ACÇÃO DE REIVINDICAÇÃO
PEDIDO RECONVENCIONAL
ARRENDAMENTO URBANO
ILEGITIMIDADE
LOCADOR
Sumário

Na ação de reivindicação em que a Ré formulou pedido reconvencional, pelo qual solicitou o reconhecimento judicial de que mantém um contrato de arrendamento sobre o imóvel reivindicado celebrado com a Autora, a falta de demonstração do direito de propriedade desta não obsta à procedência da reconvenção, se se aderir – como se adere – à tese doutrinal e jurisprudencial segundo a qual a ilegitimidade do locador não determina a nulidade do arrendamento, mas apenas a sua ineficácia em relação ao verdadeiro titular do direito de dispor do gozo da coisa.
(Sumário da Relatora)

Texto Integral

Processo n.º 2162/23.0T8EVR.E1
Forma processual – ação declarativa sob a forma comum de processo
Tribunal Recorrido – Juízo Central Cível e Criminal de Évora – Juiz 1
Recorrente – (…)
Recorridos – (…) e (…)


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Acordam os Juízes Desembargadores da 2ª Secção Cível do Tribunal da Relação de Évora:

Relatório

I. Identificação das partes e descrição do objeto da ação.

(…) intentou a ação declarativa, sob a forma comum de processo, identificada em epígrafe, pela qual peticionou o reconhecimento do direito de propriedade sobre um prédio urbano que caracterizou, bem como a condenação de (…) e de (…) a restituírem-lhe esse imóvel e a pagarem-lhe a quantia de 300,00 euros, a título de indemnização, por cada mês de ocupação do mesmo prédio, desde a citação até à efetiva entrega.
Alegou, em síntese, que a Ré mantinha com a usufrutuária do imóvel (do qual ela era titular da raiz) um arrendamento verbal, mas que, uma vez que a usufrutuária, sua mãe, faleceu, o arrendamento caducou, mantendo-se os demandados, não obstante interpelação para o restituírem, a ocupar o prédio, privando-a, enquanto proprietária, de lhe dar rentabilidade económica.
Concluiu que os Réus ocupam o imóvel sem autorização ou título e que a impedem de exercer o seu direito de propriedade.
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Citados os Réus, contestaram excecionando que o arrendamento do imóvel foi celebrado com a Autora (e não com a falecida usufrutuária, mãe daquela) e invocando que ao receberem a carta que dava conta do fim da locação, a Ré acreditou que o contrato havia terminado, mas que a demandante, mais tarde, lhes propôs a permanência do imóvel contra um aumento de renda, o que eles aceitaram.
Deduziram pedido reconvencional, pelo qual peticionaram a condenação da Autora a reconhecer a existência de um contrato de arrendamento, sem termo, com início em 2014, pela renda atual de 300,00 euros, bem como no pagamento de uma indemnização, de valor não inferior a 10.000,00 euros, por danos não patrimoniais alegadamente causados pelo facto de a demandante ter procedido ao corte do abastecimento de água ao locado.
Pediram, ainda, a condenação da Autora como litigante de má-fé, em multa e indemnização.
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A Autora replicou, impugnando os factos sustentados em abono da exceção e da reconvenção e refutando a imputação de litigância de má-fé.
Após a remessa da ação ao Juízo Central (consequente à alteração do respetivo valor para 56.355,05 euros e à declaração de incompetência subsequente), teve lugar audiência prévia, na qual foi admitido o pedido reconvencional, foi proferido despacho saneador que julgou válida e regular a instância, assim como foi identificado o objeto do processo e enunciados os temas da prova, sem reclamações.
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Realizada a audiência final, veio a ser proferida, em 17 de fevereiro de 2025, sentença em cujo trecho decisório se exarou:
Nesta conformidade, tudo visto e ponderado, decide-se:
a) Julgar totalmente improcedente a presente ação e, consequentemente, absolver os Réus (…) e (…) dos pedidos formulados pela Autora (…);
b) Julgar parcialmente procedente a reconvenção deduzida pelos Réus e, consequentemente, condenar a Autora a reconhecer a existência do contrato de arrendamento sem termo, celebrado entre A e RR, com início em 2014, relativo às duas casas a que correspondem os números 31 e 33 da Rua de (…), em (…), pela renda atual mensal de € 300,00 (trezentos euros), absolvendo a Autora do demais peticionado pelos Reconvintes;
c) Julgar improcedente, por não provado, o pedido de condenação da Autora como litigante de má fé e, consequentemente, dele a absolver.
Custas a cargo da Autora e dos Réus, na proporção de 80% e 20%, respetivamente (cfr. artigo 527.º, n.º 1 e 2, do CPC).
Valor da causa: o já fixado nos autos.
Registe e notifique”.
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II. Objeto do recurso.
