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JULGAMENTO DE CÚMULO JURÍDICO SUPERVENIENTE
CONHECIMENTO DO CRIME CONTINUADO
DESCONTO DE PENA SUSPENSA NA EXECUÇÃO
Sumário
I – A nulidade do acórdão por omissão de pronúncia só se verifica quando o julgador deixa de resolver questões que devia conhecer, seja por serem do conhecimento oficioso, seja porque as mesmas lhe foram submetidas para apreciação pelo Ministério Público, assistente ou pelo arguido; II – Na decisão que conhece da superveniência do concurso de crimes, não pode o Tribunal conhecer da eventual existência do crime continuado; III – Na verdade, a análise da continuação criminosa pode ser feita no último julgamento do facto que integra a continuação, mas já não quando todos os julgamentos relativos aos factos que poderiam integrar a continuação, transitaram em julgado; IV - Decorre do disposto no artigo 78.º, n.º 1 in fine do Código Penal que a pena que já tiver sido cumprida, é descontada no cumprimento da pena única aplicada ao concurso e crimes; V - Porém, como se salienta na decisão da primeira instância, estando em causa penas de prisão suspensas na sua execução, não pode esse desconto “assentar simplesmente no decurso do tempo de suspensão, sem qualquer sacrifício para o condenado”; VI - O desconto deve ser fixado na medida em que o cumprimento das penas de prisão suspensas, tenham representado algum sacrifício relevante para o condenado.
Texto Integral
Acordam, em conferência, os Juízes que integram a Secção Penal do Tribunal da Relação de Guimarães:
A) Relatório:
1) No Tribunal Judicial da Comarca de Braga, Juízo Central Criminal de Guimarães – Juiz ..., nos autos de Processo Comum com intervenção do Tribunal colectivo, com o n.º 377/25.5T8GMR, após a realização da audiência de julgamento, foi proferido Acórdão, datado de 27/03/2025, onde se decidiu proceder ao cúmulo jurídico das penas parcelares aplicadas ao condenado no âmbito dos processos n.ºs 338/17.8IDBRG e 45/14.3IDPRT e: a) Condenar o arguido AA na pena única de 6 (seis) anos de prisão efectiva: b) Proceder, nos termos do artigo 78º, n.º 1, do CP, ao desconto equitativo de 4 (quatro) meses na pena única aplicada, a qual passa a 5 (cinco) anos e 8 (oito) meses de prisão;
c) Não aplicar o perdão de pena previsto na Lei n.º 38-A/2023, de 02/08.
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2) Inconformado com esta decisão, da mesma interpôs o arguido o presente recurso, formulando no termo da motivação as seguintes conclusões: I. O douto Tribunal a quo, proferiu acórdão em 27.03.2025, no qual procedeu à realização do cúmulo jurídico das penas parcelares aplicadas nos processos n.º 338/17.8IDBRG e 45/14.3IDPRT. II. Tendo, no acórdão recorrido, o Arguido sido condenado na pena única de 6 (seis) anos de prisão, procedendo-se ao desconto equitativo de 4 (quatro) meses na pena única aplicada, a qual passaria a 5 (cinco) anos e 8 (oito) meses de prisão. III. Inconformado, o arguido interpõe o presente recurso, para o qual apresenta a seguinte motivação: IV. O Arguido considera a pena exagerada, porquanto, se omitiu a circunstância de estarmos perante um crime continuado de fraude fiscal qualificada. V. Isto pois, o Arguido, na execução do seu plano criminoso previamente delineado, praticou uma pluralidade de atos unidos pela mesma resolução criminosa, pelo mesmo dolo, existindo uma unidade típica de ação, e, consequentemente, a prática de um único crime de fraude fiscal qualificada. VI. Pelo que, no acórdão recorrido, decidiu, o Tribunal a quo, não proceder à unificação jurídica dos dois crimes de fraude fiscal qualificada, sob a figura de crime continuado, nos termos e para efeitos do artigo 30.º n.º 2 do CP. VII. Discordando-se, da opção pela não unificação jurídica dos dois crimes de fraude fiscal qualificada bem como na medida concreta da pena de prisão aplicada ao Arguido, aspeto este que se considera erroneamente apreciado, violando-se o disposto nos artigos 40.º, 71.º, 77.º e 78.º do CP. VIII. No caso dos presentes autos, o Arguido deu início à atividade de comércio de veículos automóveis ligeiros, no ano de 2010 e que se prolongou no tempo, até ao ano de 2017. IX. Entende-se que, in casu, com o decorrer do tempo, com as diversas solicitações, pela similar atuação do arguido e atendendo ao hiato temporal (2010 a 2018), era cada vez menos exigível que o Arguido se comportasse de outra forma. X. Pelo que, e com o devido respeito, é entendimento do aqui Recorrente que seria de aplicar à matéria de facto provada o disposto no artigo 30.º, n.º 2 do CP. XI. Sendo que, o douto Tribunal a quo, violou tal disposição legal, não tendo interpretado e aplicado como deveria ter feito, ou seja, no sentido ora descrito pelo Recorrente. XII. Sempre se diga que, o processo n.º 45/14.3IDPRT e o processo n.º 338/17.8IDBRG deveriam ter sido apensados, uma vez que, XIII. Por um lado, verifica-se a conexão de processos, nos termos do artigo 24.º, n.º 1 al. a) do CPP, porquanto, o Arguido cometeu vários crimes através da mesma ação; XIV. E, por outro lado, os processos encontraram-se, simultaneamente, na fase de inquérito impondo-se a conexão, nos termos do 24.º, n.º 2 do CPP. XV. Pelo que, os referidos processos deveriam ter sido apensados, nos termos e para os efeitos do disposto no artigo 24.º do CPP, sendo que ao não terem procedido à apensação dos processos, violaram os direitos do Recorrente a um único julgamento por todos os factos que lhe são imputados nos dois processos em causa, XVI. Sem prejuízo do exposto até ao momento, importa ter presente que o crime continuado é punível com a pena aplicável à conduta mais grave que integra a continuação, conforme dispõe o artigo 79.º, n.º 1 do CPP. XVII. Sendo que, se depois de uma condenação transitada em julgado for conhecida uma conduta mais grave que integre a continuação, a pena que lhe for aplicável substitui a anterior, nos termos do artigo 79.º, n.º 2 do CPP. XVIII. Ora, a subsunção dos factos a um crime continuado ocorre quando estes são analisados e julgados, isto é, quando se julgarem os diversos crimes por que o agente vem condenado. XIX. No caso em apreço, não só os referidos processos se encontraram, simultaneamente, em fase de inquérito, como também em fase de julgamento, pelo que, apensados os referidos processos conforme determinado por lei e em observância da mesma, concluir-se-ia pela verificação da continuação criminosa e o Arguido deveria ter sido punido com uma só pena! XX. Isto pois, perante o disposto no artigo 79.º, n.º 2 do CP, a condenação por crime continuado não faz caso julgado, devendo ser apreciada em novo julgamento a integração do facto novo na continuação criminosa anteriormente julgada. XXI. Assim sendo, no caso em apreço, tendo se chegado à conclusão de que a pena aplicável seria de igual gravidade à aplicada, não havia que considera-la, devendo ter prevalecido, a pena imposta na anterior condenação. XXII. Em termos práticos, significa que seria de aplicar ao Arguido, somente, a pena imposta pela condenação no âmbito do processo n.º 45/14.3IDPRT, ou seja, na pena de 4 (quatro) anos de prisão pela prática de um crime de fraude fiscal qualificada, e na pena de 3 (três anos) de prisão pela prática de um crime de branqueamento de capitais, em cúmulo jurídico, na pena única de 5 (cinco) anos de prisão, suspensa na sua execução por igual período. XXIII. Prevalecendo, assim, a pena imposta na condenação anterior, no processo suprarreferido, não se considerando a pena determinada no processo nº 338/17.8IDBRG – Juízo Local Criminal de Guimarães – Juiz .... XXIV. Uma vez que, os factos imputados ao Arguido nos dois processos integram a continuidade de uma mesma atividade criminosa que se iniciou em 2010 e cessou em 2017. XXV. Constituindo, um só crime, continuado, de fraude fiscal qualificada sujeito à disciplina do artigo 79.º, n.º 2, do CP. XXVI. Viola assim, o mencionado princípio, a condenação sofrida pelo Arguido no processo nº 338/17.8IDBRG, na medida em que tal solução implica duas condenações (duas penas de prisão) pela prática de um só crime, continuado. XXVII. Face ao exposto, e conforme decorre do texto da decisão, enferma, o acórdão recorrido do vício de insuficiência para a decisão da matéria de facto provada, nos termos do disposto no artigo 410.º, n.º 2, al. a) do CPP. XXVIII. Desta feita, a ausência, no acórdão recorrido, dos factos relevantes à formulação de um juízo sobre a eventual ocorrência de uma situação de continuação criminosa entre as condutas já julgadas num e noutro processo, consubstancia o vício de insuficiência para a decisão da matéria de facto provada, determinante do reenvio referido no artigo 426.º do CPP. XXIX. E eventualmente, padecerá, ainda, o acórdão recorrido, de nulidade por omissão de pronúncia, o que se requer, uma vez que o Tribunal a quo não atentou nas datas em que ocorreram os crimes a cujo cúmulo procedeu, pois se assim tivesse sucedido, teriam concluído pela continuação criminosa, nem se pronunciou sobre a mesma. XXX. Assume-se como jurisprudência maioritária no STJ que em decisão de cúmulo jurídico de penas integrando penas de prisão cuja execução foi suspensa com regime de prova e/ou sujeita ao cumprimento de deveres ou regras de conduta ou condições parcialmente cumpridas, sendo aplicada uma pena única de natureza distinta, por força do plasmado no artigo 81.º, n.º 2 do CP, importa avaliar a medida do desconto equitativo da pena anterior que vai ser imputado na nova pena. XXXI. O referido desconto equitativo assume-se como um desconto que, dentro do tempo de suspensão transcorrido, e reportando ao que nele se foi sucedendo em termos de respeito/cumprimento das regras a que aquela está sujeita, se mostre justo, equilibrado e revelador das notas positivas no âmbito da vontade de reinserção e cumprimento das regras vigentes. XXXII. O apelo ao critério equitativo confere ao juiz a liberdade de apreciação e decisão, suportado em notas de equilíbrio e bom senso, sendo que na avaliação a fazer, terão de ser ponderados de forma adequada e proporcional, por um lado, os sacrifícios assumidos pelo arguido e, por outro, as finalidades da sua ressocialização e as razões de prevenção. XXXIII. No caso em apreço, não obstante, o facto de ter sido considerado como equitativo o desconto de 4 (quatro) meses na pena única aplicada, o Tribunal a quo não fundamentou, devidamente, a sua decisão. XXXIV. De igual forma, também não indagou no porquê do Arguido, ter pago, somente, a quantia de € 4.400,00. XXXV. Referindo, brevemente, que: “Atendendo ao tempo decorrido e ao (diminuto) esforço que o pagamento feito traduz, considera-se como equitativo o desconto de 4 (quatro) meses na pena única aplicada, nos termos do disposto na parte do n.