PLATAFORMA DIGITAL
PRESUNÇÃO DE LABORALIDADE
APLICAÇÃO DA LEI NO TEMPO
CONTRATO DE TRABALHO
CONTRATO DE PRESTAÇÃO DE SERVIÇO
Sumário


I. Relativamente a relações jurídicas iniciadas antes da entrada em vigor do art. 12.º-A, do CT, a presunção de contrato de trabalho no âmbito de plataforma digital é aplicável aos factos enquadráveis nas diferentes alíneas do seu nº 1 que, no âmbito dessas relações jurídicas, tenham sido praticados posteriormente àquele momento.
II. Traduzindo a presunção de laboralidade em apreço o empenhamento do legislador e das instituições da União Europeia em combater o falso trabalho independente em plataformas digitais e as inerentes relações laborais encobertas, bem como, conexamente, facilitar a determinação do real estatuto profissional das pessoas que trabalham nessas plataformas, não pode deixar de assumir-se que o legislador, ao exprimir o seu pensamento, consagrou as soluções mais consentâneas com as finalidades visadas no tocante às situações paradigmáticas em questão.
III. No caso vertente, estão verificados os índices da presunção de laboralidade previstos nas alíneas a), b), c) e d) do n.º 1 do art. 12.º-A, do Código do Trabalho.
IV. Os elementos que de forma mais nítida apontam no sentido de uma relação de trabalho autónomo são os habitual e tipicamente verificados no plano das relações estabelecidas entre os estafetas e as empresas detentoras de plataformas digitais, elementos já oportunamente ponderados pelo legislador nacional – bem como pelas instâncias e países da União Europeia – e que não obstaram à introdução da presunção de laboralidade no ordenamento jurídico, a qual foi consagrada nos termos tidos por mais adequados e que são obrigatórios para os tribunais.
V. Não tendo a ré logrado ilidir esta presunção de laboralidade, impõe-se concluir pela existência de contratos de trabalho entre ela e os estafetas em causa.

Texto Integral


Revista n.º 1984/23.6T8CTB.S2


Acordam na Secção Social do Supremo Tribunal de Justiça

I.



1. O Ministério Público intentou ação declarativa, com processo especial, de reconhecimento da existência de contrato de trabalho, contra Glovoapp Portugal, Unipessoal, Lda., relativamente aos prestadores de atividade AA, BB, CC, DD, EE, FF, GG, HH, II, JJ, KK, LL e MM.

2. Na 1ª Instância, a ação foi julgada totalmente procedente, julgando-se verificadas as “características” constantes das alíneas a), b), c) e d) do n.º 1 do artigo 12.º-A, do Código do Trabalho (“Presunção de contrato de trabalho no âmbito de plataforma digital”).

3. Interposto recurso pela ré, o Tribunal da Relação de Coimbra (TRL), concedendo parcial provimento à apelação:

a) Manteve o reconhecimento da existência de contrato de trabalho no tocante a JJ (com início em maio de 2021), KK (com início em setembro de 2023), LL (com início em 01 de setembro de 2023) e MM (com início em 30 de agosto de 2023);

b) Considerando, designadamente, que o art. 12º-A, do CT, não é aplicável aos demais estafetas, por terem iniciado a sua atividade para a ré antes da sua entrada em vigor, absolveu-a quanto ao mais peticionado.

4. O Ministério Público interpôs recurso de revista nos termos gerais, relativamente aos segmentos decisórios aludidos em supra nº 3, b), tendo a ré, por seu turno, interposto recurso de revista excecional no tocante à parte em que decaiu, recurso que foi admitido pela formação dos três Juízes desta Secção Social a que se refere o n.º 3 do artigo 672.º, do CPC.

5. Ambos contra-alegaram.

6. Em face das conclusões das alegações dos recorrentes, a questão a decidir consiste em determinar se entre a R. e os estafetas em causa se estabeleceram relações jurídicas de trabalho subordinado, sendo que as subquestões em que se desdobra este thema decidendum são as seguintes: i) Se a todas as relações jurídicas em causa é aplicável a (nova) presunção de laboralidade consagrada no art. 12.º-A, do Código do Trabalho (CT); ii) Na afirmativa, se se encontram preenchidas pelo menos duas das bases/características constantes do n.º 1 do mesmo artigo; iii) Na afirmativa, se foi ilidida a presunção de laboralidade.

Decidindo.


II.


7. Com relevo para a decisão, mostra-se fixada a seguinte matéria de facto:

7.1. Em comum a todos os estafetas:

1 a 4) A ré tem por objeto o desenvolvimento e exploração de uma plataforma tecnológica, disponibilizando serviços à distância através de plataforma digital, nomeadamente através da sua aplicação informática (APP) “Glovo Couriers”, que é uma aplicação online para pedidos e entregas de bens alimentares e não alimentares, por todo o país, a pedido de utilizadores/consumidores, os quais constituem os seus clientes finais, detendo, por sua vez, os estabelecimentos comerciais aderentes a qualidade de parceiros da referida plataforma. (redação dada pelo TRC, relativamente aos pontos 1 a 4 de todos os processos em causa)

5) Na plataforma digital são registados os clientes consumidores finais e os estabelecimentos aderentes designados de parceiros.

6) Através do uso de uma aplicação ou do site, a plataforma GLOVOAPP permite, designadamente, que os clientes encomendem bens junto dos estabelecimentos parceiros inscritos na plataforma.

7) O negócio é concretizado, nesses casos, com a recolha dos bens junto dos estabelecimentos parceiros da plataforma e posterior entrega aos clientes finais da plataforma, no local por estes definido e transmitido à plataforma.

8) O que impõe, nesses casos, de alguém que concretize as referidas entregas. (redação dada pelo TRC, relativamente ao ponto 8 de todos os processos em causa)

9) Os resultados da plataforma pertencem à plataforma.

10) As condições ao abrigo das quais os prestadores de atividade prestam os seus serviços são ditadas unilateralmente pela plataforma, conforme resulta dos termos e condições que os prestadores aceitam cumprir por mera adesão aquando do seu registo na plataforma (redação dada pelo TRC, relativamente ao ponto 8 de todos os processos em causa)

11) O prestador de atividade não pode realizar a sua tarefa (de estafeta da GLOVO) desvinculado / desligado da plataforma.

13) O trabalho/atividade era prestado [por cada um dos estafetas] no âmbito da plataforma nos restaurantes aderentes do

Centro Comercial Fórum de Castelo Branco, e nas moradas dos clientes finais, com o recebimento dos pedidos, recolha dos pedidos e entregas dos produtos respetivamente (redação dada pelo TRC, relativamente ao ponto 13 de todos os processos em causa)

14) A taxa de entrega para o trabalho a efetuar não era negociada entre o prestador de atividade e a plataforma.

15) Quando um cliente formulava um pedido na aplicação da plataforma digital, este era imediatamente direcionado para o prestador de atividade.

16) Quando é proposto um serviço estafeta, na interface de oferta do serviço na aplicação GlovoApp Couriers, é apresentado ao utilizador estafeta um mapa com os pontos de recolha (morada do parceiro) e de entrega (morada do utilizador-cliente) assinalados, bem como a rua do ponto de recolha (sem informação do número da porta), a distância estimada e o preço do serviço.

Após a aceitação do serviço, é adicionalmente comunicado ao utilizador-estafeta o nome e morada exata do parceiro (ponto de recolha), informações de contacto no parceiro (redação dada pelo TRC, relativamente ao ponto 16 de todos os processos em causa)

17) O valor a pagar ao prestador de atividade (“estafeta”) por cada pedido/ entrega/tarefa compreendia:

a. uma componente fixa, que no caso concreto [de todos os estafetas em causa] não foi apurada;

b. uma componente variável resultante da conjugação das seguintes rubricas:

- Uma taxa por quilómetro percorrido pelo prestador de atividade (“estafeta”) desde o local de recolha do pedido (por regra, restaurantes, mas poderá ser qualquer outro tipo de produtos dos estabelecimentos aderentes/parceiros da plataforma) até ao endereço de entrega do mesmo;

- uma compensação variável em função da hora do pedido/entrega, época do ano, condições climatéricas ou promoções (os horários de mais afluxo eram mais bem pagos, sendo que, por ex., até às 12 horas, o pagamento era menor do que após essa hora; e podia haver uma promoção de “hora de ponta” e outras);

- uma compensação pelo tempo de espera que era um ganho extra se o restaurante ou outro estabelecimento parceiro demorasse mais tempo do que o normal para entregar o pedido para recolha do prestador (quando tal acontecia o prestador de atividade tinha de questionar a loja ou o restaurante sobre a demora do pedido e contactar o apoio (Suporte) da plataforma para que verificassem com o parceiro o que se passava);

- uma componente variável designada por “multiplicador” (era o valor pelo qual o montante que recebia por pedido podia ser multiplicado). Esse valor podia ser definido pelo estafeta na App Glovo Couriers (App) entre os quocientes disponíveis, de 1.0 a 1.10 - limites mínimo e máximo atualmente pré-definidos pela plataforma;

- caso o estafeta não alterasse o “multiplicador” mantinha-se o coeficiente 1.0, sem alteração dos valores pré-definidos;

- o multiplicador só podia ser alterado pelo estafeta uma vez por dia.

- gorjetas, se atribuídas pelo cliente.

18) Era a plataforma que fixava as várias componentes e rubricas do preço para o serviço realizado, nos termos supra referidos, e as condições de pagamento do serviço.

23) (Eliminado pelo TRC)

24) O cliente final pagava à plataforma e não ao prestador da atividade, que, todavia, poderia receber do cliente em numerário, nos termos infra explicitados.

25) O pagamento pela plataforma ao prestador de atividade [a qualquer dos estafetas em causa] era efetuado através de transferência para a conta bancária indicada por este aquando do registo na plataforma.

26) A plataforma digital da Ré permitia que o cliente final pagasse em dinheiro ao estafeta, ficando este com “dinheiro em mãos” (“saldo em mãos”), abatendo tal quantia no valor a receber quinzenalmente da plataforma.

27) O valor em numerário entregue pelos clientes finais ao prestador de atividade era, assim, compensado no pagamento efetuado pela plataforma.

28) Este era o procedimento normal podendo existir outros como seja a retenção pelo estafeta de montantes em numerário de clientes finais que pagavam em dinheiro.

29) O prestador de atividade podia receber gorjetas, se os clientes finais as pagassem.

30) O prestador de atividade [qualquer dos estafetas em causa], auferia por cada pedido, uma componente fixa e uma componente variável não exatamente apurada, mas que dependia do número de pedidos que recebia e dos Km percorridos, entre outros.

31) O prestador de atividade tinha, também, acesso à sua atividade e respetivos valores a receber na App, nomeadamente, consultando os ganhos diários e o histórico dos pedidos.

32) O prestador de atividade pagava uma taxa de utilização da plataforma de 1,85€, por quinzena, taxa esta que incluía a criação do perfil, o acesso à plataforma, o acesso e a cobertura de seguro, o acesso ao serviço de apoio em caso de qualquer problema técnico e a gestão e a intermediação de pagamentos, podendo ser unilateralmente modificada pela plataforma.

33) É a plataforma digital da Ré que emite diretamente as faturas certificadas e as envia/disponibiliza ao prestador para este as submeter no Portal da Finanças.

34)Também é a plataforma digital da Ré que emite as faturas, identificando-se como entidade recetora e identificando o prestador de atividade como entidade emissora.

35)Embora formalmente seja o prestador de atividade que emite cada fatura em nome da GLOVOAPP, na realidade, quem gera as faturas é a Ré, conforme valores e condições por si fixadas.

36)O prestador da atividade quando recebe o pedido recebe a indicação do valor final que irá receber caso o aceite, valor esse que não negociava, limitando-se a aceitar as condições da plataforma digital da Ré, podendo aceitar ou não o pedido.

37) (Eliminado pelo TRC)

38)Acresce ainda que o “multiplicador”, por determinação da plataforma digital da Ré, só podia ser alterado uma vez por dia.

39)Atualmente, o prestador de atividade [qualquer dos estafetas em causa] não recebe qualquer valor pelo tempo em que espera pela receção de pedidos.

40)Não existia um limite máximo por pedido, pese embora estar sempre limitado aos quilómetros percorridos, à taxa base/fixa do pedido, às promoções variáveis, aos limites do “multiplicador”, previamente definidos, variáveis estas todas elas controladas apenas e só pela Ré, através da sua plataforma e nas quais o estafeta não tinha qualquer intervenção ou escolha (para além do escolha que fazia relativamente ao uso do multiplicador, cujo limite mínimo e máximo era fixado pela ré).

