CRÉDITO
DÍVIDA
CRÉDITOS SOBRE A INSOLVÊNCIA
CRÉDITO SOBRE A MASSA INSOLVENTE
PRESCRIÇÃO E CADUCIDADE
SUSPENSÃO
Sumário


I. Distinguem-se no CIRE os créditos sobre a massa insolvente (cuja constituição resulta, grosso modo, do próprio processo de insolvência), pagos precipuamente, sem necessidade de reclamação e logo que se vençam, e os créditos sobre a insolvência (cuja constituição ocorre em momento anterior à insolvência), pagos depois daqueles primeiros, e apenas se tiverem sido reclamados e reconhecidos por sentença transitada em julgado.
II. A suspensão de todos os prazos de prescrição e de caducidade durante o decurso do processo de insolvência, prevista no art.º 100.º do CIRE, justifica-se pelo facto dos credores da insolvência apenas poderem exercer os seus direitos no âmbito daqueles autos e não deverem ficar prejudicados pela maior demora no seu processamento.
III. A suspensão de prazos de prescrição e de caducidade prevista no art.º 100.º do CIRE não abrange os créditos sobre a massa insolvente, face à sua particular natureza e ao seu regime próprio.
IV. Sendo recusado o pagamento de dívida sobre a massa insolvente, o respectivo credor terá de intentar a competente acção, nos termos do art.º 89.º, n.º 2, do CIRE, tendo em conta os respectivos prazos de prescrição e/ou de caducidade, sob pena das mesmas lhe poderem depois ser opostas.

Texto Integral


Recurso(s) próprio(s), tempestivo(s) e admitido(s) com o modo de subida e com o efeito legalmente estabelecidos (art.º 652.º, n.º 1, al. a), a contrario, do CPC).

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Nada obsta a que dele(s) se conheça (art.º 652.º, n.º 1, al. b), do CPC).
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. Decisão Sumária

A questão objecto da causa apresenta-se como manifestamente simples, encontrando-se já debatida na doutrina e na jurisprudência; e nos autos não está em causa qualquer impugnação de matéria de facto.
Profere-se, assim, decisão sumária (nos termos dos art.ºs  652.º, n.º 1, al. c), e 656.º, ambos do CPC).
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DECISÃO SUMÁRIA

I - RELATÓRIO

1.1. Decisão impugnada
1.1.1. EMP01..., Unipessoal, Limitada, com sede na Avenida ..., em Lisboa, propôs uma acção declarativa, sob a forma de processo comum, contra a Massa Insolvente de EMP02..., Limitada, representada pelo respectivo administrador da insolvência (AA, com domicílio profissional na Quinta ..., em ...), pedindo que

· a Ré fosse condenada a pagar-lhe a quantia de € 118.268,47 (sendo € 109.488,62 a título de capital e € 8.904,45 a título de juros de mora vencidos, calculados à taxa aplicável aos créditos de que sejam titulares empresas comerciais, contados até 24 de Outubro de 2024), acrescida de juros de mora vincendos, calculados à mesma taxa, contados desde 25 de Outubro de 2024 até integral pagamento.
Alegou para o efeito, em síntese, que, tendo celebrado um contrato de fornecimento de energia eléctrica com EMP02..., Limitada, lhe forneceu a mesma, nomeadamente  após a respectiva declaração de insolvência (ocorrida em 17 de Julho de 2019) e até 07 de Março de 2022; e que a Insolvente (EMP02..., Limitada) não lhe pagou os fornecimentos realizados desde Agosto de 2021 até final, no valor global de € 109.488,52, não obstante o reconhecimento da dívida, nomeadamente por meio de diversos acordos de pagamento celebrados.
Mais alegou constituir o seu crédito dívida sobre a massa insolvente, nomeadamente porque todas as facturas se venceram após a declaração de insolvência da Devedora (EMP02..., Limitada).

1.1.2. Devidamente citada, a (Massa Insolvente de EMP02..., Limitada) contestou, pedindo que: se julgasse procedente a excepção peremptória de prescrição do crédito reclamado; (subsidiariamente) se julgasse procedente a excepção peremptória de caducidade de parte do crédito reclamado numa das facturas (que identificou); (subsidiariamente) e se julgasse a acção improcedente, sendo ela própria absolvida do pedido.
Alegou para o efeito, em síntese, que, prescrevendo os créditos relativos a serviços púbicos essenciais (como é o de fornecimento de energia eléctrica) no prazo de seis meses após a sua prestação, os aqui reclamados encontrar-se-iam prescritos, uma vez que, tendo sido todos prestados até Março de 2022, a presente acção apenas foi intentada em 21 de Novembro de 2024 (tendo ela própria sido citada em 02 de Dezembro de 2024).
Mais alegou que, relativamente a uma única factura, paga parcialmente no ano de 2022, encontrar-se-ia caducado o direito de exigir o seu remanescente preço de € 765,99, uma vez que a acção necessária para o efeito teria igualmente que ter sido intentada nos seis meses subsequente ao dito pagamento parcial, o que não ocorreu.
Por fim, a Ré (Massa Insolvente de EMP02..., Limitada) aceitou apenas a celebração do contrato de energia eléctrica invocado e o fornecimento da mesma, impugnando toda a demais factualidade alegada pela Autora (EMP01..., Unipessoal, Limitada), nomeadamente, a relativa ao reconhecimento dos créditos, mercê nomeadamente da celebração de acordos de pagamento. 