Não se conformando com essa sentença, a Autora interpôs o presente recurso, culminando as suas alegações com as conclusões que se transcrevem:
“I - Vem o presente Recurso interposto da douta Sentença a fls. (…) dos autos, com a qual a Autora, ora recorrente não se conforma na parte em que decidiu: a) Julgar totalmente improcedente a presente ação e, consequentemente, absolver os Réus (…) e (…) dos pedidos formulados pela Autora (…); b) Julgar parcialmente procedente a reconvenção deduzida pelos Réus e, consequentemente, condenar a Autora a reconhecer a existência do contrato de arrendamento sem termo, celebrado entre A e RR, com início em 2014, relativo às duas casas a que correspondem os números 31 e 33 da Rua de (…), em (…), pela renda atual mensal de € 300,00 (trezentos euros), absolvendo a Autora do demais peticionado pelos Reconvintes;
II - Condenou a Autora ora recorrente em custas na proporção de 80%;
III - Ordenou que após o trânsito em julgado, fosse participada a douta Sentença ao Serviço de Finanças da área de residência da Autora;
IV - Ora, salvo o devido respeito e melhor opinião, a Autora, ora recorrente, não se conforma com tal decisão, pois entende que quer a prova documental, quer a prova testemunhal foram completamente desvalorizadas;
V - Assim, de uma análise correta da prova documental, de uma avaliação criteriosa dos factos em causa, de uma aplicação acertada do direito aos factos, bem como do depoimento de parte prestado pela Ré (…), das declarações prestadas quer pelas testemunhas (…), (…) e (…), deveria, salvo o devido respeito e melhor opinião, a Meritíssima Juiz ter decidido de forma diversa;
VI - Razão pela qual se impõe uma reapreciação quer da prova documental, mas muito em especial da prova testemunhal gravada, que em nosso entender não foi devidamente valorada motivo pelo qual se interpõe o presente Recurso;
VII - Desde já fixemo-nos nos factos que foram dados como provados no sentido de infra os podermos comprar com os factos dados como não provados:
(…)
VIII - E foram dados como não provados os seguintes factos:
(…)
IX - A douta Sentença veio dar como provado nos pontos 3 e 4 dos factos provados que foi a A. que acordou verbalmente e cedeu à R. o uso do prédio urbano sito na Rua de (…), n.º 31, em (…), concelho de Évora, inscrito na matriz predial urbana da freguesia de (…) sob o artigo … (com origem no artigo …) e que, cerca de dois anos mais tarde, o acordo abrangeu o n.º 33 daquela mesma Rua.
X - Tendo dado como não provado na alínea a) dos factos não provados que o acordo verbal foi celebrado por (…) na qualidade de senhoria.
XI - Ora em nosso entender os factos dados como provados nos pontos 3 e 4 e o facto dado como não provado na alínea a) dos factos não provados, foram erroneamente julgados como a seguir se irá demonstrar.
XII - Assim, a Autora, ora recorrente comprovou nos autos através de cópia do testamento (vide doc. 2 junto com a P.I. e facto provado em 1), que a sua mãe era a usufrutuária das casas que foram alugadas à R. por contrato verbal e que a nua propriedade lhe tinha sido deixada a si.
XIII - Ora o usufruto pode ser constituído por contrato, testamento, usucapião ou outra disposição da lei.
XIV - In casu, foi constituído através de uma deixa testamentária à mãe da Autora, ora recorrente.
XV - Comprovou nos autos a ora recorrente, com a junção da certidão de óbito (vide doc. 4 junto com a P.I. e facto provado em 2), que a usufrutuária, (mãe da A.), tinha falecido em 17/11/2021.
XVI - A ora recorrente, comprovou desta forma que a mãe era usufrutuária dos imóveis que lhe tinham sido deixados em testamento.
XVII - Era, pois, a mãe da Autora, ora recorrente que podia fruir e usar os imóveis em causa nos autos.
XVII - Foi pois, devido ao facto de a mãe da Autora ser a usufrutuária e ter arrendado a casa à Ré por intermédio da sua filha que a representou no acordo verbal que a Autora comunicou por escrito à Ré, o falecimento da mãe (usufrutuária) em data não concretamente apurada, mas anterior a 23/11/2022 (facto dado como provado no Ponto 5 dos factos provados).
XVIII - Foi junta com a P.I. como Doc. 4, a caderneta predial datada de 14 de Setembro de 2000, onde consta claramente que … (mãe da Autora), era usufrutuária.
XIX - Foi dado também como provado (Ponto. 6 dos factos Provados) que a Autora/Recorrente comunicou à Ré/Recorrida por carta datada de 23/11/2022, o falecimento da usufrutuária e senhoria da mesma, em 03 de Junho de 2022 e que o contrato tinha caducado devendo aquela proceder à entrega do imóvel no prazo de 6 meses, bem como deveria pagar as rendas em atraso (vide Doc. 5 junto com a P.I.).
XX - No ponto 7 dos factos provados foi dado como provado que mais uma vez a R. recebeu uma carta a comunicar que deveria proceder à entrega do imóvel e que mantinha uma divida de consumo de água à Câmara Municipal de Évora em nome da antiga senhoria, que como se comprovou pelo doc.16 junto com a Réplica era a … (mãe da A.).
XXI - Ora, aqui chegados temos de dizer que olvidou o douto Tribunal a quo que se encontrava provado por documentos, que não foram impugnados, que a (…) era quem detinha o usufruto das casas, ou seja, era quem podia usar e fruir, ou seja, era quem podia arrendar as casas.
XXII - Mas como se tal prova não fosse bastante e porque a convicção do douto Tribunal se forma com a apreciação da prova documental conjugada com a prova produzida em audiência de julgamento temos ainda a prova testemunhal que a seguir iremos transcrever, e que em nosso entender não foi também devidamente valorada e que se o fosse levaria obrigatoriamente a uma decisão diversa.
XXIII - Comecemos pelo depoimento de parte prestado pela Ré, (…) que prestou declarações em sede de julgamento no dia 21/10/2024, gravadas através do sistema integrado de gravação digital, disponível na aplicação informática em uso no Tribunal, entre as 09:57:12 horas e as 10:48:10 horas, cujo depoimento transcrevemos na parte em que ora nos interessa:
(…)
XXIV - Ora a prova produzida deve ser valorada à luz da lei e das regras da experiência.
XXV - E na realidade ao analisarmos criteriosamente as declarações de parte da Ré, à luz da experiência, verificamos que durante o seu depoimento foi notória a necessidade constante de afirmar que tinha negociado sempre com a Autora (…), que era esta que reconhecia como senhoria e que a própria lhe tinha dito que era a dona das casas, e estas afirmações por parte da Ré foram proferidas mesmo quando coisa diferente lhe era perguntada.
XXV - E na realidade ao analisarmos criteriosamente as declarações de parte da Ré, à luz da experiência, verificamos que durante o seu depoimento foi notória a necessidade constante de afirmar que tinha negociado sempre com a Autora (…), que era esta que reconhecia como senhoria e que a própria lhe tinha dito que era a dona das casas, e estas afirmações por parte da Ré foram proferidas mesmo quando coisa diferente lhe era perguntada.