41) O prestador de atividade [qualquer dos estafetas em causa] procedeu a um registo prévio na plataforma, pertença da Ré, sendo que tal registo (criação de conta) foi efetuado no website da GLOVO na modalidade de “utilizador estafeta”.

42) Para se registar na plataforma tecnológica da Recorrente, o estafeta [cada um deles] tinha de enviar, como enviou, os seus documentos de identificação à plataforma digital da Ré, designadamente cartão de cidadão, declaração de início de atividade como trabalhador independente, carta de condução e registo e seguro do veículo a utilizar na execução de tarefas. (redação dada pelo TRC, relativamente ao ponto 42 de todos os processos em causa)

43) Como também tinha de disponibilizar, como disponibilizou, o seu nome, número de telefone e endereço de correio eletrónico e escolheu uma zona/área territorial para desenvolver a sua atividade, cuja área de abrangência da plataforma digital é definida pela plataforma digital da Ré, podendo o estafeta alterar a zona/área territorial onde desenvolve a sua atividade. (redação dada pelo TRC, relativamente ao ponto 43 de todos os processos em causa)

44) AA [bem como todos os demais estafetas em causa] escolheu a zona de Castelo Branco.

45) O estafeta tinha ainda de identificar, como identificou, o tipo de veículo a utilizar no exercício das suas funções, não tendo obrigação de comunicar qualquer mudança do tipo de veículo a utilizar. (redação dada pelo TRC, relativamente ao ponto 45 de todos os processos em causa)

46) AA [bem como todos os demais estafetas em causa] utiliza um motociclo como o meio de transporte.

47) O estafeta aceitou os Termos e Condições de utilização da plataforma GLOVOAPP, para estafetas (incluindo as novas versões), obrigatórias e vinculativas se o prestador de atividade pretender utilizar a plataforma, que contém diversos direitos e deveres, conforme documento junto a fls. 346 dos autos principais (…). (redação dada pelo TRC, relativamente ao ponto 47 de todos os processos em causa)

48) O prestador da atividade [cada um deles] aguardou algumas semanas até a conta de utilizar ficar ativa na plataforma digital em apreço. (redação dada pelo TRC, relativamente ao ponto 48 de todos os processos em causa)

49) Após o recebimento daquela autorização, descarregou e iniciou a utilização da aplicação digital GLOVOAPP, ficando dependente da sua utilização para a execução das suas funções.

50) Para a utilização da aplicação digital GLOVOAPP o prestador de atividade apenas tinha de iniciar a sessão (colocar-se on line) e colocar-se em disponibilidade.

51) O prestador da atividade AA [bem como todos os demais estafetas em causa] assinou digitalmente os termos e condições suprarreferidos e ficou abrangido por um “seguro de responsabilidade civil” contratado e disponibilizado pela plataforma, que cobre danos causados a terceiros pelos estafetas, devendo, no caso de sinistro, reportar na plataforma da GLOVO, na parte dos sinistros.

52) Ficou também abrangido por um seguro de responsabilidade civil (danos pessoais) disponibilizado pela Ré, sendo o tomador do seguro a Ré e estando o estafeta coberto durante o período de tempo que coincide com o momento em que inicia a sessão na aplicação e termina uma hora após o fim da sessão, sendo ambos os momentos registados e cabendo à plataforma a rastreabilidade e o registo da rota do serviço efetuado pelo estafeta.

53) Este seguro inclui prestações por morte por acidente, incapacidade to- tal e definitiva por acidente, incapacidade permanente total para o desempenho de qualquer relação laboral por acidente, incapacidade permanente parcial por acidente de acordo com uma escala baseada em indemnização por amputação, fratura óssea, luxações e entorses, devido a um acidente, indemnização diária em caso de incapacidade temporária total por acidente, de duração máxima da indemnização diária até 30 dias e franquia de 7 dias (ou seja, o segurado é indemnizado a partir do 8º dia de incapacidade), reembolso da assistência médica em caso de acidente, repatriamento para o país de origem do segurado em caso de morte por acidente, deslocação de um familiar do segurado falecido no estrangeiro (bilhete de ida e volta para familiar e despesas de alojamento do familiar), viagem de um acompanhante que acompanha o segurado hospitalizado (bilhete de ida e volta para familiar e despesas de hospedagem do familiar), reembolso das despesas de assistência jurídica, despesas de funeral em caso de morte por acidente do segurado e subsídio de orfandade.

54) Foi ainda informado que tinha acesso a este seguro caso estivesse a utilizar a plataforma digital.

55) A Ré exigia que o prestador de atividade identificasse o seu rosto na aplicação com uma periodicidade variável (reconhecimento facial/controlo biométrico), tendo o prestador de atividade que tirar uma foto (selfie) e enviar para ser comparada.

56) No caso de transporte de alimentos, em conformidade com a regulamentação aplicável a este respeito, o Estafeta compromete-se a transportá-los em meios de transporte e recipientes adequados para os mesmos. (redação dada pelo TRC, relativamente ao ponto 56 de todos os processos em causa)

57) A mochila utilizada pelo mesmo foi por si adquirida.

58) (Eliminado pelo TRC)

59) Se houvesse algum problema no local de entrega do pedido, podia entrar em contacto com o suporte da plataforma para receber instruções. (redação dada pelo TRC, relativamente ao ponto 59 de todos os processos em causa)

60) A aceitação das regras constantes dos termos e condições da utilização da plataforma era obrigatória por parte do prestador da atividade, sob pena do prestador de atividade não poder exercer a atividade.

61) As regras constantes dos termos e condições da utilização da plataforma digital, eram obrigatórias, vinculativas e unilateralmente alteráveis por parte da plataforma, e o seu incumprimento era sancionado.

62) A plataforma determinava as obrigações (como por ex., estar registado e criar conta ativa e atualizada na GLOVO, estar registado corretamente para o exercício da atividade, nomeadamente, para fins de segurança social e finanças, fornecer informações pessoais, descarregar e instalar a App, não transportar produtos ou serviços proibidos,) e as restrições aos estafetas, a forma da faturação e pagamento e os comportamentos que levam à cessação dos serviços.

63) Ao iniciar a sessão, (colocar-se on line), na App “GLOVOAPP”, com os dados móveis e a localização ligados, no seu telemóvel pessoal, a plataforma passava a saber a sua localização.

64) O trabalho desenvolvido pelo mesmo podia ser permanentemente acompanhado por GPS com recurso ao sistema de geolocalização, utilizando para o efeito o seu telemóvel pessoal, caso este o mantivesse ligado.

65) O sistema de GPS do telemóvel do prestador de atividade tinha que estar ligado para que lhe fosse atribuído serviço.

66) O prestador da atividade AA [bem como todos os demais estafetas em causa], recebia mais ou menos serviço consoante:

a. O tempo que estivesse ligado à plataforma;

(Eliminado pelo TRC)

c. A distância a que se encontrava do ponto de recolha.

67) Após a aceitação do pedido, quer a plataforma quer o cliente final passavam a conhecer, em tempo real, a sua localização devido à geolocalização existente na App, caso este a mantivesse ligada.

68) O prestador de atividade AA [bem como todos os demais estafetas em causa], sabia que se estivesse disponível e se colocasse nas zonas mais ativas, ia aumentar a probabilidade de receber pedidos.

69) Todavia, o número de pedidos por si recebidos não dependia só de si, encontrando-se sim condicionado à atribuição que a plataforma digital da Ré fazia.

70) A geolocalização, para além de permitir informar o estabelecimento comercial ou o cliente da localização do prestador de atividade, indicando o tempo previsto de recolha ou de entrega, era usada pela plataforma digital para a atribuição de pedidos.

71) A proximidade do estafeta ao ponto de recolha era um dos critérios utilizados no momento da atribuição do pedido, pelo que, se não estivesse ativada, a plataforma digital da Ré não procedia à distribuição de pedidos.

72) O prestador de atividade AA [bem como todos os demais estafetas em causa], sabia que tinha de ter o telemóvel com bateria suficiente para o exercício da atividade, (com mais de 20%), sob pena de não receber pedidos, sendo disso informado pela plataforma.

73) (Eliminado pelo TRC)

74) Em regra, a plataforma distribuía o serviço ao prestador de atividade que estivesse mais perto do ponto de recolha. (redação do TRC)

75) A Ré verificava as avaliações efetuadas pelos utilizadores do serviço.

76) Os clientes e os restaurantes ou outros estabelecimentos procediam à avaliação do prestador da atividade pela qualidade do trabalho desenvolvido através da plataforma digital “GLOVO”.

77) O prestador da atividade, quando acedia à App e inicia a sessão, através do seu telemóvel pessoal, ligava o sistema de geolocalização, ficando disponível para receber os serviços.

78) Mas a plataforma apenas disponibilizava serviços no período compreendido entre as 10.00 horas e as 23.00 horas, durante o seu período de funcionamento, na zona de Castelo Branco.

79) Assim, o prestador de atividade AA [bem como todos os demais estafetas em causa], não podia receber pedidos, nem efetuar entregas além das 23.00 horas ou antes das 10.00 horas, pois a plataforma não o permitia.

80) O prestador podia escolher se se ligava ou não, dentro do período de funcionamento da plataforma (Sistema de Free Login).

81) Para além disso, a retribuição (componente variável) variava conforme as horas do dia e os dias da semana, retribuindo melhor as horas de maior procura.

82) O prestador de atividade podia aceitar ou recusar tarefas

83) O algoritmo da plataforma escolhia em função daqueles que demonstravam mais disponibilidade e estavam mais perto do local de recolha (redação do TRC)

84) O prestador de atividade também podia “reatribuir” o pedido, mas nesse caso não ganhava.

85) O prestador não podia prestar a atividade a terceiros (isto é, estabelecimentos ou clientes não parceiros) via plataforma.

86) O prestador de atividade [cada um deles] sabia quais os comportamentos que podiam levar ao desativar da conta. (redação dada pelo TRC, relativamente ao ponto 86 de todos os processos em causa)

87) Era permitida a inscrição de substitutos (subcontratados) associados aos perfis de estafetas já com conta, desde que inscritos na aplicação pelo estafeta que os indicava. (redação dada pelo TRC, relativamente ao ponto 87 de todos os processos em causa)

88) O prestador de atividade tinha uma reputação associada ao seu perfil, que continha diversa informação, nomeadamente, avaliação dos clientes e estabelecimentos, que era tratada pela plataforma.

89) A Ré era: Proprietária do programa informático que distribuía os pedidos, em função de diversos critérios; titular da marca GLOVO, do modelo de negócios, do site, da aplicação, dos estabelecimentos parceiros e dos clientes finais;

90) Era obrigatório que a prestação de atividade fosse efetuada através da App da Plataforma.

91) O prestador da atividade AA [bem como todos os demais estafetas em causa], a fim de iniciar atividade, teve de:

a) Adquirir uma mochila térmica, adequada ao transporte dos produtos, limpa e em boas condições/bom estado (de acordo com as regulações de higiene para transporte de alimentos), independentemente da marca, sem a qual não pode realizar a atividade;

b) Ter um veículo para fazer o transporte, sendo responsável pela documentação relacionada com o mesmo, nomeadamente, seguro de responsabilidade civil em vigor (que tem de enviar à plataforma) e assumir os custos relacionados com a viatura e as deslocações;

c) Ter um telemóvel com acesso a dados móveis e geolocalização;

92) Mas estes equipamentos não permitiam o exercício da atividade sem a marca GLOVO, o modelo de negócios, o programa informático, o site e a aplicação, os estabelecimentos parceiros e os clientes finais, pertencentes à plataforma.

93) O prestador não tinha capacidade para organizar a prestação de trabalho da forma supra descrita sozinho.

94) O investimento financeiro do prestador de atividade, em termos de equipamentos e instrumentos de trabalho, não era comparável com o volume do investimento financeiro da Plataforma.

98) Todos os utilizadores da APP, independentemente da qualidade que assumem (clientes, parceiros ou estafetas), pagam uma quantia à Ré, denominada pela mesma de "taxa de utilização da plataforma".

99) A Ré permite a prestação de serviços bilaterais, sendo possível, por exemplo, os clientes selecionarem através da APP a opção take away, sem a necessidade de serem os estafetas a fazer a recolha e entrega do pedido.

100) É o prestador da atividade que define o tempo em que se pretende manter ligado.

101) É o prestador da atividade que escolhe o local em que se pretende ligar para receber pedidos de entrega.

102) As características do pedido são determinadas pelo cliente.

103) Tendo conhecimento do valor de cada pedido, o prestador da atividade tem a liberdade de aceitar ou de recusar o pedido.