º 1 do artigo 78.º do Código Penal”. XXXVI. Contudo, não se compreendo, como pode o douto Tribunal a quo, ter classificado, sem mais, o esforço do Arguido como diminuto. Senão vejamos, XXXVII. À pena substituída no processo n.º 338/17.8IDBRG foi imposta a condição de o arguido pagar € 257.661,50, no prazo de 5 anos; XXXVIII. E no processo n.º 45/14.3IDPRT determinou-se a condição de pagamento, no mesmo prazo, de € 278.620,58. XXXIX. Isto significa, em termos muito práticos, que o Arguido, juntando as duas condições suspensivas, teria de pagar, em cinco anos, a quantia global de € 536.282,08, correspondendo, a cerca de €107.256,42/ano e a, aproximadamente, 8.938,03/mês. XL. Sem prejuízo das considerações sobre a inconstitucionalidade da pena de substituição que infra se tecerão, sempre se diga que a determinação da referida condição estava condenada, ab initio, ao falhanço. XLI. Resulta claro que, os referidos valores são totalmente desproporcionais e irrazoáveis, sendo inexigíveis a qualquer homem médio! XLII. Note-se que, o Arguido tem somente o 6.º ano de escolaridade; XLIII. Que na pendência dos processos referidos foi declarado insolvente, no processo que correu termos no Tribunal Judicial da Comarca de Porto Este, Juízo de Comércio de Amarante – Juiz ... e ao qual foi atribuído o n.º 958/17.0T8AMT. XLIV. O facto de o Arguido ter já 49 anos de idade, baixa escolaridade e condenações transcrita no seu registo criminal, tornam ainda, mais difícil, a missão impossível de arranjar emprego. XLV. Também devido à insolvência pessoal ficou, o Arguido, impossibilitado de contrair qualquer crédito que lhe possibilitasse proceder a um pagamento maior à ordem dos autos, e obrigou-o a proceder, à entrega, de quaisquer quantias auferidas ao Administrador de Insolvência. XLVI. A somar-se à miserável condição económica do Arguido, adoeceu a sua mãe, estando este, conforme consta do Relatório Social, a prestar-lhe os cuidados necessários. XLVII. Assim, o Arguido, na impossibilidade de arranjar trabalho, dedicou-se à venda de veículos automóveis, o que lhe permite, de quando a quando, ganhar algum dinheiro. XLVIII. E é nesses exatos momentos, que o Arguido procede aos depósitos autónomos à ordem dos autos de processo-crime, revelando, o mesmo, notas positivas no âmbito da sua vontade de reinserção e de cumprimento das regras vigentes. XLIX. Desta feita, não nos parece, no mínimo correto e aceitável, que o Tribunal a quo classifique, sem mais, o esforço do Arguido como diminuto. L. Na verdade, e dada toda a conjuntura social e profissional ora exposta, é com muito esforço que o Arguido vai dando cumprimento às condições suspensivas irrisórias que lhe foram impostas. LI. Procedendo à entrega, sempre que possível, dos montantes que vai auferindo, demonstrando consciência da ilicitude das condutas praticadas. LII. Pelo que, por um lado, deveria o Tribunal a quo ter indagado no porquê de o Arguido ter cumprido, somente, em parte a condição de suspensão, e por outro, deveria ter se pronunciado sobre o cumprimento parcelar das penas, isto é, pronunciar-se sobre o tempo de suspensão transcorrido, LIII. Sendo que relativamente à primeira condenação já foram cumpridos 4 anos e 16 dias... LIV. E sempre se diga, que estes 4 (quatro) anos representam uma verdadeira pena, pelo que o seu cumprimento, falando-se aqui no decurso do tempo, têm de ser tido em consideração. LV. Não se podendo concordar com o Ac. do STJ de 29.06.2017, citado no Acórdão recorrido, na medida em que “o desconto previsto pelo art. 81.º, n.ºs 1 e 2 do Código Penal não pode assentar simplesmente no decurso do tempo de suspensão, sem qualquer sacrifício para o condenado, tendo de haver o cumprimento de qualquer imposição decretada ao abrigo dos artºs 51.º a 54.º do mesmo código. (...) O simples não fazer nada para que não seja determinada a revogação da suspensão não é mais do que aquilo que se exige a qualquer cidadão sobe o qual não impenda a ameaça da execução de pena de prisão.”. LVI. Conforme já exposto, a pena de substituição não deixa de ser uma pena, que, mesmo não estando sujeita a condições suspensivas, não deixa de implicar diretamente no Arguido. LVII. Desde logo, determinará a revogação da pena de substituição caso seja praticado um crime da mesma natureza, ficará transcrita no certificado de registo criminal, podendo servir para valor para efeitos de determinação de outras penas futuras,ou mesmo ser valorada para efeitos de reincidência. LVIII. Desta feita, resulta claro a dignidade penal que merece a pena de substituição, enquanto uma verdadeira pena, mesmo que sem qualquer condição suspensiva determinada. LIX. De qualquer forma, nunca teria o Ac. citado aplicação in casu, porquanto, houve por parte do Arguido o cumprimento das imposições decretadas conforme autorizado pelo Tribunal. LX. Assim, o tempo transcorrido deveria ter dado origem ao desconto equitativo correspondente. LXI. Desta feita, o desconto operado, parece-nos, para além de completamente arbitrário, tudo menos equitativo. LXII. Sendo que relativamente à primeira condenação já foram cumpridos 4 anos e 16 dias... LXIII. E sempre se diga, que estes 4 (quatro) anos representam uma verdadeira pena, pelo que o seu cumprimento, falando-se aqui no decurso do tempo, têm de ser tido em consideração. LXIV. Assim, o tempo transcorrido deveria ter dado origem ao desconto equitativo correspondente. LXV. Desta feita, o desconto operado, parece-nos, para além de completamente arbitrário, tudo menos equitativo. LXVI. Ora, salvo melhor entendimento, o acórdão ora recorrido enferma de falta de fundamentação que, de acordo com as disposições combinadas do artigo 379.º, n.º 1 al. a) e do 374.º do CPP, acarreta a nulidade da decisão, o que ora se requer. LXVII. Desta feita, o desconto operado, parece-nos, para além de completamente arbitrário, tudo menos equitativo. LXVIII. Ora, salvo melhor entendimento, o acórdão ora recorrido enferma de falta de fundamentação que, de acordo com as disposições combinadas do artigo 379.º, n.º 1 al. a) e do 374.º do CPP, acarreta a nulidade da decisão, o que se requer. LXIX. No que à medida da pena diz respeito, o acórdão recorrido padece, igualmente, de nulidade por falta de fundamentação, nos termos das disposições combinadas do artigo 379.º, n.º 1 al. a) e do 374.º do CPP, acarretando a nulidade da decisão, uma vez que, o douto Tribunal a quo não fundamenta a determinação da medida da pena única, saltando imediatamente, para a sua apresentação. LXX. Será de ponderar na determinação concreta da pena, além do mais, os graus de culpa do agente e ilicitude do facto, a intensidade dolosa, as consequências gravosas do ato, o comportamento anterior e posterior ao facto, as condições pessoais do agente, as exigências de reprovação e prevenção criminal, nos termos do artigo 71.º, n.º 2 do CP. LXXI. Ora, os factos das condenações parcelares reportam-se ao período compreendido entre 2010 a 2017, sendo que se tivesse ocorrido, como supra explanado, a apensação dos referidos processos, concluindo-se pela continuação criminosa, teria sido determinada uma pena única. LXXII. Sempre se diga que, o arguido, no momento da primeira condenação, não tinha averbado no CRC, qualquer outra condenação. LXXIII. Além do mais, beneficia de um bom enquadramento social. LXXIV. A moldura penal do cúmulo, in casu, tem como limite mínimo a moldura de 4 anos de prisão (pena parcelar mais elevada) e o limite máximo de 11 anos de prisão (soma material das penas parcelares). LXXV. Neste sentido, não poderíamos estar de acordo com o decidido, porquanto, para além de não se encontrar de todo fundamentado, o Arguido já cumpriu 4 (anos) da primeira pena parcelar. LXXVI. Ao determinar uma pena única de 5 anos e oito meses de prisão, estaríamos a subsumir o Arguido a uma pena de 9 anos e oito meses... LXXVII. Sem prejuízo, ressalva-se, conjuntamente, com tudo já exposto, que será sempre de atender ao princípio constitucional da intervenção mínima do direito penal, uma vez que a determinação de uma decisão condenatória privativa da liberdade deverá restringir-se aos casos de manifesta idoneidade ou adequação, necessidade ou exigibilidade. Da inconstitucionalidade do artigo 14.º do RGIT: LXXVIII. As penas de prisão nas quais o Arguido foi condenado foram suspensas na sua execução pelo período de 5 anos na condição de o Arguido, no mesmo período, pagar ao Estado/Administração Tributária, a quantia global de € 536.282,08. LXXIX. Nos casos em que a lei prevê a possibilidade de suspensão da execução da pena de prisão, esta pode ficar subordinada ao cumprimento de deveres ou à observância, de regras de conduta, se o Tribunal o julgar conveniente e adequado à realização das finalidades da punição. LXXX. Contudo, exige-se que o Tribunal avalie a capacidade, ainda que futura, de cumprimento do dever por parte do Arguido/Recorrente, nos termos do disposto 51.º, n.º 2 do CP, que consagra o princípio da razoabilidade, em complemento dos fundamentais princípios da necessidade, adequação e proporcionalidade. LXXXI. Somente a avaliação da concreta, situação económica presente do Arguido, acrescida de um juízo de prognose quanto à sua condição económica futura, permite avaliar a satisfação das finalidades do instituto da suspensão do cumprimento da pena de prisão. LXXXII. A imposição de uma condição que, com elevado grau de certeza, será incumprida pelo Arguido, não só se apresenta como um ato inútil, como se pode configurar como contraproducente às finalidades visadas, ao criar no condenado um sentimento de desinteresse por uma condição que sabe que, salvo um aleatório golpe da fortuna, não conseguirá atingir. LXXXIII. Deste modo, cumpria ao Tribunal a quo, averiguar da situação económica presente do Arguido/Recorrente, bem como das possíveis evoluções dessa capacidade económica durante o horizonte temporal estabelecido para a suspensão da execução da pena de prisão, por forma a concluir sobre a adequação do dever imposto e a justiça da sua imposição. LXXXIV. O Acórdão Uniformizador de Jurisprudência citado caracteriza a suspensão da execução da pena de prisão como um "poder-dever, ou seja, um poder vinculado do julgador, que terá de decretar a suspensão da execução da pena na modalidade que se afigurar mais conveniente para a realização das finalidades previstas". LXXXV. Em jeito de conclusão, será dizer que, a inobservância da consideração/ponderação desta necessidade de fundamentação consubstancia omissão de pronúncia que conduz a nulidade, de conhecimento oficioso, que ora se requer, nos termos do artigo 379.º, nº 1, alínea c), e n.º 2 do CPP.