XXVI - Veja-se a título de exemplo a seguinte passagem:
(18’:30”) M. Juiz: Então mas explique lá agora! Agora, passado este tempo o que é que a senhora compreendeu? Ré: O que é que eu compreendi? É que a D. (…) sempre se apresentou como dona da casa, né, e que eu não tenho nada a ver, se ela era dona, para mim foi a senhoria, foi como ela se apresentou, né, o que eu tinha a ver se a mãe dela tinha falecido se não. M. Juiz: O que é que a D. (…) lhe explicou na altura em que a senhora a confrontou com isso? Ré: O que ela me disse foi que ela era a dona da casa. M. Juiz: Ela quem? Ré: A D. (…). M. Juiz: A D. (…) manda-lhe a carta a dizer que a mãe faleceu, a senhora confronta-a com isso e a D. (…) diz-lhe o quê? Que é dona da casa? Ré: Foi o que ela me explicou.
XXVII - No entanto o discurso da Ré deixa de apresentar razão plausível quando declara que recebeu uma carta escrita à mão pela Autora a comunicar-lhe o falecimento da mãe (usufrutuária) dos imóveis e não “consegue” explicar à Meritíssima Juiz a quo o porquê de a Autora lhe ter comunicado o falecimento da mãe.
XXVIII - É pois notório que a Ré faltou à verdade quando a instâncias da Meritíssima Juiz presta as seguintes declarações:
Ré: A carta que a D. (…) mandou a dizer, foi que era, que a mãe dela tinha falecido e que ela era a proprietária da casa. M. Juiz: A senhora depois falou com a D. (…) ? Ré: Falei M. Juiz: É que não estou a perceber. A senhora contactou sempre com a D. (…). Ré: Sempre. M. Juiz: Depois a D. (…) manda-lhe uma carta a dizer que a mãe dela faleceu. Isto não é um comportamento estranho? A senhora não conhecia a D. (…), não era da família. Porque motivo é que a D. (…) ia participar o falecimento da mãe? Ré: Não sei, eu também não percebi. M. Juiz: Então mas explique lá agora! Agora, passado este tempo o que é que a senhora compreendeu? Ré: O que é que eu compreendi? É que a D. (…) sempre se apresentou como dona da casa, né, e que eu não tenho nada a ver, se ela era dona, para mim foi a senhoria, foi como ela se apresentou, né, o que eu tinha a ver se a mãe dela tinha falecido se não. M. Juiz: O que é que a D. (…) lhe explicou na altura em que a senhora a confrontou com isso? Ré: O que ela me disse foi que ela era a dona da casa. M. Juiz: Ela quem? Ré: A D. (…). M. Juiz: A D. (…) manda-lhe a carta a dizer que a mãe faleceu, a senhora confronta-a com isso e a D. (…) diz-lhe o quê? Que é dona da casa? Ré: Foi o que ela me explicou. M. Juiz: Então qual era o sentido de enviarem a carta a dizer que a mãe faleceu? Ré: Não sei. M. Juiz: Eu é que não estou a compreender essas conversas. As senhoras parece que falam tudo mas depois não falam nada. Ré: É assim.
XIX - E presta estas declarações porque se em algum momento tivesse que admitir que sabia que a comunicação do falecimento da usufrutuária tinha a ver com o conteúdo das cartas que lhe foram enviadas posteriormente e que ficou provado que as recebeu nos pontos 6, 7 e 8 dos factos provados, onde era comunicado o falecimento da usufrutuária e sua senhoria e invocada a caducidade do contrato de arrendamento e em que a Autora pedia para proceder à entrega dos imóveis.
XXI - Ora apesar destas declarações, em que a R. não consegue dar explicação lógica ao Tribunal para ter recebido uma carta a comunicar o falecimento da mãe da Autora, ainda assim a Meritíssima Juiz a quo, encontra fundamento para motivar a douta sentença com base no sentido de dizer que: “(…) Já a Ré afirmou expressamente que nunca conheceu a D. (…), (…)” (veja-se na motivação a fls. 12).
XXII - Salvo o devido respeito e melhor opinião, em face do supra exposto não deveria o Tribunal ter valorado o depoimento de parte da Autora como valorou, devendo ter tido na avaliação que fez do depoimento de parte da R. em conta o seu interesse na causa e a falta de respostas concretas às questões que lhe eram colocadas, a forma seletiva das respostas quando fugiam ao seu interesse pessoal.
XXIII - Para além do supra alegado, a Ré teve oportunidade, tendo recebido as cartas que lhe foram enviadas e que foi dado como provado que as recebeu nos pontos 6, 7 e 8 dos factos provados, de na carta que enviou à Advogada da ora Recorrente datada de 22 de fevereiro de 2023 (Ponto 8 dos factos provados) de contraditar o que era afirmado nessas mesmas cartas.
XXIV - Poderia então ter refutado que a sua senhoria era a usufrutuária, (…) e também não o fez.
XXV - Ora da prova produzida em audiência de julgamento, conjugada com a prova documental, salvo o devido respeito e melhor opinião, não podia ter levado à conclusão que a Meritíssima Juiz a quo, retirou, mas sim a prova diversa, ou seja, que a R. sabia bem quem era a sua senhoria e que a mesma era (…).
XXVI - No entanto não nos ficaremos por aqui na análise das provas para chegarmos a conclusão diferente da douta Sentença.
XXVII - Atentemos agora às declarações prestadas pela testemunha (…) em sede de julgamento no dia 21/10/2024 que foram gravadas através do sistema integrado de gravação digital, disponível na aplicação informática em uso no Tribunal, entre as 10:49 horas e as 11:26 horas, cujo depoimento transcrevemos na parte em que ora nos interessa: (…)
XXVIII - Ora da análise criteriosa das declarações prestadas por esta testemunha, (…), deveria o douto Tribunal ter também extraído que a usufrutuária dos imóveis era a mãe da Autora, ou seja, (…), que era ela quem fruía dos imóveis e que só ela poderia arrendá-los.
