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INSOLVÊNCIA
INDEFERIMENTO LIMINAR
DESPACHO DE APERFEIÇOAMENTO
Sumário
I. Encontra-se numa situação de insolvência, tal como definida no art.º 3.º do CIRE, o devedor que não consiga cumprir pontualmente obrigações que, pelo seu significado no conjunto do respectivo passivo, ou pelas próprias circunstâncias do incumprimento, evidenciem a sua impotência para continuar a satisfazer a generalidade dos seus compromissos. II. A causa de pedir num processo de insolvência é constituída pela facticidade essencial ou nuclear que integra a previsão do art.º 3.º, do CIRE (que contém a noção base de insolvência), ou pelos factos essenciais que integram um dos factos índices de insolvência (previstos numa das alíneas do n.º 1, do art.º 20.º, do CIRE). III. Face ao momento precoce em que o julgamento antecipado do mérito da causa é realizado, o despacho de indeferimento liminar por manifesta improcedência da pretensão do autor deve ser reservado para situações em que seja evidente e inequívoco que a acção nunca poderá proceder, qualquer que seja a interpretação jurídica que se faça da lei em vigor (tendo, nomeadamente, em conta os diferentes contributos da doutrina e da jurisprudência), ou a sua concreta aplicação ao caso sub judice. IV. Face a articulados insuficientes ou imprecisos (que reúnem em termos de exposição de facto os requisitos mínimos - e, por isso, não sendo ineptos - mas não permitem, porém, a procedência da acção, por insuficiência, deficiência ou imprecisão, vacuidade, ambiguidade ou incoerência, da respectiva matéria de facto), deverá ser proferido pelo juiz um despacho de aperfeiçoamento (que consubstancia um poder-dever do juiz, e não uma mera faculdade que possa, discricionariamente, exercer ou não exercer).
Texto Integral
Recurso(s) próprio(s), tempestivo(s) e admitido(s) com o modo de subida e com o efeito legalmente estabelecidos (art.º 652.º, n.º 1, al. a), a contrario, do CPC).
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Nada obsta a que dele(s) se conheça (art.º 652.º, n.º 1, al. b), do CPC).
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. Decisão Sumária
A questão objecto da causa apresenta-se como manifestamente simples, encontrando-se já debatida na doutrina e na jurisprudência; e nos autos não está em causa qualquer impugnação de matéria de facto.
Profere-se, assim, decisão sumária (nos termos dos art.ºs 652.º, n.º 1, al. c), e 656.º, ambos do CPC).
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DECISÃO SUMÁRIA
I - RELATÓRIO
1.1.Decisão impugnada 1.1.1. AA, residentes na Rua ..., freguesia ..., concelho ... (aqui Recorrente), propôs o presente processo especial de insolvência, pedindo que:
· fosse declarado em estado de insolvência;
· e lhe fosse concedido o benefício de exoneração do seu passivo restante.
Alegou para o efeito, em síntese: ser solteiro e residir com a mãe, por não ter possibilidades de residir numa habitação própria, com todos os encargos inerentes; auferir um salário base mensal de € 883,00; despender mensalmente com alimentação cerca de € 300,00 e anualmente com óculos € 600,00; ter de recorrer à ajuda de familiares para conseguir fazer face às suas despesas do dia a dia; não possuir bens móveis ou imóveis, nem possibilidade de recurso ao crédito bancário; não ter possibilidade de pagar um crédito de € 22.565,08 a Banco 1..., S.A., para cuja cobrança coerciva já está a ser executado judicialmente; e ter outros credores, cuja denominação social desconhece, bem como os valores actuais em dívida.
Defendeu, por isso, encontrar-se totalmente impossibilitado de cumprir com as suas obrigações vencidas; e, como tal, insolvente.
Mais alegou estar em condições de beneficiar da exoneração do passivo restante, por preencherem todos os requisitos exigidos para o efeito pelos art.ºs 237.º e 238.º, ambos do Código de Insolvência e da Recuperação de Empresas [1]. 1.1.2. Foi proferida decisão (aqui se dando por integralmente reproduzida), indeferindo liminarmente o pedido de declaração de insolvência, lendo-se nomeadamente na mesma: «(…) In casu, resulta da matéria de facto provada que o requerente tem dívidas no valor de €22.565,08, por conta de um crédito contraído junto do Banco 1..., SA; contudo, não resulta da matéria de facto provada que não as consiga pagar, por falta de rendimentos, na medida em que o mesmo encontra-se empregado, auferindo mensalmente €883,00, tendo despesas mensais no valor de €300,00 e residindo com a progenitora. Termos em que consideramos que não fez prova da impossibilidade de cumprimento das obrigações vencidas. Pelo que, o pedido deve ser liminarmente rejeitado, por manifestamente improcedente.
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Termos em que o Tribunal rejeita o pedido de apresentação à insolvência, por o considerar manifestamente improcedente.
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Custas a cargo do requerente (art 304º do CIRE).
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Registe e notifique. (…)»
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1.2. Recurso - Fundamentos
Inconformado com esta decisão, o Requerente (AA) interpôs o presente recurso de apelação, pedindo que fosse provido e se revogasse a decisão recorrida, com o consequente prosseguimento dos autos para apreciação do mérito do pedido.