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3) Notificado do requerimento de interposição de recurso o Ministério Púbico respondeu pugnando pela sua improcedência e confirmação do acórdão recorrido, não apresentando conclusões.
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4) O recurso foi remetido para este Tribunal da Relação e aqui, com vista nos termos do artigo 416.º do Código de Processo Penal, o Ex.mo Senhor Procurador – Geral Adjunto, emitiu parecer no sentido de o recurso ser julgado improcedente.
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5) Cumprido o disposto no artigo 417.º, n.º 2, do Código de Processo Penal, o arguido apresentou resposta mantendo o alegado em sede de recurso.
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6) Colhidos os vistos, foram os autos à conferência.
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Cumpre apreciar e decidir.
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B) Fundamentação:
1. Âmbito do recurso e questões a decidir:
O âmbito do recurso é dado pelas conclusões extraídas pelo recorrente da respectiva motivação, face ao disposto no artigo 412.º, n.º 1, do Código de Processo Penal, que estabelece que “a motivação enuncia especificadamente os fundamentos do recurso e termina pela formulação de conclusões, deduzidas por artigos, em que o recorrente resume as razões do pedido”; são, pois, apenas as questões suscitadas pelo recorrente e sumariadas nas respectivas conclusões que o tribunal de recurso tem de apreciar, sem prejuízo das de conhecimento oficioso (identificação de vícios da decisão recorrida, previstos no artigo 410º, nº 2, do Código de Processo Penal, pela simples leitura do texto da decisão, por si só ou conjugada com as regras da experiência comum, e verificação de nulidades que não devam considerar-se sanadas, nos termos dos artigos 379.º, n.º 2, e 410.º, nº 3, do mesmo diploma legal)[1].
Acresce que da conjugação das normas constantes dos artigos 368.º e 369.º, por remissão do artigo 424.º, n.º 2, todos do Código do Processo Penal, o Tribunal da Relação deve conhecer das questões que constituem objeto do recurso pela ordem seguinte:
Em primeiro lugar, das que obstem ao conhecimento do mérito da decisão;
Em segundo lugar, das questões referentes ao mérito da decisão, desde logo, as que se referem à matéria de facto, começando pelos vícios enumerados no artigo 410.º, n.º 2, do Código de Processo Penal, a que se segue impugnação alargada, se deduzida, nos termos do art.º 412.º, do mesmo diploma;
Por último, as questões relativas à matéria de Direito.
No caso dos autos face às conclusões da motivação apresentadas pelo arguido, as questões a decidir são as seguintes:
1.ª: Saber se o acórdão recorrido é nulo por omissão de pronúncia e/ou por falta de fundamentação – artigo 379.º n.º 1, alíneas a) e) do Código de Processo Penal;
2.ª: Saber se o acórdão recorrido padece do vício da insuficiência para a decisão da matéria de facto provada – artigo 410.º n.º 2, a) do Código de Processo Penal
3.ª: Saber se a pena única é excessiva e se devia ser suspensa na sua execução;
4.ª: Saber o desconto operado no acórdão recorrido peca por defeito.
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2. A Decisão recorrida:
Naquilo em que o mesmo releva para o conhecimento do objeto do recurso, é o seguinte o teor do Acórdão recorrido (factos provados): FUNDAMENTAÇÃO Factos Provados
Realizada a audiência e com interesse para a decisão, resultou provada a seguinte matéria de facto: 1. No âmbito do processo comum singular n.º 338/17.8IDBRG, do Juízo Local Criminal de Guimarães, Juiz ..., onde foi extraída a certidão que deu origem aos presentes autos, por sentença de 22.11.2022, transitada em julgado em 16-11-2023, o arguido foi condenado pela prática de um crime de fraude fiscal qualificada p. p. pelo art.º 103.º, n.º 1.º, al. b) e 104.º, n.º 2, al. b) do RGIT, na pena de 4 (quatro) anos de prisão suspensa na sua execução pelo prazo de 5 (cinco), sob condição de pagamento da vantagem obtida (€ 257.661,50), no mesmo prazo de 5 anos, a contar do trânsito da condenação, devendo o arguido comprovar nos autos o referido pagamento em idêntico prazo, nos termos do artigo 14º, nº 1, do RGIT, em súmula, pelos seguintes factos: 1) A sociedade “EMP01... Unipessoal, Lda” é uma sociedade por quotas, pessoa coletiva NIPC ...74, com sede em Rua ..., ..., ..., freguesia ..., concelho ..., encontrando-se registada no Serviço de Finanças ..., em sede de Imposto sobre o Rendimento das Pessoas Coletivas (IRC), na atividade de compra, venda e aluguer de automóveis (CAE ....0R3) e, para efeitos de tributação em sede de IVA, no regime de tributação normal, com periodicidade trimestral. 2) Desde a data da sua constituição, até à data dos factos aqui em causa, era o arguido quem geria a referida sociedade (sendo a arguida BB gerente de direito), e o arguido AA tão-somente de facto, tomando sozinho todas as decisões relativas ao seu normal funcionamento, incluindo as que se reportavam ao preenchimento das declarações fiscais, bem como ao apuramento e pagamento de todos os impostos devidos. 3) Ambos os arguidos tinham poderes junto do Banco 1..., para movimentarem a conta bancária da sociedade “EMP01... Unipessoal, Lda”, com o IBAN ...87. 4) No dia 13/10/2016, a arguida BB emitiu uma procuração em nome do arguido AA, conferindo-lhe poderes para comprar viaturas automóveis em nome da sociedade “EMP01... Unipessoal, Lda”, de que este fez uso, nomeadamente junto dos fornecedores franceses EMP02..., EMP03... e SARL EMP04..., comprando-lhes viaturas em nome da sociedade e procedendo depois ao seu levantamento e transporte para Portugal. 5) A sociedade “EMP01... Unipessoal, Lda” foi constituída em 05/10/2015, por acordo prévio de ambos os arguidos, com o objetivo exclusivo do arguido poder adquirir veículos automóveis no mercado comunitário, fora do território nacional, sem efetuarem a competente declaração destas aquisições à Autoridade Tributária e procederem à liquidação do IVA. 6) No exercício da sua atividade, nos períodos abaixo indicados, o arguido procedeu às aquisições intracomunitárias dos seguintes veículos, a diversos fornecedores franceses, no valor total de 2016 a 2018, de € 863.300,00 (…): 7) Em relação a estas aquisições, a “EMP01... Unipessoal, Lda” não procedeu ao registo contabilístico das mesmas nem procedeu à liquidação de qualquer IVA devido ao Estado Português. 8) Para ocultar essas aquisições, o arguido, em representação da arguida sociedade, procedeu ou fez proceder à legalização de alguns destes veículos em território nacional, junto da Alfândega, utilizando faturas forjadas, por si ou por alguém a seu mando, emitidas em nome de outros sujeitos passivos, de nacionalidade portuguesa, que não a arguida “EMP01... Unipessoal, Lda”, identificados no quadro supra, na coluna denominada "nome do proprietário", no total de 65 viaturas/documentos, como se estes fossem os reais compradores intracomunitários dos mesmos, o que bem sabia não corresponder à verdade. 9) Para além do mais, quanto aos restantes 35 veículos automóveis, supra identificados, legalizados em nome da arguida “EMP01... Unipessoal, Lda”, o arguido, em representação desta, adulterou, por si ou por alguém a seu mando, as faturas apresentadas na Alfândega, nos seguintes termos, referentes aos seguintes veículos: - ..-QL-.., legalizado em 2015-10-14, cuja fatura apresentada na Alfandega foi forjada quanto ao nome do fornecedor e quanto ao valor, o qual foi incrementado, - ..-QN-IO, legalizado em 2015-10-30, cuja fatura apresentada na Alfandega foi forjada pelos arguidos, apesar do nome do fornecedor e do valor estarem em conformidade com a fatura verdadeira, - ..-QX-.., legalizado em 2016-02-17, cuja fatura apresentada na Alfandega foi forjada, quanto ao valor, o qual foi incrementado, em mais €2.000,00; - ..-RF-.., legalizado em 2016-04-14, cuja fatura apresentada na Alfandega foi forjada, quanto ao valor, o qual foi incrementado, em mais €2.500,00; - ..-RF-.., legalizado em 2016-04-19, cuja fatura apresentada na Alfandega foi forjada, quanto ao valor, o qual foi incrementado, em mais €2.400,00; - ..-RH-.., legalizado em 2016-05-05, cuja fatura apresentada na Alfandega foi forjada, pelos arguidos, apesar do nome do fornecedor e do valor estarem em conformidade com a fatura verdadeira; - ..-RT-.., legalizado em 2016-08-22, cuja fatura apresentada na Alfandega foi forjada, pelos arguidos, apesar do nome do fornecedor e do valor estarem em conformidade com a fatura verdadeira; - ..-RT-.., legalizado em 2016-08-30, cuja fatura apresentada na Alfandega foi forjada, quanto ao valor, o qual foi incrementado, em mais €1.900,00; - ..-RV-.., legalizado em 2016-09-20, cuja fatura apresentada na Alfandega foi forjada, quanto ao valor, o qual foi incrementado, em mais €2.500,00; - ..-RX-.., legalizado em 2016-09-29, a fatura apresentada na Alfandega foi forjada pelos arguidos, apesar do nome do fornecedor e do valor estarem em conformidade com a fatura verdadeira; - ..-RZ-.., legalizado etn 2016-10-05, cuja fatura apresentada na Alfandega foi forjada, pelos arguidos, apesar do nome do fornecedor e do valor estarem em conformidade com a fatura verdadeira; - ..-RZ-.., legalizado etn 2016-10-10, cuja fatura apresentada na Alfandega foi forjada, pelos arguidos, apesar do nome do fornecedor e do valor estarem em conformidade com a fatura verdadeira, - ..-SA-.., legalizado em 2016-10-25, a fatura apresentada na Alfandega foi forjada, pelos arguidos, apesar do nome do fornecedor e do valor estarem em conformidade com a fatura verdadeira; - ..-SC-OI, legalizado em 2016-1 1-07, cuja fatura apresentada na Alfandega foi forjada, quanto ao valor, o qual foi incrementado, em mais €300,00; - ..-SE-.., legalizado em 2016-1 1-24, cuja fatura apresentada na Alfandega foi forjada, pelos arguidos, apesar do nome do fornecedor e do valor estarem em conformidade com a fatura verdadeira; - ..-SF-.., legalizado em 2016-12-21, a fatura apresentada na Alfandega foi forjada, pelos arguidos, apesar do nome do fornecedor e do valor estarem em conformidade com a fatura verdadeira. 