XXIX - A testemunha de forma clara, com sentido lógico e ordenado, consegue explicar ao Tribunal o porquê da sua mãe ser a usufrutuária, o porquê de ser a Autora a negociar o arrendamento, em nome de quem é que a A. negociou o arrendamento, o porquê do valor da renda ser depositado na conta da Autora e não da sua mãe.
XXX - Verifica-se na douta Sentença que em momento algum as declarações desta testemunha foram postas em crise.
XXXI - Tudo levando a crer que o douto Tribunal as considerou válidas.
XXXII - Então por que motivo não foi dado como provado que o contrato de arrendamento tinha sido negociado pela Autora em nome da sua mãe, (…)?
XXXIII - É nosso entendimento, salvo o devido respeito e melhor opinião, que mal andou a Meritíssima Juiz a quo, quando, desvalorizou completamente as declarações desta testemunha e entendeu dar como provado que quem cedeu o uso das casas foi a Autora e não a sua mãe.
XXXIV - As declarações desta testemunha conjuntamente com a análise da restante prova deveria ter levado o Tribunal a concluir de forma diversa, ou seja, que a Autora arrendou as casas à R. em representação da mãe, com o conhecimento daquela, cujo usufruto lhe foi deixado em testamento e que a Autora só recebia as rendas numa conta sua devido ao facto de a mãe não ter conta bancária, por ser pessoa idosa, mas os rendimentos das casas pertenciam à mãe da Autora e não a esta e tanto assim era que tal rendimento servia para pagar o lar onde se encontrava.
XXXV - Não nos restando assim, dúvidas de que estas declarações da testemunha (…) devem ser novamente reapreciadas por Vossas Excelências no sentido de serem alvo de nova análise e ponderação.
XXXVI - Mas, não nos ficamos só pela análise das declarações da testemunha (…).
XXXVII - Continuemos a analisar a prova testemunhal, tendo em vista as declarações prestadas pela testemunha (…) em sede de julgamento no dia 21/10/2024 que foram gravadas através do sistema integrado de gravação digital, disponível na aplicação informática em uso no Tribunal, entre as 11:31 horas e as 11:49 horas, cujo depoimento transcrevemos na parte em que ora nos interessa:
(…)
XXXVIII - Ora também esta testemunha de forma inequívoca reconhece no seu depoimento várias vezes que a D. (…) era a “dona das casas” e que era ela que arrendava as casas.
XXXIX - Não deixando de justificar nas suas declarações que o motivo de ter tratado do arrendamento com a Autora, ora recorrente, tinha a ver com o facto de a D. … (usufrutuária) já não estar em condições de andar – “Testemunha: Não a mãe já não estava em condições de andar, pronto para Évora para Lisboa e para cá a (…) é que me trouxe as chaves.”
XL - Mais, reafirmou ainda que a D. (…) já estava muito velhota: “Advogada: E portanto a senhora também já disse que com quem tratou foi com a D. porque a mãe já estava muito velhota. É isso? Testemunha: Sim, sim.”
XLI - As declarações de (…) mereceram por parte do douto Tribunal credibilidade e desse facto deu a Mma. Juiz a quo nota, quando escreve na motivação: “(…), prima da Autora e amiga da Ré, que intermediou os contatos entre ambas aquando do “arrendamento”, revelando por isso conhecimento direto dos factos, destacando-se pela sua isenção e desinteresse em relação aos mesmos e também quanto ao desfecho da ação, motivo pelo qual o seu testemunho mereceu particular relevância para a formação da nossa convicção ( a fls. 13 da douta Sentença).
XLII - Ora em momento algum e de forma inequívoca a testemunha (…) declarou que o contrato tinha sido feito em nome da Autora, o que a testemunha disse é que tinha conversado com a Autora e lhe tinha dito que a negociação de tal contrato seria feita entre aquela e a Ré.
XLIII - Não deixou ainda esta testemunha de justificar, o porquê, de nada ter sido tratado com a mãe da Autora e não com a (…), indicando que a mesma devido à idade já não tinha condições de se deslocar.
XLIV - Então pergunta-se: Caso a testemunha tivesse a noção exata de que quem estava a fazer o arrendamento era a Autora, porque motivo teria justificado que a Autora é que negociou o contrato com a Ré porque a mãe daquela já não tinha condições?
XLV - A única conclusão lógica que daqui poderia advir seria que a Autora estava claramente a agir em nome da mãe, salvo o devido respeito e melhor opinião, contrariamente à conclusão a que a Meritíssima Juiz a quo, chegou e nesse sentido a douta Sentença deveria ter sido proferida nesse sentido.
XLVI - Não nos restando assim dúvidas de que estas declarações da testemunha (…) devem ser novamente reapreciadas por Vossas Excelências no sentido de serem alvo de nova análise e ponderação.
XLVII - Também não nos restam dúvidas de que as declarações prestadas pela testemunha (…) em sede de julgamento no dia 21/10/2024 que foram gravadas através do sistema integrado de gravação digital, disponível na aplicação informática em uso no Tribunal, entre as 11:49 horas e as 12:04 horas, cujo depoimento transcrevemos na parte em que ora nos interessa, vêm também confirmar as declarações prestadas pelas anteriores testemunhas, assim: (…)
XLVIII - Também esta testemunha de forma clara e inequívoca, cujas declarações em momento algum da douta Sentença mereceram censura, depôs no sentido de que as casas eram da sua mãe, diga-se (…), que esta era a usufrutuária, que esse era um rendimento da sua mãe, que esse rendimento servia para pagar o lar com a ajuda das filhas.
XLIX - Explica esta testemunha de forma clara também a razão de tal rendimento da sua mãe ir para uma conta bancária titulada pela Autora ora recorrente e sua irmã.
