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NULIDADE DO ACÓRDÃO
EXCESSO DE PRONÚNCIA
CONDENAÇÃO ULTRA PETITUM
Sumário
Tendo resultado apurado ser um único e o mesmo o prédio reivindicado e aquele de que o 1º Réu marido se arroga ser o dono, comprovada a aquisição, por usucapião, a favor do autor da herança de que os Autores são os herdeiros, do direito de propriedade sobre ele, foi consequente a condenação de todos os Réus no reconhecimento desse direito, sem que o acórdão padeça do vício do excesso de pronúncia ou de condenação para além do pedido ainda que o prédio, com uma diferente composição, tenha sido levado a registo e aí inscrito em favor daquele Réu. (Sumário da Relatora)
Texto Integral
Processo n.º 2254/21.0T8FAR.E1[1] Tribunal Judicial da Comarca de Faro Juízo Central Cível de Faro - Juiz 1
* Acordam em conferência na 2.ª secção cível do Tribunal da Relação de Évora
I. Relatório
(…); (…); (…); (…); (…); (…); e (…), em representação de seu filho menor (…), a primeira também por si e todos na qualidade de herdeiros de (…), instauraram contra (…) e marido, (…), e contra (…) e mulher, (…), a presente acção declarativa de condenação, a seguir a forma única do processo comum, pedindo a final que:
- fossem reconhecidos como únicos herdeiros da herança ilíquida e indivisa aberta por óbito de (…):
- fossem declarados nulos todos os actos jurídicos realizados que tenham tido por objecto oprédio rústico no … (ex freguesia …) hoje freguesia de (…), composto de várias árvores de cultura, no Sítio de (…), da mesma freguesia e concelho, com a área de 10480 m2, da Seção (…), com o artigo (…), que não tenham sido realizados por nenhum dos autores, nomeadamente, escrituras de habilitação de herdeiros e escrituras públicas de compra e venda encadeadas até chegar aos atuais proprietários, sendo todas essas escrituras consideradas impugnadas e declaradas ineficazes e sem nenhum efeito, perdendo o seu valor probatório no referente às falsas declarações que tiverem sido feitas, todas elas, por serem falsas e não corresponderem à verdade;
- fossem declarados nulos e sem nenhum efeito os títulos de aquisição do referido imóvel, tanto o dos atuais proprietários, como o que permitiu a aquisição pelos réus que venderam posteriormente aos atuais proprietários, e respectivos registos sucessivos (todos) com as legais consequências; por eventuais sucessões hereditárias inexistentes ou por outras causas falsas que tenham permitido a origem desses títulos e registos que tenham tido por objecto, o referido imóvel, incluindo alguma hipoteca;
- fosse ordenado o cancelamento dos respectivos registos junto das conservatórias onde tenham sido feitos;
- fosse reconhecido o direito de propriedade da herança sobre o referido imóvel, declarando-se que o mesmo faz parte do acervo hereditário da herança líquida e indivisa aberta por óbito de (…);
- fossem os RR condenados a restituir ao acervo da herança aberta por óbito de (…) o bem imóvel referido;
- fossem os RR condenados no pagamento de uma indemnização pela ocupação do prédio em montante a liquidar posteriormente em execução de sentença, mas correspondente a nunca menos de € 20.000,00 (vinte mil euros), correspondendo € 6.000,00 (seis mil euros) a custos gastos com serviços jurídicos e taxas de justiça, e € 14.000,00 (catorze mil euros) a título de danos morais.
Subsidiariamente, pediram que os réus e outros que se venha a descobrir terem feito escrituras com factos falsos fossem condenados a restituir à herança ilíquida e indivisa aberta por óbito de (…) o valor correspondente ao imóvel em causa, a apurar de acordo com avaliação pericial, ou seja, ao preço de mercado efectivo, a título de responsabilidade pela prática de factos ilícitos, ou, sendo o caso, a título de enriquecimento sem causa, nos termos legais, acrescido de juros vencidos e vincendos à taxa legal em vigor, desde a data do óbito até efectivo e integral reembolso ao acervo hereditário da herança indivisa.
Por acórdão prolatado nos autos em 8 de Maio de 2025, foi confirmada por unanimidade a sentença proferida em 1.ª instância, que decretou como segue:
A) Não determinou a aplicação de qualquer sanção pecuniária compulsória por cada dia de atraso na restituição do imóvel;
B) Reconheceu que os autores são os únicos herdeiros da herança líquida e indivisa aberta por óbito de (…);
C) Julgou NULA e INEFICAZ em relação aos autores a escritura de compra e venda melhor descrita nos pontos 30.º e 31.º dos factos provados;
D) Consequentemente, condenou os réus a restituírem o imóvel em causa à massa da herança;
E) Condenou os réus (…) e (…) como litigantes de má fé no pagamento de multa que se fixou em 5 UC´s e indemnização aos autores que se fixou no montante global de € 1.000,00 (mil euros);
F) Determinou a comunicação dos factos descritos à Conservatória de Registo Predial de Faro para os efeitos tidos por convenientes, dando a conhecer a falsidade dos factos que deram origem à descrição (…), com o consequente cancelamento das apresentações a favor dos réus.
