula 6.a. e b dos termos e condições aplicáveis (juntos como Doc. 10) - “Quaisquer pagamentos associados à prestação de Serviços de Entrega serão efetuados pela sua Empresa de Parceiro de Frota.” e “O Parceiro de Entregas reconhece e aceita que nós não temos qualquer intervenção nos pagamentos que lhe sejam efetuados pela sua Empresa de Parceiro de Frota, que são efetuados com base na relação contratual ou laboral existente entre si e a sua Empresa de Parceiro de Frota.”.

[…]

176.º - Esclareça-se, desde já, que a Ré não criou um “multiplicador”, tal como o Autor alega, mas de uma ferramenta que permite aos prestadores de atividade definir qual o seu valor mínimo por quilómetro, nos termos das cláusulas 6.c. e seguintes dos termos e condições aplicáveis (juntos como Doc. 10), “Independente do acima exposto, o Parceiro de Entregas pode determinar livremente (ou apenas limitado ao acordo privado celebrado com a sua Empresa de Parceiro de Frota) a sua taxa mínima por quilómetro, indicando na APP o limite de taxa por quilómetro abaixo do qual este não deseja receber propostas de Serviços de Entrega (“Taxa Mínima por Quilómetro”). Ao indicar este limite, o Parceiro de Entregas receberá apenas propostas de Serviços de Entrega para as quais a taxa por quilómetro seja igual ou superior à Taxa Mínima por Quilómetro que este determinou.” e “Cada proposta de Serviços de Entrega exibida ao Parceiro de Entregas na App, incluirá uma tarifa proposta (incluindo IVA ou qualquer outro imposto sobre vendas), que nunca deverá considerar uma taxa por quilómetro inferior à sua Taxa Mínima por Quilómetro”.

177.° - Isto significa que, os prestadores de atividade, incluindo os que prestam atividade para um Parceiro de Frota, podem fixar a sua Taxa Mínima por Quilómetro para realizar entregas.

178.° - O Prestador de Atividade tem, assim, uma posição ativa na escolha do valor quer receber pela prestação da sua atividade, e que apenas pode ser limitada pelos termos acordados entre este e o Parceiro de Frota, termos estes, recorde-se, que são desconhecidos pela Ré.

[…]

259..º - A redução da atividade do Prestador de Atividade através da Plataforma tem como única consequência a redução dos rendimentos do seu Parceiro de Frota, …

260.º - … uma vez que, recorde-se, é ao Parceiro de Frota que a Ré paga os rendimentos gerados pelas viagens do Prestador de Atividade.

[…]

310.º - O exercício dos direitos acima referidos, ou não, apenas pode ser limitado pelo respetivo Parceiro de Frota e é absolutamente neutro para os prestadores de atividade, e não tem qualquer consequência positiva ou negativa para os mesmos.

[…]

340.º - Aliás, de acordo com os termos e condições aplicáveis, juntos como Doc. 10 e com a Petição Inicial, essa obrigação (de manter todos os seguros profissionais, de proteção contra acidentes) obrigatórios e recomendáveis é do Prestador de Atividade e/ou do seu Parceiro de Frota.

[…]

355.º - O exercício dos direitos acima referidos, no caso do Prestador de Atividade, pode estar limitado apenas se e na medida em que essa limitação lhe tenha sido imposta pelo Parceiro de Frota 3»

Ora, chegados aqui, não ignoramos que os factos dados como assentes e acima reproduzidos resultaram do acordo das partes obtido no início da Audiência Final em sede do julgamento em 1.ª instância e que se poderá sustentar que tal quadro factual é que, desde esse momento, define as fronteiras e conteúdo da Decisão sobre a Matéria de Facto, mostrando-se excluídos todos os demais factos alegados pelo Autor e pela Ré que não foram para aí carreados.

Não é essa a nossa leitura do regime legal aplicável, pois não obstante se ter fixado entre o MINISTÉRIO PÚBLICO e a UBER tal acordo factual, com a dispensa das testemunhas arroladas pelas partes [sendo que a Ré arrolou três testemunhas no final do seu articulado de defesa, encontrando-se uma delas presente na Audiência Final, assim como o interveniente acidental AA, bem como, finalmente, duas testemunhas do Autor], tal acordo resultou de uma proposta do Tribunal de Trabalho de Lisboa e visaria apenas alguma da matéria de facto alegada pelas partes.