L – Reafirmando o que supra já se alegou, dúvidas não subsistem, salvo o devido respeito e melhor opinião, que caso o depoimento desta testemunha, tivesse sido devidamente avaliado, nunca se poderia dar como provado que a Autora é que cedeu o uso, ou celebrou verbalmente um contrato de arrendamento em nome próprio com a Ré como erradamente foi dado como provado.
LI - Aqui chegados há que atentarmos ao n.º 2, alínea a), do pedido reconvencional e que teve vencimento, o que não se aceita, salvo o devido respeito e melhor opinião, porque foi incorretamente julgado dando como provados os factos 3 e 4 (dos factos provados), da douta Sentença e como não provada a alínea a) dos factos não provados, julgando como não provado que o acordo verbal tenha sido celebrado por (…) na qualidade de senhoria.
LII – Ora, aos Réus vieram através de pedido reconvencional peticionar: a) Ser a A. condenada a reconhecer a existência de um contrato de arrendamento sem termo validamente celebrado entre A e RR, com inicio em 2014, relativo às duas casas a que correspondem os números 31 e 33 da Rua de (…), em (…), pela renda actual mensal de € 300,00 (trezentos euros), que não tendo sido reduzido a escrito por culpa exclusiva da A esta seja, também, condenada a reduzi-lo a escrito;
LIII - Nesse sentido veio o douto Tribunal a quo dar como provados os pontos 3 e 4 dos factos provados o seguinte: (…)
LIV - E como não provado: (…).
LV - Foi na realidade consensual entre as testemunhas que quem celebrou o acordo verbal com a Ré, via telefone, quem negociou o contrato de arrendamento foi a Autora e nesse sentido não nos merece qualquer reparo a douta Sentença.
LVI - No entanto, não se aceita que tenha sido dado como provado que a Autora cedeu em seu nome as casas à Ré.
LVII - Foi claro e consensual no depoimento das testemunhas (…), (…) e (…) que a usufrutuária, a “dona das casas”, e quem fazia os arrendamentos era (…), mãe da Autora, ora recorrente.
LVIII - Veja-se o depoimento da (…) neste ponto em concreto do seu depoimento: (…)
LIX - Também a testemunha (…), veio corroborar o depoimento da testemunha (…), depondo da seguinte forma: (…)
LX - Também a testemunha (…) veio depor exatamente no mesmo sentido, Veja-se: (…)
LXI - Para além disso foi também consensual no depoimento das duas testemunhas (…) e (…), cujo depoimento não foi posto em causa na douta Sentença pela Meritíssima Juiz, que ficou acordado entre as irmãs e a mãe que era a Autora ora recorrente que representava a mãe.
LXII - Veja-se também o depoimento de (…) nesse sentido também: (…)
LXIII - Face à prova produzida, quer documental, quer testemunhal, quer segundo as regras da experiência, não se aceita que na douta Sentença a Meritíssima Juiz a quo, tenha dado como provado nos pontos 3 e 4 dos factos provados que foi a Autora, ora recorrente que cedeu à Ré o uso dos imóveis.
LXIV - Assim como, tenha dado como não provado na alínea a) do factos provados que: “a) O acordo verbal referido no facto provado n.º 3 e no facto provado n.º 4 foi celebrado por (…) na qualidade de senhoria.”
LXV - Deveria ter sido dado como provado, salvo o devido respeito e melhor opinião, que a Autora, ora recorrente cedeu o uso do prédio n.º 31 e do prédio n.º 33, ambos sitos na Rua de (…), n.º 31, em (…), concelho de Évora, inscrito na matriz predial urbana da freguesia de (…) sob o artigo … (com origem no artigo …), em nome e representação da sua mãe (…) na qualidade de senhoria.
LXVI - Para ter chegado à conclusão a que chegou, a Meritíssima Juiz veio motivar os factos dados dos Pontos 3 e 4 como provados e a alínea a) dos factos não provados, em síntese da seguinte forma (…).
LXVI - Motivação essa que não se aceita.
LXVII - Impondo-se perguntar se, mediante toda a prova testemunhal produzida e supra transcrita não se conclui que as testemunhas intervieram nos acordos?
LXVIII - De que prova retirou a Meritíssima Juiz a quo a conclusão de que as testemunhas (…) e (…) não tiveram intervenção nos acordos?
LXIX - Então e como chegou a Meritíssima Juiz a quo à conclusão que as testemunhas, diga-se (…) e (…), não controlavam os recebimentos das rendas, quando ambas afirmaram que quando a Ré não pagava as rendas tinham de pôr o dinheiro que faltava para pagar o Lar da mãe?
LXX - Também motivou a Meritíssima Juiz a quo a douta decisão afirmando que: (…)
LXXI - Então e o facto por si só, de a Ré, com um interesse especial na ação em que não fosse reconhecida a D.(…) como senhoria, ter declarado que contactou e negociou com a Autora faz presumir por si só que a Autora foi quem lhe “arrendou” os imóveis?
LXXII - Ora a Ré como declarou que nunca pediu recibos de renda: Veja-se as declarações da Ré: (…)
LXXIII - Também declarou nunca ter feito nenhum Acordo escrito. Veja-se: (…)
LXXV - Ora a Ré nunca viu nem cuidou de se informar se as casas pertenciam ou não à Autora, mais não fez do que negociar com esta telefonicamente o arrendamento como adquiriu então tantas certezas?
LXXVI – Aliás, como supra se pode ver a Ré no seu depoimento, a instâncias da Meritíssima Juiz a quo quando perguntada para justificar porque motivo a Autora, ora recorrente lhe teria comunicado o falecimento da sua mãe (…), não responde, foge várias vezes à questão e não consegue dar uma explicação lógica ao Tribunal.
LXXVII - Motiva ainda a Meritíssima Juiz a quo os factos dados como provados no ponto 3 e 4 com o testemunho dado por … (vide pág. 13).