1.1.3. A Autora (EMP01..., Unipessoal, Limitada) respondeu às excepções invocadas na contestação, reiterando o seu pedido de condenação da Ré (Massa Insolvente de EMP02..., Limitada) a pagar-lhe a quantia global de € 118.268,47, acrescida de juros de mora vincendos.
Alegou para o efeito, sempre em síntese, terem sido suspensos os prazos de prescrição e de caducidade dos seus créditos sobre a Insolvente (Massa Insolvente de EMP02..., Limitada) com a respectiva declaração de insolvência, uma vez que o processo de insolvência ainda se encontraria a decorrer e os termos iniciais dos ditos prazos seriam posteriores à sentença que a reconheceu.
Mais alegou que, ainda que assim se não entendesse, ela própria foi reclamando o pagamento dos créditos em causa, sendo reconhecidos por diversas vezes, nomeadamente mercê de acordos de pagamento realizados.

1.1.4. Realizada e frustrada uma tentativa de conciliação das partes, veio a (Massa Insolvente de EMP02..., Limitada) esclarecer em que períodos, após a declaração da insolvência, a administração da massa insolvente foi cometida à própria Devedora (EMP02..., Limitada) ou ao Administrador da Insolvência.
Perante o esclarecimento prestado, a Autora (EMP01..., Unipessoal, Limitada) respondeu ser a dívida em causa da massa insolvente e não da insolvência, por ter sido contraída mercê da administração da Devedora (EMP02..., Limitada); e, quando a mesma não coube ao Administrador da Insolvência, este também não se opôs à sua contracção, no âmbito dos poderes de fiscalização que lhe eram próprios.
 
1.1.5. Foi proferido saneador-sentença, em que se decidiu: dispensar a realização de uma audiência prévia; reconhecer tabelarmente a validade e a regularidade da instância; e julgar verificada a excepção peremptória de prescrição dos créditos reclamados, lendo-se nomeadamente no mesmo:
«(…)
Cumpre decidir.
O artigo 100º do CIRE citado encontra-se dentro do capítulo III, sob a epígrafe, “efeitos sobre os créditos” que versa sobre os efeitos que a sentença de declaração de insolvência tem sobre os créditos existentes à data, ou seja, os créditos sobre a insolvência.
Não versa sobre os créditos criados após a declaração de insolvência, que são, por definição, créditos sobre a massa insolvente, como os define o artigo 51º nº1 e nº2 do CIRE.
Aliás, a presente ação funda-se na existência de uma dívida sobre a massa insolvente, cujo pagamento se requer, nos termos do artigo 89º do CIRE.
Pelo que não lhe é aplicável a disciplina do artigo 100º do CIRE, que visa proteger os credores da insolvência, que ficam, durante a mesma, impedidos de exigir o cumprimento do seu crédito ao devedor fora do processo de insolvência.
Desta forma, o prazo de prescrição aplica-se às dívidas da massa insolvente. Mas aplicar-se-à apenas ao consumidor final em sentido estrito apenas ou também ao utente profissional?
Responde-nos Calvão da Silva, em Serviços Públicos Essenciais: alterações à Lei 23/96 pelas Leis nº 12/2008 e 24/2008 in Revista de Legislação e Jurisprudência, ano 137º, nº3948, Janeiro-Fevereiro de 2008, p. 171, que não, procurando estender a sua tutela a todos os utentes de bens ou serviços públicos essenciais. A noção de utente não corresponde ao conceito estrito de consumidor, abrangendo as pessoas coletivas e não relevando a qualidade de profissional destas.
Assim, sendo aplicável a Lei 23/96 de 26-7 ao serviço de fornecimento de eletricidade por se tratar de serviço público essencial, aplica-se também o prazo de prescrição de seis meses após o fornecimento do serviço.
Ora, tendo as faturas apresentadas datas de emissão (posterior ao fornecimento) de 15-8-2021, 14-9-2021, 18-11-2021, 16-12-2021, 9-2-2022, 11-3-2022 e 25-5-2022, emergindo tais dívidas de atos de administração da massa insolvente formada após a declaração de insolvência da devedora, deveria ter sido interposta a presente ação no período de seis meses
subsequente, que terminou em Novembro de 2022 para a última fatura. Não se vislumbra qualquer causa de suspensão da prescrição.
Desta forma, quando dá entrada a presente ação, que foi autuada a 21-11-2024, já há muito se encontravam tais dívidas prescritas.
Decisão
Pelo exposto, declaro a prescrição do direito de exigir o pagamento da dívida de € 118.268,47 peticionada nos autos, absolvendo a R do pedido contra si deduzido.
Custas pela A, que lhes deu causa. Registe e Notifique.
(…)»
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1.2. Recurso
1.2.1. Fundamentos
Inconformada com esta decisão, a Autora (EMP01..., Unipessoal, Limitada) interpôs recurso de apelação, pedindo que fosse provido e se revogasse a decisão recorrida.
                        