Pode ler-se, a esse respeito, na Ata de tal Audiência de Julgamento conjunta - porque comum, em simultâneo, a duas outras ARECT, para além deste nosso processo -, o seguinte:

«Declarada aberta a audiência pela Mma. Juíza quando eram 09:42 horas, estando presente nesta sala de audiências o Digno Magistrado do Ministério Público do Juiz 2, Dr. Hélder Mendes Ribeiro, por ordem da Mma. Juíza chamei à esta sala de audiências a Digna Magistrada do Ministério Público do Juiz 1.

Na presença dos Ilustres Procuradores da República dos Juízes 1 e 2, a Mma. Juíza passou a explicar às partes os trabalhos que irão ser realizados nos 3 (três) processos com julgamentos agendados para esta mesma hora, nomeadamente neste processo e nos 2 (dois) processos do Juiz 2 com os n.ºs 29220/23.8T8 e 729/24.8T8LSB, entregando às partes o instrumento de trabalho do Tribunal em suporte de papel que servirá de base para um acordo das partes quanto a alguma matéria de facto, sendo que a gravação será efetuada no processo mais antigo dos três, no processo do Juiz 2 com o n.º 29220/23.8T8LSB.

[…]

No decurso da assentada, por ordem da Mma. Juíza conduzi até esta sala de audiências o Interveniente Acidental (prestador/interessado), BB, acompanhado do Intérprete de língua inglesa, CC, e, com o auxílio deste, o Tribunal passou a pedir uns esclarecimentos ao Interveniente Acidental, que assim os prestou.


*


Após isso, a Mma. Juíza passou a dispensar estes, e pelas partes foi dito prescindirem da respetiva prova testemunhal, ficando os seguintes factos assentes, por acordo: […]».

Trata-se, portanto, de um acordo sobre alguma factualidade articulada pelas partes que é elaborado e proposto pela juíza titular das três ações ali a serem julgadas e que acaba por ser aceite pelos litigantes ali presentes.

Cenário adjetivo que não sendo habitual, pode, no entanto, ter lugar, ao abrigo dos princípios da gestão processual, cooperação e boa-fé de todos os intervenientes [artigos 6.º a 8.º do NCPC], sem que, contudo, possa significar o encerramento da discussão da causa quanto a factos que, não integrando aquele consenso factual, ainda se achem controvertidos e sejam relevante para a boa decisão da causa, como nos parece ser manifestamente o caso dos autos, por referência aos indicados «Parceiros de Frota» e às relações que estabeleceram com o estafeta AA.

Este Supremo Tribunal de Justiça já teve oportunidade, ainda que numa situação não coincidente com a dos autos, de se pronunciar sobre os efeitos jurídico-processuais derivados de um acordo firmado entre as partes quanto aos factos considerados provados pelas mesmas e os poderes do julgador quanto à fiscalização, controle e aceitação ou rejeição, integral ou parcial, do seu teor.

No Acórdão, com data de 3/10/2025 e prolatado em Conferência, no âmbito da Revista n.º 22452/23.0T8LSB.L1.S1, afirmou-se o seguinte:

«Diremos, ainda assim e abordando tal questão, que melhor seria que as partes pudessem fixar a seu belo prazer os factos dados como provados, independentemente de o fazerem em consonância com o regime legal aplicável ou à revelia deste último.

Importa realçar aqui e em primeiro lugar, o ónus de alegação que cabe a autores e réus nos seus respetivos articulados, em termos de factos constitutivos, modificativos, impeditivos e extintivos e correspondente direito invocado que delimitam, objetiva e essencialmente, a causa de pedir e suportam os pedidos formulados e as exceções arguidas na petição inicial, na contestação [com reconvenção ou não] e réplica/resposta.

Esse conjunto de factos – sem prejuízo do seu aperfeiçoamento ou aditamento superveniente – reconduzem-se à base do litígio e são aqueles que irão ser objeto do acordo parcial ou total das partes em sede de articulados ou no quadro da Audiência de Partes, Audiência Prévia ou Audiência Final, sendo esse acordo tanto mais fáctico, objetivo e produtivo quanto mais rigorosa, técnica e eficaz tiver sido a aludida alegação.