LXXVIII - Ora esta testemunha em momento algum disse que as “dona das casas” era a Autora, apenas se limitou a afirmar: (…)
LXXIX - Face ao exposto, a toda a prova produzida, quer documental, quer testemunhal, quer atendendo às regras da experiência comum, como chegou a Meritíssima Juiz a quo, à conclusão, com a segurança que impõe uma decisão judicial, que as casas foram cedidas em nome próprio pela Autora à R. e que a mãe da Autora, (…) não era a senhoria?
LXXX - Assim muito mal andou a Meritíssima Juiz a quo quando decidiu que: “b) Julgar parcialmente procedente a reconvenção deduzida pelos Réus e, consequentemente, condenar a Autora a reconhecer a existência do contrato de arrendamento sem termo, celebrado entre A e RR, com início em 2014, relativo às duas casas a que correspondem os números 31 e 33 da Rua de (…), em (…), pela renda atual mensal de € 300,00 (trezentos euros), absolvendo a Autora do demais peticionado pelos Reconvintes;”
LXXXI - E que: “Após trânsito em julgado, comunique-se ao Serviço de Finanças da área de residência da Autora, a presente sentença, nos termos do artigo 274.º (incumprimento de obrigações tributárias) do Código de Processo Civil”.
LXXXII - Decisão essa que não se aceita pelos fundamentos supra indicados.
LXXXIII - Dúvidas não subsistem que tal decisão só adveio de uma errada apreciação da prova documental e testemunhal e de uma falta de análise dos factos, salvo o devido respeito e melhor opinião, à luz da experiência comum.
LXXXIV - Tal decisão deverá ser substituída por uma que declare que (…) era a senhoria e que em seu nome a Autora negociou o arrendamento das duas casas, tendo recebido esta sempre as rendas na sua conta bancária porque, como foi devidamente comprovado em audiência de julgamento, a mãe era pessoa idosa e não possuía conta bancária.
LXXXV - Também, entendeu a Mma. Juiz a quo, que não se encontra demonstrada a aquisição (derivada) do direito de propriedade invocado pela Autora, ora recorrente, tendo fundamentado da seguinte forma: “(…)
LXXXVI - Ora, se por um lado entendemos e concordamos que não ficou demonstrada a aquisição originária do direito de propriedade com base na presunção do registo prevista no artigo 7.º do Código de Registo Predial, por os motivos que foram alegados muito em especial pela testemunha (…).
LXXXVII - Por outro lado, não se entende que não esteja demonstrada a aquisição (derivada) do direito de propriedade através do testamento, quando não ficou provado que a propriedade pertence a outrem ou não pertence a ninguém (res nullius).
LXXXVIII - Mais, ao decidir como decidiu a Meritíssima Juiz a quo, reconhecendo a existência de um contrato de arrendamento, ele aparece a que título?
LXXXIX - Pergunta-se: Foi feita alguma prova de que a Autora, ora recorrente (no entender da Meritíssima Juiz a quo), ou que a Autora em representação da sua mãe (em nosso entender) fez um contrato de arrendamento verbal de coisa alheia?
XC - Pergunta-se: Como é que primeiramente a Meritíssima Juiz a quo vem concluir que: “(…) não está devidamente demonstrada a coincidência entre a coisa reivindicada e a coisa detida pelos Réus”.
XCI - E posteriormente vem determinar que: “ (…), impõe-se reconhecer a validade do contrato de arrendamento sem termo, celebrado entre Autora e Ré com início em 2014 relativo às duas casas a que correspondem os n.ºs 31 e 33 da Rua de (…), (…), pela renda mensal de € 300,00 (trezentos euros). Uma vez que a existência e validade jurídica desse contrato é judicialmente reconhecida nos termos que acabámos de expor, não se vislumbra fundamento legal para condenar a Autora a reduzir a escrito esse contrato (nem se descortina a concreta necessidade de tutela dessa pretensão face ao sentido da presente decisão) (vide fls. 24 e 25 da douta Sentença).
XCII - Mais, determina que seja comunicado ao Serviço de Finanças um contrato de arrendamento.
XCIII - Impõe-se então a pergunta: Se não está demonstrado que a coisa reivindicada é a coisa detida pelos Réus, como é que se pode declarar que existe um contrato de arrendamento, sem termo, que teve início em 2014 e foi celebrado entre a Autora e a Ré relativo às duas casas a que correspondem os n.ºs 31 e 33 da Rua de (…), (…), pela renda mensal de € 300,00 (trezentos euros).
XCIV - Ora, salvo o devido e melhor opinião, a douta Sentença padece claramente de contradições insanáveis, pelo que se entende face à prova produzida quer documental, quer em audiência de julgamento a douta Sentença, deve ser substituída por outra que Julgue a ação procedente por provada e em consequência de tal facto, os Réus sejam condenados no pedido.
XCV - Quanto ao pedido reconvencional deve o mesmo ser julgado improcedente na parte do decisório em que condena a Autora a reconhecer a existência de um contrato de arrendamento sem termo, celebrado entre si e os Réus, tendo em conta que ficou provado que a Autora apenas negociou o contrato de arrendamento verbal em nome e por conta da sua mãe (…) que terminou com o seu falecimento.
XCVI - Face a todo o exposto, deverá obter procedência o presente recurso nos termos sobreditos.
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Concluíram essas alegações pedindo a revogação da sentença recorrida
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Os Réus apresentaram resposta ao recurso, concluindo pela respetiva improcedência.
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III. Questões a solucionar
Face ao teor das conclusões dos Recorrentes (que estão para o objeto do recurso como o pedido está para o objeto da ação – cfr. António Santos Abrantes Geraldes, Recursos em Processo Civil, 8ª Edição Atualizada, Almedina, pág. 212) as questões a solucionar neste acórdão são, pela ordem lógica que entre elas existe, as que se identificam:
I. Saber se o Tribunal recorrido errou no julgamento da matéria de facto, tendo sido produzida prova testemunhal e documental que impõe decisão diversa da proferida, relativamente aos pontos desse julgamento postos em crise pela Recorrente.