Concluiu as suas alegações da seguinte forma (aqui se reproduzindo as respectivas conclusões ipsis verbis, com excepção da concreta grafia utilizada e de manifestos e involuntários erros e/ou gralhas de redacção):

I. A Recorrente vem recorrer da decisão do Tribunal a quo, que absolveu a Recorrida do pedido apresentado pela Recorrente para o pagamento do montante total global de 118.268,47 € (cento e dezoito mil, duzentos e sessenta e oito euros e quarenta e sete cêntimos).

II. Deste montante, corresponde o montante de capital fixado na quantia de 109.488,62 € (cento e nove mil, quatrocentos e oitenta e oito euros e sessenta e dois cêntimos) acrescido de juros de mora no valor de 8.904,45 € (oito mil novecentos e quatro euros e quarenta e cinco cêntimos), sem prejuízo dos juros vincendos até efetivo e integral pagamento.

III. Na decisão recorrida, o Tribunal a quo decidiu declarar como prescritas as faturas reclamadas pela Recorrente, nos termos e para os efeitos do artigo 10.º, n.º 1 da Lei, n.º 23/96, de 26 de julho.

IV. Considerando, como tal, que não tem aplicação ao caso concreto o disposto no artigo 100.º do CIRE, entendendo a Recorrente ser este o principal ponto de discordância e objeto de impugnação.

V. Pelo que, relativamente à interpretação e aplicação deste artigo, a Recorrente discorda em absoluto da posição do Tribunal a quo, fundamentalmente, por duas ordens de razão.

VI. Primeiramente, entende a Recorrente que, dispondo o artigo 100.º no sentido de : “A sentença de declaração da insolvência determina a suspensão de todos os prazos de prescrição e de caducidade oponíveis pelo devedor, durante o decurso do processo”, tal só poderá significar que o encerramento do processo de insolvência é pressuposto necessário para que se determine o fim da suspensão do prazo de prescrição, o que, no presente caso, ainda não ocorreu, dado que o processo ainda não se encontra encerrado.

VII. Tal está em conformidade com o entendimento perfilhado na decisão vertida no Acórdão do Tribunal da Relação de Coimbra de 17/03/2022, Processo n.º 303/15.0T9PMS.C1 (Relatora Elisa Sales), ao proferir: “Com a declaração de insolvência suspendem-se os prazos de prescrição e de caducidade durante o processo (art. 100º, do CIRE). E, a suspensão cessa com o encerramento do processo, reiniciando-se a contagem dos prazos a partir desse momento – art. 233º, n.º 1, al. a), do CIRE.”

VIII. De todo o modo, entende a Recorrente que, contrariamente ao entendimento do Tribunal a quo, no presente caso, o prazo de prescrição nunca chegou a correr, porquanto a dívida peticiona da tem data posterior à data da declaração de insolvência.

IX. Ou seja, tendo a declaração de insolvência data de 17/07/2019 e sendo as faturas peticionadas referentes a períodos de fornecimento posteriores e, consequentemente, tendo também datas de vencimento posteriores a essa data, o prazo de prescrição nunca começou a correr, encontrando-se suspenso.

X. Adicionalmente, a Recorrente discorda do entendimento perfilhado na decisão do Tribunal a quo quando o mesmo afirma que o artigo 100.º do CIRE “Não versa sobre os créditos criados após a declaração de insolvência, que são, por definição, créditos sobre a massa insolvente”, porquanto a própria norma dispõe que “A sentença de declaração da insolvência determina a suspensão de todos os prazos de prescrição e de caducidade oponíveis pelo devedor, durante o decurso do processo.”

XI. De tal modo, mui respeitosamente, não poderão V. Exas. ser coniventes com uma interpretação da norma feita pelo Tribunal a quo que, refira-se, não encontra sustentação jurisprudencial.

XII. Não podendo a Recorrente sair prejudicada pela inércia e aproveitamento levados a cabo pela Recorrida que, apesar de desejar manter em vigor o contrato de fornecimento de energia celebrado com a Recorrente, de forma a manter a atividade da empresa insolvente, nunca quis cumprir com a correspondente obrigação de pagamento do preço devido pela energia por si consumida.

XIII. A Recorrente cumpriu com a sua obrigação de garantir o fornecimento de energia elétrica e, da parte contrária, a Recorrida nada mais fez do que se eximir da responsabilidade de pagar, escudando-se atrás da prescrição para não cumprir com as suas obrigações.

XIV. Refira-se, ainda, que ao decidir manter em vigor o contrato de fornecimento de energia elétrica, por necessidade da própria massa insolvente, a Recorrida sabia, por não ter como desconhecer, que consumia energia e que as dívidas provenientes da falta de pagamento da mesma consubstanciam dívidas da massa insolvente que, como previsto no artigo 51.º n.º 2 do CIRE: “Os créditos correspondentes a dívidas da massa insolvente e os titulares desses créditos são neste Código designados, respetivamente, por créditos sobre a massa e credores da massa.

XV. Cumprindo assinalar também que a norma em questão não distingue os créditos vencidos anteriores à data de declaração de insolvência e créditos da massa insolvente, pelo que o juízo do Tribunal a quo carece de fundamento.