10) Assim, a “EMP01... Unipessoal, Lda” efetuou, pelo menos, diversas aquisições intracomunitárias e legalizações das várias viaturas, entre o 4º trimestre de 2015 e o 4º trimestre de 2016; 11) Não obstante estas aquisições intracomunitárias estarem sujeitas a IVA, à taxa normal de 23%, o arguido, em representação da arguida sociedade, não as declarou em território nacional nem procedeu ao pagamento do IVA devido, em violação do disposto na al. d), do n.º 1, do art.º 2.º do CIVA e da al. a), do n.º 1 do RITI. 12) Da totalidade destes veículos por si adquiridos na UE, o arguido AA, e/ou CC, portador do NIF ...99, este já falecido, conforme mostra o quadro a seguir indicado, em representação da sociedade arguida “EMP01... Unipessoal, Lda.”, procedeu à venda da maioria dos veículos, em território nacional, e no qual vêm discriminadas ainda as vantagens patrimoniais obtidas pela sociedade “EMP01... Unipessoal, Lda”, pela não liquidação do imposto que se mostrava devido por estas vendas: (…) 13) Com as condutas supra a “EMP01... Unipessoal, Lda” obteve, a título de IVA, pelo menos, as seguintes vantagens patrimoniais ilegítimas, por trimestre, de valor superior a € 15.000,00, (…) no total de € 257.661,50. 14) Não foi liquidado IVA ou qualquer outro imposto nas vendas realizadas para a “EMP01... Unipessoal, Lda”, por parte dos sujeitos passivos do Estado Francês que efetuaram essas transmissões intracomunitárias, nem foi aplicado às mesmas qualquer regime especial, nomeadamente o regime especial de tributação de bens em segunda mão, aprovado pelo Dec.-Lei n o 1991/96, de 18 de outubro, por não se encontrarem verificados no caso, os requisitos previstos no n o 1 , do art. 3. 0 desse diploma legal. 15) Para além disso, a sociedade “EMP01... Unipessoal, Lda” não poderia beneficiar do disposto no art. 19º do RITI (Regime do IVA nas transações intracomunitárias), aprovado pelo Dec-Lei n 0 290/92, de 28.02, por não preencher os requisitos, uma vez que não declarou as transações supra. 16) Com as condutas supra a sociedade arguida “EMP01... Unipessoal, Lda” obteve, a título de IVA, vantagem patrimonial ilegítima no valor total de €257.661,50. 17) Agiu o arguido com o propósito concretizado de que a sociedade “EMP01... Unipessoal, Lda” obtivesse vantagens patrimoniais a que sabia não ter direito, ocultando as transações intracomunitárias supra e as posteriores vendas em território nacional, com o objetivo conseguido de se furtar à entrega à Administração fiscal do IVA devido. 18) Sabia ainda o arguido que os montantes acima referidos pertenciam ao Estado e que a este deviam ser entregues. 19) Atuou o arguido no interesse e em representação da sociedade supra identificada, no quadro de uma única resolução criminosa, de modo livre, voluntário e consciente, bem sabendo que a sua conduta era proibida e punidas por lei. 2. Nos autos do processo comum coletivo com o n.º 45/14.3IDPRT, do Juízo Central Criminal de Penafiel - Juiz ..., por acórdão transitado em julgado em 19-04-2021, o arguido foi condenado pela prática de um crime de fraude fiscal qualificada, previsto e punido pelos arts. 14.º, 26.º, e 30.º, n.º1, todos do Código Penal, assim como pelos, 103.º, n.º 1, al. a) e b), 104.º n.ºs 1, alínea d) e e), e nº3, da Lei n.º 15/01, de 5 de Junho (RGIT), na pena de 4 (quatro) anos de prisão; e de um crime de Branqueamento de Capitais, previsto e punido pelos arts. 2º, nº4, 14.º, 26.º, e 368º-A, nº1, 2 e 3 do C. Penal, na pena de 3 (três) anos de prisão; em cúmulo jurídico das penas parcelares aplicadas na pena única de 5 (cinco) anos de prisão, suspensa na sua execução por igual período, sujeita à condição de pagamento ao Estado/Administração Fiscal, no mesmo período, da quantia global obtida com a prática de crime de fraude fiscal qualificada, no total de 278.620,58€, com início do pagamento de pelo menos €200 (duzentos euros) mensais, a ocorrer sucessiva e mensalmente até ao dia 8 do mês seguinte ao do trânsito em julgado da presente decisão, devendo tais pagamentos ser efetuados por depósito autónomo à ordem dos autos. Tal condenação assentou, em súmula, nos seguintes factos: 1. O arguido AA deu início à actividade de “comércio de veículos automóveis ligeiros” em 01/06/2010. 2. Enquadrou-se em sede de IVA no Regime de Isenção do art.º 53.º do CIVA entre 01/06/2010 e 09/08/2010, e no regime normal de periodicidade trimestral de 10/08/2010 até 23/11/2012 (data da cessação da actividade). 3. Entregou as declarações periódicas de IVA (Imposto Sobre o Valor Acrescentado) dos períodos de 2010/12T a 2012/12T, todas sem movimentos. 4. Para efeitos de IRS (Imposto Sobre os Rendimentos Singulares), enquadrou-se no regime simplificado de tributação. 5. No exercício daquela actividade, estava o arguido obrigado, em cada período de tributação, a entregar uma declaração relativa aos rendimentos auferidos das categorias B (rendimentos empresariais). 6. Bem como estava obrigado a entregar as declarações periódicas de IVA, declarando todas as operações tributáveis realizadas nos períodos em questão, acompanhadas do respectivo meio de pagamento, no caso de nelas apurar imposto a entregar ao Estado. 7. Porém, em data não concretamente apurada, mas seguramente anterior a 2011, o arguido AA formulou um plano tendente a ocultar os rendimentos provenientes daquela actividade, e que deveriam ser revelados à Autoridade Tributária e Aduaneira quer em sede de IRS, quer em sede de IVA, com vista ao consequente não pagamento dos inerentes impostos. 8. Para o efeito, determinou-se ainda a utilizar o nome de particulares para importar e legalizar viaturas adquiridas por si no estrangeiro, designadamente na República Francesa, ou por seu intermédio, orientação e acompanhamento, para depois as vender no território nacional sem registar as respectivas transacções na sua contabilidade ainda que para tal tivesse que forjar facturas, identificar e assinar a documentação relevante com os dados e assinaturas desses particulares, em alguns casos, à medida que ia surgindo a oportunidade, designadamente os requerimentos de registo/declarações de venda, pedidos de certificado de matrícula e do documento de habilitação, de modo a permitir a sua legalização junto da alfândega, iludir as autoridades quanto à sua participação e extrair um benefício em prejuízo do Estado. 9. Colectou-se, pois, para efectuar aquisições intracomunitárias de bens isentas de IVA no país de origem, para depois não cumprir com quaisquer obrigações tributárias em sede de IVA e IRS. 10. Na execução desse seu plano, adquiriu ao operador francês SARL .... (NIF...82) viaturas automóveis num valor que ascendeu a €557.609,78 e €307.600,00, em 2011 e 2012 (…) 12. Pelo menos relativamente às viaturas a seguir discriminadas o arguido AA criou/forjou por si ou por intermédio de pessoa não determinada, documento diverso da factura original de aquisição fazendo constar sujeito passivo diferente, e por vezes número, data e valores distintos (divergências que se assinalam a bold para melhor constatação), e que assim foram apresentados e arquivados na entidade alfandegária para a sua legalização, (…) 13. Pelo menos no âmbito da venda relativa às viaturas ..-MB-.., ..-MQ-.., ..-MB-.., ..-NG-.., ..-NF-..; ..-MI-..; ...-MN-..., ..-MO-..; ..-MJ-..; ..-UM-.., ..-ND-..; ..-NA-..; ..-NG-..; ..-NH-..; ..-MN-..; ..-MC-..; ...; ..-NH-..; ..-MQ-.., ..-MQ-..; ..-LM-..; ..-MJ-..; ..-ML-..; 42-...; ..-ND-..; ..-NG-..; ..-MI-..; ..-LO-..; ..-MM-..; ..-MJ-..; ..-MH-..; ..-MS-..; ..-MJ-..; ..-NH-..; ..-NF-..; ..-MZ-..; ..-NO-..; 19-...; ..-NC-..; ..-MB-..; ..-ML-..; ..-MF-..; ..-MM-..; ..-ML-..; 35-...; ..-LL-..; ..-MC-.. e ..-ND-.., o arguido AA, por si ou por intermédio de outrem a seu mando promoveu o registo automóvel/declaração de venda e Pedido de Certificado de Matrícula e Documento de habilitação, incluindo a respectiva assinatura, sem o conhecimento dos titulares do 1.º registo, como se fossem estes a fazê-lo. 14. Relativamente às viaturas com as matrículas a seguir discriminadas as assinaturas apostas nos documentos já o foram (a pedido do arguido AA) pelos titulares do 1.º registo, ..-NE-..; ..-NG-.., ..-MB-.. e ..-ML-..; ..-MQ-..; ..-LT-..; ...-84; ..-MF-.., ..-ML-.. e ...-MN-..., ..-MH-..; ..-NI-.., ..-NM-.., ...-62, ..-MN-.., ..-LZ-.., ..-MB-.., ..-NC-... 15. Das viaturas a que se alude em 10, o arguido AA, levou a efeito, pelo menos, a venda directa das a seguir identificadas pelos também a seguir enunciados (e também pelo menos) valores: (…) 16. E de igual modo levou a efeito a venda por intermédio de terceiros, nos termos a seguir concretizados dos seguintes veículos (…) 17. Mais levou a efeito a venda em mês não determinado dos anos de 2011 e 2012 das viaturas a seguir discriminadas por valor não concretamente apurado, mas não inferior aos seguidamente indicados: 18. Em consequência da descrita actividade o arguido obteve rendimentos que não declarou perante a administração fiscal ter auferido, e logrou uma vantagem patrimonial ilegítima em sede de Imposto Sobre o Rendimento do ano de 2011 no montante de pelo menos €36.061,20 (trinta e seis mil e sessenta e um euros e vinte cêntimos). 19. De igual modo, por não ter liquidado e/ou declarado o IVA devido nas vendas que realizou, obteve vantagem patrimonial ilegítima em sede de IVA, (…) no total de 136.041,97€, em 2011, e de 106.517,41€, em 2012. 20. Notificado pessoalmente pela Autoridade Tributária e Aduaneira, a 14 de Maio de 2014, para proceder à organização dos registos da sua escrituração, relacionados, com a atividade de “Comércio de Veículos Automóveis Ligeiros”, CAE 045110”, que exerceu nos anos de 2010 a 2012, bem como dos documentos de suporte das transações efectuadas, e exibi-los, no dia 28 de Março de 2014, pelas 10 horas, no Serviço de Finanças da área do seu domicílio fiscal (Serviço de Finanças ...), sito na ..., ... ..., nada veio a apresentar o arguido. 