Concluiu as suas alegações da seguinte forma (reproduzindo-se ipsis verbis as respectivas conclusões):
I) O Requerente apresentou pedido de insolvência de pessoa singular, com pedido de exoneração do passivo restante, alegando a sua situação de insolvência atual, caracterizada pela impossibilidade de cumprir com as suas obrigações vencidas e exigíveis.
II) Nos termos do art.º 3.º do CIRE é considerado em situação de insolvência o devedor que se encontre impossibilitado de cumprir as suas obrigações vencidas, o que é o caso do Recorrente.
III) O Recorrente deu integral cumprimento aos requisitos plasmados no art.º 23.º do CIRE, juntando os documentos que se mostram consentâneos com a sua situação, nos termos definidos pelo art.º 24.º do CIRE.
IV) Nos termos do disposto no art.º 28.º do CIRE “a apresentação à insolvência por parte do devedor implica o reconhecimento por este da sua situação de insolvência”.
V) Assiste ao devedor o direito à declaração automática da insolvência, o que apenas não poderia ocorrer se houvesse vícios corrigíveis ou falta de documentos, caso em que teria que ser o devedor notificado para os suprir, o que no caso não ocorreu.
VI) O Recorrente alega que aufere o salário mínimo e não tem possibilidades de pagar um crédito no valor de 22.565,08 €, agora acrescido de custas e juros, bem como outros créditos cujos montantes e valores desconhece.
VII) O nível de endividamento do Recorrente é enorme e o valor das dívidas aumenta constantemente, pendendo já execuções sobre si, conforme ressalta do anexo junto aos autos relativo à relação de acções conhecidas do requerente, entre as quais o Proc. 1881/20.7T8GMR, do Juízo de Execução de Guimarães, Juiz ...,
VIII) Processo no qual foi notificada a entidade patronal do Requerente para proceder à penhora de créditos salariais, conforme notificação que se junta.
IX) O Recorrente encontra-se, portanto, num estado de incapacidade económica, com rendimentos mensais líquidos reduzidos e dívidas vencidas e exigíveis de montante elevado, com inexistência de património suficiente para cobrir os passivos.
X) Assim, está claramente preenchido o conceito legal de insolvência, conforme exigido pelo artigo 1.º e 3.º do CIRE.
Sem prescindir,
XI) Ainda que estivesse em falta algum elemento ou documento, impunha-se, antes do despacho de indeferimento, a notificação ao Requerente para suprir as insuficiências (nos termos do artigo 27.º do CIRE, subsidiariamente aplicável o artigo 590.º do CPC), em respeito ao princípio da cooperação e do acesso ao direito (artigos 3.º e 20.º da CRP).
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II - QUESTÕES QUE IMPORTA DECIDIR
2.1. Objecto do recurso - EM GERAL
O objecto do recurso é delimitado pelas conclusões da alegação do recorrente (arts. 635.º, n.º 4 e 639.º, n.ºs 1 e 2, ambos do CPC, aqui aplicáveis ex vi do art. 17.º, do CIRE), não podendo este Tribunal conhecer de matérias nelas não incluídas, a não ser que as mesmas sejam de conhecimento oficioso (art. 608.º, n.º 2, in fine, aplicável ex vi do art. 663.º, n.º 2, in fine, ambos do CPC, e do art. 17.º, do CIRE) [2].
Não pode igualmente este Tribunal conhecer de questões novas (que não tenham sido objecto de apreciação na decisão recorrida) [3], uma vez que os recursos são meros meios de impugnação de prévias decisões judiciais (destinando-se, por natureza, à sua reapreciação/reponderação e consequente alteração e/ou revogação, e não a um novo reexame da causa).
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2.2. QUESTÕES CONCRETAS a apreciar
Mercê do exposto, e do recurso interposto pelo Requerente (AA), uma única questão foi submetida à apreciação deste Tribunal ad quem:
· Questão única - Fez o Tribunal a quo uma erradainterpretação e aplicação do art.º 27.º, n.º 1, al. a), do CIRE, inexistindo fundamento legal para se indeferir liminarmente o pedido de declaração de insolvência formulado pelo Requerente, justificando-se, quanto muito, a prolação de um despacho de aperfeiçoamento da sua alegação inicial ?
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III - FUNDAMENTAÇÃO DE FACTO
Com interesse para a apreciação da questão enunciada, encontram-se assentes (mercê do conteúdo dos próprios autos) os factos já discriminados em «I - RELATÓRIO», que aqui se dão por integralmente reproduzidos.
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IV - FUNDAMENTAÇÃO DE DIREITO
4.1. Declaração judicial de insolvência 4.1.1. Insolvência - Incapacidade para solver os seus compromissos
Lê-se no Preâmbulo do Decreto-Lei n.º 53/04, de 18 de Março (que aprovou o CIRE), que, sendo «objectivo precípuo de qualquer processo de insolvência (…) a satisfação, pela forma mais eficiente possível, dos direitos dos credores», urgiria «dotar estes dos meios idóneos para fazer face à insolvência dos seus devedores, enquanto impossibilidade e pontualmente cumprir as obrigações vencidas».
Lê-se ainda no mesmo Preâmbulo que foi expressa intenção do novo diploma uma simplificação da «pluralidade de pressupostos objectivos presentes no CPEREF», assentando «o actual diploma (…) num único pressuposto objectivo: a insolvência. Esta consiste na impossibilidade de cumprir obrigações vencidas, que, quando seja o devedor a apesentar-se à insolvência, pode ser apenas iminente».