104) A Ré não impõe aos prestadores de serviço a aquisição obrigatória de mochila com a sua marca, nem proíbe que os mesmos prestadores realizem o serviço através da utilização de marcas dos seus concorrentes.

105) O único momento em que a geolocalização tem de estar ativa é quando o pedido é efetuado.

106) Após a aceitação do pedido, e durante toda a respetiva execução, a geolocalização pode ser objeto de desativação pelo prestador de serviços.

107) O prestador da atividade tem liberdade para trabalhar através de várias plataformas distintas.

108) O prestador da atividade é responsável pela manutenção e reparações dos equipamentos que utiliza.

7.2. Matéria de facto especificamente relativa a cada estafeta:

Processo principal: 1984/23.6T8CTB; estafeta: AA

12 e 95) AA, contribuinte fiscal n.º 1, com o título de residência 1, nascido em ...-...-1993, de nacionalidade brasileira, prestou atividade de estafeta com a aplicação da Recorrente, de 30.01.2023 até 27.04.2024, não fazendo mais entregas.

Durante o período em que utilizou a aplicação da Ré, o estafeta utilizou sempre a aplicação da UBER, tendo as duas aplicações a funcionar no mesmo telefone, escolhendo qual o serviço que lhe interessava mais fazer.

O estafeta é atualmente motorista TVDE. (redação dada pelo TRC, relativamente aos pontos 12 e 95).

19) Considerando as indicações recebidas, o prestador de atividade AA, procedeu, no dia referido supra, à entrega de diversos pedidos formulados e reproduzidos no écran do seu telemóvel.

20) Nesse mesmo dia recebeu vários pedidos remetidos pela plataforma GLOVOAPP.

21) Nessa ocasião, surgiu no écran do telemóvel, os pontos de recolha e os pontos de entrega, e a distância a percorrer.

22) Nessa ocasião, o “multiplicador” definido pelo prestador de atividade AA, não foi apurado.

96) Por email de 7/11/2023 e carta registada com AR, a ACT procedeu à notificação da Ré Plataforma Digital GLOVOAPP PORTUGAL, UNIPESSOAL LDA, beneficiária da atividade, do auto por inadequação do vínculo que titula a prestação de atividade, nos termos do nº 1 do artigo 15.º-A da Lei n.º 107/2009, de 14 de setembro, na sua redação atual, dando-lhe o prazo de dez dias para proceder à regularização da situação do trabalhador AA, supra referido e para fazer prova perante a ACT dessa regularização mediante a apresentação do contrato de trabalho por tempo indeterminado ou de documento comprovativo da existência do mesmo reportado à data do início da relação laboral.

97) À qual a Ré respondeu, não tendo regularizado a situação para com este trabalhador.

Processo n.º 1985/23.4T8CTB (apenso A); estafeta: BB

12 e 95) BB, contribuinte fiscal n.º 2, com o título de residência 2, nascido em ...-...-1996, de nacionalidade brasileira, presta a atividade de estafeta com a aplicação da Ré, pelo menos desde aproximadamente 20.11.209 e até 08.12.2023, data a partir da qual mais não prestou atividade.

O estafeta chegou a fazer entregas utilizando a plataforma UBER, parando com a aplicação da Recorrente, usando o mesmo telemóvel, durante 2 semanas. (redação dada pelo TRC, relativamente aos pontos 12 e 95).

19) Considerando as indicações recebidas, o prestador de atividade BB, procedeu, no dia referido supra, à entrega de diversos pedidos formulados e reproduzidos no écran do seu telemóvel.

20) Nesse mesmo dia recebeu vários pedidos remetidos pela plataforma GLOVOAPP.

21) Nessa ocasião, surgiu no écran do telemóvel, os pontos de recolha e os pontos de entrega, e a distância a percorrer.

22) Nessa ocasião, o “multiplicador” definido pelo prestador de atividade BB, não foi apurado.

96) Por email de 7/11/2023 e carta registada com AR, a ACT procedeu à notificação da Ré Plataforma Digital GLOVOAPP PORTUGAL, UNIPESSOAL LDA, beneficiária da atividade, do auto por inadequação do vínculo que titula a prestação de atividade, nos termos do nº 1 do artigo 15.º-A da Lei n.º 107/2009, de 14 de setembro, na sua redação atual, dando-lhe o prazo de dez dias para proceder à regularização da situação do trabalhador BB, supra referido e para fazer prova perante a ACT dessa regularização mediante a apresentação do contrato de trabalho por tempo indeterminado ou de documento comprovativo da existência do mesmo reportado à data do início da relação laboral.

97) À qual a Ré respondeu, não tendo regularizado a situação para com este trabalhador.

Processo n.º 1987/23.0T8CTB (apenso B); estafeta: JJ

12 e 95) JJ, contribuinte fiscal n.º 3, com o título de residência 3, nascido em ...-...-2002, de nacionalidade indiana, presta a atividade de estafeta com a aplicação da Ré, pelo menos desde 07.072023. (redação dada pelo TRC, relativamente aos pontos 12 e 95).

19) Considerando as indicações recebidas, o prestador de atividade JJ, procedeu, no dia referido supra, à entrega de diversos pedidos formulados e reproduzidos no écran do seu telemóvel.

20) Nesse mesmo dia recebeu vários pedidos remetidos pela plataforma GLOVOAPP.

21) Nessa ocasião, surgiu no écran do telemóvel, os pontos de recolha e os pontos de entrega, e a distância a percorrer.

22) Nessa ocasião, o “multiplicador” definido pelo prestador de atividade JJ, não foi apurado.

96) Por email de 7/11/2023 e carta registada com AR, a ACT procedeu à notificação da Ré Plataforma Digital GLOVOAPP PORTUGAL, UNIPESSOAL LDA, beneficiária da atividade, do auto por inadequação do vínculo que titula a prestação de atividade, nos termos do nº 1 do artigo 15.º-A da Lei n.º 107/2009, de 14 de setembro, na sua redação atual, dando-lhe o prazo de dez dias para proceder à regularização da situação do trabalhador JJ, supra referido e para fazer prova perante a ACT dessa regularização mediante a apresentação do contrato de trabalho por tempo indeterminado ou de documento comprovativo da existência do mesmo reportado à data do início da relação laboral.

97) À qual a Ré respondeu, não tendo regularizado a situação para com este trabalhador.

Processo n.º 1988/23.9T8CTB (apenso C); estafeta: NN

12 e 95) NN, contribuinte fiscal n.º 4, nascido em ...-...-1990, de nacionalidade portuguesa, presta a atividade de estafeta com a aplicação da Recorrente desde para a Ré, pelo menos desde maio de 2021 (redação dada pelo TRC, relativamente aos pontos 12 e 95).

19) Considerando as indicações recebidas, o prestador de atividade NN, procedeu, no dia referido supra, à entrega de diversos pedidos formulados e reproduzidos no écran do seu telemóvel.

20) Nesse mesmo dia recebeu vários pedidos remetidos pela plataforma GLOVOAPP.

21) Nessa ocasião, surgiu no écran do telemóvel, os pontos de recolha e os pontos de entrega, e a distância a percorrer.

22) Nessa ocasião, o “multiplicador” definido pelo prestador de atividade NN, não foi apurado.

96) Por email de 7/11/2023 e carta registada com AR, a ACT procedeu à notificação da Ré Plataforma Digital GLOVOAPP PORTUGAL, UNIPESSOAL LDA, beneficiária da atividade, do auto por inadequação do vínculo que titula a prestação de atividade, nos termos do nº 1 do artigo 15.º-A da Lei n.º 107/2009, de 14 de setembro, na sua redação atual, dando-lhe o prazo de dez dias para proceder à regularização da situação do trabalhador NN, supra referido e para fazer prova perante a ACT dessa regularização mediante a apresentação do contrato de trabalho por tempo indeterminado ou de documento comprovativo da existência do mesmo reportado à data do início da relação laboral.

97) À qual a Ré respondeu, não tendo regularizado a situação para com este trabalhador.

Processo n.º 1989/23.7T8CTB (apenso D); estafeta: DD

12 e 95) DD, contribuinte fiscal n.º 5, com o título de residência n.º 4 nascido em ...-...-1989, de nacionalidade brasileira, prestou atividade de estafeta com a aplicação da Ré entre abril de 2022 e até abril de 2024.

O estafeta trabalhou para a UBER, de março de 2021 até setembro de 2023 e na DELPHI na zona industrial de Castelo Branco.

O estafeta é motorista (redação dada pelo TRC, relativamente aos pontos 12 e 95).

19) Considerando as indicações recebidas, o prestador de atividade DD procedeu, no dia referido supra, à entrega de diversos pedidos formulados e reproduzidos no écran do seu telemóvel.

20) Nesse mesmo dia recebeu vários pedidos remetidos pela plataforma GLOVOAPP.

21) Nessa ocasião, surgiu no écran do telemóvel, os pontos de recolha e os pontos de entrega, e a distância a percorrer.

22) Nessa ocasião, o “multiplicador” definido pelo prestador de atividade DD, não foi apurado.

96) Por email de 7/11/2023 e carta registada com AR, a ACT procedeu à notificação da Ré Plataforma Digital GLOVOAPP PORTUGAL, UNIPESSOAL LDA, beneficiária da atividade, do auto por inadequação do vínculo que titula a prestação de atividade, nos termos do nº 1 do artigo 15.º-A da Lei n.º 107/2009, de 14 de setembro, na sua redação atual, dando-lhe o prazo de dez dias para proceder à regularização da situação do trabalhador DD, supra referido e para fazer prova perante a ACT dessa regularização mediante a apresentação do contrato de trabalho por tempo indeterminado ou de documento comprovativo da existência do mesmo reportado à data do início da relação laboral.

97) À qual a Ré respondeu, não tendo regularizado a situação para com este trabalhador.

Processo n.º 1990/23.0T8CTB (apenso E); estafeta: OO

12 e 95) EE, contribuinte fiscal n.º 6, com o título de residência n.º 5nascido em ...-...-1991, de nacionalidade brasileira, presta a atividade de estafeta com a aplicação da Ré, pelo menos desde dezembro de 2021 e até junho de 2023 trabalhava na empresa de construção “ELISEU & FARINHA” (redação dada pelo TRC, relativamente aos pontos 12 e 95).

19) Considerando as indicações recebidas, o prestador de atividade EE procedeu, no dia referido supra, à entrega de diversos pedidos formulados e reproduzidos no écran do seu telemóvel.

20) Nesse mesmo dia recebeu vários pedidos remetidos pela plataforma GLOVOAPP.

21) Nessa ocasião, surgiu no écran do telemóvel, os pontos de recolha e os pontos de entrega, e a distância a percorrer.

22) Nessa ocasião, o “multiplicador” definido pelo prestador de atividade EE não foi apurado.

96) Por email de 7/11/2023 e carta registada com AR, a ACT procedeu à notificação da Ré Plataforma Digital GLOVOAPP PORTUGAL, UNIPESSOAL LDA, beneficiária da atividade, do auto por inadequação do vínculo que titula a prestação de atividade, nos termos do nº 1 do artigo 15.º-A da Lei n.º 107/2009, de 14 de setembro, na sua redação atual, dando-lhe o prazo de dez dias para proceder à regularização da situação do trabalhador EE, supra referido e para fazer prova perante a ACT dessa regularização mediante a apresentação do contrato de trabalho por tempo indeterminado ou de documento comprovativo da existência do mesmo reportado à data do início da relação laboral.

97) À qual a Ré respondeu, não tendo regularizado a situação para com este trabalhador.

Processo n.º 1991/23.9T8CTB (apenso F); estafeta: KK

12 e 95) KK, contribuinte fiscal n.º 7, com o título de residência n.º 6 nascida em ...-...-1994, de nacionalidade brasileira, prestou atividade de estafeta com a aplicação da Ré, entre setembro de 2023 a janeiro de 2024, mês em que cessou a atividade. Atualmente, desenvolve a atividade de camionista (redação dada pelo TRC, relativamente aos pontos 12 e 95).

19) Considerando as indicações recebidas, o prestador de atividade KK procedeu, no dia referido supra, à entrega de diversos pedidos formulados e reproduzidos no écran do seu telemóvel.

20) Nesse mesmo dia recebeu vários pedidos remetidos pela plataforma GLOVOAPP.

21) Nessa ocasião, surgiu no écran do telemóvel, os pontos de recolha e os pontos de entrega, e a distância a percorrer.

22) Nessa ocasião, o “multiplicador” definido pelo prestador de atividade KK não foi apurado.