O princípio da disponibilidade dos litigantes processuais, conforme se acha previsto em termos gerais nos artigos 3.º e 5.º, número 1, do NCPC, não é, por outro lado, de exercício livre e absoluto, pois não somente se confronta com outros princípios que, de alguma forma, o restringem e limitam, como é o caso dos princípios da cooperação, boa-fé e de recíproca correção [artigos 7.º, número 1, 417.º, 8.º e 9.º do mesmo diploma legal] como ainda com os diversos princípios e normas que regulam a intervenção do juiz no pleito [por exemplo, os dos artigos 27.º, 54.º, número 1, 72.º e 74.º do Código de Processo do Trabalho e 5,º números 2 e 3, 6.º, 7.º, número 2, 417.º, número 2, 547.º e 590.º do Código de Processo Civil de 2013].

Importa também realçar que, independentemente da abertura que se tem assistido nos nossos tribunais acerca da distinção entre matéria de facto e matéria de direito, os números 3 a 5 do artigo 607.º do NCPC referem-se a factos e não a opiniões, comentários, impressões, classificações ou afirmações ofensivas, bem como de direito ou traduzidas em conclusões insubstanciais, o que implica que mesmo a prova vinculada como a documental, confessional ou por acordo das partes tem de se referir e expressar factos e não outras realidades de cariz não factual, que estejam ali também contidas.

Logo, se um juiz se defrontar com uma confissão ou um acordo de partes das quais emerjam factos e outras afirmações que não tenham uma natureza factual, é óbvio que terá de intervir e interpretar devida e objetivamente todo o teor desses meios probatórios, de maneira a separar, como se usa dizer popularmente , o trigo do joio ou seja, a matéria de facto daquela outra que com ela não se confunde e partilha de idênticas qualidade e natureza.

Trata-se de um dever funcional de qualquer julgador, por forma a separar as águas do facto das águas do direito ou, inclusive e apenas dentro das primeiras, de maneira a aí distinguir as que possuem algum significado ou relevância para a apreciação e decisão jurídica do litígio ou que, ao invés, se revelam inúteis, despiciendas, desnecessárias a esse desiderato essencial do magistrado judicial que é julgar o pleito em função dos pedidos e exceções formulados pelas partes e das causas de pedir que os suportam.

Tal obrigação funcional prende-se mesmo com proibições e regras especiais que os nossos Código Civil [CC], Código de Processo Civil de 2013 [NCPC] e Código de Processo do Trabalho [CPT] fixam relativamente a determinados meios de prova como os documentos autênticos ou particulares [artigos 362.º a 366.º, 370.º a 372.º e 373.º a 376.º do CC], a confissão, o depoimento de parte ou as declarações de parte [artigos 354.º, 357.º e 360.º do CC, 289.º, número 1, 417.º, números 3 e 4, 453.º, número 2, 454.º, 465.º e 466.º do NCPC e 387.º, número 3 do Código do Trabalho de 2009 e 98.º-J, número 1 do CPT], o acordo de partes [na parte aplicável das normas quanto à confissão antes identificadas], o depoimento testemunhal [artigos 392.º a 395.º do CC e 417.º, números 3 e 4 e 495.º a 497.º do NCPC] ou as presunções judiciais [artigo 351.º do CC].

Não se pode confundir prova vinculada com o que a mesma procurou demonstrar e que pode, desde logo, ter ou não importância para a discussão da causa ou uma índole factual ou não ou ser restringida ou proibida por lei ou não.

Logo e nessa medida, pretender defender, como o faz a Reclamante, que o juiz ou juíza do processo estejam obrigados a uma aceitação imperativa, cega, ajurídica e imediata do conteúdo dos articulados, quando resultem, designadamente, do acordo das partes, como terá ocorrido nos autos, sem fazer passar o mesmo pelo seu crivo de cariz jurisdicional, que o legislador exige que seja ponderado, crítico, seletivo e eficiente, é ignorar por completo o complexo quadro normativo que se deixou exposto e que não apenas consentia como até impunha ao TRL, no Acórdão recorrido, o juízo que este último veio a fazer e que mereceu a discordância da Autora».