Compreende-se, assim, que se tenha consagrado um conceito geral de insolvência, aplicável a todos os devedores (pessoas singulares ou colectivas), no art.º 3.º, n.º 1 do CIRE, onde se lê que é «considerado em situação de insolvência o devedor que se encontre impossibilitado de cumprir as suas obrigações vencidas».
Precisa-se, porém, que o cumprimento que aqui está em causa reporta-se necessariamente à realização pontual das obrigações (desconsiderando-se a possibilidade do seu eventual e incerto cumprimento futuro); e que as ditas obrigações se deverão encontrar, em regra, já vencidas (necessariamente tendo de estar quando a insolvência seja requerida por um dos credores do devedor).
Precisa-se, ainda, que esta impossibilidade de cumprimento caracterizadora da insolvência «não tem de abranger todas as obrigações assumidas pelo insolvente e vencidas», sendo o que verdadeiramente releva (…) é a insusceptibilidade de satisfazer obrigações que, pelo seu significado no conjunto do passivo do devedor, ou pelas próprias circunstâncias do incumprimento, evidenciam a impotência, para o obrigado, de continuar a satisfazer a generalidade dos seus compromissos.
Com efeito, pode até suceder que a não satisfação de um pequeno número de obrigações ou até de uma única indicie, só por si, a penúria do devedor, característica da sua insolvência, do mesmo modo que o facto de continuar a honrar um número quantitativamente significativo pode não ser suficiente para fundar saúde financeira bastante» (Luís A. Carvalho Fernandes e João Labareda, Código da Insolvência e da Recuperação de Empresas Anotado, 2.ª edição Quid Juris, Lisboa 2013, pág. 85, com bold apócrifo) [4].
Dir-se-á, por isso, que, para efeitos do preenchimento deste conceito geral de insolvência, o que releva é a solvabilidade do devedor: estará em situação de insolvência todo aquele que não possua liquidez, ou não possua acesso ao crédito, para garantir o pagamento das respectivas obrigações.
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Admitindo, porém, as dificuldades práticas que existem para comprovar a efectiva incapacidade financeira dos devedores, explicita-se ainda no Preâmbulo do CIRE a existência de um elenco de «indícios da situação de insolvência, passando a incluir-se, nomeadamente, a insuficiência de bens penhoráveis para o pagamento do crédito do exequente verificada em processo executivo movido contra o devedor, e também o incumprimento de obrigações previstas em plano de insolvência ou de pagamentos, em determinadas condições; e de aperfeiçoamento, por outro, especificando-se certos tipos de obrigações (tributárias, laborais, para com a segurança social, de certo tipo de rendas) cujo incumprimento generalizado mais frequentemente denuncia a insolvência do devedor» (com bold apócrifo).
Compreende-se, assim, que se leia no art.º 20.º, n.º 1 do CIRE que a «declaração de insolvência de um devedor pode ser requerida (…) por qualquer credor, ainda que condicional e qualquer que seja a natureza do seu crédito, (…) verificando-se alguns dos seguintes factos», que a seguir se discriminam nas suas diversas alíneas.
Elencam-se, por isso, neste n.º 1 do art.º 20.º do CIRE determinados factos-índices ou presuntivos da insolvência, cuja ocorrência objectiva pode fundamentar o pedido de reconhecimento respectivo, por se presumir que, demonstrados aqueles, o devedor se encontra efectivamente numa situação de penúria.
Assim, a verificação de qualquer deles é condição suficiente da declaração de insolvência. Ponderou-se aqui que «a insuficiência económica de um património só pode ser verificada por um estudo completo do mesmo (devassa), o que seria impraticável; por isso, a lei serve-se antes de índices ou indícios, que servem de presunções» (Castro Mendes/ Jesus dos Santos, citados por Luís Manuel Teles de Menezes Leitão, Direito da insolvência, 3.ª edição, Almedina, 2011, pág. 139, nota 150).
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Contudo (num preceito inovador, sem paralelo no Direito anterior), consigna-se no art.º 28.º, do CIRE, que a «apresentação à insolvência por parte do devedor implica o reconhecimento por este da sua situação de insolvência, que é declarada até ao 3º dia útil seguinte ao da distribuição da petição inicial ou, existindo vícios corrigíveis, ao do respectivo suprimento».
Logo, os factos alegados pelo requerente apresentante devem considerar-se confessados (já que a própria propositura da acção envolve o reconhecimento daqueles que correspondem à chamada situação de insolvência, que lhe é desfavorável); e, face a essa confissão, o Tribunal deverá declarar a insolvência respectiva (sem necessidade de ulteriores e adicionais indagações).
Precisa-se, porém, que, se o reconhecimento da situação de insolvência por apresentação do devedor constitui uma confissão, este meio de prova não o exonera de alegar os factos que integram os pressupostos do pedido de insolvência[5].
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4.1.2. Indeferimento liminar do pedido (de declaração de insolvência)
Lê-se no art.º 27.º, n.º 1, al. a), do CIRE, que, no «próprio dia da distribuição, ou, não sendo tal viável, até ao 3.º dia útil subsequente, o juiz» indefere «liminarmente o pedido de declaração de insolvência quando seja manifestamente improcedente, ou ocorram, de forma evidente, excepções dilatórias insupríveis de que deva conhecer oficiosamente».