XVI. Devendo estes mesmos créditos sobre a massa ser pagos, de acordo com o disposto no artigo 172.º n.º 3 do CIRE “nas datas dos respectivos vencimentos, qualquer que seja o estado do processo.”

XVII. Pelo que, constatando a Recorrente o não pagamento das faturas emitidas e enviadas à Recorrida nas referidas datas de vencimento, e após diversas interpelações para pagamento, não teria outra alternativa para ver satisfeito o seu crédito que não o prosseguimento de uma ação de condenação sob a forma de processo comum contra a Recorrida.

XVIII. Não podendo, no entender da Recorrente, a Recorrida escudar-se num suposto desconhecimento dos valores em dívida ora peticionados, já que sabia que consumia energia elétrica fornecida pela Recorrente, sendo esta indispensável à manutenção da sua atividade, tendo sido diversas vezes interpelada para o seu pagamento.

XIX. Motivos pelos quais se entende ser o crédito da Recorrente sobre a massa insolvente da Recorrida merecedor de tutela e inteiramente subsumível à letra e alcance do disposto no artigo 100.º do CIRE.

XX. Por tudo o exposto, deverá a decisão proferida pelo Tribunal a quo revogada, condenando-se a Recorrida ao pagamento do valor peticionado, no montante de 118.268,47 € (cento e dezoito mil, duzentos e sessenta e oito euros e quarenta e sete cêntimos).

XXI. E, consequentemente, deverá ser dado provimento ao recurso apresentado
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1.2.2. Contra-alegações
A Massa Insolvente contra-alegou, pedindo que fosse mantida a decisão recorrida.
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1.2.3. Processamento ulterior do recurso
Tendo sido proferido despacho pelo Tribunal a quo a admitir o recurso da Autora (EMP01..., Unipessoal, Limitada) - «que sobe imediatamente, nos próprios autos, com efeito meramente devolutivo» -, foi o mesmo recebido por este Tribunal ad quem, sem alteração.
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II - QUESTÕES QUE IMPORTA DECIDIR

2.1. Objecto do recurso - EM GERAL
O objecto do recurso é delimitado pelas conclusões da alegação do recorrente (art.ºs 635.º, n.º 4 e 639.º, n.ºs 1 e 2, ambos do CPC), não podendo este Tribunal conhecer de matérias nelas não incluídas, a não ser que as mesmas sejam de conhecimento oficioso (art.º 608.º, n.º 2, in fine, aplicável ex vi do art.º 663.º, n.º 2, in fine, ambos do CPC) [1].
Não pode igualmente este Tribunal conhecer de questões novas (que não tenham sido objecto de apreciação na decisão recorrida) [2], uma vez que os recursos são meros meios de impugnação de prévias decisões judiciais (destinando-se, por natureza, à sua reapreciação/reponderação e consequente alteração e/ou revogação, e não a um novo reexame da causa).
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2.2. QUESTÕES CONCRETAS a apreciar
Mercê do exposto, e do recurso interposto pela Requerente (BB), uma única questão foi submetida à apreciação deste Tribunal ad quem:

· Questão Única - Fez o Tribunal a quo uma errada interpretação e aplicação da lei, ao considerar prescrito o crédito reclamado pela Autora (por, consubstanciando uma dívida sobre a massa insolvente, não ter sido reclamado nos seis meses de que aquela dispunha para o efeito, inexistindo causa legal de suspensão do decurso desse prazo), devendo ser revogada a decisão recorrida (por o prazo de seis meses referido ter sido suspenso com a declaração de insolvência da Devedora, não se encontrando, por isso, o crédito reclamado prescrito) ?
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III - FUNDAMENTAÇÃO DE FACTO

Com interesse para a apreciação da questão única enunciada encontram-se assentes (mercê do conteúdo dos próprios autos) os factos já discriminados em «I - RELATÓRIO», que aqui se dão por integralmente reproduzidos.
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IV - FUNDAMENTAÇÃO DE DIREITO