Logo, como nos parece evidente, as instâncias deviam, ter tido em maior e melhor atenção os factos referentes à matéria de facto alegada pela Ré e que respeita aos aí mencionados Parceiros de Frota e às concretas relações estabelecidas, quer com a Ré UBER, quer com o estafeta AA, havendo que, nessa medida e com vista à ampliação da Decisão da Matéria de Facto, anular, oficiosamente, o Acórdão recorrido e determinar a baixa dos autos às instâncias, nos termos e para os efeitos do número 3 do artigo 682.º do CPC/2013, podendo o Juízo do Trabalho de Lisboa, caso o Tribunal da Relação de Lisboa veja necessidade de para aí remeter o processo, para efeitos de reabertura da Audiência Final, com vista à produção da necessária prova, fazer eventual recurso do disposto nos artigos 72.º do CPT e 5.º do NCPC [como dispositivo legal de aplicação subsidiária].

H - CONCLUSÃO

27. Sendo assim, pelos fundamentos expostos, há que anular, oficiosamente, o Acórdão do TRL recorrido e determinar a baixa dos autos às instâncias, nos termos e para os efeitos do número 3 do artigo 682.º do CPC/2013.

IV – DECISÃO

28. Por todo o exposto, nos termos dos artigos 87.º, número 1, do Código do Processo do Trabalho e 682.º, número 3 do Novo Código de Processo Civil, acorda-se, neste Supremo Tribunal de Justiça, em anular, oficiosamente, o Acórdão recorrido e determinar a baixa dos autos às instâncias, nos termos e para os efeitos do número 3 do artigo 682.º do CPC/2013, podendo o Juízo do Trabalho de Lisboa, caso o Tribunal da Relação de Lisboa veja necessidade de para aí remeter o processo, para efeitos de reabertura da Audiência Final, com vista à produção da necessária prova, fazer eventual recurso do disposto nos artigos 72.º do CPT e 5.º do NCPC [como dispositivo legal de aplicação subsidiária].


*


Custas do presente recurso pela parte vencida a final - artigo 527.º, número 1 do Novo Código de Processo Civil.

Registe e notifique.

Lisboa 29 de outubro de 2025

José Eduardo Sapateiro [Juiz-Conselheiro Relator]

Domingos José de Morais [Juiz-Conselheiro Adjunto]

Mário Belo Morgado [Juiz-Conselheiro Adjunto]