21. O arguido AA sabia que era sua obrigação declarar todos os rendimentos por si obtidos durante os referidos exercícios, designadamente os rendimentos auferidos das categorias B (rendimentos empresariais), bem como estava obrigado a entregar as declarações periódicas de IVA, declarando todas as operações tributáveis realizadas nos períodos em questão, acompanhadas do respectivo meio de pagamento, no caso de nelas apurar imposto a entregar ao Estado. 22. No entanto, ciente de ter obtido rendimentos e realizado operações tributáveis naqueles períodos, visou com a sua conduta a não liquidação e, consequentemente, o não pagamento dos impostos devidos no valor global de 278 620,58€ (duzentos e setenta e oito mil seiscentos e vinte euros e cinquenta e oito cêntimos), e actuou sempre com a intenção de ocultar a sua situação tributária e conseguir uma vantagem patrimonial indevida, bem sabendo que a sua conduta de ocultação de rendimentos era susceptível de ludibriar a Administração Tributária, como foi o caso, e diminuir as receitas do Estado, o que quis e logrou fazer. 23. Para o efeito, quis ainda forjar facturas e utilizar o nome de particulares para importar e legalizar viaturas adquiridas por si na República Francesa, por seu intermédio, orientação e acompanhamento, para depois as vender no território nacional sem registar as respectivas transacções na sua contabilidade, como bem sabia ser o caso. 24. Como quis identificar e assinar, pelo seu punho ou pelo punho de alguém a seu mando, a documentação relevante com os dados e assinaturas desses particulares, em alguns casos, designadamente os requerimentos de registo/declarações de venda, pedidos de certificado de matrícula e do documento de habilitação, de modo a permitir a sua legalização junto da alfândega, iludir as autoridades quanto à sua participação e extrair um benefício em prejuízo do Estado. 25. O arguido agiu sempre de forma livre, deliberada, voluntária e consciente, bem sabendo que o seu comportamento era proibido e punido por lei. 26. O arguido AA nos anos de 2011 a 2012, conforme aludido supra ocultou as indicadas compras e vendas, não tendo declarado quaisquer rendimentos provenientes da actividade de “comércio de veículos automóveis”, apesar de ser conhecedor das obrigações daí resultantes; 27. Todavia no período de 28/07/2009 a 28/07/2014, o arguido totalizou nas contas bancárias do tipo DO, por si tituladas e movimentadas movimentos a crédito provenientes dos valores recebidos no exercício da sua actividade, no total de €989.188,39 (…) 28. A partir destas contas, o arguido efectuou operações necessárias para fazer face às suas despesas diárias e pessoais, com cheques emitidos, compras de bens e serviços, amortização de empréstimos, levantamentos e transferências devedoras, (…) 29. O arguido AA, porém, ciente de que não declarava o rendimento obtido com a dita actividade determinou-se assim, de comum acordo, com DD e EE, a procurar iludir as autoridades criminais e tributárias, e até o próprio sistema bancário, sobre a origem ilícita das vantagens patrimoniais obtidas e do seu património, procurando aparentar que formalmente não possuía contas bancárias ou quaisquer outros bens para diminuir o risco de captar a atenção das autoridades criminais e tributárias e ser alvo de reacção penal. 30. Em execução de tal determinação AA transferiu assim da conta n.º ...00, por si titulada, o valor total de €42.400,00 em 6 situações, como efectuou depósitos de quantias monetárias, entre 31/12/2016 e 27/02/2017, para a conta n.º ...30, titulada pelos arguidos DD e EE: (…) 31.Nessa conta n.º ...30, o arguido dispôs livremente dos valores transferidos e depositados, fez movimentos a crédito e a débito, incluindo depósitos e levantamentos de numerário, aquisições de diversos bens e serviços, agindo relativamente à mesma como se fosse ele o titular, e não aqueles que, formalmente assim e apresentavam (os co-arguidos), designadamente, (a título meramente exemplificativo) compras em aeroporto francês, pagamentos de portagens em território francês, depósitos e levantamentos fora do concelho de residência dos pais co-arguidos, pagamentos em centro de inspecção de viaturas importadas. 32. Do mesmo modo o arguido AA acordou com os arguidos DD e EE em registar em nome desta a viatura ligeira de passageiros, marca e modelo ..., modelo LV, com a matrícula ..-QR-.., de valor no mercado de usados de cerca de €30.000, efectivado o registo, sem encargos, a 19/02/2016. 33. Aquele bem encontrava-se na disponibilidade do arguido, que lhe dava o uso e destino que bem entendia, sendo seu, e não recebeu qualquer real contrapartida pelo registo do mesmo em nome da sua mãe. 34. A 20 de Abril de 2010, altura em que o arguido AA já se dedicava à compra e venda de viaturas automóveis nos termos descritos e pretendia continuar a fazê-lo, na Conservatória de Registo Predial ..., celebrou com os seus pais e co-arguidos DD e EE escritura pública de compra e venda e mútuo com hipoteca do imóvel inscrito na matriz sob o art. ...74... e descrito na competente Conservatória sob o nº ...37, sito na freguesia ..., concelho ... pelo preço declarado de 102 000€, alienação registada pela ap. ...10 de 2010/04/20; 35. No mesmo documento e a propósito da situação registral do prédio em questão ficou a constar que sobre o mesmo impendiam duas hipotecas (apresentações 23 e 41) e uma penhora (ap. ...97 de 10/02/2009); 36. Na mesma data e titulo o arguido AA enquanto vendedor declarou que o imóvel era então vendido livre dos ónus consubstanciados nas hipotecas, mas com o encargo da penhora cujo cancelamento declarou ter assegurado. 37. Por escritura pública de 25 de Janeiro de 2017, celebrada em Cartório Notarial sito em ..., os arguidos DD e mulher EE declararam doar a nua propriedade do atrás identificado imóvel, com reserva de usufruto vitalício, a extinguir à morte do último, em comum e partes iguais, aos netos (AA e DD). 38. O valor atribuído à doacção foi fixado em 35.932,35€. (…) 42. Agiu o arguido AA no âmbito da actuação atrás exposta sempre determinado a procurar iludir as autoridades criminais e tributárias, e até o próprio sistema bancário, sobre a origem ilícita das vantagens patrimoniais obtidas e do seu património, procurando aparentar que formalmente não possuía contas bancárias por si tituladas com grandes movimentos a débito e a crédito, nem tinha património de valor relevante, para diminuir o risco de captar a atenção das autoridades criminais e tributárias e ser alvo de reacção penal, disso estando bem cientes os arguidos. 43. E ainda com o concretizado propósito de converter no sistema bancário parte dos rendimentos pecuniários obtidos em lícitos montantes transferidos e depositados para a conta bancária utilizada e movimentada pelos arguidos DD e EE, dissimulando perante terceiros, designadamente autoridades criminais e tributárias, a origem ilícita do dinheiro e por isso legitimando a sua movimentação no normal circuito económicofinanceiro, contaminando-o com fundos provenientes de actividade ilícita, e fazendo crer erroneamente que as mesmas integravam não o seu património, mas o dos seus pais, de tudo estando bem ciente. 44. E ainda agiu do mesmo modo com o concretizado propósito de fazer crer erroneamente a terceiros, designadamente às autoridades criminais e tributárias, que o veículo automóvel de matrícula ..-QR-.., porque registado em nome de EE, integrava o património desta, e não o seu. 45. Todos os arguidos agiram sempre de forma livre, voluntária e consciente, bem sabendo que o seu comportamento era proibido e punido por lei. (…)” 3. Na execução da suspensão das penas aplicadas nos processos aludidos supra, até ao dia 24.03.2025, o arguido não depositou qualquer quantia à ordem do processo aludido e 1 e depositou a quantia total de € 4.400,00 à ordem do processo aludido em 2. 4. Do certificado de registo criminal do arguido não constam averbadas outras condenações para além das aludidas em 1 e 2. 5. O arguido está habilitado com o 6º ano de escolaridade, até aos 27 anos de idade, apresentou um percurso profissional indiferenciado; a partir dos 27 anos, passou a dedicar-se à intermediação para compra e venda de automóveis usados. 6. O arguido foi casado; em 2007, após rutura matrimonial, regressou à coabitação com o agregado de origem; tem dois filhos, ambos com 21 anos de idade, um fruto da relação matrimonial, outro de uma extraconjugal, ambos a residirem com as respetivas progenitoras. 7. À data dos factos dos processos em cúmulo, o arguido residia junto do seu agregado de origem, composto pelo próprio e pelos progenitores, ambos reformados, o pai por velhice, auferindo 800,00 €, e a mãe, por invalidez, beneficiando do valor de 350,00 €, ambos coarguidos/condenados, no âmbito do processo judicial n.º 45/14.3IDPRT aludido em 2. 8. O agregado familiar reside em habitação de tipologia 3, com boas condições de habitabilidade e conforto, outrora propriedade dos progenitores, atualmente e por doação com reserva de vida, propriedade de DD, descendente do arguido. 9. O arguido encontra-se desempregado, sem registo de remunerações, dedicando-se pontualmente à compra e venda de automóveis usados; não expressa vontade em assumir uma atividade laboral regular e declarada; mantém uma relação amorosa, sem coabitação. 10. O arguido conta com o apoio do agregado de origem que assegura a satisfação das suas necessidades e encargos. Factos não provados Não ficaram por provar quaisquer factos com relevância para a decisão a proferir.
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3. Apreciação do recurso
Primeira questão: da alegada nulidade do acórdão recorrido por omissão de pronúncia e/ou por falta de fundamentação.
Nos termos do disposto no artigo 379.º, n.º 1, do Código de Processo Penal, «é nula a Sentença: a) Que não contiver as menções referidas no n.º 2 e na alínea b) do n.º 3 do artigo 374.º (…); b) (…); c) Quando o Tribunal deixe de pronunciar-se sobre questões que devesse apreciar ou conheça de questões de que não podia tomar conhecimento (…).
Começando pelo primeiro fundamento da nulidade do acórdão recorrido: a sua alegada falta de fundamentação.