4.1. Prescrição do preço do fornecimento de energia eléctrica
4.1.1. Regime legal (art.º 10.º da Lei n.º 23/96, de 26 de Julho)
Lê-se no art.º 1.º da Lei n.º 23/96, de 26 de Junho, que a mesma «consagra as regras a que deve obedecer a prestação de serviços públicos essenciais em ordem à protecção do utente»; e qualifica o seu n.º 2, al. b), como tal o «serviço de fornecimento de energia eléctrica».
Mais se lê, no art.º 10.º do mesmo diploma, que o «direito ao recebimento do preço do serviço prestado prescreve no prazo de seis meses após a sua prestação» (n.º 1); e o «prazo para a propositura da acção ou da injunção pelo prestador de serviços é de seis meses, contados após a prestação do serviço ou do pagamento inicial, consoante os casos» (n.º 4).
Entende-se, assim, que o prazo de prescrição referido não extingue o direito de crédito (o credor não perde o direito ao mesmo, mantendo o seu direito ao respectivo pagamento), mas extingue o direito de o exigir judicialmente (o credor fica impossibilitado de exigir o pagamento do seu crédito).
Consagra-se, deste modo, uma prescrição extintiva, destinada a proteger «o utente» de um serviço que é essencial, isto é, «a pessoa singular ou colectiva a quem o prestador do serviço se obriga as prestá-lo» [3], conforme art.º 1.º, n.º 2 do diploma citado: «dir-se-á mesmo que o novo prazo é muito curto, por não ser suficientemente longo para poder alegar-se que a inércia do credor justifica a prescrição extintiva. Só que o fundamento decisivo é de ordem pública, da chamada ordem pública de protecção ou ordem pública social, própria da reluzente temática da tutela do consumidor, tirado da necessidade de prevenir a acumulação de dividas que o utente pode (deve) pagar periodicamente mas encontrará dificuldades em solver se excessivamente agregadas» (Calvão da Silva, RLJ, Ano 132, págs. 153 e segs.).
Logo, esta protecção visa defendê-lo, não só «do maior poderio das empresas com as quais se vê obrigado a contratar», como ainda «mesmo de si próprio, perante tentações de consumo excessivo que a “essencialidade” hodierna dos bens em causa e a facilidade tecnológica da sua utilização potenciam, arrastando para uma possibilidade de sobreendividamento que de todo em todo a lei quer evitar.
E é nesse sentido que não há como pagar hoje o que hoje se consome; impõe-se prevenir e evitar a indesejada hipótese de acumulação excessiva de pagamentos parciais de preço que se vão acumulando no tempo.
Ora isto só se consegue impondo ao credor, ao fornecedor dos bens e serviços considerados pela lei como essenciais (…) a obrigação de agir rápida e atempadamente na cobrança dos seus direitos, por esta via fazendo que o consumidor pague em cada dia o que em cada dia consome, passe a expressão, e tranquilizando-o para o futuro, sabendo que o credor lhe não pode vir exigir mais tarde aquilo que oportunamente lhe não pediu» (Ac. do STJ, de 05.06.2003, Pires da Rosa, Processo nº. 03B1032) [4].
Compreende-se, por isso, que esta prescrição extintiva se reporte apenas à prestação dos serviços públicos de fornecimento de água, de energia eléctrica, de gás, e do serviço de telefone (art.º 1.º, n.º 1, do mesmo texto legal).

Logo, o entendimento do legislador é de não ser exíguo o prazo de seis meses para a prescrição do direito ao recebimento do preço, contado da prestação dos serviços públicos essenciais: ao visar a protecção do utente (traduzida num regime que visa evitar a acumulação de dívida de fácil contracção), obrigou os prestadores de serviços a manterem uma organização que lhes permita a cobrança em o momento próximo do correspondente consumo.
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4.1.2. Suspensão de prazos de prescrição em sede de CIRE
4.1.2.1. Créditos sobre a Insolvência versus Créditos sobre a Massa Insolvente
Lê-se no art.º 47.º do CIRE que, declarada «a insolvência, todos os titulares de créditos de natureza patrimonial sobre o insolvente, ou garantidos por bens integrantes da massa insolvente, cujo fundamento seja anterior à data dessa declaração, são considerados credores da insolvência, qualquer que seja a sua nacionalidade e domicílio» (n.º 1); e tais créditos, «bem como os que lhes sejam equiparados, (…) são neste Código denominados (…) créditos sobre a insolvência» (n.º 2).
Trata-se, como desde logo decorre da expressão «cujo fundamento seja anterior à data dessa declaração», de dívidas que têm um fundamento anterior à data da declaração da insolvência.

Estas «dívidas sobre a insolvência», e de acordo com o art.º 173.º do CIRE, virão a ser pagas desde que estejam verificadas «por sentença transitada em julgado»; e o seu pagamento ocorrerá por força dos bens do insolvente, previamente apreendidos e/ou liquidados, consoante a natureza dos respectivos créditos, isto é, garantidos, privilegiados, comuns ou subordinados [5] (art.ºs 46.º, n.º 4, 174.º, 175.º, 176.º e 177.º, todos do CIRE) [6].
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Lê-se no art.º 46.º, n.º 1, do CIRE, que a «massa insolvente destina-se à satisfação dos credores da insolvência, depois de pagas as suas próprias dívidas, e, salvo disposição em contrário, abrange todo o património do devedor à data da declaração de insolvência, bem como os bens e direitos que ele adquira na pendência do processo».
A propósito do que sejam «as suas próprias dívidas», lê-se no art.º 51.º do CIRE, sob a epígrafe «Dívidas da massa insolvente», no seu n.º 1, que, salvo «preceito expresso em contrário, são dívidas da massa insolvente, além de outras como tal qualificadas neste Código: a) As custas do processo de insolvência; b) As remunerações do administrador da insolvência e as despesas deste e dos membros da comissão de credores; c) As dívidas emergentes dos actos de administração, liquidação e partilha da massa insolvente; d) As dívidas resultantes da actuação do administrador da insolvência no exercício das suas funções; e) Qualquer dívida resultante de contrato bilateral cujo cumprimento não possa ser recusado pelo administrador da insolvência, salvo na medida em que se reporte a período anterior à declaração de insolvência; f) Qualquer dívida resultante de contrato bilateral cujo cumprimento não seja recusado pelo administrador da insolvência, salvo na medida correspondente à contraprestação já realizada pela outra parte anteriormente à declaração de insolvência ou em que se reporte a período anterior a essa declaração; g) Qualquer dívida resultante de contrato que tenha por objecto uma prestação duradoura, na medida correspondente à contraprestação já realizada pela outra parte e cujo cumprimento tenha sido exigido pelo administrador judicial provisório; h) As dívidas constituídas por actos praticados pelo administrador judicial provisório no exercício dos seus poderes; i) As dívidas que tenham por fonte o enriquecimento sem causa da massa insolvente; j) A obrigação de prestar alimentos relativa a período posterior à data da declaração de insolvência, nas condições do artigo 93.º».
Trata-se, como desde logo decorre da expressão «além de outras como tal qualificadas neste Código», de uma enumeração exemplificativa [7]; e todas as dívidas sobre a massa insolvente têm como fundamento a própria situação de insolvência, isto é, são originadas com o processo ou por causa dele, assumindo ainda um carácter marcadamente excepcional, justificado pelo regime de que beneficiam [8]