Reproduz-se aqui, grosso modo, a disciplina geral do art.º 590.º, n.º 1, do CPC, onde se lê que, nos «casos em que, por determinação legal ou do juiz, seja apresentada a despacho liminar, a petição é indeferida quando o pedido seja manifestamente improcedente».
Precisando, então, o que seja a «manifesta improcedência», entende-se que a mesma se verifica quando for evidente e ostensivo que os factos alegados e a subsunção jurídica dos mesmos efectivada, não possam, de todo em todo, sustentar a pretensão deduzida [6].
Pretende-se, deste modo, salvaguardar o princípio da economia processual, defendendo-se simultaneamente o réu: não «vale a pena prosseguir com a acção, sujeitando o réu a incómodos e a despesas, se pela simples leitura da petição o juiz se persuadir (…) que a pretensão do autor não pode prosperar» (Antunes Varela, J. Miguel Bezerra e Sampaio e Nora, Manual de Processo Civil, 2.ª edição revista e actualizada, Coimbra Editora, Limitada, 1985, pág. 258).
Contudo, face ao momento precoce em este julgamento antecipado de lide é feito (em que o réu ainda nem sequer foi autorizado a contraditar a pretensão do autor, ao contrário do que sucede com o conhecimento imediato do mérito da causa em sede de despacho saneador) [7], o mesmo apenas se justifica quando seja evidente - manifesta - a inutilidade de qualquer instrução ou discussão posterior, isto é: quando seja inequívoco (indiscutível) que a acção nunca poderá proceder, qualquer que seja a interpretação jurídica que se faça da lei em vigor (tendo nomeadamente em conta os diferentes contributos da doutrina e da jurisprudência) [8],ou a sua concreta aplicação ao caso sub judice (por insuprível falta alegação de factos necessários para o preenchimento dos requisitos de procedência da acção) [9].
Com efeito, estando nomeadamente omissa a alegação de um núcleo de factos essenciais e estruturantes da causa de pedir[10], a petição ou o requerimento inicial serão ineptos, determinando a nulidade de todo o processo (art.ºs 186.º, n.º 1 e n.º 2, al. a), do CPC).
Compreende-se, por isso, que se afirme que os «casos de indeferimento liminar correspondem a situações em que a petição apresenta vícios formais ou substanciais de tal modo graves que permitem prever, logo nesta fase, que jamais o processo assim iniciado terminará com uma decisão de mérito ou que é inequívoca a inviabilidade da pretensão apresentada pelo autor» (António Santos Abrantes Geraldes, Temas da reforma de processo civil, I Volume, Coimbra, Almedina, 1997, Tomo I, págs. 225-227).
Ficarão, assim, de fora do indeferimento liminar todas aquelas situações em que as deficiências notadas sejam estritamente formais ou de natureza secundária, já que, perante o seu suprimento, não se corre o risco de se reabrir a possibilidade de reformulação substancial da própria pretensão ou impugnação e dos termos em que assentam (conforme art.º 590.º, n.º 6, do CPC [11], e art.º 265.º, do mesmo diploma [12]).
Precisando agora o que sejam «excepções dilatória insupríveis de que deva conhecer oficiosamente» e que justificam o indeferimento liminar, dir-se-á que são aquelas que se apresentem, de modo evidente, em face dos próprios termos do requerimento inicial, sem necessidade de produção de qualquer tipo de prova, sendo absolutamente indiscutíveis, por não suscitarem qualquer dúvida e dispensarem, por manifesta desnecessidade, a audição da parte (diligência que, a ter lugar, não teria utilidade).
Logo, e sendo o despacho de indeferimento liminar, «pelos seus fundamentos, excepcional, não deve ser proferido quando esteja em causa uma excepção dilatória de conhecimento oficioso cujos pressupostos não emanam, de forma evidente, da petição inicial, situação que pode justificar, pelo contrário, mesmo numa fase liminar, a prolação de um despacho de convite ao esclarecimento quanto à sua verificação» (Ac. da RL, de 11.05.2021, Micaela Sousa, Processo n.º 82020/19.9YIPRT.L1-7).
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4.1.3.Despacho de aperfeiçoamento do pedido (de declaração de insolvência)
Lê-se no art.º 27.º, n.º 1, al. b), do CIRE, que, no «próprio dia da distribuição, ou, não sendo tal viável, até ao 3.º dia útil subsequente, o juiz» concede «ao requerente, sob pena de indeferimento liminar, o prazo máximo de cinco dias para corrigir os vícios sanáveis da petição, designadamente quando esta careça de requisitos legais ou não venha acompanhada dos documentos que hajam de instruí-la, nos casos em que tal falta não seja devidamente justificada».
Reproduz-se aqui, grosso modo, a disciplina geral do art.º 590.º, n.º 2, al. b), e n.º 4, do CPC, onde se lê que, findos «os articulados, o juiz profere, sendo caso disso, despacho pré-saneador destinado a providenciar pelo aperfeiçoamento dos articulados», nomeadamente convidando «as partes ao suprimento das insuficiências ou imprecisões na exposição ou concretização da matéria de facto alegada, fixando prazo para a apresentação de articulado em que se complete ou corrija o inicialmente produzido».