96) Por email de 7/11/2023 e carta registada com AR, a ACT procedeu à notificação da Ré Plataforma Digital GLOVOAPP PORTUGAL, UNIPESSOAL LDA, beneficiária da atividade, do auto por inadequação do vínculo que titula a prestação de atividade, nos termos do nº 1 do artigo 15.º-A da Lei n.º 107/2009, de 14 de setembro, na sua redação atual, dando-lhe o prazo de dez dias para proceder à regularização da situação do trabalhador KK, supra referido e para fazer prova perante a ACT dessa regularização mediante a apresentação do contrato de trabalho por tempo indeterminado ou de documento comprovativo da existência do mesmo reportado à data do início da relação laboral.

97) À qual a Ré respondeu, não tendo regularizado a situação para com este trabalhador.

Processo n.º 1994/23.3T8CTB (apenso G); estafeta: PP

12 e 95) PP, contribuinte fiscal n.º 8, com o título de residência n.º 7 nascido em ...-...-1987, de nacionalidade paquistanesa, presta a atividade de estafeta com a aplicação da Ré, pelo menos desde setembro de 2022 (redação dada pelo TRC, relativamente aos pontos 12 e 95).

19) Considerando as indicações recebidas, o prestador de atividade PP procedeu, no dia referido supra, à entrega de diversos pedidos formulados e reproduzidos no écran do seu telemóvel.

20) Nesse mesmo dia recebeu vários pedidos remetidos pela plataforma GLOVOAPP.

21) Nessa ocasião, surgiu no écran do telemóvel, os pontos de recolha e os pontos de entrega, e a distância a percorrer.

22) Nessa ocasião, o “multiplicador” definido pelo prestador de atividade PP não foi apurado.

96) Por email de 7/11/2023 e carta registada com AR, a ACT procedeu à notificação da Ré Plataforma Digital GLOVOAPP PORTUGAL, UNIPESSOAL LDA, beneficiária da atividade, do auto por inadequação do vínculo que titula a prestação de atividade, nos termos do nº 1 do artigo 15.º-A da Lei n.º 107/2009, de 14 de setembro, na sua redação atual, dando-lhe o prazo de dez dias para proceder à regularização da situação do trabalhador PP, supra referido e para fazer prova perante a ACT dessa regularização mediante a apresentação do contrato de trabalho por tempo indeterminado ou de documento comprovativo da existência do mesmo reportado à data do início da relação laboral.

97) À qual a Ré respondeu, não tendo regularizado a situação para com este trabalhador.

Processo n.º 1995/23.1T8CTB (apenso H); estafeta: GG

12 e 95) GG, contribuinte fiscal n.º 9, com o título de residência n.º 8 nascido em ...-...-1992, de nacionalidade brasileira, presta a atividade de estafeta com a aplicação da Ré pelo menos abril de 2021.

O estafeta trabalha num call center desde 26.04.2023 (8h/dia), período que foi antecedido de uma formação iniciada em janeiro de 2023 (5h/dia). (redação dada pelo TRC, relativamente aos pontos 12 e 95).

19) Considerando as indicações recebidas, o prestador de atividade GG procedeu, no dia referido supra, à entrega de diversos pedidos formulados e reproduzidos no écran do seu telemóvel.

20) Nesse mesmo dia recebeu vários pedidos remetidos pela plataforma GLOVOAPP.

21) Nessa ocasião, surgiu no écran do telemóvel, os pontos de recolha e os pontos de entrega, e a distância a percorrer.

22) Nessa ocasião, o “multiplicador” definido pelo prestador de atividade GG não foi apurado.

96) Por email de 7/11/2023 e carta registada com AR, a ACT procedeu à notificação da Ré Plataforma Digital GLOVOAPP PORTUGAL, UNIPESSOAL LDA, beneficiária da atividade, do auto por inadequação do vínculo que titula a prestação de atividade, nos termos do nº 1 do artigo 15.º-A da Lei n.º 107/2009, de 14 de setembro, na sua redação atual, dando-lhe o prazo de dez dias para proceder à regularização da situação do trabalhador GG, supra referido e para fazer prova perante a ACT dessa regularização mediante a apresentação do contrato de trabalho por tempo indeterminado ou de documento comprovativo da existência do mesmo reportado à data do início da relação laboral.

97) À qual a Ré respondeu, não tendo regularizado a situação para com este trabalhador.

Processo n.º 1997/23.6T8CTB (apenso I); estafeta: LL

12 e 95) LL, contribuinte fiscal n.º 10, com o título de residência n.º 9 nascido em ...-...-1990, de nacionalidade nepalesa, presta a atividade de estafeta com a aplicação da Ré, pelo menos desde 01-09-2023.

O estafeta tem um minimercado.

Nos últimos 3 a 5 meses, antes da audiência de julgamento em 22.05.2024, não fez entregas. (redação dada pelo TRC, relativamente aos pontos 12 e 95)

19) Considerando as indicações recebidas, o prestador de atividade LL procedeu, no dia referido supra, à entrega de diversos pedidos formulados e reproduzidos no écran do seu telemóvel.

20) Nesse mesmo dia recebeu vários pedidos remetidos pela plataforma GLOVOAPP.

21) Nessa ocasião, surgiu no écran do telemóvel, os pontos de recolha e os pontos de entrega, e a distância a percorrer.

22) Nessa ocasião, o “multiplicador” definido pelo prestador de atividade LL não foi apurado.

96) Por email de 7/11/2023 e carta registada com AR, a ACT procedeu à notificação da Ré Plataforma Digital GLOVOAPP PORTUGAL, UNIPESSOAL LDA, beneficiária da atividade, do auto por inadequação do vínculo que titula a prestação de atividade, nos termos do nº 1 do artigo 15.º-A da Lei n.º 107/2009, de 14 de setembro, na sua redação atual, dando-lhe o prazo de dez dias para proceder à regularização da situação do trabalhador LL, supra referido e para fazer prova perante a ACT dessa regularização mediante a apresentação do contrato de trabalho por tempo indeterminado ou de documento comprovativo da existência do mesmo reportado à data do início da relação laboral.

97) À qual a Ré respondeu, não tendo regularizado a situação para com este trabalhador.

Processo n.º 1999/23.4T8CTB (apenso J); estafeta: MM

12 e 95) MM, contribuinte fiscal n.º 11, com o passaporte n.º 1 nascido em ...-...-2000, de nacionalidade brasileira, prestou atividade de estafeta com a aplicação da Ré, entre 30-08-2023 e até aproximadamente 2,5 meses antes da audiência de julgamento em 17.06.2024, altura em que cessou atividade.

O estafeta é operário fabril numa fábrica desde agosto de 2023. (redação dada pelo TRC, relativamente aos pontos 12 e 95).

19) Considerando as indicações recebidas, o prestador de atividade MM procedeu, no dia referido supra, à entrega de diversos pedidos formulados e reproduzidos no écran do seu telemóvel.

20) Nesse mesmo dia recebeu vários pedidos remetidos pela plataforma GLOVOAPP.

21) Nessa ocasião, surgiu no écran do telemóvel, os pontos de recolha e os pontos de entrega, e a distância a percorrer.

22) Nessa ocasião, o “multiplicador” definido pelo prestador de atividade MM não foi apurado.

96) Por email de 7/11/2023 e carta registada com AR, a ACT procedeu à notificação da Ré Plataforma Digital GLOVOAPP PORTUGAL, UNIPESSOAL LDA, beneficiária da atividade, do auto por inadequação do vínculo que titula a prestação de atividade, nos termos do nº 1 do artigo 15.º-A da Lei n.º 107/2009, de 14 de setembro, na sua redação atual, dando-lhe o prazo de dez dias para proceder à regularização da situação do trabalhador MM, supra referido e para fazer prova perante a ACT dessa regularização mediante a apresentação do contrato de trabalho por tempo indeterminado ou de documento comprovativo da existência do mesmo reportado à data do início da relação laboral.

97) À qual a Ré respondeu, não tendo regularizado a situação para com este trabalhador.

Processo n.º 2000/23.3T8CTB (apenso K); estafeta: HH

12 e 95) HH, contribuinte fiscal n.º 12, com o título de residência n.º 10 nascido em ...-...-1990, de nacionalidade brasileira, prestou atividade de estafeta com a aplicação da Ré, desde, pelo menos, 2022 e até aproximadamente 4 meses antes da audiência de julgamento em 17.06.2024, altura em que cessou atividade.

O prestador de atividade é motorista de pesados. (redação dada pelo TRC, relativamente aos pontos 12 e 95).

19) Considerando as indicações recebidas, o prestador de atividade HH procedeu, no dia referido supra, à entrega de diversos pedidos formulados e reproduzidos no écran do seu telemóvel.

20) Nesse mesmo dia recebeu vários pedidos remetidos pela plataforma GLOVOAPP.

21) Nessa ocasião, surgiu no écran do telemóvel, os pontos de recolha e os pontos de entrega, e a distância a percorrer.

22) Nessa ocasião, o “multiplicador” definido pelo prestador de atividade HH não foi apurado.

96) Por email de 7/11/2023 e carta registada com AR, a ACT procedeu à notificação da Ré Plataforma Digital GLOVOAPP PORTUGAL, UNIPESSOAL LDA, beneficiária da atividade, do auto por inadequação do vínculo que titula a prestação de atividade, nos termos do nº 1 do artigo 15.º-A da Lei n.º 107/2009, de 14 de setembro, na sua redação atual, dando-lhe o prazo de dez dias para proceder à regularização da situação do trabalhador HH, supra referido e para fazer prova perante a ACT dessa regularização mediante a apresentação do contrato de trabalho por tempo indeterminado ou de documento comprovativo da existência do mesmo reportado à data do início da relação laboral.

97) À qual a Ré respondeu, não tendo regularizado a situação para com este trabalhador.

Processo n.º 1993/23.5T8CTB (apenso L); estafeta: II

12 e 95) II, contribuinte fiscal n.º 13, com o cartão de cidadão n.º 1, nascido em ...-...-1996, de nacionalidade portuguesa, prestou atividade de estafeta com a aplicação da Ré de novembro de 2022 até junho de 2023.

O estafeta utilizava a aplicação da Ré e a aplicação da UBER no mesmo telefone e em simultâneo, sendo que utilizou mais a aplicação da UBER.

O estafeta é operador de caixa (redação dada pelo TRC, relativamente aos pontos 12 e 95).

19) Considerando as indicações recebidas, o prestador de atividade II procedeu, no dia referido supra, à entrega de diversos pedidos formulados e reproduzidos no écran do seu telemóvel.

20) Nesse mesmo dia recebeu vários pedidos remetidos pela plataforma GLOVOAPP.

21) Nessa ocasião, surgiu no écran do telemóvel, os pontos de recolha e os pontos de entrega, e a distância a percorrer.

22) Nessa ocasião, o “multiplicador” definido pelo prestador de atividade II não foi apurado.

96) Por email de 7/11/2023 e carta registada com AR, a ACT procedeu à notificação da Ré Plataforma Digital GLOVOAPP PORTUGAL, UNIPESSOAL LDA, beneficiária da atividade, do auto por inadequação do vínculo que titula a prestação de atividade, nos termos do nº 1 do artigo 15.º-A da Lei n.º 107/2009, de 14 de setembro, na sua redação atual, dando-lhe o prazo de dez dias para proceder à regularização da situação do trabalhador II supra referido e para fazer prova perante a ACT dessa regularização mediante a apresentação do contrato de trabalho por tempo indeterminado ou de documento comprovativo da existência do mesmo reportado à data do início da relação laboral.

97) À qual a Ré respondeu, não tendo regularizado a situação para com este trabalhador.


III.


a. - Quanto à delimitação do objeto do contrato de trabalho, no seu confronto com o contrato de prestação de serviço.

8. Segundo o art. 1152º, do Código Civil, “Contrato de trabalho é aquele pelo qual uma pessoa se obriga, mediante retribuição, a prestar a sua atividade (…) a outra pessoa, sob a autoridade e direção desta”.

Idêntica noção constava da legislação laboral, até que o Código do Trabalho de 2009, no seu art. 11º, suprimindo o vocábulo “direção” e introduzindo na definição o elemento organizatório, adotou a seguinte redação: “Contrato de trabalho é aquele pelo qual uma pessoa singular se obriga, mediante retribuição, a prestar a sua atividade a outra ou outras pessoas, no âmbito de organização e sob a autoridade destas”.

Com esta alteração, ter-se-á pretendido sinalizar a desnecessidade de o trabalhador efetivamente receber “ordens diretas e sistemáticas”, bem como, por outro lado, a conexão em regra existente entre a inserção do trabalhador na organização do empregador e a autoridade deste (cfr. infra nº 11).