Estas «dívidas sobre a massa insolvente», e de acordo com o art.º 172.º do CIRE, virão a ser pagas antes de se «proceder ao pagamento dos créditos sobre a insolvência», cabendo ao administrador da insolvência deduzir «da massa insolvente os bens ou direitos necessários à satisfação das dívidas desta, incluindo as que previsivelmente se constituirão até ao encerramento do processo» (n.º 1); e tal pagamento «tem lugar nas datas dos respectivos vencimentos, qualquer que seja o estado do processo» (n.º 2).
Logo, além de serem pagas de forma precípua, não estão sujeitas ao processo de verificação e graduação de créditos, não tendo que ser reclamadas, podendo os respectivos credores exigir directamente o seu pagamento do administrador da insolvência; e fazê-lo logo que se vençam, falando-se a propósito do princípio da pontualidade [9]. Será, inclusivamente, este regime privilegiado (de vencimento, de reclamação e reconhecimento, e de termos de pagamento) que justificará o carácter excepcional das dívidas sobre a massa insolvente [10].
Compreende-se, por isso, que se afirme que a «massa insolvente destina-se primordialmente à satisfação das suas próprias dívidas (os créditos sobre a massa, referidas no art.º 51º) e apenas depois aos créditos sobre a insolvência (as restantes dívidas de natureza patrimonial do insolvente ou garantidas por bens deste, referidas no art. 47º)» (Luís Manuel Teles de Menezes Leitão, Código da Insolvência e da Recuperação de Empresas Anotado, 2015 - 8.ª edição, Almedina, págs. 113). Logo, aquelas (dívidas sobre a massa insolvente) são pagas com precipuidade, e estes (créditos sobre insolvência), independentemente da sua categoria, são preteridos no confronto com elas.
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4.1.2.2. Art.º 100.º do CIRE
Lê-se no art.º 100.º do CIRE que a «sentença de declaração da insolvência determina a suspensão de todos os prazos de prescrição e de caducidade pelo devedor durante o decurso do processo».
O preceito em causa integra o Capítulo III, cuja epígrafe é «Efeitos [da declaração de insolvência] sobre os créditos», lendo-se logo na primeira das suas disposições, o art.º 90.º, que os «credores da insolvência apenas poderão exercer os seus direitos em conformidade com os preceitos do presente Código, durante a pendência do processo de insolvência», o que se harmoniza com a sua natureza e função, de «execução universal» (conforme art.º 1.º do CIRE).
Compreende-se que assim seja uma vez que, não podendo aquele que já era credor do devedor (depois insolvente) exercer, fora do processo de insolvência, os seus direitos (nomeadamente, de cobrança coerciva do seu crédito), e por forma a que não ficasse prejudicado por uma qualquer inércia ou maior demora no processamento daqueles autos, verá o prazo de prescrição e/ou de caducidade do respectivo crédito sobre a insolvência (porque já então constituído) suspenso.
Precisa-se que, e necessariamente, os ditos prazos de prescrição e de caducidade dos créditos sobre a insolvência já estarão em curso, uma vez que só pode ser suspenso algo que previamente já exista (o dito crédito constituído antes da declaração de insolvência). Afirma-se, assim, que havendo «suspensão dos prazos, mantém-se, naturalmente, válido o período já decorrido até ela, pelo que, se vier a cessar, recomecerá a contagem no ponto em que havia ficado paralisada. O novo período adiciona-se, pois, ao já decorrido antes da suspensão, segundo o regime geral da figura» (Luís A. Carvalho Fernandes e João Labareda, Código da Insolvência e da Recuperação de Empresas Anotado, 3.ª edição, Quid Juris, Lisboa 2015, pág. 458).