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1. «Relatado pela também aqui relatora e acessível em www.dgsi.pt.» - NOTA DE RODAPÉ DA FUNDAMENTAÇÃO TRANSCRITA, COM O NÚMERO 5.↩︎
2. «Proferido no Processo n.º 2178/07.3TTLSB.L1.S1, acessível em www.dgsi.pt.» - NOTA DE RODAPÉ DA FUNDAMENTAÇÃO TRANSCRITA, COM O NÚMERO 6.↩︎
3. «Por ser esta a figura contratual que, maioritariamente, surgia contraposta ao vínculo laboral.» - NOTA DE RODAPÉ DA FUNDAMENTAÇÃO TRANSCRITA, COM O NÚMERO 7.↩︎
4. «Cfr., neste sentido, Monteiro Fernandes, in Direito do Trabalho, 14.ª Edição, Almedina, 2009, pág. 149.» - NOTA DE RODAPÉ DA FUNDAMENTAÇÃO TRANSCRITA, COM O NÚMERO 8.↩︎
5. «Proferido na Revista n.º 182/14.4TTGRD.C1.S1, acessível em www.dgsi.pt.» - NOTA DE RODAPÉ DA FUNDAMENTAÇÃO TRANSCRITA, COM O NÚMERO 9.↩︎
6. «Embora, vista a atual presunção do art.º 12.º-A, do Código do Trabalho, regime jurídico cuja ratio foi a de justamente conformar as relações jurídicas estabelecidas nos moldes definidos no seu n.º 2, nenhum destes elementos haja, de facto, sido abandonado, conforme disso dá evidente nota a sua al. d).» - NOTA DE RODAPÉ DA FUNDAMENTAÇÃO TRANSCRITA, COM O NÚMERO 10.↩︎
7. «In, Direito do Trabalho, Lições ao 3.º ano da FDUC, 1993, pág. 141.» - NOTA DE RODAPÉ DA FUNDAMENTAÇÃO TRANSCRITA, COM O NÚMERO 11.↩︎
8. «Cfr., neste sentido, João Leal Amado e Teresa Coelho Moreira, in, Prontuário de Direito do Trabalho, 2020-II, Centro de Estudos Judiciários, pág. 147, no Estudo “A GLOVO, os riders/estafetas e o Supremo Tribunal de Espanha: ANOTHER BRICK IN THE WALL”, quando justamente enfatizam que «qualificar o trabalho em plataformas, o trabalho realizado com recurso a APPS, como autónomo ou dependente sempre dependerá de uma apreciação casuística, que leve em conta os dados resultantes de cada tipo de relação, de cada concreto contrato». - NOTA DE RODAPÉ DA FUNDAMENTAÇÃO TRANSCRITA, COM O NÚMERO 12.↩︎
9. «In Direito do Trabalho, Parte II – Relações Laborais Individuais, 2.ª Edição, Almedina, 2008, págs. 611 e 612.» - NOTA DE RODAPÉ DA FUNDAMENTAÇÃO TRANSCRITA, COM O NÚMERO 13.↩︎
10. «Já acima citado.» - NOTA DE RODAPÉ DA FUNDAMENTAÇÃO TRANSCRITA, COM O NÚMERO 14.↩︎
11. Que estabelecia o seguinte: «Contrato de trabalho é aquele pelo qual uma pessoa se obriga, mediante retribuição, a prestar a sua atividade a outra ou outras pessoas, sob a autoridade e direção destas↩︎
12. Recaindo a elisão ou afastamento de aludida presunção, através da prova do contrário, sobre a entidade demandada como sendo a empregadora do demandante.↩︎
13. Cf., por todos, MARIA DO ROSÁRIO PALMA RAMALHO, TRATADO DE DIREITO DO TRABALHO – PARTE II – SITUAÇÕES LABORAIS INDIVIDUAIS, dezembro de 2012, 4.ª Edição, ALMEDINA, páginas 46 a 50 e JOÃO LEAL AMADO, O CONTRATO DE TRABALHO, janeiro de 2010, 2.ª Edição, WOLSTERS KLUWER PORTUGAL/COIMBRA EDITORA, Lda., páginas 74 a 82.↩︎
14. Dir-se-á que com uma cada vez maior discordância da nossa doutrina, que foi progressivamente defendido o oposto quanto à aplicação da presunção legal do artigo 12.º, que entendiam, pela sua própria natureza e finalidade, ser invocada retroativamente e aplicável a relações profissionais que haviam começado antes da sua vigência.↩︎
15. Ver os seguintes Arestos que vão no mesmo sentido:
- Acórdão do Supremo Tribunal de Justiça de 17/9/2025, Processo n.º 29220/23.8T8LSB.L1.S1, relator: MÁRIO BELO MORGADO, tirado por unanimidade e publicado em www.dgsi.pt [Ponto III do Sumário]
- Acórdão do Supremo Tribunal de Justiça de 17/9/2025, Processo n.º 31164/23.4T8LSB.L1.S1, relator: MÁRIO BELO MORGADO, tirado por unanimidade e publicado em www.dgsi.pt [Ponto III do Sumário]↩︎
16. Com o seguinte Sumário:
« I. O atual Código de Processo Civil consagra um modelo enformado pelos princípios da prevalência do fundo sobre a forma e do aproveitamento (sempre que possível) dos atos processuais, assistindo-se, pois, a uma tendência para a superação do formalismo e rigidez que tradicionalmente dominavam as abordagens desta problemática, com base na ideia de que não há uma exata separação entre a matéria de facto e a matéria de direito.
II. Não obstante, apesar de afastada a rigidez na seleção das questões de facto nos quesitos (em especial, nos atos processuais anteriores à decisão final), não pode o Juiz ignorar a demarcação técnica entre questões de facto e de direito, sendo de afastar − na sentença − expressões de conteúdo puramente valorativo ou conclusivo, destituídas de qualquer suporte factual, que sejam suscetíveis de influenciar o sentido da solução do litígio, ou seja, que invadam o domínio de uma questão de direito essencial .