Ainda irresignados, apresentaram os RR (…) e (…) recurso de revista excecional, já admitido, no qual arguiram a nulidade do acórdão proferido, com fundamento nos vícios do excesso de pronúncia e condenação em objeto diverso do pedido, não tendo este coletivo tido na devida conta, alegam, que estava em causa apenas um prédio rústico, distinto do urbano nele implantado, arguição sobre a qual cabe a esta conferência pronunciar-se.
II. Das nulidades imputadas ao acórdão
Considerando que os vícios imputados ao acórdão repetem a alegação dos recorrentes na impugnação que dirigiram à sentença proferida em 1ª instância, idêntica será a pronúncia desta Conferência.
Os vícios da omissão e excesso de pronúncia, fundamentos de nulidade da sentença nos termos previstos na alínea d) do n.º 1 do artigo 615.º do CPCiv., sancionam a violação do dever consagrado no n.º 2 do artigo 608.º e aí delimitado. Nos termos do aqui preceituado, o juiz encontra-se obrigado a resolver todas as questões que as partes tenham submetido à sua apreciação, exceptuadas aquelas cuja decisão esteja prejudicada pela solução dada a outras e não pode ocupar-se senão das questões suscitadas pelas partes, salvo se a lei permitir ou impuser o seu conhecimento oficioso.
Conforme enunciou o STJ no acórdão de 3 de Outubro de 2017 (processo n.º 2200/10.6TVLSB.P1.S1), “II. A nulidade consistente na omissão de pronúncia ou no desrespeito pelo objecto do recurso, em directa conexão com os comandos ínsitos nos artigos 608.º e 609.º do CPC, só se verifica quando o tribunal deixe de pronunciar-se sobre questões ou pretensões que devesse apreciar e cuja apreciação lhe foi colocada. III. A expressão «questões» prende-se com as pretensões que os litigantes submetem à apreciação do tribunal e as respectivas causas de pedir e não se confunde com as razões (de facto ou de direito), os argumentos, os fundamentos, os motivos, os juízos de valor ou os pressupostos em que as partes fundam a sua posição na controvérsia”.
Diversamente, o excesso de pronúncia ocorre quando o juiz se pronuncia sobre questões que, não sendo de conhecimento oficioso, não foram suscitadas pelas partes
Questões a decidir são assim, para efeito do apuramento do excesso ou indagação da omissão, apenas aquelas – mas todas aquelas –, que contendem directamente com a substanciação da causa de pedir, do pedido ou das excepções deduzidas pelos RR, deixando de fora considerações, argumentos, razões ou juízos de valor produzidos pelas partes.
A lei impõe, pois, identidade entre o objecto da sentença e o objeto do processo, assim se afirmando a identidade entre a causa de pedir e a causa de julgar (Prof. Alberto dos Reis, CPC Anotado, vol. V, pág. 56). Daqui decorre que a sentença, tendo de apreciar todas as questões suscitadas pelas partes, não pode conter pronúncia sobre questões não suscitadas, ressalvadas as de conhecimento oficioso (artigo 608.º, n.º 2, do CPC) e também não pode condenar em quantidade superior ou em objeto diverso do que se pedir (artigo 609.º, n.º 1, do mesmo diploma).
No caso dos autos, os autores vieram a juízo requerer que fosse reconhecida e declarada a sua qualidade de herdeiros de (…), falecido em 28 de Agosto de 2004, e os RR condenados a reconhecerem que o prédio objecto da escritura de compra e venda que celebraram entre si pertence na verdade à herança aberta por óbito daquele e a restitui-lo à herança, tendo invocado como modo aquisitivo a usucapião, o que foi reconhecido pela 1ª instância.
No recurso apresentado, os RR (…) e mulher insistiram na tese de que o prédio reivindicado era outro e autónomo daquele que lhe pertencia por o ter herdado de sua falecida mãe, tendo invocado igualmente a seu favor, a par da presunção derivada do registo, a aquisição originária por usucapião.