O recorrente alega que o Acórdão recorrido é nulo porque não fundamentou “devidamente a sua decisão”, quando considerou como equitativo o desconto de 4 (quatro) meses na pena única aplicada, não compreendendo o recorrente “como pode o douto Tribunal a quo, ter classificado, sem mais, o esforço do Arguido como diminuto”. Ainda segundo o alegado, a nulidade em causa resulta também da não indagação do “porquê de o Arguido ter cumprido, somente, em parte a condição de suspensão” e da não fundamentação da pena única.
Estipula o artigo 374.º, n.º 2 do Código de Processo Penal, que «ao relatório segue-se a fundamentação, que consta da enumeração dos factos provados e não provados, bem como de uma exposição tanto quanto possível completa, ainda que concisa, dos motivos, de facto e de direito, que fundamentam a decisão, com indicação e exame cítico das provas que serviram para formar a convicção do tribunal».
A fundamentação da decisão permite às partes conhecerem as razões porque o Juiz decidiu de determinada forma e possibilita ao Tribunal de recurso avaliar a razão da decisão adotada e o processo lógico-mental que lhe serviu de suporte. Como escreve Fernando Gama Lobo (in Código de Processo Penal anotado, Fevereiro de 2015, Almedina), em anotação ao artigo 374.º do Código de Processo Penal, “o dever de fundamentação tem natureza constitucional, encontrando-se plasmado no artigo 205.º da Constituição da República Portuguesa”. Também tem consagração no artigo 97.º, n.º 5 do Código de Processo Penal. O dever de fundamentação, compreende para além da enumeração dos factos provados e não provados, uma “exposição das razões que em função das regras de experiência comum e ou de critérios lógicos, constituem o substrato racional que levou a que a convicção do Tribunal de formasse em determinado sentido ou que valorasse de determinada forma os meios de prova discutidos em audiência” – cf. obra citada, página 724. Como entendeu o Supremo Tribunal de Justiça no acórdão de 17/11/1999 (CJ, III – 200), “trata-se de exposição tanto quanto possível completa, mas concisa, dos motivos de facto e indicação das provas que serviram para formar a convicção do Tribunal, se necessidade de esgotar todas as induções ou critérios de valoração das provas e contraprovas, mas permitindo verificar que a decisão seguiu um processo lógico e racional na apreciação da prova, não sendo ilógica, arbitrária contraditória ou violadora das regras da experiência comum”. O dever de fundamentação tem também consagração no artigo 97.º, n.º 5 do Código de Processo Penal, nos termos do qual, «os actos decisórios são sempre fundamentados, devendo ser especificados os motivos de facto e de direito da decisão».
Ora perante a fundamentação de facto e de direto que consta do Acórdão recorrido que certamente não agradou ao recorrente, temos muita dificuldade em compreender a invocação da nulidade em causa, porque como entendeu o Tribunal da Relação de Coimbra no acórdão de 20/11/2024 (processo n.º 504/23.7PCLRA.C1, disponível em www.dgsi.pt), “a deficiência da fundamentação, (…), só constitui nulidade quando é de tal forma relevante que impede o conhecimento da razão para determinado facto ter sido dado como provado ou não provado, ou dos raciocínios subjacentes à qualificação jurídica dos factos ou à determinação das medidas das penas”.
Na verdade, o Acórdão recorrido, contém todos os requisitos que eram exigíveis, nomeadamente o previsto no citado n.º 2 do artigo 374.º do Código de Processo Penal porque depois do relatório, seguiu-se a enumeração dos factos provados, indicando-se a não existência de factos não provados e depois foi feito o exame crítico das provas que serviram para formar a convicção do Tribunal, ao que se seguiu a fundamentação de Direito da decisão. Face à fundamentação do Acórdão recorrido ficou o destinatário em condições de conhecer as razões porque o Julgador decidiu de determinada forma, ainda que não concorde com o decidido, como será o caso dos autos.
No que diz respeito ao desconto efectuado, além do mais o Tribunal recorrido explicou que porque razão considerou que o esforço do arguido foi “diminuto”, entendendo que “até ao momento, o arguido não pagou qualquer montante por conta da pena do processo 338/17 e no processo 45/14, decorridos que se mostram 4 anos, apenas pagou € 4.400,00, dispondo de um ano (e uns dias) para pagar cerca de € 274.000,00 em falta. Ou seja, até ao momento, o arguido cumpriu com menos de 1% do pagamento imposto”. O recorrente tem outro entendimento, o que é legítimo, mas a verdade é que não pode invocar falta de fundamentação. Não concordando com a motivação do Tribunal a quo, assistia ao arguido em sede de recurso, alegar fundamentos para pedir a este Tribunal Superior a alteração da decisão recorrida, aplicando, eventualmente, um desconto superior. Por outras palavras, o recorrente podia, legitimamente, discordar na motivação do recurso, da bondade da decisão, incluindo no que diz respeito à fixação da pena única; o que não podia, por manifesta falta de fundamento, era alegar qualquer nulidade por falta de fundamentação, incluindo no que diz respeito à fixação da pena única, segmento da decisão que também se encontra suficientemente fundamentado.
Deste modo, verifica-se que o Tribunal recorrido não violou o preceituado no n.º 2 do artigo 374.º, do Código de Processo Penal, ou qualquer outro preceito legal, inexistindo, assim, a apontada nulidade da decisão recorrida.
Quanto à nulidade por omissão de pronúncia, adiantamos desde já que também não assiste qualquer razão ao recorrente.
Vejamos.
Ocorre a nulidade do acórdão por omissão de pronúncia quando o julgador deixa de resolver questões que devia conhecer, seja por serem do conhecimento oficioso, seja porque as mesmas lhe foram submetidas para apreciação pelo Ministério Público, assistente ou pelo arguido.
Como entendeu o Supremo Tribunal de Justiça no Acórdão de 15/12/2011 (processo n.º 17/09.0TELSB.L1.S1, consultado em www.dgsi.pt), “a omissão de pronúncia significa, fundamentalmente, a ausência de posição ou de decisão do tribunal sobre matérias em que a lei imponha que o juiz tome posição expressa. Tais questões são aquelas que os sujeitos processuais interessados submetem à apreciação do tribunal (art. 660.°, n.º 2, do CPC) e as que sejam de conhecimento oficioso, de que o tribunal deva conhecer independentemente de alegação e do conteúdo concreto da questão controvertida, quer digam respeito à relação material, quer à relação processual(…); como uniformemente tem sido entendido no STJ, a omissão de pronúncia só se verifica quando o juiz deixa de se pronunciar sobre questões que lhe foram submetidas pelas partes e que como tal tem de abordar e resolver, ou de que deve conhecer oficiosamente, entendendo-se por questões os dissídios ou problemas concretos a decidir e não as razões, no sentido de simples argumentos, opiniões, motivos, ou doutrinas expendidos pelos interessados na apresentação das respectivas posições, na defesa das teses em presença”. Como se acrescenta na mesma decisão, “a pronúncia cuja omissão determina a consequência prevista no art. 379.º, n.º 1, al. c), do CPP – a nulidade da sentença – deve incidir sobre problemas, os concretos problemas, as questões específicas sobre que é chamado a pronunciar-se o tribunal (o thema decidendum), e não sobre motivos ou argumentos; é referida ao concreto objecto que é submetido à cognição do tribunal e não aos motivos ou razões alegadas (…); a doutrina e jurisprudência distinguem entre questões e razões ou argumentos; a falta de apreciação das primeiras consubstancia a verificação da nulidade; o não conhecimento dos segundos, será irrelevante”.
No caso dos autos, o recorrente fundamenta o recorrente a nulidade em causa, com a não averiguação da sua situação económica actual, “bem como das possíveis evoluções dessa capacidade económica durante o horizonte temporal estabelecido para a suspensão da execução da pena de prisão, por forma a concluir sobre a adequação do dever imposto e a justiça da sua imposição”.
Ora, o que importava saber quanto à situação sócio económica do arguido encontra-se descrito nos factos 7) a 10) da matéria de facto provada, nada mais de útil se nos afigurando ser de apurar tendo em conta que não está em causa a revogação da suspensão da execução das penas parcelares em que o arguido foi condenado, nos termos previstos no artigo 56.º do Código Penal.
Quanto à data em que ocorreram os crimes, também facilmente se concluiu que na decisão recorrida se encontram indicadas as datas em que foram cometidos os crimes pelos quais o arguido foi condenado em cada um dos processos ali referenciados, sendo certo que a decisão recorrida não se pronunciou, nem tinha de se pronunciar, quanto à existência ou não da verificação em concreto da prática de algum crime na forma continuada como parece entender o recorrente.
Pela nossa parte, entendemos que o Tribunal recorrido se pronunciou sobre as questões que tinha de apreciar, inexistindo qualquer fundamento válido que inquine a decisão recorrida com o vício da nulidade por omissão de pronúncia.
Improcede, pois, o recurso neste segmento.
Segunda questão: Vício da insuficiência para a decisão da matéria de facto provada.
Alega o recorrente que o acórdão recorrido enferma do vício de insuficiência para a decisão da matéria de facto provada porque omite os factos relevantes à formulação de um juízo sobre a eventual ocorrência de uma situação de continuação criminosa entre as condutas já julgadas num e noutro processo.
Vejamos.
Nos termos do disposto no artigo 410.º, n.º 2, a) do Código de processo penal, constitui fundamento para o recurso, a insuficiência da matéria de facto provada (…), “desde que o vício resulte do texto da decisão recorrida, por si só ou conjugada com as regras da experiencia comum”: como entendeu o Tribunal da Relação de Guimarães no Acórdão de 11/05/2015 (proferido no processo n.º 3805/12.6IDPRT.G1 consultado em www.dgsi.pt), verifica-se aquele vício “quando os factos provados forem insuficientes para justificar a decisão, ou, quando o tribunal recorrido, podendo fazê-lo, deixou de investigar toda a matéria relevante, de tal forma que essa matéria de facto não permite, por insuficiência, a aplicação do direito ao caso que foi submetido à apreciação do juiz”. Como escrevem Simas Santos e Leal Henriques, (in Recursos Penais, 9.ª edição, Rei dos Livros, 2020), existe insuficiência para a decisão da matéria de facto provada quando “se chega à conclusão de que com os factos provados não era possível atingir-se a decisão de direito a que se chegou (…), quando a matéria de facto é insuficiente para fundamentar a solução de direito”: como entendeu o Supremo Tribunal de Justiça, no acórdão de 07/06/2021 (processo n.º 07P2268), “o vício de insuficiência para a decisão da matéria de facto provada ocorre quando da factualidade vertida na decisão em recurso, se colhe que faltam elementos que podendo e devendo ser indagados, são necessários para se formular um juízo seguro de condenação ou de absolvição e decorre da circunstância do tribunal não ter dado como provados ou não provados, todos os factos que, sendo relevantes para a decisão da causa, tenham sido alegados ou resultado da discussão; daí que aquela alínea se refira à insuficiência da matéria de facto provada para a decisão de direito e não à insuficiência da prova para a matéria de facto provada, questão do âmbito do princípio da livre apreciação da prova (…)”. No mesmo sentido, se pronunciou o mesmo Tribunal Superior no Acórdão do Tribunal de 12/03/2009 (processo n.º 3173/08.5), entendendo que “a insuficiência da matéria de facto provada para a decisão implica falta de factos provados que autorizem a ilação tirada. É uma lacuna de factos, que se revela internamente, só a expensas da própria sentença, sempre no cotejo da própria decisão …) mas não se confunde com a eventual falta de provas para que se pudessem dar como provados os factos que se consideraram como provados”.