III. Relativamente a relações jurídicas iniciadas antes da entrada em vigor do art.º 12.º-A, do CT, a presunção de contrato de trabalho no âmbito de plataforma digital é aplicável aos factos enquadráveis nas diferentes alíneas do seu n.º 1 que, no âmbito dessas relações jurídicas, tenham sido praticados posteriormente àquele momento.
IV. Traduzindo a presunção de laboralidade em apreço o empenhamento do legislador e das instituições da União Europeia em combater o falso trabalho independente em plataformas digitais e as inerentes relações laborais encobertas, bem como, conexamente, facilitar a determinação do real estatuto profissional das pessoas que trabalham nessas plataformas, não pode deixar de assumir-se que o legislador, ao exprimir o seu pensamento, consagrou as soluções mais consentâneas com as finalidades visadas no tocante às situações paradigmáticas em questão.
V. No caso vertente, estão verificados os índices da presunção de laboralidade previstos nas alíneas a), b), c), e) e f) do n.º 1 do art.º 12.º-A, do Código do Trabalho, ou seja, um total de cinco elementos em seis possíveis.
VI. Os elementos que de forma mais nítida apontam no sentido de uma relação de trabalho autónomo são os habitual e tipicamente verificados no plano das relações estabelecidas entre os estafetas e as empresas detentoras de plataformas digitais, elementos já oportunamente ponderados pelo legislador nacional – bem como pelas instâncias e países da União Europeia – e que não obstaram à introdução da presunção de laboralidade no ordenamento jurídico, a qual foi consagrada nos termos tidos por mais adequados e que são obrigatórios para os tribunais.
VII. Não tendo a ré logrado ilidir esta presunção de laboralidade, impõe-se concluir pela existência de um contrato de trabalho entre ela e o estafeta em causa.»↩︎
17. Com o seguinte Sumário:
«I. Relativamente a relações jurídicas iniciadas antes da entrada em vigor do art.º 12.º-A, do CT, a presunção de contrato de trabalho no âmbito de plataforma digital é aplicável aos factos enquadráveis nas diferentes alíneas do seu n.º 1 que, no âmbito dessas relações jurídicas, tenham sido praticados posteriormente àquele momento.
II. Traduzindo a presunção de laboralidade em apreço o empenhamento do legislador e das instituições da União Europeia em combater o falso trabalho independente em plataformas digitais e as inerentes relações laborais encobertas, bem como, conexamente, facilitar a determinação do real estatuto profissional das pessoas que trabalham nessas plataformas, não pode deixar de assumir-se que o legislador, ao exprimir o seu pensamento, consagrou as soluções mais consentâneas com as finalidades visadas no tocante às situações paradigmáticas em questão.
III. No caso vertente, estão verificados os índices da presunção de laboralidade previstos nas alíneas a), b), c), e) e f) do n.º 1 do art.º 12.º-A, do Código do Trabalho, ou seja, um total de cinco elementos em seis possíveis.
IV. Os elementos que de forma mais nítida apontam no sentido de uma relação de trabalho autónomo são os habitual e tipicamente verificados no plano das relações estabelecidas entre os estafetas e as empresas detentoras de plataformas digitais, elementos já oportunamente ponderados pelo legislador nacional – bem como pelas instâncias e países da União Europeia – e que não obstaram à introdução da presunção de laboralidade no ordenamento jurídico, a qual foi consagrada nos termos tidos por mais adequados e que são obrigatórios para os tribunais.
V. Não tendo a ré logrado ilidir esta presunção de laboralidade, impõe-se concluir pela existência de um contrato de trabalho entre ela e o estafeta em causa.»↩︎
18. Com o seguinte Sumário:
«1. A presunção constante do artigo 12.º-A do Código do Trabalho aplica-se a relações contratuais anteriores à entrada em vigor da norma desde que as características relevantes ocorram após essa entrada em vigor.
2. A aplicação móvel é o principal instrumento de trabalho dos estafetas e é disponibilizada pela plataforma digital.
3. Verificando-se algumas das características do artigo 12.º-A, designadamente que o principal instrumento de trabalho pertence à plataforma e que esta estabelece os limites máximo e mínimo da retribuição presume-se a existência de contrato de trabalho.
4. Para ilidir a presunção exige-se que a plataforma prove que o estafeta não tem contrato de trabalho, trabalhando com efetiva autonomia.»↩︎