Compreende-se, por isso, que se afirme que «a enunciação a que se procede na alínea [b) do n.º 1 do art.º 27.º do CIRE] tem caráter meramente indicativo, conquanto se trate de duas situações muito relevantes e comuns. O que verdadeiramente importa é que o vício detetado seja sanável, mesmo que não se traduza na falta de um requisito legal stricto sensu, ou na omissão de junção de documentos». Assim, «exatamente por virtude do caráter enunciativo da referência constante das alíneas [a) e b) do n.º 1 do art.º 27.º do CIRE], deverá também ser proferido despacho de aperfeiçoamento nos casos a que se refere o n.º 4 do citado art.º 590.º, que tem de ser aplicável por força da disposição geral do art.º 17.º do CIRE» (Luís A. Carvalho Fernandes e João Labareda, Código da Insolvência e da Recuperação de Empresas Anotado, 3.ª edição, Quid Juris, Lisboa 2015, págs. 227 e 228, com bold apócrifo).
Assim, articulados irregulares serão, nos termos do n.º 3, do art.º 590.º citado, aqueles que careçam de requisitos legais (v.g. requisitos cuja omissão determina a recusa pela secretaria - art.º 558.º do CPC, ou consubstanciem falta de articulação de matéria de facto - art.º 147.º, n.º 1, do CPC, ou falta de especificação em separado das excepções deduzidas - art.º 572.º, al. c), do CPC, ou falta de dedução discriminada da reconvenção - art.º 583.º, n.º 1, do CPC, ou falta de indicação do valor da reconvenção - art.º 583.º, n.º 1, do CPC); ou não venham instruídos com documento essencial de que a lei faça depender o prosseguimento da causa, ou a prova de facto essencial para o êxito da pretensão deduzida.
Já articulados insuficientes ou imprecisos serão, nos termos do n.º 4, do mesmo art.º 590.º citado, aqueles que, reunindo em termos de exposição de facto os requisitos mínimos - e, por isso, não sendo ineptos (v.g. por falta de alegação de factos essenciais e estruturantes que consubstanciem a causa de pedir, ainda que complexa [13]) -, não permitem, porém, a procedência da acção, por insuficiência, deficiência ou imprecisão, vacuidade, ambiguidade ou incoerência, da respectiva matéria de facto.
Com efeito, só pode ser mandado aperfeiçoar aquilo que seja pré-existente, isto é, uma prévia alegação de factos essenciais, ainda que insuficiente ou imprecisa. Se, pelo contrário, essa perfunctória ou ambígua alegação não chegou sequer a existir, a petição inicial é inepta (sendo os factos essenciais, a falta de um deles implica a incompletude da causa de pedir, já que esta falta e aquela essencialidade comprometem o conhecimento do mérito da causa), com a consequente nulidade de todo o processo (nos termos do art.º 186.º, n.º 1 e n.º 2, al. a), do CPC); e, por isso, está excluída qualquer possibilidade de prolação de um despacho de aperfeiçoamento [14].
Precisa-se que a lei «aponta inequivocamente no sentido de o juiz dever sempre privilegiar o aperfeiçoamento da petição ao indeferimento, visto que o objetivo geral é o de aplicar o remédio adequado à situação de penúria que realmente se verifique e não a de, por razões que poderão ser de índole predominantemente ou exclusivamente formal, retardar simplesmente as soluções que se impõem, com isso agravando a situação dos envolvidos». Dir-se-á mesmo que «foi seguramente por essa razão, e em clara prevalência das regras da economia processual, eu o legislador preferiu conservar, para o processo de insolvência, a velha metodologia do processos comum, anterior à reforma de 1995-96, mantendo a oportunidade do despacho de aperfeiçoamento antes da decisão sobre o destino do processo» (Luís A. Carvalho Fernandes e João Labareda, Código da Insolvência e da Recuperação de Empresas Anotado, 3.ª edição, Quid Juris, Lisboa 2015, pág. 228, com bold apócrifo).
Precisa-se ainda que este despacho de aperfeiçoamento, quando justificado, consubstancia um poder-dever do juiz, e não uma mera faculdade que possa, discricionariamente, exercer ou não exercer (assim se justificando a redação do art.º 590.º, n.º 4, do actual CPC - «incumbe ao juiz convidar as partes» - , face à redacção do art.º 508.º, n.º 3, do anterior CPC - «pode o juiz convidar as partes») [15].
Logo, a omissão da devida prolação consubstancia uma nulidade, nos termos do art.º 195.º, n.º 1, do CPC (sendo, porém, discutível se apenas do processo ou da própria decisão que se profira de seguida); e, em regra, tida como de conhecimento não oficioso, tendo de ser arguida pela parte a quem aproveita.
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4.2. Caso concreto (subsunção ao Direito aplicável)
Concretizando, verifica-se que o Requerente (AA) veio defender na respectiva petição inicial encontrar-se totalmente impossibilitado de cumprir com as suas obrigações vencidas; e, como tal, insolvente.
Mais se verifica que, resultando necessariamente esse seu juízo da comparação dos seus proveitos (rendimentos) e património (bens móveis e imóveis), por um lado, com o montante das respectivas obrigações vencidas, por outro, alegou: quanto aos primeiros, auferir um salário base mensal de € 883,00, parte do qual consumido no pagamento das suas próprias despesas de sobrevivência (descriminando apenas as relativas à alimentação, de cerca de € 300,00 mensais, e à compra de óculos, de € 600,00 anuais), e não possuir bens móveis ou imóveis, nem possibilidade de recurso ao crédito bancário; e quanto às segundas, não ter possibilidade de pagar um crédito de € 22.565,08 a Banco 1..., S.A., para cuja cobrança coerciva já está a ser executado judicialmente, demonstrando depois nos autos uma penhora do seu vencimento.