As questões assim suscitadas foram objecto de pronúncia por banda deste Tribunal de recurso, que tendo reconhecido a identidade do prédio reivindicado com aquele de que o R (…) se arrogava dono, e tendo verificado, à luz da factualidade que julgou provada e não provada, que os autores, na sua qualidade de herdeiros do falecido (…), haviam logrado fazer prova da prática de actos de posse pacífica, pública e de boa-fé que perdurou por mais de 20 anos, concluiu ter ocorrido a aquisição por usucapião, a favor do autor da herança, do prédio discutido nos autos. Assim tendo concluído, foi meramente consequente a confirmação da sentença recorrida, que neste mesmo sentido havia decidido, sem que se detecte qualquer excesso de pronúncia. Pelo contrário, pronunciou-se este Tribunal sobre todas as questões suscitadas nos recursos apresentados, mas apenas sobre elas, ainda que, reconhece-se, a descontento dos agora recorrentes de revista.
Os RR recorrentes suscitam ainda a nulidade do acórdão recorrido por condenação além do pedido e em objecto diverso do que fora pedido, invocando a alínea e) do n.º 1 do artigo 615.º.
O vício da condenação para além ou em objecto diverso do pedido resulta da infracção ao disposto no n.º 1 do artigo 609.º do mesmo diploma legal, que impõe ao juiz o respeito pelos limites quantitativos e qualitativos do pedido que é formulado. A sentença tem de conformar o seu conteúdo ao objecto do litígio, também definido, conforme é sabido, pela pretensão formulada pelo autor, que se identifica pela providência concretamente solicitada pelo mesmo e pelo direito que será objecto dessa tutela, o que constitui um corolário do princípio do dispositivo – cfr. artigo 3.º, n.º 1, do CPC (do acórdão do STJ de 8/2/2018, proc. n.º 633/15.0T9VCT.G1.S1, em www.dgsi.pt).
Ora, tal como se considerou aquando da apreciação de idêntico vicio imputado à sentença proferida, analisada a petição inicial e a pretensão pelos AA formulada, que bem compreendida foi pelos RR conforme resulta dos articulados de contestação oferecidos, resulta evidente a identidade entre o pedido e o dispositivo da decisão, não se verificando qualquer diferença, quantitativa ou qualitativa, entre o que fora pedido e a condenação proferida, estando em causa, conforme os apelantes bem sabem, o mesmo e único prédio. Com efeito, e ao invés do que sustentam, o prédio reivindicado é precisamente aquele que o R. (…) logrou registar a seu favor e vender aos RR (…) e (…), prédio rústico no qual existiu em tempos uma construção, há muito em ruínas, que aquele R., através de uma montagem de sucessivos actos de cariz meramente administrativo (o que resultou cabalmente esclarecido pela testemunha …, chefe do Serviço de Finanças de Faro), logrou autonomizar como prédio urbano implantado no rústico, que assim veria modificada a sua natureza, transformando-se em prédio misto, classificação que, todavia, conforme é sabido e os demandados de resto reconhecem, apenas releva para efeitos fiscais. Tal expediente não tem, como parece evidente, aptidão para modificar o prédio em substância, que manteve a sua área, localização e composição, conhecida de AA e RR, existindo assim uma perfeita coincidência entre o pedido formulado e a condenação, tendo os RR sido condenados a restituir o preciso prédio cuja entrega fora pedida, prédio objecto do contrato de compra e venda celebrado entre os RR.
Em suma, não têm razão os RR quando alegam que os AA tinham que reivindicar os dois prédios, um rústico e outro urbano, pois este “desdobramento” do prédio original, com a atribuição de um artigo urbano à ruína nele desde há muito implantada, posteriormente descrito na Conservatória do Registo Predial e aí inscrito a favor do R. (…), mais não é do que o resultado de uma artificial operação administrativa levada a cabo por este mesmo R. junto das Repartições de Finanças de Faro e Olhão após a morte de sua Mãe, estando em causa sempre e apenas o prédio rústico onde se encontrava implantada uma ruína, correspondente ao artigo (…) da secção (…). Tal compreensão dos factos determinou, de resto, a extinção da instância no que respeita à acção apensada, a que coube inicialmente o n.º 14/22.0T8FAR.
Verificando-se, deste modo, uma perfeita coincidência entre a causa de pedir e a causa julgada e entre o pedido formulado e a condenação dos Réus, inexiste condenação para além do pedido ou em coisa diferente da pedida, pelo que improcede também a arguição de nulidade com este fundamento.
Sumário: (…)
III. Decisão Em face do exposto, acordam os juízes da 2.ª secção cível deste Tribunal da Relação de Évora em julgar improcedentes as nulidades arguidas.
Sem custas.
Oportunamente, remeta os autos ao STJ.
Évora, 16 de Outubro de 2025
Maria Domingas Simões
Mário João Canelas Brás
Vítor Sequinho dos Santos