Logo, e salvo o devido respeito por opinião contrária, a suspensão de prazos de prescrição e de caducidade prevista no art.º 100.º do CIRE não abrange os créditos sobre a massa insolvente, mas apenas os créditos sobre a insolvência, o que se compreende, face à diferente natureza e ao consequente diferente regime de uns e outros.
Assim, sendo o pagamento de dívida sobre a massa insolvente recusado, o respectivo credor terá de intentar a competente acção, nos termos do art.º 89.º, n.º 2, do CIRE, tendo em conta o seu prazo de prescrição, sob pena da mesma lhe poder depois ser oposta.
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4.2. Caso concreto (subsunção ao Direito aplicável)
Concretizando, verifica-se que, após a declaração de insolvência de EMP02..., Limitada, ocorrida em 17 de Julho de 2019, a Autora (EMP01..., Unipessoal, Limitada) continuou a fornecer-lhe energia eléctrica, o que fez até 07 de Março de 2022; e que parte desse fornecimento, nomeadamente o ocorrido entre Agosto de 2021 e Maio de 2022, não foi pago, perfazendo um montante global de € 109.488,62.
Concorda-se com a Autora (EMP01..., Unipessoal, Limitada) quando a mesma qualifica estes créditos como créditos sobre a massa insolvente, sendo irrelevante para o efeito que a administração da Sociedade tenha estado confiada quer à própria Devedora, quer ao Administrador da Insolvência [11].

Ora, tendo-se todos os créditos aqui reclamado sido constituídos após 17 de Julho de 2019 (data em que a Devedora foi declarada insolvente) e reportando-se o último a uma factura emitida em 25 de Maio de 2022, que se venceu no dia 19 de Junho de 2022, a presente acção apenas foi proposta em 21 de Novembro de 2024, isto é, muito depois de se mostrar integralmente decorrido o prazo de seis meses de que a Autora (EMP01..., Unipessoal, Limitada) dispunha para o efeito (quanto a cada um dos créditos em causa).
           
Mostra, por isso, correcto o juízo do Tribunal a quo, quando reconheceu essa prescrição.
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Deverá, assim, decidir-se em conformidade, pela improcedência do recurso de apelação interposto pela Autora (EMP01..., Unipessoal, Limitada).
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V - DECISÃO

Pelo exposto, e nos termos das disposições legais citadas, julgo totalmente improcedente o recurso de apelação interposto pela Autora (EMP01..., Unipessoal, Limitada) e, em consequência:

· Confirmo integralmente a decisão recorrida
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Custas da apelação pela respectiva Recorrente, que nela ficou vencida (art.º 527.º, n.º 1 e n.º 2, do CPC).
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Guimarães, 29 de Setembro de 2025.

A presente decisão sumária é assinada electronicamente pela respectiva

Relatora - Maria João Marques Pinto de Matos.