Contudo, tendo alegado ainda ser solteiro e residir com a mãe (por não ter possibilidades de residir numa habitação própria, com todos os encargos inerentes), e ter de recorrer à ajuda de familiares para conseguir fazer face às suas despesas do dia a dia, certo é que não descriminou que outras despesas do dia a dia possui e quais os respectivos montantes.
Por fim, tendo alegado ter outros credores, para além de Banco 1..., S.A., certo é igualmente que não os identificou, nem aos respectivos débitos (alegadamente por os desconhecer).
Reconhece-se, assim, alguma razoabilidade ao juízo do Tribunal a quo, quando considerou não terem sido alegados factos suficientes que permitissem afirmar «a «impossibilidade de cumprimento das obrigações vencidas», nomeadamente do único crédito alegado (de € 22.565,08), «na medida em que o mesmo [Requerente] encontra-se empregado, auferindo € 883,00, tendo despesas mensais no valor de 300,00 e residindo com a progenitora».
Dir-se-á ainda, em abono deste juízo, que a penhora judicial de parte do seu salário poderá até demonstrar que, desse modo, terá condições para solver esta sua particular obrigação.
Contudo, e salvo o devido respeito pro opinião contrária, considera este Tribunal ad quem que, embora de forma deficiente, o Requerente (AA) alegou os factos essenciais susceptíveis de caracterizar a sua situação de insolvência, impondo-se-lhe apenas que precise: todas as despesas tidas com a sua sobrevivência (natureza e respectivos montantes mensais médios); o tipo de ajuda que lhe é prestada por familiares (título - gratuito ou oneroso - e montantes); e que outros credores possui, para além de Banco 1..., S.A., e quais os montantes dos respectivos débitos para com eles (ainda que de forma aproximada).
Deverá, assim, beneficiar o Requerente (AA) de um despacho de aperfeiçoamento da respecitva petição inicial, concedendo-se-lhe prazo de cinco dias para vir completar, nos termos expostos, a sua alegação inicial, sob pena de indeferimento liminar da sua pretensão.
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Importa, pois, decidir em conformidade, pela procedência do recurso do Requerente.
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V - DECISÃO
Pelo exposto, e nos termos das disposições legais citadas, julgo procedente o recurso de apelação interposto por AA e, em consequência, em
· Revogo o despacho de indeferimento liminar da sua petição inicial, substituindo-o por um outro, a conceder-lhe o prazo de cinco dias para vir descriminar todas as despesas tidas com a sua sobrevivência (natureza e respectivos montantes mensais médios), o tipo de ajuda que lhe é prestada por familiares (título - gratuito ou oneroso - e montantes)eque outros credores possui, para além de Banco 1..., S.A., e quais os montantes dos respectivos débitos para com eles (ainda que de forma aproximada), sob pena de não o fazendo, se indeferir liminarmente o sue pedido de declaração de insolvência própria
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Custas pelo Requerente recorrente, mercê do critério do proveito (conforme art.º 527.º n.º 1 e n.º 2, do CPC).
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Guimarães, 29 de Setembro de 2025.
A presente decisão sumária é assinada electronicamente pela respectiva
Relatora - Maria João Marques Pinto de Matos.
[1] O Código de Insolvência e da Recuperação de Empresas - doravante CIRE - foi aprovado pelo Decreto-Lei n.º 53/04, de 18 de Março, e objecto desde então de sucessivas alterações. [2] «Trata-se, aliás, de um entendimento sedimentado no nosso direito processual civil e, mesmo na ausência de lei expressa, defendido, durante a vigência do Código de Seabra, pelo Prof. Alberto dos Reis (in Código do Processo Civil Anotado, Vol. V, pág. 359) e, mais tarde, perante a redação do art. 690º, do CPC de 1961, pelo Cons. Rodrigues Bastos, in Notas ao Código de Processo Civil, Vol. III, 1972, pág. 299» (Ac. do STJ, de 08.02.2018, Maria do Rosário Morgado, Processo n.º 765/13.0TBESP.L1.S1, nota 1 - inwww.dgsi.pt, como todos os demais citados sem indicação de origem). [3]Neste sentido, numa jurisprudência constante, Ac. da RG, de 07.10.2021, Vera Sottomayor, Processo n.º 886/19.5T8BRG.G1, onde se lê que questão nova, «apenas suscitada em sede de recurso, não pode ser conhecida por este Tribunal de 2ª instância, já que os recursos destinam-se à apreciação de questões já levantadas e decididas no processo e não a provocar decisões sobre questões que não foram nem submetidas ao contraditório nem decididas pelo tribunal recorrido». [4] No mesmo sentido, Alexandre de Soveral Martins, Um Curso de Direito da Insolvência, 2.ª edição, Almedina, Janeiro de 2016, pág. 48; e Maria do Rosário Epifânio, Manual de Direito da Insolvência, 2016, 6.ª Edição, Almedina, pág. 22 e 23.