Ora, como já adiantamos supra, o Tribunal recorrido não tinha de se pronunciar quanto à existência ou não da prática de um crime na forma continuada, incorrendo em manifesto erro de direito o recorrente quando pede a aplicação do disposto no artigo 79.º, n.º 2 do Código Penal. Na verdade, como decidiu o Supremo Tribunal de Justiça no Acórdão de 23/03/2023 (Processo 316/19.2GBVNO.S1, consultado em www.dgsi.pt), “em caso de conhecimento superveniente de concurso de crimes já não há lugar à aplicação do disposto no artigo 79.º, n.º 2, do Código Penal(…)”; pretendeu-se com o estabelecido no artigo 79.º, n.º 2, do Código Penal, “permitir a análise da continuação criminosa no último julgamento do facto que integra a continuação, mas já não quando todos os julgamentos relativos aos factos que poderiam integrar a continuação já transitaram em julgado”.
Explicando por outras palavras, já não estamos em tempo de saber se existiu ou não um crime continuado de fraude fiscal e para “proceder à unificação jurídica dos dois crimes de fraude fiscal qualificada”. Competia ao Tribunal recorrido, apenas e tão só, conhecer do concurso superveniente de crimes ao abrigo do disposto no artigo 78.º, n.º 1 do Código Penal o que exige, nos termos do n.º 2 do mesmo artigo, que as decisões condenatórias em causa tenham transitado em julgado.
Transitadas em julgado as decisões proferidas nos processos n.ºs 338/17.8IDBRG e 45/14.3IDPRT, sem que em qualquer delas se tenha concluído pela integração da conduta do arguido, na figura do crime continuado, não pode um outro Tribunal modificar as decisões ali proferidas sob pena de manifesta violação do caso julgado. Como escreve Germano Marques da Silva (in “Direito Processual Penal Português”, III, UCE, 2018), “o caso julgado é um instituto que visa a proteção das decisões jurisdicionais, sem o que essas decisões não seriam vinculativas já que poderia ser repetidamente modificadas, diz-se da decisão judicial que é irrevogável que tem efeito de caso julgado”[2].
Como entendeu o Supremo Tribunal de Justiça no Acórdão de 19/12/2023 (19/16.0YGLSB.S1, consultado em www.dgsi.pt), “o caso julgado tem por fim evitar que o tribunal seja colocado na alternativa de contradizer ou reproduzir uma decisão anterior, o que pressupõe uma tríplice identidade entre as decisões em causa: de sujeitos, de pedido e de causa de pedir , embora estas categorias, próprias do processo civil, tenham de ser entendidas cum grano salis no processo penal”. Como se acrescenta na mesma decisão, “a autoridade do caso julgado formal, que torna as decisões judiciais, transitadas em julgado, proferidas ao longo do processo, insuscetíveis de serem modificadas na mesma instância, tem como fundamento a disciplina da tramitação processual. Seria caótico e dificilmente atingiria os seus objectivos o processo cujas decisões interlocutórias não se fixassem com o seu trânsito, permitindo sempre uma reapreciação pelo mesmo tribunal, nomeadamente quando, pelos mais variados motivos, se verificasse uma alteração do juiz titular do processo”.
Ora, como de forma inequívoca se entendeu no Acórdão do Supremo Tribunal de Justiça supracitado, a questão da existência ou não da continuação criminosa, teria de ser apreciada e decidida em definitivo, no último julgamento do facto que integra a continuação, ou seja, no âmbito do processo comum singular n.º 338/17.8IDBRG e não nesta altura, quando “todos os julgamentos relativos aos factos que poderiam integrar a continuação já transitaram em julgado”.
De tudo resulta que não se verifica na decisão recorrida o alegado vício no Acórdão recorrido, sendo certo também que lendo e relendo a motivação do recurso, em nenhum ponto se deteta qualquer fundamento válido para justificar a sua existência.
Assim, sem outros considerandos, impõe-se a improcedência do recurso também nesta parte.
Terceira questão: excessividade da medida concreta da pena única:
Alega o recorrente que a pena única em que foi condenado é “exagerada, desequilibrada e desajustada”, porque “aquando da avaliação global da culpa do agente e da ilicitude do facto, necessárias para a realização do cúmulo, (…), não se pode omitir a circunstância de estarmos perante um crime continuado de fraude fiscal qualificada”
Vejamos.
Na decisão recorrida, consta o seguinte (transcrição parcial): De acordo com o disposto no artigo 77.º, n.º 2, do Código Penal, a moldura penal do concurso tem como limite máximo a soma das penas concretamente aplicadas aos vários crimes e como limite mínimo a mais elevada das penas em concurso, não podendo exceder os 25 anos, no caso de pena de prisão, e os 900 dias, no caso de pena de multa. Assim, no caso vertente, verifica-se a existência de três penas parcelares de prisão (suspensas): 4 anos de prisão + 4 anos + 3 anos. Em conformidade, o limite mínimo da moldura é de 4 anos de prisão (pena parcelar mais elevada) e o limite máximo é de 11 anos de prisão (soma material das penas parcelares). Definida a moldura legal, há agora que encontrar a medida concreta da pena única, para o que, nos termos do artigo 77.º, nº 1, do Código Penal, temos a considerar, de forma conjugada, os factos apreciados e a personalidade do agente. Ora, esta pena única a aplicar ao arguido servirá o escopo da prevenção geral positiva, em termos de a comunidade considerá-la como suficiente para promover a tutela dos bens jurídicos violados, reafirmando a validade das normas violadas, sem que o seu quantum ultrapasse a medida da culpa do arguido, pois esta, não sendo fundamento da pena, é seu pressuposto e limite inultrapassável (cf. artigo 40.º, nº2, do Código Penal), em nome do respeito pela dignidade humana, consagrado no artigo 1.º da CRP. Por outro lado, serão igualmente ponderadas as exigências de prevenção especial positiva ou de ressocialização do arguido que se façam sentir (cf. artigos 40.º, nºs 1 e 2, e 71.º, nº1, do Código Penal). A este propósito, é de referir que as exigências de prevenção geral positiva que se fazem sentir no presente caso não sobrelevam aquelas que se observam na generalidade dos tipos de crimes fiscais em causa, sem olvidar a gravidade da “fuga ao fisco”, prática que parece vulgarizada e generalizada e que compromete a prossecução dos fins sociais do Estado. Por seu turno, as exigências de prevenção especial positiva ou de ressocialização do arguido são moderadas, dada a repetição dos mesmos crimes pelo arguido que, ainda de forma informal, parece não lograr abandonar a prática de negócios – de intermediação na venda de carros - em economia paralela. É ainda necessário ponderar, em consonância com o disposto no artigo 71.º, nº 2, do Código Penal, as circunstâncias que, não fazendo parte dos tipos legais de crime em apreço, depõem a favor ou contra o arguido. Aqui, há a analisar os factos, no seu conjunto, e perceber, por exemplo, se eles revelam ou não um acontecimento isolado na vida do agente que se reconduz a pluriocasionalidade, ou se são antes reflexo de uma tendência ou carreira criminosa. Assim, depõem contra o arguido o dolo intenso com que agiu em todos os crimes ora supervenientemente conhecidos em relação de concurso, pois atuou sempre com dolo direto – cf. artigos 14.º, nº1, e 71.º, nº2, al. b), do Código Penal; os períodos em que se dedicou à prática criminosa e as avultadas vantagens com que dela beneficiou – mais de € 500.000,00. Depois há que assinalar que estamos perante a prática de dois crimes de fraude fiscal qualificada e um crime de branqueamento de capitais, o que impõe a conclusão de uma homogeneidade absoluta dos bens jurídicos atingidos pelas condutas do arguido e, reveladora, sem dúvida, de uma tendência criminosa na atividade empresarial. Quanto à condição pessoal e familiar do arguido, ela mostra-se precária, atendendo à total ausência de rendimentos próprios: apesar da sua idade (48 anos) o arguido está há anos sem qualquer atividade profissional declarada, não tendo qualquer fonte de rendimento certa, pelo que depende dos pais, ambos reformados com pensões que, juntas, rondam os € 1.200,00; nem a condição imposta (em ambos os processos em concurso) de pagar, nos respetivos prazos de suspensão, a elevadíssima quantia com que beneficiou dos crimes (mais de meio milhão de euros), o motivou a encontrar um trabalho, antes optando pela inércia que lhe vem apontada no relatório social. Assim, a favor do arguido há apenas a ponderar a sua inserção e apoio familiar, bem como o tempo já decorrido desde o último dos crimes praticados sem que se registem a ocorrência de novos ilícitos. Tudo ponderado, o Tribunal entende como proporcionada a pena única de 6 anos de prisão”.
Decorre do disposto no artigo 77.º, n.º 1 do Código Penal que «quando alguém tiver praticado vários crimes antes de transitar em julgado a condenação por qualquer deles é condenado numa única pena», sendo que «na medida da pena são considerados, em conjunto, os factos e a personalidade do agente». Como se escreveu no Acórdão do Supremo Tribunal de Justiça de 18/03/2015 (Processo n.º 682/13.3JAPRT.P1.S1 consultado em www.dgsi.pt), “a determinação da medida concreta da pena única deve atender aos critérios gerais da prevenção e da culpa (art. 71.º do CP) e ainda ao critério especial previsto pelo n.º 1 do art. 77.º do CP: a consideração conjunta dos factos e da personalidade do agente, na sua relação mútua”. Como se acrescenta no mesmo aresto, impõe-se ao Tribunal “uma apreciação global dos factos, tomados como conjunto, e não enquanto somatório de factos desligados, na sua relação com a personalidade do agente. Essa apreciação deverá indagar se a pluralidade de factos delituosos corresponde a uma tendência da personalidade do agente, ou antes a uma mera pluriocasionalidade, de carácter fortuito ou acidental, não imputável a essa personalidade”. No mesmo sentido se pronunciou o mesmo Tribunal superior, no Acórdão de 12/10/2011 (processo n.º 484/02.2TATMR.C2.S1, também consultado em www.dgsi.pt), entendendo que a pena única ou conjunta “deve ser encontrada a partir do conjunto dos factos e da personalidade do agente, tendo-se, em atenção, em primeira linha, se os factos delituosos em concurso são expressão de uma inclinação criminosa ou apenas constituem delitos ocasionais sem relação entre si, sem esquecer a dimensão da ilicitude do conjunto dos factos e a conexão entre eles existente, bem como o efeito da pena sobre o comportamento futuro do delinquente”.