II. Se o Tribunal recorrido errou no julgamento de direito ao considerar não demonstrada a propriedade do imóvel na titularidade da Recorrente e ao concluir, ainda assim, pela celebração entre a mesma e os Recorridos de um contrato de arrendamento, sem termo, com início em 2014.
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Fundamentação

I. Fundamentação de facto da sentença sob recurso

Na sentença sob recurso o Tribunal considerou provados os seguintes factos (reproduzidos com supressão das remissões avulsas para os meios de prova, por não se secundar a técnica utilizada na decisão a esse propósito e com utilização da ortografia emergente do Acordo Ortográfico da Língua Portuguesa de 1990):
1. Em 16 de maio de 1946, em Évora, na Secretaria Notarial da Comarca, foi lavrado o testamento de (…) mediante o qual a testadora declarou que: “(…) faz a sua disposição de última vontade pela forma seguinte: (…) Lega: (…) “d) a sua sobrinha (…) duas moradias da casa também de habitação, sita à mesma rua e freguesia, [1 Rua de (…), da freguesia de (…)] inscrita na matriz respetiva sob o artigo (…) e finalmente do remanescente da mesma sua herança institui por sua herdeiras, em partes iguais as suas sobrinhas desta (…) e (…), esta casada (…); f) a suas sobrinhas (…), casada e filha (…), solteira, menor, (….) e as três moradias da casa já referida de habitação sita à Rua de (…), inscrita sob o artigo (…), com o valor de treze mil duzentos e quarenta escudos, da sua freguesia, não incluídas no legado deixado a sua prima (…), sendo à primeira o respetivo usufruto e à segunda a raiz. (…).”
2. (…), mãe da A., faleceu em 17 de dezembro de 2021.
3. Em data não concretamente apurada de 2014, mediante acordo verbal celebrado entre a Autora e à Ré, a primeira cedeu à segunda o uso do prédio urbano sito na Rua de (…), n.º 31, em (…), concelho de Évora, inscrito na matriz predial urbana da freguesia de (…) sob o artigo … (com origem no artigo …), mediante o pagamento mensal da contrapartida de € 150,00.
4. Cerca de dois anos mais tarde, o acordo referido no facto anterior passou a abranger o prédio com o n.º 33 daquela rua, mediante o acréscimo de uma contrapartida mensal de, pelo menos, € 100,00 por mês, paga por transferência para o NIB indicado pela Autora.
5. Em data não concretamente apurada, mas anterior a 23.11.2022, a Autora comunicou à Ré o falecimento da mãe.
6. Por carta datada de 23 de novembro de 2022, a Autora comunicou à Ré o seguinte:
No passado dia 03 de Junho de 2022, foi-lhe comunicado, por carta registada, o falecimento da usufrutuária e senhoria da V. Exa.. Por esse facto e de acordo com os artigos 1051.º, n.º 1, c) e 1476.º, n.º 1, alínea a), do Código Civil, o contrato de arrendamento existente com V. Exa. caducou, devendo V. Exa. no prazo de 6 meses, para proceder à entrega do imóvel, ou seja, no dia 31 de Dezembro de 2022. Neste sentido (…) vimos relembrar que deverá proceder à entrega do imóvel à Senhoria ou a quem a represente no dia 31 de Dezembro de 2022, pelas 12h00, e proceder ao pagamento das rendas em atraso desde o mês de julho de 2022, no valor global € 1.500,00 (…)”.
7. Em 10 de fevereiro de 2023 a Autora enviou uma carta para cada Réu, que por estes foi recebida em 13.02.2023, com o seguinte teor:
“V. Exa. já foi devidamente informada por carta registada com aviso de receção que o contrato de arrendamento tinha caducado e que deveria abandonar o locado e proceder à entrega das respetivas chaves atá ao dia 31 de dezembro de 2022; V. Exa. mantém rendas em atraso; V. Exa. mantém em nome da sua antiga senhoria as dívidas do seu consumo de água à Câmara Municipal de Évora conforme documento anexo. Face ao exposto solicito a V. Exa. que no prazo de 10 dias proceda à entrega das chaves, ao pagamento das rendas em atraso e ao pagamento dos consumos de água por si efetuados. (…)”.
8. Em 22 de fevereiro de 2023, a Ré remeteu à Autora a carta junta aos autos a fls. 18, onde consta: “Venho por este meio informar que a senhora esteve comigo no dia 31 de dezembro para vir buscar as chaves da moradia e o que ficou combinado consigo foi a gente voltar para as casas, pagar todos os meses € 300,00 de renda por mês e ir pagando os 6 meses que estavam atrasados aos poucos e que me ia mandar a proposta da compra da casa, porque os 6 meses que estão atrasados foi os meses que eu não estive lá a morar porque a senhora me ter mandado uma carta registada que tinha 6 meses para sair da casa (…).”
9. Em resposta, a Autora enviou à Ré por carta datada de 15/03/2023 com o seguinte teor:
“(…) V. Exa. deve proceder à entrega da chave e desocupar o imóvel de que a mesma é proprietária. Como diz na sua carta, foi notificada para sair da casa até ao dia 31 de dezembro de 2022, no entanto, recusou-se a abandonar a casa e a entregar as chaves. A M/Constituinte não fez com V. Exa. nenhum contrato de arrendamento, nem pretende fazer, pelo que V. Exa. encontra-se indevidamente a ocupar o imóvel negando restituir-lhe o mesmo. Os valores que V. Exa. tem enviado à M/Constituinte tem servido para abater nos 6 meses de rendas em atraso, ou seja, as rendas de Julho a Dezembro de 2022, faltando também pagar o valor dos consumos de água (…).
10. Os Réus e o seu agregado familiar composto pela filha que padece de incapacidade, continuam a ocupar o imóvel referido em 3 e 4, fazendo nele a sua vida ali pernoitando, comendo refeições e recebendo o correio.
11. Nos meses de julho a dezembro de 2022, os Réus não pagaram à Autora a contrapartida mensal acordada nos termos referidos nos factos n.ºs 3 e 4.