Na jurisprudência, Ac. da RL, de 20.05.2015, Farinha Alves, Processo n.º 2509/09.1TBPDL-2; e Ac. da RL, de 13.07.2010, Márcia Portela, Processo n.º 863/10.1TBALM.L1-6. [5]Neste sentido, numa jurisprudência uniforme: Ac. da RE, de 26.06.2008, Maria Alexandra Santos, Processo n.º 1290/08-3; Ac. da RG, de 13.03.2012, Rosa Tching, Processo n.º 4551/11.3TBGMR-A.G1; Ac. da RP, de 07.04.2014, Rita Romeira, Processo n.º 3527/13.0TBVLG.P1; Ac. da RL, de 29.05.2014, Gilberto Jorge, Processo n.º 510/13.0TBPTS.L1-6; Ac. da RG, de 21.09.2017, Eugénia Marinho da Cunha, Processo n.º 4173/17.5T8GMR.G1; Ac. da RG, de 05.05.2022, José Carlos Duarte, Processo n.º 6868/21.0T8GMR.G1; ou Ac. da RG, de 02.05.2024, Lígia Venade, Processo n.º 1278/24.0T8GMR-C.G1. [6]Neste sentido: Ac. da RL, de 02.07.2009, Fátima Galante, Processo n.º 663/09.1TVLSB-A.L1-6; ou Ac. da RC, de 16.05.2023, Carlos Moreira, Processo n.º 5101/22.1T8LRA.C1. [7] Enfatizando esta circunstância, Decisão Sumária, de 16.12.2015, José Eduardo Sapateiro, Processo n.º 20345/15.4T8LSB.L1-4, onde se lê que, «face à interpretação que é feita pela nossa melhor doutrina e jurisprudência relativamente à “manifesta improcedência do pedido” enquanto fundamento do despacho de indeferimento liminar que pode ser proferido no âmbito da ação declarativa com processo comum ou especial», há que ter bem presente que é prolatado «de forma unilateral e sem ter ouvido a parte contrária», antecipando um «julgamento final e definitivo do pleito», no momento em que o «julgador (…), em regra, se defronta pela primeira vez com as pretensões e correspondente causa ou causas de pedir que as sustentam e em que, numa apreciação necessária limitada e perfunctória (digamos assim), pondera acerca da verificação das condições de ação e pressupostos processuais reclamados pelo caso concreto, assim como da viabilidade de tais pedidos e fundamentos factuais e jurídicos». [8] No mesmo sentido, na doutrina: . António Santos Abrantes Geraldes, Temas da reforma de processo civil, III Volume, Coimbra, Almedina, 1998, pág. 154, onde se lê, que o «juiz deve reservar esta decisão apenas para os casos em que a tese propugnada pelo autor não tenha possibilidade de ser acolhida perante a lei em vigor e a interpretação que dela faça a doutrina e a jurisprudência». . José Lebre de Freitas, A Acção Declarativa Comum à Luz do Código de Processo Civil de 2013, 3.ª edição, Coimbra Editora, Setembro de 2013, pág. 56, nota 44, onde se lê que a «simples interpretação ou aplicação duma norma de direito que possa, nomeadamente segundo a doutrina ou a jurisprudência, ter mais de um entendimento não deve levar nunca ao indeferimento liminar».
Na jurisprudência: Ac. do STJ, de 05.03.1987, BMJ, n.º 365, pág. 562, onde se lê que o indeferimento liminar por manifesta improcedência só será possível de proferir «quando a pretensão não tiver quem a defenda, nos tribunais, ou na doutrina, isto é, quando for evidente que a tese do autor não tem condições para vingar nos tribunais». [9]Neste sentido,Ac. da RE, de 02.10,1986, CJ, Tomo IV, pág. 283, onde se lê onde se lê que o indeferimento liminar por manifesta improcedência só será possível de proferir quando «não houver interpretação possível ou desenvolvimento possível da factualidade articulada que viabilize ou possa viabilizar o pedido». [10]Entende-se por causa de pedir o «facto jurídico» de onde procede a pretensão dos autos (art. 581.º, n.º 4 do CPC).
Precisa-se, porém, que «quando se diz que a causa de pedir é o acto ou facto jurídico de que emerge o direito que o autor se propõe fazer valer, tem-se em vista, não o facto jurídico abstracto, tal como a lei o configura, mas um certo facto jurídico concreto, cujos contornos se enquadram na configuração legal». Logo, «há que repelir antes do mais a ideia de que a causa petendi seja a norma de lei invocada pela parte», já que a «acção identifica-se e individualiza-se, não pela norma abstracta da lei, mas pelos elementos de facto que converteram em concreto a vontade legal» (Professor Alberto dos Reis, Código de Processo Civil Anotado, Volume III, 4.ª edição, reimpressão, Coimbra Editora, Limitada, Coimbra, 1985, págs. 121 a 124, com bold apócrifo).
Precisa-se, ainda, que na causa se pedir contêm apenas os factos essenciais (tal como definidos no art. 5.º, n.º 1, do CPC). [11]Lê-se no art.º 590.º, n.º 6, do CPC que as «alterações à matéria de facto alegada, previstas nos n.ºs 4 e 5, devem conformar-se com os limites estabelecidos no artigo 265.º, se forem introduzidas pelo autor, e nos artigos 573.º e 574.º, quando o sejam pelo réu». [12]Lê-se no art.º 265.º, do CPC, que: na «falta de acordo, a causa de pedir só pode ser alterada ou ampliada em consequência de confissão feita pelo réu e aceita pelo autor, devendo a alteração ou ampliação ser feita no prazo de 10 dias a contar da aceitação» (n.º 1); o «autor pode, em qualquer altura, reduzir o pedido e pode ampliá-lo até ao encerramento da discussão em 1.ª instância se a ampliação for o desenvolvimento ou a consequência do pedido primitivo» (n.º 2); e é «permitida a modificação simultânea do pedido e da causa de pedir desde que tal não implique convolação para relação jurídica diversa da controvertida» (n.º 6). [13]Uma causa de pedir complexa é aquela em que a previsão da norma jurídica substantiva cuja tutela se pretende exige a alegação de um conjunto de factos jurídicos concretos, todos eles imprescindíveis para consubstanciarem a relação material controvertida invocada (e dos quais procede o efeito jurídico pretendido).