No mesmo sentido também escreve o professor Jorge Figueiredo Dias (in Direito Penal Português - As Consequências Jurídicas do Crime, AEQUITAS EDITORIAL NOTÍCIAS 1993), afirmando que “na avaliação da personalidade unitária do agente relevará, sobretudo, a questão de saber se o conjunto dos factos é reconduzível a uma tendência (ou eventualmente mesmo a uma «carreira») criminosa, ou tão só a uma pluriocasionalidade que não radica na personalidade: só no primeiro caso, já não no segundo, será cabido atribuir à pluralidade de crimes um efeito agravante dentro da moldura penal conjunta”.
De acordo com o artigo 77.º, n.º 2 do Código Penal, a moldura abstracta do concurso tem como limite mínimo a mais elevada das penas concretamente aplicadas e como máximo, a soma das três penas parcelares em que foi o arguido condenado, ou seja, no caso dos autos, o limite mínimo da moldura penal da pena aplicável em cúmulo é de 4 (quatro) anos e o limite máximo é de 11 anos.
O principal, senão o único fundamento que o recorrente invoca para o alegado “exagero” da pena, prende-se com a “circunstância de estarmos perante um crime continuado de fraude fiscal qualificada”: no entanto, face aos factos provados que sustentam as duas condenações do arguido, já transitadas em julgado, não podemos afirmar se o arguido cometeu os crimes de fraude fiscal na forma continuada, não sendo por isso aplicável o disposto no artigo 79.º, n.º 2 do Código Penal.
Nenhum outro fundamento foi invocado da motivação do recurso de forma a levar a este Tribunal a proceder a qualquer eventual alteração da pena única determinada de seis anos, próximo do limite mínimo aplicável.
Na verdade, como bem salientou o Tribunal recorrido, no que diz respeito às exigências de prevenção geral não se pode “olvidar a gravidade da “fuga ao fisco”, prática que parece vulgarizada e generalizada e que compromete a prossecução dos fins sociais do Estados”, e a ilicitude dos factos tendo em conta os períodos em que o arguido se dedicou à prática criminosa e “as avultadas vantagens com que dela beneficiou – mais de € 500.000,00”. Também com acerto o Tribunal recorrido ponderou a “homogeneidade absoluta dos bens jurídicos atingidos pelas condutas do arguido”, reveladora de “uma tendência criminosa na atividade empresarial”.
A favor do arguido há apenas a ponderar a sua “inserção e apoio familiar, bem como o tempo já decorrido desde o último dos crimes praticados sem que se registem a ocorrência de novos ilícitos”.
Tudo ponderado entendemos como adequada a pena única fixada na primeira instância não sendo possível “equacionar a sua substituição, por legalmente inadmissível”.
Quarta questão: falta de equidade do desconto operado no acórdão recorrido.
Entende o recorrente que o desconto operado, “para além de completamente arbitrário, é tudo menos equitativo”.
Vejamos.
A este propósito, entendeu o Tribunal recorrido o seguinte (transcrição): “Seguindo de perto o entendimento que vem sendo perfilhado pelos nossos tribunais superiores, por aplicação do disposto na parte final do artigo 78º, n.º 1, do CP, poderá haver lugar a um desconto equitativo do cumprimento que o condenado tenha feito das condições impostas na suspensão da(s) pena(s) parecelar(es). Como se escreveu no acórdão do STJ de 09.02.2022 (in www.dgsi.pt), “Se as penas de prisão suspensa integraram o cúmulo jurídico, e tendo sido, por esta via, recuperadas as penas de prisão iniciais ou principais, cumpre então determinar, em relação a cada uma dessas penas substituídas, se uma vez iniciado o prazo de suspensão nos processos em que foram aplicadas houve cumprimento das condições e dos deveres concretamente impostos ao condenado.” (…) Como se deixou dito supra, o eventual cumprimento pelo condenado de injunções impostas como condição de suspensão da execução da(s) pena(s) de prisão substituída(s) e agora integrada(s) na pena única pode(m), e deve(m), ser atendida(s), para efeitos de desconto se, e na medida em que, tenha(m) representado um sacrifício de relevo, com componente de punição, que, por isso, não devem ser totalmente irrelevados. Na certeza de que o cumprimento, total ou parcial, de uma qualquer condição não é comparável à privação da liberdade ou ao cumprimento de uma pena de prisão em liberdade, “o desconto previsto pelo art. 81.º, n.ºs 1 e 2 do Código Penal não pode assentar simplesmente no decurso do tempo de suspensão, sem qualquer sacrifício para o condenado, por nisso não haver justificação, tendo de haver o cumprimento de qualquer imposição decretada ao abrigo dos artºs 51.º a 54.º do mesmo código. (…) O simples não fazer nada para que não seja determinada a revogação da suspensão não é mais do que aquilo que se exige a qualquer cidadão sobre o qual não impenda a ameaça da execução de pena de prisão” – cfr. Ac. do STJ de 29.06.2017 (ibidem). Isto posto, somos a considerar que a pena substituída no processo n.º 338/17.8IDBRG foi imposta a condição de o arguido pagar € 257.661,50, no prazo de 5 anos (até 16.11.2028); no processo n.º 45/14.3IDPRT com a obrigação de, no mesmo prazo, pagar € 278.620,58 (até 19.04.2026). Ora, até ao momento, o arguido não pagou qualquer montante por conta da pena do processo 338/17 e no processo 45/14, decorridos que se mostram 4 anos, apenas pagou € 4.400,00, dispondo de um ano (e uns dias) para pagar cerca de € 274.000,00 em falta. Ou seja, até ao momento, o arguido cumpriu com menos de 1% do pagamento imposto. Atendendo ao tempo decorrido e ao (diminuto) esforço que o pagamento feito traduz, considera-se como equitativo o desconto de 4 (quatro) meses na pena única aplicada, nos termos do disposto na parte final do n.º 1 do artigo 78.º do Código Penal”.
Decorre do disposto no artigo 78.º, n.º 1 in fine do Código Penal que a pena que já tiver sido cumprida é descontada no cumprimento da pena única aplicada ao concurso e crimes. Porém, como se salienta na decisão da primeira instância, estando em causa penas de prisão suspensas na sua execução, não pode esse desconto “assentar simplesmente no decurso do tempo de suspensão, sem qualquer sacrifício para o condenado”. Assim, o desconto deve ser fixado na medida em que o cumprimento das penas de prisão suspensas, tenham representado algum sacrifício relevante para o condenado, ao contrário do alegado pelo recorrente que invoca em seu benefício apenas o mero decurso do prazo da suspensão da execução da pena, pedindo o desconto de 4 anos referentes à primeira condenação.
Ora como bem ponderou o Tribunal recorrido, o condenado fez um diminuto esforço para o cumprimento das obrigações a que ficou sujeito, pagando apenas cerca de “1% do pagamento imposto devido” durante 4 anos, ou seja, apenas € 4.400,00, sendo certo que resulta do relatório social junto aos autos que o recorrente dedica-se “pontualmente” à compra e venda de automóveis usados, não expressando “vontade em assumir uma atividade laboral regular e declarada” o que diz bem da sua capacidade de sacrifício, ou falta dela, para conseguir cumprir com as suas obrigações.
Pela nossa parte, entendemos que o desconto operado na primeira instância se afigura correto, improcedendo o recurso também neste segmento recursivo.
Duas últimas notas:
A primeira para dizer que não se compreende a invocação de uma suposta inconstitucionalidade do artigo 14.º do RGIT uma vez que a norma em causa não foi sequer aplicada no Acórdão recorrido porque a pena única não foi, nem podia ter sido, suspensa na sua execução. Também aqui há que dizer que o arguido chega tarde, porque devia ter suscitado a questão a montante, quando foi condenado em penas de prisão suspensas na sua execução ao abrigo do normativo legal em causa.
A segunda nota diz respeito à conexão e processos, questão manifestamente fora do “thema decidendum” na primeira instância, não se percebendo porque razão se invoca agora em sede de recurso, semelhante argumento.
Em suma, face ao acima exposto conclui-se que não merece censura a decisão da primeira instância, devendo, por conseguinte, ser negado provimento ao recurso.
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C) Decisão:
Nestes termos e pelos fundamentos expostos, acordam os juízes deste Tribunal da Relação de Guimarães em negar provimento ao recurso interposto pelo arguido AA e, em consequência, decidem manter o acórdão recorrido.
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Custas pelo recorrente, fixando-se em 4 UCs a taxa de justiça devida – artigos 513.º, n.º 1, do Código de Processo Penal e 8.º, n.º 9, do Regulamento das Custas Processuais e Tabela III a ele anexa.
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Notifique.
*
Guimarães, 14 de outubro de 2025 (o presente acórdão foi elaborado pelo relator e integralmente revisto pelos seus signatários – artigo 94.º, n.º 2, do Código de Processo Penal).
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Carlos da Cunha Coutinho (relator); Fátima Furtado (1.ª Adjunta); António Bráulio Martins (2.º Adjunto).
[1]O que é pacífico, tanto a nível da doutrina como da jurisprudência (cf. Germano Marques da Silva, Direito Processual Penal Português, vol. 3, Universidade Católica Editora, 2015, pág. 335; Simas Santos e Leal-Henriques, Recursos Penais, 8.ª ed., 2011, pág. 113; bem como o Acórdão de Fixação de Jurisprudência do Acórdão do Supremo Tribunal de Justiça, n.º 7/95, de 19/10/1995 e ainda, entre muitos, os Acórdãos do Supremo Tribunal de Justiça de 11/7/2019 (consultado em www.dgsi.pt); de 25/06/1998, in BMJ 478, pág. 242; de 03/02/1999, in BMJ 484, pág. 271; de 28/04/1999, in CJ/STJ, Ano VII, Tomo II, pág. 193 [2] Como é sabido, o Código de Processo Penal não regula a figura do caso julgado (material ou formal), sendo entendimento pacífico que em obediência ao princípio da intangibilidade do caso julgado reconhecido no artigo 282.º, n.º 3, da Constituição da República Portuguesa, se deve recorrer ao regime previsto no Código de Processo Civil, nomeadamente ao disposto nos artigos 620.º e 625.º, 580.º e 581.º, do Código de Processo Civil, na medida em que aquela disciplina se harmonize com o processo penal, tudo por via do disposto no artigo 4.º do Código de Processo Penal.