[1] «Trata-se, aliás, de um entendimento sedimentado no nosso direito processual civil e, mesmo na ausência de lei expressa, defendido, durante a vigência do Código de Seabra, pelo Prof. Alberto dos Reis (in Código do Processo Civil Anotado, Vol. V, pág. 359) e, mais tarde, perante a redação do art. 690º, do CPC de 1961, pelo Cons. Rodrigues Bastos, in Notas ao Código de Processo Civil, Vol. III, 1972, pág. 299» (Ac. do STJ, de 08.02.2018, Maria do Rosário Morgado, Processo n.º 765/13.0TBESP.L1.S1, nota 1 - in www.dgsi.pt, como todos os demais citados sem indicação de origem). 
[2] Neste sentido, numa jurisprudência constante, Ac. da RG, de 07.10.2021, Vera Sottomayor, Processo n.º 886/19.5T8BRG.G1, onde se lê que questão nova, «apenas suscitada em sede de recurso, não pode ser conhecida por este Tribunal de 2ª instância, já que os recursos destinam-se à apreciação de questões já levantadas e decididas no processo e não a provocar decisões sobre questões que não foram nem submetidas ao contraditório nem decididas pelo tribunal recorrido».
[3] Precisa-se que o utente do serviço em causa não é apenas o consumidor final em sentido estrito, abrangendo igualmente o utente profissional (nomeadamente, as pessoas colectivas, isto é, não relevando a qualidade de profissional destas).
Neste sentido, Calvão da Silva, «Serviços Públicos Essenciais: alterações à Lei 23/96 pelas Leis nº 12/2008 e 24/2008», RLJ, ano 137, n.º 3948, Janeiro-Fevereiro de 2008, pág. 171.
[4] No mesmo sentido, Ac. do STJ, de 13.05.2004, Silva Salazar, Processo n.º 04A1323.
[5] Precisa-se, a propósito e nos termos do art.º 47.º, n.º 4, do CIRE, que são créditos:
. «garantidos» e «privilegiados», «os créditos que beneficiem, respectivamente, de garantias reais, incluindo os privilégios creditórios especiais, e de privilégios creditórios gerais sobre bens integrantes da massa insolvente, até ao montante correspondente ao valor dos bens objecto das garantias ou dos privilégios gerais, tendo em conta as eventuais onerações prevalecentes»;
. «subordinados», os créditos enumerados no artigo seguinte, excepto quando beneficiem de privilégios creditórios, gerais ou especiais, ou de hipotecas legais, que não se extingam por efeito da declaração de insolvência» (sendo nomeadamente esse o caso dos «créditos detidos por pessoas especialmente relacionadas com o devedor, desde que a relação especial existisse já aquando da respetiva constituição, e por aqueles a quem eles tenham sido transmitidos nos dois anos anteriores ao início do processo de insolvência», dos «créditos cuja subordinação tenha sido convencionada pelas partes», dos «créditos que tenham por objecto prestações do devedor a título gratuito», ou dos «créditos por suprimentos );
. e «comuns», «os demais créditos».
[6] Logo, e de acordo com o reconhecimento obtido em prévia sentença transitada em julgado, o pagamento dos créditos: garantidos, é efectuado com o produto da liquidação dos bens onerados com garantia real, respeitando a prioridade que lhes caiba (art.º 174.º, do CIRE); privilegiados, é efectuado com base nos bens não afectos a garantias reais prevalecentes, respeitando a prioridade que lhes caiba e os seus montantes (art.º 175.º, do CIRE); comuns, é efectuado com base no produto da liquidação dos demais bens do insolvente, e na proporção dos seus créditos, se aquele for insuficiente para o efeito (art.º 176.º, do CIRE); e subordinados, é efectuado se existir saldo remanescente, e com ele (art.º 177.º, do CIRE). 
[7] Neste sentido: Luís A. Carvalho Fernandes e João Labareda, Código da Insolvência e da Recuperação de Empresas Anotado, 3.ª edição, Quid Juris, Lisboa, 2015, págs. 292 e 308; Luís Manuel Teles de Menezes Leitão, Código da Insolvência e da Recuperação de Empresas Anotado, 2015 - 8.ª edição, Almedina, págs. 118; Alexandre de Soveral Martins, Um Curso de Direito da Insolvência, 2016 - 2.ª edição revista e actualizada, Almedina, pág. 274; e Maria do Rosário Epifânio, Manual de Direito da Insolvência, 2016 - 6.ª edição, Almedina, pág.  237.
[8] Neste sentido, Catarina Serra, Lições de Direito da Insolvência, 2.ª edição, Almedina, Fevereiro de 2021, pág. 64, onde se lê que, agrupando «os casos [da enumeração de dívidas sobre a massa insolvente, do art.º 51.º, n.º 1, do CIRE] atendendo ao seu denominador comum, é possível concluir, em primeiro lugar, que a classificação como dívidas da massa assenta na existência de uma espécie de nexo causal (ou nexo de derivação) entre as dívidas e o processo de insolvência. Sendo previsíveis e naturais ao processo de insolvência, tendo por finalidade assegurar a abertura e o curso de um processo de insolvência (como as resultantes das custas), ou sendo meramente eventuais (como as que derivam da actividade dos órgãos e, em particular, do exercício, pelo administrador da insolvência, das suas funções), a verdade é que todas são consequência do processo de insolvência.
Olhando para as restrições inerentes à classificação como dívidas da massa (em particular para os casos dispersos), é possível concluir, em segundo lugar, que a classificação como dívidas da massa assume um carácter marcadamente excepcional».
[9] Neste sentido, Ac. da RG, de 07.10.2021, José Alberto Moreira Dias, Processo n.º 1/08.0TJVNF-ET.G1, onde se lê, e quanto «ao momento do pagamento dos créditos que incidem sobre a massa insolvente, nos termos do n.º 3 do art.º 175º, vigora quanto a eles o princípio da pontualidade, em função do qual impende sobre o administrador de insolvência a obrigação de proceder ao pagamento das dívidas da massa insolvente mal estas se vençam, não obedecendo, portanto, o pagamento das dívidas da massa insolvente às mesmas regras que presidem ao pagamento dos créditos sobre a insolvência, que se encontram enunciadas nos arts. 173º e ss. do CIRE». 
[10] Neste sentido, Catarina Serra, Lições de Direito da Insolvência, 2.ª edição, Almedina, Fevereiro de 2021, pág. 64, onde se lê que, olhando «para as restrições inerentes à classificação como dívidas da massa (em particular para os casos dispersos), é possível concluir, em segundo lugar, que a classificação como dívidas da massa assume um carácter marcadamente excepcional», sendo que bem «se compreende que assim seja, uma vez que as dívidas da massa desfrutam de um tratamento especial (privilegiado)».
[11] Neste sentido:
. Ac. da RG, de 01.07.2021, Conceição Sampaio, Processo n.º                5468/19.9T8VNF-J.G1 - onde se lê que as «dívidas resultantes da atuação do devedor a quem foi atribuída a administração devem ser consideradas dívidas da massa insolvente. Em primeiro lugar, dada a analogia destas dívidas com as resultantes da atividade (análoga) do administrador da insolvência e do administrador judicial provisório, em segundo, por uma razão prático-teleológica, se as dívidas fossem qualificadas como dívidas da insolvência dificilmente seria concedido crédito ao devedor, dificultando assim a continuação da atividade e votando definitivamente ao insucesso o instituto da administração pelo devedor».
. Ac. da RL, de 23.04.2024, Renata Linhares de Castro, Processo n.º 20730/15.1T8SNT-B.L1-1 - onde se lê que se subscreve, «pois, a posição da apelante quando alega ser “irrelevante que a administração da insolvente tenha ficado numa fase inicial confiada à Insolvente e só após o douto Despacho que determinou o prosseguimento dos autos para liquidação tenha sido exclusivamente assumida pelo Senhor Administrador de Insolvência”, bem como quando defende não ter “acolhimento o entendimento de que apenas com a ordem de liquidação dos bens da sociedade e a respetiva apreensão de todo o acervo de bens é que tem início a administração da massa insolvente, sendo a mesma administrada quer pelo insolvente, quer pelo administrador, desde o momento da sua constituição, a declaração de insolvência».