Assim, e nomeadamente: na acção de reivindicação ter-se-á que alegar o facto jurídico de onde nasce o direito de propriedade de que o autor se arrogue e, cumulativamente, a concreta ou histórica ofensa desse direito; e numa acção de indemnização por responsabilidade civil por acidente de viação ter-se-á que alegar, não apenas os factos jurídicos caracterizadores da dinâmica do acidente e os danos dele resultantes, como ainda todos aqueles que permitem a qualificação do facto lesivo como ilícito, e a sua imputação ao agente (ou em termos de culpa, ou em termos de risco). [14] Neste sentido, pacífico (quer na doutrina, quer na jurisprudência), Ac. da RG, de 15.11.2018, Jorge Teixeira, Processo n.º 7144/16.T8BRG-I.G1, onde se lê que «o poder de mandar aperfeiçoar os articulados para serem supridas insuficiências ou imprecisões na exposição e concretização da matéria de facto alegada (art. 590º, nº4 do NCPC) tem de ser entendido em rigorosos limites, e isto porque este convite se realiza apenas quando existam as apontadas insuficiências ou imprecisões que possam ser resolvidas com esclarecimentos, aditamentos ou correcções, ou seja, anomalias que não ponham em causa, em absoluto, o conhecimento da questão jurídica e a decisão do seu mérito mas que possam facilitar que este conhecimento e decisão sejam realizados de forma mais eficaz.
Por decorrência, não é de convidar à correcção da petição inicial (nos termos do art. 590 nºs 2 al. b), 3 e 4 do CPC) quando a petição seja inepta nos termos do art. 186 do mesmo diploma uma vez que só um articulado que não padeça dos vícios mencionados neste último preceito pode ser objecto desse convite à correcção e isto porque se a parte declinar tal convite tal comportamento de inércia não obsta a que a acção prossiga os seus termos, contrariamente à consequência para a ineptidão que é a de determinar a nulidade de todo o processo».
Ainda: Ac. da RG, de 01.03.2018, José Flores, Processo n.º 850/16.6T8VCT.G1; Ac. da RL, de 07.11.2019, Manuel Rodrigues, Processo n.º 14013/17.0T8LSB.L1-6; Ac. da RP, de 21.11.2019, Paulo Duarte Teixeira, Processo n.º 20935/18.3T8PRT.P1; Ac. da RP, de 30.04.2020, Joaquim Moura, Processo n.º 639/18.8T8PRD.P1; Ac. da RG, de 28.10.2021, Maria dos Anjos Nogueira, Processo n.º 315/20.1T8PTB.G1; ou Ac. do STJ, de 07.06.2022, Manuel Capelo, Processo n.º 3786/16.7T8BRG.L1.S3. [15]Neste sentido (embora nem sempre coincidindo quanto à concreta consequência da não emissão - quando devida - do despacho de aperfeiçoamento): .na doutrina - Paulo Ramos de Faria e Ana Luísa Loureiro, Primeiras Notas ao Novo Código de Processo Civil, Volume I, Almedina, Outubro de 2013, págs. 480-481; Rui Pinto, Notas ao Código de Processo Civil, Volume II, 2.ª edição, Coimbra Editora, Novembro de 2015, págs. 47 e 48; José Lebre de Freitas e Isabel Alexandre, Código de Processo Civil Anotado, Volume 2.º, 3.ª edição, Almedina, Março de 2018, págs. 635 e 636; ou António Santos Abrantes Geraldes, Paulo Pimenta e Luís Filipe Pires de Sousa, Código de Processo Civil Anotado, Volume I, Almedina, Setembro de 2018, págs. 681 a 683. .na jurisprudência - Ac. da RL, de 20.03.2014, Isoleta Almeida Costa, Processo n.º 710/11.7TCFUN.L1-8; Ac. da RL, de 15.05.2014, Ezaguy Martins, Processo n.º 26903/13.4T2SNT.L1-2; Ac. da RG, de 19.06.2014, Isabel Rocha, Processo n.º 3552/12.7TBBCL.G1; Ac. da RP, de 26.02.2015, Pedro Martins, Processo n.º 5807/13.6TBMTS.P1; Ac. da RG, de 23.06.2016, António Beça Pereira, Processo n.º 713/14.0T8VRL.G1; Ac. da RG, de 26.01.2017, António Figueiredo de Almeida, Processo n.º 1927/14.8TBGMR.G1; Ac. da RE, de 26.10.2017, Ana Margarida Leite, Processo n.º 2929/15.2T8STR-A.E1; Ac. da RL, de 27.11.2018, Diogo Ravara, Processo n.º 1660/14.0T8OER-E.L1-7; ou Ac. da RP, de 11.01.2021, Mendes Coelho, Processo n.º 3163/19.8T8OAZ.P1.