9. Ao contrário das relações de trabalho autónomo, nas quais se proporciona um resultado do trabalho, nas de trabalho subordinado (que corporizam uma mera obrigação de meios), uma das partes obriga-se a prestar a outra uma atividade positiva e heterodeterminada, cujo conteúdo preciso é (em maior ou menor medida) unilateralmente fixado pelo empregador (apresentando, à partida, um certo grau de indeterminação, a prestação vai sendo “potestativamente”1 determinada por este).

Todavia, são frequentemente inseparáveis a atividade e o seu resultado, pelo que “os limites operativos deste critério obrigam a considerá-lo como um critério de mera prevalência 2; ou seja, “no contrato de trabalho a atividade tem um valor prevalente para o empregador, enquanto no contrato de prestação de serviço é o resultado dessa atividade que tem mais relevo para o credor” 3.

Como nota Monteiro Fernandes, “a referenciação do vínculo à atividade indica que o trabalhador não suporta o risco da eventual frustração do resultado pretendido pela contraparte” 4; mas, apesar de a obtenção do resultado não estar, em regra, “dentro do círculo do comportamento devido pelo trabalhador”, “esse resultado ou efeito pode, todavia, constituir elemento referencial necessário ao próprio recorte do comportamento devido”, pois, independentemente de o trabalhador conhecer, ou não, o “escopo global e terminal” visado pelo empregador, “o processo em que a atividade (...) se insere é naturalmente pontuado por uma série de objetivos imediatos, (...) fins técnico-laborais, os quais, ou uma parte dos quais (...), se pode exigir – presumir – sejam nitidamente representados pelo trabalhador” 5.

Em especial, não são de fácil integração na dicotomia atividade-resultado aqueles casos em que, sendo contratualizado o próprio trabalho (e não o seu resultado), ele se desenvolve com elevado grau de independência e autonomia técnica, embora no âmbito do quadro organizativo do outro contraente, que – com maior ou menor nitidez, ainda que apenas potencialmente – orienta/dirige o seu trabalho.

Paradigmáticas destas dificuldades são as múltiplas situações em que a atividade é suscetível de ser levada a cabo, indistintamente, quer num quadro de subordinação, quer em termos autónomos, como é o caso das profissões liberais (médicos, enfermeiros, arquitetos, engenheiros, advogados, etc.), dos jornalistas, de alguns artistas (v.g. os profissionais de espetáculos, como é o caso dos músicos) ou dos estafetas que prestam atividade laborativa no âmbito de plataformas digitais e aplicações associadas.

10. Enquanto elemento basilar do contrato de trabalho, a subordinação jurídica corporiza-se: (i) na posição de desigualdade/dependência do trabalhador que é inerente à sua inserção, em maior ou menor grau, numa estrutura organizacional alheia (estrutura que não se reconduz necessariamente a uma empresa, podendo até ser muito rudimentar6) , dotada de regras de funcionamento próprias; (ii) na correspondente posição de domínio do empregador, traduzida na titularidade do poder de direção (que implica o dever de obediência às ordens e instruções do empregador, maxime no tocante ao modo de cumprimento/execução da prestação, bem como às regras organizacionais e de conduta estabelecidas) e do poder disciplinar.

Diferentemente da “atividade” e da “retribuição”, categorias presentes em vários tipos contratuais, é na “subordinação jurídica” – elemento que no essencial o caracteriza e demarca de realidades fronteiriças – que reside a especificidade mais típica do contrato de trabalho.

11. Porém, a nova economia colaborativa e digital (acarretando substituição do trabalho humano por tecnologia, hiperconectividade e teletrabalho e, em geral, exigências organizativas das empresas muito distanciadas do modelo taylorista/fordista) está a provocar profundas mudanças nos modelos de organização do trabalho e do emprego.

Assistimos a toda uma panóplia de manifestações de flexibilidade laboral (temporal e espacial) e de fragmentação e externalização do processo produtivo, ganhando expressão a dependência organizativa, bem como a dependência económica a ela associada. Aumentando muito significativamente as margens e expressões de autonomia no campo do trabalho subordinado, esbate-se a oposição tradicionalmente existente entre o trabalho subordinado e o trabalho autónomo.

Deste modo, enquanto fator identificativo do contrato de trabalho, a subordinação perspetiva-se atualmente como elemento dotado de grande plasticidade, munido de “novos rostos”, e, nessa medida, num “identificador problemático”7.

Na verdade, uma vez que aumentaram, de forma significativamente relevante, por um lado, as margens e expressões de autonomia no campo do trabalho subordinado (...), mas também foi possível verificar, por outro lado, que o próprio domínio do trabalho independente ou autónomo passou a conhecer, de forma crescente, expressões de tutela e enquadramento que são mais próprias do típico trabalho subordinado”, a oposição tradicionalmente existente entre o trabalho subordinado e o trabalho autónomo vai-se esbatendo e diluindo, “através de um processo de metamorfose das formas jurídicas de exercício do poder por parte do empregador”.8

Por seu turno, Júlio Gomes, chamando a atenção para as implicações da “automatização” e da “informatização”, que “permitem a integração à distância e novas modalidades” de trabalho9, sinaliza que “a malha” da subordinação jurídica não é atualmente, porventura, a mais adequada para “filtrar” ou selecionar os casos que mais carecem de tutela10.

Por conseguinte, nem sempre estando presentes alguns dos seus traços tradicionais e mais característicos, a subordinação deve perspetivar-se enquanto conceito de “geometria variável”, que comporta graus de intensidade diversos, em função, nomeadamente, da natureza da atividade e/ou da confiança que o empregador deposita no trabalhador, assumindo natureza jurídica e não técnica, “no sentido em que é compatível com a autonomia técnica e deontológica (...) e se articula com as aptidões profissionais especificas do próprio trabalhador e com a autonomia inerente à especificidade técnica da (...) atividade”11, sendo, deste modo, consentânea, designadamente, com atividades profissionais altamente especializadas ou que tenham uma forte componente académica ou artística12 (realidade específica que, evidentemente, não é a do caso dos autos e que apenas se menciona para contextualizar o conjunto desta problemática), tal como pode ser meramente potencial, bastando a possibilidade de exercício dos inerentes poderes pelo empregador.

Na verdade, como paradigmaticamente refere sobre esta problemática Monteiro Fernandes:13

«A subordinação pode não transparecer em cada instante do desenvolvimento da relação de trabalho. Muitas vezes, a aparência é de autonomia do trabalhador, que não recebe ordens diretas e sistemáticas (…).

Um dos motivos pelos quais a aparência das situações concretas pode ser enganadora consiste no facto de ser suficiente, para que haja subordinação, um estado de dependência potencial do trabalhador (conexo à disponibilidade que o patrão obteve pelo contrato), não sendo necessário que essa dependência se manifeste ou explicite em atos de autoridade e direção efetiva.(…) A ausência de ordens resulta da desnecessidade ou mesmo do interesse do empregador em beneficiar plenamente das aptidões do empregado. Isto é tanto mais real quanto mais se avança na sofisticação e diferenciação das qualificações profissionais. Muitos trabalhadores conhecem melhor o trabalho que têm que realizar do que o empregador. No entanto, este conserva o poder de, se quiser ou lhe convier, dar ordens e instruções (…).

(…)

Há, pois, uma progressiva desvalorização dos comportamentos diretivos na caracterização do trabalho subordinado (…) [sob pena de se deixar] à margem da regulamentação laboral um número crescente de situações de verdadeiro “emprego”, em tudo merecedoras do mesmo tratamento.

Na verdade, a subordinação consiste, essencialmente, no facto de uma pessoa exercer a sua atividade em proveito de outra, no quadro de uma organização de trabalho (…) concebida, ordenada e gerida por essa outra pessoa. O elemento organizatório implica que o prestador de trabalho está adstrito a observar os parâmetros de organização e funcionamento definidos pelo beneficiário, submetendo-se, nesse sentido, à autoridade que ele exerce no âmbito da organização de trabalho, ainda que execute a sua atividade sem, de facto, receber qualquer indicação conformativa que possa corresponder à ideia de “ordens e instruções” (…).

O elemento-chave de identificação do trabalho subordinado há de, pois, encontrar-se no facto de o trabalhador não agir no seio de uma organização própria, antes se integrar numa organização de trabalho alheia, dirigida à obtenção de fins igualmente alheios (…), o que implica, da sua parte, a submissão às regras que exprimem o poder de organização do empregador – à autoridade deste, em suma, derivada da sua posição na mesma organização.

É nesta perspetiva que (…) se entende o enunciado, nessa parte, da definição legal do contrato de trabalho adotada no Código revisto: a (muito) antiga referência à “direção” do empregador é substituída pela alusão ao facto de o trabalhado ser executado “no âmbito de organização” dele, e, naturalmente, sob a sua “autoridade”.»

12. Efetivamente, há várias situações profissionais em que é muito estreita a fronteira entre subordinação e autonomia e, nessa medida, entre o contrato de trabalho e outros tipos contratuais (maxime, o contrato de prestação de serviço), realidade que vem suscitando acrescidas dificuldades de enquadramento jurídico no contexto atual, marcado pelas novas tecnologias e por novas formas de organização do trabalho, traduzidas, nomeadamente, nas mais diversas modalidades de flexibilidade e mobilidade laboral, maior autonomia técnica dos trabalhadores e pela diluição de vários dos elementos tradicionalmente presentes numa abordagem rígida do conceito de subordinação jurídica.

Estas zonas cinzentas estão cada vez mais presentes nas relações que se estabelecem entre as empresas e os seus colaboradores; e as relações de emprego atípicas vão-se tornando cada vez mais típicas.

Com frequência, trabalhadores ditos independentes são economicamente dependentes da empresa em que desenvolvem a sua atividade, não raro ao longo de vários anos e em situação de exclusividade. Acresce que em muitos casos eles trabalham na esfera da organização empresarial, utilizam equipamentos desta e executam tarefas semelhantes às de “colegas” seus formalmente assalariados, relativamente aos quais nem sempre se evidencia uma diferença nítida em termos de inserção na estrutura organizativa.

Todo um campo privilegiado, pois, para relações de trabalho pouco claras, ambíguas ou encobertas.

(b) – Se a (nova) presunção de laboralidade consagrada no art. 12.º-A, do CT, é aplicável às relações jurídicas iniciadas antes da sua entrada em vigor.

13. A presunção de contrato de trabalho no âmbito de plataforma digital foi introduzida na nossa ordem jurídica pela Lei n.º 13/2023, de 3 de abril, no contexto da agenda do trabalho digno e de toda uma série de desafios suscitados pela chamada “economia das plataformas”, que é uma das manifestações mais visíveis e significativas das profundas alterações que a digitalização – pondo em crise os parâmetros tradicionais da qualificação do trabalho como subordinado e potenciando falsas situações de autonomia – introduziu no plano da organização e execução do trabalho.

Esta inovação assume marcada relevância, pois, no dizer de QQ, “com a atual configuração legal, pode (…) dizer-se que, pela primeira vez, a presunção de laboralidade desempenha uma função útil na qualificação do contrato de trabalho”.14

Como se sabe, a nova presunção resulta de imposição que veio a ser consagrada na Diretiva (UE) 2024/2831 do Parlamento Europeu e do Conselho de 23 de outubro de 2024, publicada no Jornal Oficial da União Europeia em 11.11.2014, a qual, exprimindo o empenhamento das instituições da União Europeia no combate ao abuso do estatuto de trabalhador independente e às já apontadas relações de trabalho encobertas (em linha com a Recomendação nº 198 (2006) da OIT), e visando, precisamente, a melhoria das condições de trabalho em plataformas digitais15, assenta, entre outros, nos seguintes considerandos/pressupostos que importa destacar:

– O artigo 31.º da Carta dos Direitos Fundamentais da União Europeia prevê que todos os trabalhadores têm direito a condições de trabalho justas e equitativas que respeitem a sua saúde, segurança e dignidade.

– Os trabalhadores têm direito a um tratamento justo e equitativo em matéria de condições de trabalho.

– A digitalização está a mudar o mundo do trabalho, a melhorar a produtividade e a flexibilidade, mas comporta também alguns riscos para o emprego e as condições de trabalho.

– As tecnologias baseadas em algoritmos, incluindo os sistemas automatizados de monitorização e os sistemas automatizados de tomada de decisões, permitiram o aparecimento e o crescimento de plataformas de trabalho digitais. Se forem devidamente regulamentadas e aplicadas, as novas formas de interação digital e as novas tecnologias no mundo do trabalho podem criar oportunidades de acesso a empregos dignos e de qualidade para pessoas que tradicionalmente não teriam tal acesso. No entanto, se não forem regulamentadas, podem também resultar numa vigilância baseada em meios tecnológicos, aumentar os desequilíbrios de poder e a opacidade na tomada de decisões, bem como pôr em risco condições de trabalho dignas, a saúde e a segurança no trabalho, a igualdade de tratamento e o direito à privacidade.

– O trabalho em plataformas digitais pode resultar numa imprevisibilidade dos horários de trabalho e pode dificultar a distinção entre “relação de trabalho” e “atividade independente”, bem como a separação de responsabilidades dos empregadores e trabalhadores. A classificação incorreta do estatuto profissional tem consequências para as pessoas afetadas, na medida em que pode restringir o acesso aos direitos laborais e sociais existentes. Além disso, gera condições injustas de concorrência para as empresas que classificam corretamente os seus trabalhadores e tem implicações nos sistemas de relações laborais dos Estados-Membros, na sua base tributável e na cobertura e sustentabilidade dos seus sistemas de proteção social.

– A fim de combater o falso trabalho independente em plataformas digitais e facilitar a determinação do estatuto profissional correto das pessoas que trabalham em plataformas digitais, os Estados-Membros deverão dispor de procedimentos adequados para prevenir e eliminar a classificação incorreta do estatuto profissional das pessoas que nelas trabalham.

14. No caso em apreço, tendo em conta que a relação jurídica estabelecida entre alguns dos estafetas em causa se iniciou em data anterior à da entrada em vigor do art. 12.º-A, do CT (o que teve lugar em 01.05.2023, como preceitua o art. 37º da sobredita Lei n.º 13/2023), o Tribunal da Relação entendeu, diferentemente da 1ª Instância, que esta norma é inaplicável a tais casos.

Não acompanhamos esta conclusão, pelas razões que se passam a expor.

15. Sobre a aplicação das leis no tempo há a considerar, desde logo, os princípios gerais constantes do art. 12º do Código Civil, que tem o seguinte teor: “1. A lei só dispõe para o futuro; ainda que, lhe seja atribuída eficácia retroativa, presume-se que ficam ressalvados os efeitos já produzidos pelos factos que a lei se destina a regular. 2. Quando a lei dispõe sobre as condições de validade substancial ou formal de quaisquer factos ou sobre os seus efeitos, entende-se, em caso de dúvida, que só visa os factos novos; mas, quando dispuser diretamente sobre o conteúdo de certas relações jurídicas, abstraindo dos factos que lhes deram origem, entender-se-á que a lei abrange as próprias relações já constituídas, que subsistam à data da sua entrada em vigor”.

Especificamente sobre a matéria ora em discussão no recurso, atinente à aplicação no tempo do art. 12.º-A, do CT, rege o art. 35º da referida Lei n.º 13/2023: “Ficam sujeitos ao regime do Código do Trabalho, com a redação dada pela presente lei, os contratos de trabalho celebrados antes da entrada em vigor desta lei, salvo quanto a condições de validade e a efeitos de factos ou situações anteriores àquele momento. Ao contrário do que sustenta a ré nas contra-alegações apresentadas no âmbito da revista do MP, havendo, desta forma, uma disposição legal específica sobre esta matéria, não há que chamar à colação o art. 5º, nº 6, da sobredita Diretiva (UE) 2024/2831, cujo conteúdo, não só não foi transposto para o direito nacional, como rege de forma com ele contrastante.

No essencial, esta disposição legal encontra-se alinhada com o disposto no art. 7º da Lei nº 7/2009, de 12 de fevereiro, relativo à aplicação no tempo do Código do Trabalho de 2009 [“Sem prejuízo do disposto no presente artigo e nos seguintes, ficam sujeitos ao regime do Código do Trabalho aprovado pela presente lei os contratos de trabalho (…) celebrados ou adotados antes da entrada em vigor da referida lei, salvo quanto a condições de validade e a efeitos de factos ou situações totalmente passados anteriormente àquele momento”], afigurando-se-nos que aos segmento finais destas duas norma, pese embora a diferente técnica legislativa (onde agora se diz “… anteriores àquele momento”, dizia-se antes “… totalmente passados anteriormente àquele momento”), deverá ser atribuído o mesmo sentido.

16. Incontornavelmente, sobre esta matéria, refere Joana Nunes Vicente16:

“[A] norma relativa à presunção de laboralidade não é uma norma que diretamente disponha sobre requisitos de validade nem sobre o conteúdo ou sobre os efeitos de uma situação jurídica contratual. A presunção de laboralidade vai incidir sobre factos que condicionam a qualificação jurídica de uma dada relação jurídica, à qual irá depois corresponder, de facto, uma determinada disciplina jurídica. Do funcionamento da presunção infere-se precisamente um facto presumido complexo ou um conjunto de factos presumidos – os elementos constitutivos da noção de contrato de trabalho: a atividade, a retribuição e a subordinação jurídica – que permitem a qualificação da relação em causa como uma relação de trabalho subordinado”.

Na verdade, in casu não estão em discussão as condições de validade das relações jurídicas estabelecidas entre as partes, nem, sequer, os efeitos jurídicos de factos/situações (totalmente) anteriores à entrada em vigor da lei nova.

Do que se trata é – relativamente a cada um dos autores – de determinar as regras em função das quais se afere a qualificação jurídica de dada situação (jurídica), traduzida na prestação duradoura de uma atividade produtiva, situação que, no tocante a todos eles, perdurou para além do momento da entrada em vigor da Lei n.º 13/2023.

Nesta perspetiva, sobre a aplicação no tempo das normas relativas às presunções legais, Baptista Machado sustenta que, em geral, “elas se aplicam diretamente aos atos ou aos factos aos quais vai ligada a presunção e que, portanto, a lei aplicável é a lei vigente ao tempo em que se verificarem esses factos ou atos (…) com ressalva apenas daquelas hipóteses em que uma presunção legal (…) se refira aos pressupostos de uma SJ [situação jurídica] inteiramente nova (…)”17.

Deste modo, encontrando-se em causa relações jurídicas duradouras (como acontece nas situações reportadas nos autos), nada obsta, e tudo aconselha, a que aos diferentes factos praticados em execução do conjunto de cada programa contratual sejam aplicáveis as normas concernentes a presunções de laboralidade que estejam em vigor à data da respetiva produção.

Com efeito, se com a presunção de laboralidade apenas se visa facilitar a qualificação jurídica das situações de fronteira entre o trabalho autónomo e o trabalho subordinado, e sabido que com ela não se produz qualquer alteração dos princípios relativos à distribuição da prova, mas (com base em imperativos de verdade/justiça material e de combate à dissimulação do contrato de trabalho e à precariedade) o mero aligeiramento do ónus que sobre o trabalhador impende neste âmbito18, não se vislumbram quaisquer razões de segurança/estabilidade jurídicae muito menos de salvaguarda de eventuais direitos adquiridos, de proteção da confiança ou da autonomia da vontade – que determinantemente imponham diversa solução, ao contrário do que sustenta a ré nas contra-alegações apresentadas no âmbito da revista do MP.

Nas palavras de Monteiro Fernandes, “afigura-se difícil aceitar que um instrumento destinado a potenciar as probabilidades de [a] verdade material ser captada e juridicamente enquadrada possa constituir fator de desequilíbrio no desenvolvimento de qualquer litígio em que essa qualificação esteja em causa”19.

É certo que, nesta matéria, o Supremo Tribunal de Justiça tem limitado a aplicação da lei nova aos casos em que, após o início da sua vigência, o vínculo obrigacional estabelecido entre as partes se vai reconfigurando ao longo do tempo20.

Mas, mormente no plano da ação de reconhecimento da existência de contrato de trabalho, não se vê que seja de exigir efetiva comprovação dessa reconfiguração, em especial em casos – como paradigmaticamente acontece nas plataformas digitais – em que, pelas próprias especificidades inerentes à atividade prestada, esta tem naturalmente associados elevados grau de heterogeneidade, atipicidade, aleatoriedade e fluidez [como de forma lapidar evidenciam os “Considerandos” da aludida Diretiva (UE) 2024/2831] que implicam a sua sucessiva reconstrução (Cfr. Ac. de 15.05.2025 desta Secção Social do STJ, Proc. n.º 1980/23.3T8CTB.C2.S1, já referido na nota de rodapé nº 1).

Em suma, relativamente a relações jurídicas iniciadas antes da entrada em vigor do art. 12.º-A, do CT, a presunção de contrato de trabalho no âmbito de plataforma digital é aplicável aos factos enquadráveis nas diferentes alíneas do seu nº 1 que, no âmbito dessas relações jurídicas, tenham sido praticados posteriormente àquele momento (01.05.2023).

É este sentido unânime da jurisprudência do STJ sobre esta matéria.

(c) – Quanto ao recurso da ré.

17. A sentença da 1ª Instância ajuizou que o autor logrou provar as bases da presunção de laboralidade ínsitas nas alíneas a), b), c) e d) do nº 1 do art. 12º-A, do CT, para o que aduziu a seguinte argumentação:

«[A]avançando para a primeiro indício (“a plataforma digital fixa a retribuição para o trabalho efetuado na plataforma ou estabelece limites máximos e mínimos para aquela”) (…), entende-se que, efetivamente a ré estabelecia os limites máximo e mínimo da retribuição dos estafetas em questão nos presentes autos. Na verdade, e conforme já referido quanto ao valor recebido pelos estafetas, este dependia do valor que pela ré era fixado unilateralmente. (…) Não se descura o fato do estafeta poder majorar o valor a receber relativamente a cada pedido concreto que lhe é atribuído, mas daí não resulta que o estafeta possa efetivamente determinar o valor a receber. Por um lado, porque esse valor não pode ser majorado na medida em que o estafeta bem entender, tendo um limite máximo fixado pela ré (atualmente de 1.10), e por outro porque a liberdade conferida ao estafeta de majorar o valor da entrega tem como contrapartida uma diminuição do número de pedidos. (…) Se a ideia é proporcionar um serviço competitivo, é lógico que sejam beneficiados os estafetas mais rápidos (que estejam mais perto do local de recolha) e que apresentem um multiplicador mais baixo.

(…)

Passando agora ao 2º indício (“a plataforma digital exerce o poder de direção e determina regras específicas, nomeadamente quanto à forma de apresentação do prestador de atividade, à sua conduta perante o utilizador do serviço ou à prestação da atividade”), entende-se que também aqui logrou o Ministério Público provar que a GLOVO determina regras especificas, pelo menos, quanto à prestação da atividade, crendo-se mesmo que a GLOVO estabelece todos os passos que os estafetas devem seguir. Isto porque, conforme salientado, ficou amplamente demonstrado, em face da prova produzida, que os estafetas para poderem prestar a sua atividade têm de se registar no site, entregando a documentação que lhes é solicitada, declarar o meio de transporte que vão usar, devendo diligenciar pelo seguro do mesmo, assinar os respetivos termos e condições, para depois, após lhes ser concedida autorização para o acesso à APP, que deverão instalar em telemóvel que possuam, com acesso a dados móveis e GPS, se ligarem e receberem pedidos de entrega, que – se aceitarem - deverão recolher e entregar nas moradas que para o efeito lhes forem fornecidas, acondicionando-os em mochila térmica, que terão de adquirir para o efeito, obrigando-se os estafetas, designadamente, a não partilhar a sua conta com terceiros não autorizados (para o que terão de tirar uma selfie sempre que tal for aleatoriamente solicitado pela plataforma, de forma a que esta possa determinar, sempre que entender, a titularidade da conta). É certo que os estafetas poderão aceitar ou não o pedido (e até alterar o percurso, podendo seguir um itinerário diferente do que lhes é indicado pelo GPS), mas essas são as únicas liberdades que têm. O procedimento de entrega da GLOVO encontra-se perfeitamente padronizado e decorrerá da mesma forma, independentemente do local onde é prestado e da pessoa concreta do estafeta , que se limitará a seguir todo um esquema previamente definido pela ré, que assim, segundo se entende, determina as regras especificas quanto à prestação da atividade por parte do estafeta – mostrando-se nessa medida também verificado o indicio previsto no artigo 12º-A, nº 2, al. b) do Código do Trabalho.

Por outro lado, encontra-se também preenchido o indício de laboralidade previsto na al. c), já que a plataforma digital controla e supervisiona a prestação da atividade, incluindo em tempo real, ou verifica a qualidade da atividade prestada, nomeadamente através de meios eletrónicos ou de gestão algorítmica. Com efeito, não obstante, ter resultado que a partir do momento em que recebiam os pedidos os estafetas podiam, efetivamente, desligar a geolocalização, o certo é que ainda assim a ré controlava a atividade do mesmo. (…) Daqui resulta, de forma clara, que a ré controla de forma efetiva o desempenho do prestador à medida que o mesmo vai desenvolvendo as tarefas e executando o serviço até à entrega final, de que a plataforma tem de ter sempre conhecimento, de forma a processar o valor que pela mesma é devida ao estafeta. (…)

Acresce que, no nosso caso, resultou ainda demonstrado que o estafeta não pode subcontratar livremente, só o podendo fazer mediante autorização da ré, nos termos e condições definidos pela mesma, sendo que, também não tem autonomia de escolher os clientes ou parceiros que podem utilizar a plataforma, sendo que, violando tais condições o estafeta pode ver a sua conta bloqueada/desativada. Para além disso só pode prestar atividade na plataforma na janela horária de funcionamento da mesma na região que escolheu para trabalhar (Castelo Branco), sendo que, por isso só poderá trabalhar em Castelo Branco, dentro dos limites assinalados no mapa pela ré, como estando abrangidos e não fora deles – factualidade subsumível à previsão da al. d) do artigo 12-A, na medida em que a plataforma digital restringe a autonomia do prestador de atividade quanto à organização do trabalho, especialmente quanto à escolha do horário de trabalho (…), à utilização de subcontratados ou substitutos, através da aplicação de sanções, à escolha dos clientes ou de prestar atividade a terceiros via plataforma.»

18. Relativamente a JJ, KK, LL e MM (são apenas as relações jurídicas a estes respeitante que estão em causa no recurso da ré), o acórdão recorrido considerou – e bem – que «as alterações introduzidas à matéria de facto relativamente ao multiplicador, aos preços, às “sanções” e à subcontratação não alteram no nosso entendimento o enquadramento feito pela 1ª instância, o qual, por isso, sufragamos», sendo certo que, mormente no tocante às alíneas a), b), e c), este juízo e encontra alinhado com a jurisprudência desta Secção Social do STJ relativa a casos essencialmente idênticos (v.g. Acs. de 15.10.2025, Proc. nº n.º 28891/23.0T8LSB.L1.S1, de 03.10.2025, Proc. nº 29352/23.2T8LSB.L1.S1, e de 17.09.2025, Proc. nº 1914/23.5T8TMR.E2.S1).

19. Prosseguindo o raciocínio, concluiu por fim a Relação que a recorrente não logrou ilidir a presunção iuris tantum em causa, em virtude a matéria de facto provada não permitir concluir que o prestador de atividade trabalha com efetiva autonomia, sem estar sujeito ao controlo e poder de direção da ré, mais uma vez em linha com o ponderado neste âmbito pela 1ª Instância, destacando-se da sentença o seguinte passo:

«Ora, nos presentes autos, o que resulta da dinâmica relacional que no nosso caso se desenha, é que os estafetas prestam a sua atividade para uma organização produtiva alheia, que os frutos da sua atividade não lhes pertencem, originariamente, mas sim a outrem, a essa organização produtiva, e que eles próprios não possui uma organização empresarial própria.

Na verdade, se os estafetas em questão pretendessem ser verdadeiramente autónomos e não utilizassem a marca de que a ré é titular, estariam condenados ao fracasso, já que o êxito deste tipo de plataformas deve-se à publicidade que elas fazem nas redes sociais e nos motores de busca, sendo estes os sites que os clientes procuram quando querem o tipo de produtos que a plataforma anuncia. Assim para o desenvolvimento da atividade, os meios que o trabalhador usa e de que é proprietário, o veículo ou o telemóvel, têm um valor escasso quando comparado com a plataforma ou com o valor da marca no mercado, que são da titularidade de ré.

Verdadeiramente, o estafeta, quando se inscreve na plataforma, fica integrado na organização produtiva da ré (ficando até coberto por seguro por esta contratado), sendo que todo o processo de faturação fica a cargo da plataforma.

Conclui-se por isso que a GLOVO não se limita a encomendar ao estafeta a entrega do produto, mas também estabelece a forma como deverá fazê-lo, controlando todos os aspetos através da aplicação e tomando todas as decisões finais, sendo o preço, a forma de pagamento e a taxa de entrega fixados exclusivamente pela empresa, nada recebendo os estafetas diretamente dos clientes. Por outras palavras: a partir do momento em que o estafeta se liga à plataforma ele passa a integrar um serviço por ela organizado.

Daí que se considere que a ré não conseguiu ilidir a presunção de laboralidade em questão, não se conseguindo fugir à conclusão, tão bem enunciada por João Leal Amado (in “As plataformas digitais e o novo artigo 12.°-A do Código do Trabalho: empreendendo ou trabalhando?, Revista do STJ, n.º 3, disponível em www.arevista.stj.pt, pág. 89) de que “ao olhar para um qualquer estafeta, daqueles que percorrem velozmente as ruas nas suas motos (ou, mais lentamente, pedalando nas suas bicicletas), creio que nenhum de nós se convence, seriamente, de que ali vai um empresário – seja um microempresário, um motoempresário ou um cicloempresário... Não (…) Ali vai, motorizado ou pedalando, um trabalhador dependente, um trabalhador do século XXI, diferente, decerto, dos seus pais, avós ou bisavós, mas, afinal, ainda um trabalhador dependente – um subordinado de novo tipo, com contornos distintos dos tradicionais, mas, em última instância, ainda dependente e subordinado na forma como desenvolve a sua atividade”.»

Sufragamos este entendimento, que também se encontra em conformidade com toda a jurisprudência do STJ que se pronunciou sobre casos idênticos (v.g. arestos supracitados).

Com efeito:

20. A presunção legal implica a inversão do ónus da prova, ficando o trabalhador dispensado de fazer a prova dos elementos constitutivos da relação laboral (art. 350º, nº 1, do C. Civil), embora seja admitida prova em contrário para a ilidir (nº 2 do mesmo artigo), mediante a prova pela contraparte de “factos positivos excludentes da subordinação”21, ou seja, da existência de trabalho autónomo ou da falta de qualquer elemento essencial do contrato de trabalho.22 Elementos que, à luz do art. 11º, do CT, são: i) obrigação de prestar uma atividade a outrem; ii) retribuição: e iii) subordinação jurídica.

Prova em contrário consistente, numa formulação feliz de um Acórdão do TRL de 11.02.2015, citado por Milena da Silva Rouxinol e Teresa Coelho Moreira,23 na ocorrência de (contra)indícios que, “pela quantidade e impressividade, imponham a conclusão de se estar perante outro tipo de relação jurídica”.

Explicitando o seu pensamento sobre o funcionamento desta presunção, referem ainda as mesmas autoras:24

«Importa assinalar as diferenças que permitem distinguir o método indiciário do presuntivo. Com efeito, não obstante os elementos constantes das diversas alíneas do art. 12º serem, frequentemente, chamados de indícios (…) as duas técnicas (…) devem (…) distinguir-se. Sobretudo, digamo-lo claramente, se a presunção de laboralidade for aplicável, então terá de o ser em termos tais que, metodologicamente, o processo qualificativo se distinga, realmente, do subjacente ao método indiciário.

(…) [À] consagração da presunção de laboralidade subjaz uma intenção político-legislativa, de resto em linha com preocupações crescentemente manifestadas no plano internacional e europeu: em última análise, facilitar a demonstração do carácter laboral das relações jurídicas entre o prestador da atividade a outrem e o respetivo credor – o que se traduz no reforço do combate aos “falsos recibos verdes” e, bem assim, ao aclaramento de uma mais significativa área cinzenta. Em vista da concretização dessa intenção político-legislativa, impõe-se ao julgador firmar o resultado a que a presunção conduza, logo que verificados dois ou mais dos elementos enumerados no art. 12º, nº 1. Por certo que não se põe em causa (…) a necessidade de o julgador apreciar, a título de indícios de autonomia, os elementos que lhe sejam apresentados [para ilidir a presunção] (…). Nesse sentido, isto é, por força dos elementos de facto levados ao processo pela parte interessada na demonstração de que o contrato não tem natureza laboral, (…) o julgador será chamado a apreciá-los enquanto (…) indícios de sinal contrário aos elementos que hajam feito funcionar a presunção e firmar, prévia, embora provisoriamente, a natureza laboral do contrato. Numa palavra, a apreciação de índole tipológica própria do (…) método indiciário ocorrerá, então, se e na medida em que o sujeito a quem caiba iludir a presunção leve ao processo elementos passíveis de a abalar. A análise dos mesmos, em correlação com os elementos também provados e capazes de a fazer operar, determinará se são ou não suficientes para se ter como demonstrado o contrário do que se presumira

21. In casu, para além do mais, estão verificados os índices de subordinação previstos nas alíneas b) e c), que são especialmente fortes25, uma vez que os poderes de direção, supervisão e controle são elementos essenciais da relação laboral.

Sendo certo que a qualificação de determinada situação jurídica exige sempre uma abordagem holística, em que todos os factos e circunstâncias relevantes são tidos na devida conta, a favor de uma relação de trabalho subordinado, há a considerar no caso vertente, desde logo, uma forte inserção dos estafetas na organização algorítmica da ré, encontrando-se os mesmos, inclusivamente, enquanto elemento do respetivo serviço de entregas, abrangidos por um seguro de acidentes pessoais.

Especial relevo assume também a circunstância de ser detida e explorada pela R. a aplicação informática e demais software a ela associado, App que é o instrumento de trabalho essencial dos estafetas: toda a sua atividade está condicionada pela efetiva ligação/conexão a esta ferramenta digital.

Ainda no sentido da subordinação, há também a considerar o facto de o estafeta não ter qualquer obrigação de resultado para com a contraparte, bem como a circunstância de ele não assumir algum risco financeiro ou económico.

Neste contexto, não assume relevo decisivo o facto de o estafeta poder recusar serviços e conectar-se/desconectar-se da aplicação sempre que o entenda, sem ter de cumprir qualquer horário predefinido, nem de cumprir qualquer limite mínimo de tempo de disponibilidade.

A existência de um horário de trabalho não é elemento essencial do contrato de trabalho, tal como nada obsta a que o trabalhador seja pago “à peça”; e também não é de valorizar a circunstância de o estafeta poder alterar o valor base dos serviços mediante a aplicação de um multiplicador, uma vez que esta ferramenta era disponibilizada pela própria ré e dentro dos limites por esta fixados.

Do mesmo modo, não assume relevo decisivo a circunstância de LL e MM terem exercido atividades profissionais paralelas (o primeiro tem um minimercado e o segundo passou a trabalhar, também, como operário fabril), pois, como se sabe, nem a exclusividade, nem a dependência económica, são elementos essenciais do contrato de trabalho, sendo ainda certo que a lei não prevê um período temporal mínimo para o funcionamento da presunção. Por identidade de razões, também não se atribuirá qualquer relevo ao facto de alguns dos estafetas a que se reporta o recurso do MP (e elencados em infra nº 22) terem desenvolvido, paralelamente à atividade prestada para a ré, outras atividades profissionais, como é o caso de EE, GG e HH.

O mesmo acontece quanto ao ponto nº 87 da matéria de facto – possibilidade, em certas circunstâncias, de inscrição de substitutos (subcontratados) –, desde logo na medida em que não se provou que algum dos estafetas, apesar de o poderem fazer, alguma vez tenha efetivado tal faculdade, fazendo-se substituir por alguém.

Com efeito, quanto ao modus operandi (abstratamente) alegado pelas plataformas que se revele mais típico do trabalho autónomo, impõe-se sempre certificar se isso realmente acontece na prática, como notam João Leal Amado e Teresa Coelho Moreira26.

Refira-se ainda que, se a lei estipula que as restrições à autonomia do prestador de atividade no plano organizativo – mormente quanto à escolha do horário de trabalho ou dos períodos de ausência, à possibilidade de aceitar ou recusar tarefas, à utilização de subcontratados ou substitutos ou à escolha dos clientes – fazem presumir o vínculo laboralidade [alínea d) do nº 1 do art. 12º-A], parece poder concluir-se que manifestações de autonomia desta natureza, embora obstando ao funcionamento da presunção, não impedirão, só por si, o reconhecimento de um contrato de trabalho. Vale dizer que, neste âmbito, não assumem (só por si) natureza decisiva.27

Independentemente da margem de liberdade reconhecida aos estafetas em causa no exercício da sua atividade, a verdade, como já demonstrado, é que esta é desenvolvida num quadro de regras específicas definidas pela empresa, a qual – nos termos que tem por adequados e consentâneos com a prossecução do seu modelo de negócio – também controla e supervisiona a atuação da contraparte, ou tem essa possibilidade, tal como tem a possibilidade de exercer o poder disciplinar, mediante a desativação da respetiva conta.

Dir-se-á que esta possibilidade de a R. (que traduz uma resolução contratual) não permite concluir pela existência de um poder disciplinar, em virtude de o poder de resolução, em caso de violação de cláusula contratuais, ser facultado a qualquer contratante. É certo que em qualquer contrato as partes gozam do direito à respetiva resolução. Mas, no âmbito do contrato de trabalho, a resolução contratual em que se traduz o despedimento por justa causa, corporiza e pressupõe, precisamente, de alguma forma, o exercício do poder disciplinar.

Tudo a sugerir, pois, que, nesta medida, os estafetas em causa igualmente se encontravam sujeito à autoridade da R., cabendo aqui recordar que a subordinação pode ser meramente potencial, não sendo necessário que se traduza em atos de autoridade e direção efetiva, como aprofundadamente se referenciou em supra nº 11.

O conjunto de factos provados que de forma mais nítida aponta no sentido de uma relação de trabalho autónomo não é desvalorizável. Mas, para além de tudo o que já antes ficou dito, impõe-se ter presente que (com maior ou menor expressão) tais elementos são os habitual e tipicamente verificados no plano das relações estabelecidas entre os estafetas e as empresas detentoras de plataformas digitais, elementos já oportunamente ponderados pelo legislador nacional – bem como pelas instâncias e vários países da União Europeia – e que não obstaram à introdução da presunção de laboralidade em apreço no ordenamento jurídico, a qual foi consagrada nos termos tidos por mais adequados e que são obrigatórios para os tribunais.

Ainda assim, só por si, os elementos característicos da autonomia não assumem implicações determinantes, tendo em conta, desde logo, como acima se referiu, que nos situamos num “campo privilegiado para relações de trabalho pouco claras, ambíguas ou encobertas”, no qual o recurso a cláusulas contratuais com características de autonomia se encontra com frequência associado a falsos recibos verdes e ao abuso do estatuto de trabalhador independente, flagelo que as presunções de laboralidade legalmente previstas visam em grande medida combater.

Reconhecendo-se que os factos assentes não permitem considerar comprovada a subordinação jurídica em termos totalmente irrefutáveis, a verdade é que, como flui de tudo o já exposto, a ré não logrou provar factos que, “pela quantidade e impressividade, imponham a conclusão de se estar perante outro tipo de relação jurídica”, como lhe competia (cfr. supra nº 20), resultando antes dos autos uma realidade que, nos seus aspetos nucleares, não se afasta das situações paradigmaticamente contempladas no art. 12º-A do CT.

Vale dizer, desde já, que a ré não logrou ilidir a presunção de laboralidade, impondo-se, por conseguinte, concluir pela existência de um contrato de trabalho entre a R. e os sobreditos estafetas.

Não obstante, uma nota final relativamente a um derradeiro argumento utilizado pela ré, que sustenta que, caso não proceda o seu recurso, se violaria “frontalmente” o acórdão do TJUE, de 22 de abril de 2020, proferido no processo Yodel Delivery Network16, que apreciou a discricionariedade do prestador de atividade para efeitos de qualificação do seu contrato.

Sem razão, por duas razões: primeiro, na medida em que no caso sub judice os estafetas não exerceram todas as faculdades referidas no dispositivo da decisão e algumas delas não foram contratualmente proibidas (nesta parte se remetendo para tudo o que antes ficou dito); por outro lado, porque a doutrina deste aresto, como também decorre do seu dispositivo, exige sempre uma abordagem global, holística, de todos os elementos pertinentes relativos a cada prestador de atividade, o que desde logo obsta à sua aplicação mecânica a qualquer caso concreto.

Improcede, pois, a revista por si interposta.

(d) – Quanto ao recurso do Ministério Público.

22. Relativamente aos estafetas AA, BB, CC, DD, EE, FF, GG, HH e II, o Tribunal da Relação julgou a ação improcedente, apenas pelo facto de, nos termos antes expostos, ter considerado que a presunção de laboralidade do art. 12º-A do CT não lhes era aplicável, ao contrário do entendido no tocante aos outros quatros prestadores de atividade.

23. Perfilhamos o entendimento contrário (cfr. supra 16), pelo que – e sendo certo que a factualidade provada é essencialmente comum a todos os 13 estafetas em causa –, impõe-se concluir que a todos é aplicável o expendido a propósito da revista da ré.

Uma nota se impõe, todavia, relativamente ao facto dos estafetas AA, BB, DD e II, abrangidos pelo recurso do MP agora em análise, terem trabalhado não só para a ré, mas também, simultaneamente, para a plataforma digital UBER, e também para a DELPHI, escolhendo qual o serviço que lhe interessava mais fazer, de forma mais ou menos sistemática.

Como já se expressou em supra nº 21, não assume relevo decisivo a circunstância de os estafetas exercerem atividades profissionais paralelas, considerando, como ali se já referiu, que nem a exclusividade, nem a dependência económica, são elementos essenciais do contrato de trabalho, sendo ainda certo que a lei não prevê um período temporal mínimo para o funcionamento da presunção.

Assim sendo, uma vez que esta realidade não foi objeto de proibição ou limitação nos contratos celebrados entre as partes, não vemos que haja qualquer razão que obste ao trabalho para outra plataforma digital, ou seja, para tratar diferentemente esta situação específica.

24. Ainda uma nota final, relativamente à data a partir da qual produz efeitos o reconhecimento dos vínculos laborais atinentes aos estafetas em causa no recurso do MP.

Na sentença da 1ª Instância, de acordo com o peticionado nas petições iniciais, estes contratos de trabalho foram reconhecidos “com início” em 01.08.2023 ou em 01.09.2023, conforme os casos, apesar de, como se alcança da factualidade provada, o início dos vínculos contratuais ser anterior (nalguns casos bem anterior).

Consequentemente, nas alegações da presente revista, o Ministério Publico requereu o reconhecimento da existência destes contratos de trabalho, “desde as datas em que, respetivamente, de acordo com a factualidade assente, cada um deles iniciou a relação de trabalho com a Ré”.

No plano substantivo, não se vislumbra qualquer razão para diversa solução.

Com efeito, se, como se referiu em supra nº 16, com a presunção de laboralidade apenas se visa facilitar a qualificação jurídica das situações de fronteira entre o trabalho autónomo e o trabalho subordinado, aligeirando-se o ónus que sobre o trabalhador impende neste âmbito, não teria qualquer justificação cindir uma relação jurídica que é una em segmentos sujeitos a tratamentos diversos, fatiando o alcance de um instrumento dirigido a potenciar a prova de uma realidade que é una.

No plano adjetivo, também nada obsta a que assim seja considerado, uma vez que no domínio do direto processual laboral se admite a condenação extra vel ultra petitum (art. 74º, do CPT), sendo certo que a ré, tendo tido oportunidade, em sede de contra-alegações, de exercer o contraditório quanto a este ponto, nada disse nem opôs.

Procede, pois, totalmente, esta revista.

25. Não vemos que o definido no ponto anterior, relativamente ao início da produção dos efeitos do reconhecimento dos vínculos laborais, possa estender-se aos quatro estafetas em causa no recurso da ré, uma vez que o Ministério Público se conformou com o decidido nesta matéria pelo TRC e não nos encontramos no âmbito da esfera normativa do art. 634º, do CPC (extensão do recurso aos compartes não recorrentes), desde logo porque os estafetas não são compartes uns dos outros.


IV.


26. Em face do exposto acorda-se:

a. Negando a revista interposta pela ré, em confirmar os segmentos decisórios do acórdão recorrido atinentes a JJ, KK, LL e MM;

b. Concedendo a revista interposta pelo autor, em revogar os segmentos decisórios do acórdão recorrido concernentes a AA, BB, CC, DD, EE, FF, GG, HH e II, e, consequentemente, em reconhecer a existência de contratos de trabalho entre estes e a ré, desde as datas em que, respetivamente, de acordo com a factualidade assente, cada um deles iniciou estas relações laborais.

Custas das revistas, bem como nas instâncias, a cargo da ré.

Lisboa, 29.10.2025

Mário Belo Morgado, relator

Domingos Morais

José Eduardo Sapateiro

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1. Menezes Cordeiro, Manual de Direito do Trabalho, Almedina, 1994, p. 125.↩︎

2. Maria do Rosário Palma Ramalho, Tratado de Direito do Trabalho, II, 9ª edição, 2023, p. 26.↩︎

3. Ibidem.↩︎

4. Direito do Trabalho, 22ª edição, 2023, p. 131.↩︎

5. Ibidem, p. 133.↩︎

6. Cfr. Maria do Rosário Palma Ramalho, ob. cit., p. 42.↩︎

7. Cfr. Rui Assis, O poder de direção do empregador, Coimbra Editora, 2005, pp. 44 e 176.↩︎

8. Ibidem pp. 176 – 177, invocando Alain Supiot.↩︎

9. Direito do Trabalho, Volume I, Relações Individuais de Trabalho, Almedina, 2007, p. 108.↩︎

10. Ibidem, p. 113.↩︎

11. Maria do Rosário Palma Ramalho, ob. cit., p. 39.↩︎

12. Ibidem.↩︎

13. Ob. cit., pp. 137 – 140.↩︎

14. Delimitação do Contrato de Trabalho e Presunção de Laboralidade no Código do Trabalho – Breves Notas, in “Trabalho Subordinado e Trabalho Autónomo: Presunção Legal e Método Indiciário”, Seleção Formação Inicial do CEJ, p. 72,   https://cej.justica.gov.pt/LinkClick.aspx?fileticket=WqLyWKW1e10%3d&portalid=30↩︎

15. A Diretiva dispõe no seu art. 5º, sob a epígrafe “Presunção legal”:

1. A relação contratual entre uma plataforma de trabalho digital e uma pessoa que trabalha em plataformas digitais através dessa plataforma é legalmente presumida como uma relação de trabalho quando se verificarem factos que indiciem a direção e o controlo, nos termos do direito nacional, das convenções coletivas ou das práticas em vigor nos Estados-Membros e tendo em conta a jurisprudência do Tribunal de Justiça. Se a plataforma de trabalho digital pretender ilidir a presunção legal, cabe à plataforma de trabalho digital provar que a relação contratual em causa não constitui uma relação de trabalho, tal como definida pelo direito, por convenções coletivas ou pelas práticas em vigor nos Estados-Membros, tendo em conta a jurisprudência do Tribunal de Justiça.

2. Para efeitos do n.º 1, os Estados-Membros estabelecem uma presunção legal ilidível eficaz de uma relação de trabalho que constitua uma facilitação processual em benefício das pessoas que trabalham em plataformas digitais. Além disso, os Estados-Membros asseguram que a presunção legal não tem por efeito aumentar o ónus dos requisitos para as pessoas que trabalham em plataformas digitais, ou para os seus representantes, nos processos para determinar o seu estatuto profissional correto.

(…)

6. No que diz respeito às relações contratuais que entraram em vigor antes de 2 de dezembro de 2026 e que estejam ainda em vigor nessa data, a presunção legal prevista no presente artigo só é aplicável ao período iniciado a partir dessa data.↩︎

16. Código do Trabalho – Revisão de 2009, Coimbra Editora, 2011, pp. 70 – 71.↩︎

17. Sobre a aplicação no tempo do novo Código Civil, Almedina, Coimbra, 1968, pp. 274-275.↩︎

18. Cfr. Joana Nunes Vicente, loc. cit., p. 62.↩︎

19. Uma jurisprudência consolidada: a presunção de laboralidade - Revista de Estudos Laborais | Ano IX - I da 4.ª Série - N.º 1 (2019) -, p. 247.↩︎

20. V.g. Acs. de 19.06.2024, Proc. nº 368/22.8T8VRL.S1, e de 15.01.2025, Proc. nº 751/21.6T8CSC.L1.S1.↩︎

21. Na expressão de Monteiro Fernandes, Direito do Trabalho, 22ª edição, p. 155.↩︎

22. Cfr. ainda Maria do Rosário Palma Ramalho, Tratado de Direito do Trabalho, II, 9ª edição, p. 53.↩︎

23. Direito do Trabalho, Relação Individual, 2ª edição, Almedina, 2023, p. 100.↩︎

24. Ibidem, pp. 98 – 99.↩︎

25. Cfr. Milena da Silva Rouxinol e Teresa Coelho Moreira, ob. cit., pp. 118 – 119.↩︎

26. As plataformas digitais, a presunção de laboralidade e a respetiva ilisão: nótula sobre o Acórdão da Relação de Évora, de 12/09/2024, https://observatorio.almedina.net/index.php/2024/10/08/as-plataformas-digitais-a-presuncao/↩︎

27. Nesta perspetiva, a propósito da “cláusula de substituição”, cfr. João Leal Amado e Teresa Coelho Moreira   https://observatorio.almedina.net/index.php/2024/12/02/estafetas-a-presuncao-a-ilisao-e-o-equivoco-da-substituicao/↩︎