12. A Autora requereu, junto dos serviços da Câmara Municipal de Évora, o cancelamento do contrato de fornecimento de água referente ao contador n.º (…), instalado na Rua de (…), n.º 33, (…), tendo o mesmo sido cancelado em 6 de fevereiro de 2023.
13. A Autora recebeu as rendas pagas pelos Réus até 31 de dezembro de 2022.
14. A Autora não emitiu o recibo das rendas que recebeu.

Na mesma sentença, foram considerados, como não provados, os seguintes factos:
a) O acordo verbal referido no facto provado n.º 3 e no facto provado n.º 4 foi celebrado por (…) na qualidade de senhoria.
b) Os Réus durante o primeiro ano pagaram a renda à Autora por intermédio da D. (…), prima desta.
c) Em 31 de Dezembro de 2022, a Autora e os Réus acordaram verbalmente que continuariam a habitar no imóvel mediamente o pagamento de um aumento da renda do valor de € 50,00 mensais.
d) Nessa mesma data, a Autora comprometeu-se a enviar-lhes a minuta do contrato de promessa de compra e venda do referido imóvel, o que nunca sucedeu.
e) Os Réus pagaram à Autora as contrapartidas monetárias aludidas no facto provado n.º 11.
f) Em consequência do referido em 12), os Réus passaram a viver sem água canalizada, passaram a ter que adquirir inúmeros garrafões de água, não só para beber, mas também cozinharem, para a higiene do agregado familiar, composto por quatro pessoas, para a lavagem de roupa e tudo o que implica consumo/utilização de água.
g) Tal situação provoca aos Réus, enorme sacrifício físico e incómodos por terem que adquirir e carregar um número interminável de garrafões de água para sua casa.
h) Também lhes acarreta enorme desgaste psicológico, perturbação, frustração, angustia e revolta por se sentirem vítimas de injustiça, porquanto em nada contribuíram para a sua situação atual, que resulta unicamente da Autora pretender coagir os Réus a abandonarem aquela casa.
i) Tais sentimentos, são especialmente agravados porquanto os Réus são obrigados assistir e a viver com o sofrimento dos seus dois filhos, com eles residentes, com a situação imposta pela Autora.
j) A Autora sempre se recusou a celebrar com os Réus um contrato de arrendamento por escrito.

a) Erro na apreciação da prova
(i) Titularidade do direito ao usufruto
O primeiro fundamento para a impugnação da decisão da matéria de facto dirige-se à prova de que a mãe da Autora – … (ou …, os documentos quanto a este apelido são ambivalentes) – era a titular do direito ao usufruto sobre o imóvel versado na ação (regista-se neste ponto a dúvida sobre se está em causa um prédio ou dois prédios unidos internamente entre si, mas não sendo a questão determinante, por comodidade, o objeto mediato da ação será sempre referido no singular). A Autora entende que essa prova foi feita e o Tribunal recorrido considerou que a mesma não foi efetuada.
Impõe-se, antes de mais, que se estabeleça o entendimento quanto à relevância da discussão que se enceta.
A questão da titularidade do direito ao usufruto não é determinante para o aspeto fundamental deste recurso e que está em saber quem celebrou, como senhoria, o contrato de arrendamento com a Ré.
Com efeito e se bem se crê, não é pela titularidade do direito de fruir a coisa que se estabelece quem foi parte no contrato em que se dispôs do uso da mesma. A prova de quem são os contraentes num contrato estabelece-se em função da identidade dos emitentes das correspondentes declarações negociais (declarante e declaratário), como se extrai do disposto nos artigos 224.º, n.º 1, 228.º, 232.º e 258.º, n.º 1, do Código Civil. Aliás, se a qualidade de contraente tivesse de coincidir com a titularidade do direito não existiriam negócios com eficácia (em sentido amplo) limitada por ilegitimidade do disponente.
Isto posto, enfrente-se a questão de saber se a Ré logrou demonstrar que a sua mãe era usufrutuária do imóvel, conforme alegou nos artigos 3º e 4º da sua petição inicial.
Para fazer a prova do direito de propriedade que disse ter e dos antecedentes direitos de usufruto e sobre a nua propriedade, a Autora forneceu dois documentos: uma cópia de um testamento e uma cópia de uma caderneta predial.
A cópia do testamento, posto que não impugnada, permitir-lhe-ia, em tese, demonstrar a aquisição derivada dos direitos.
Contudo, o Tribunal recorrido enfrentou dificuldade na interpretação das deixas testamentárias quanto ao respetivo objeto, tendo fundamentado essa dificuldade e a dúvida inerente (já em sede de discussão de direito, na parte reservada à demonstração da titularidade do direito de propriedade que a Autora se arroga), do seguinte modo:
“(…) não podemos concluir, com a certeza necessária que se impõe ao julgador, que o prédio detido pelos Réus corresponde, efetivamente, ao prédio que foi objeto da disposição sucessória feita por (…) a favor da Autora e de … (veja-se que no referido testamento são várias as disposições que incidem sobre as várias moradias descritas no artigo matricial …). Ou seja, não está devidamente demonstrada a coincidência entre a coisa reivindicada e a coisa detida pelos Réus”.
Da leitura do testamento em causa extrai-se o seguinte, nos trechos relevantes:
Que, assim, vem dispor da sua herança pela ordem que segue: Lega (…) d) a sua sobrinha (…), solteira, maior, moradora na Rua de (…), da freguesia de (…), deste concelho, - a sua casa de habitação sita à rua de Évora, da mesma freguesia, inscrita na matriz respetiva sob o artigo (…), com o valor de (…); e duas moradias da casa também de habitação, sita à mesma rua e freguesia, inscritas na matriz respectivas sob o artigo (…), com o valor de treze mil e duzentos e quarenta escudos, ambas contíguas e habitadas por (…) e (…), com a obrigação de dar à sua tia (….) f) a suas sobrinhas (…), casada e filha (…), solteira, menor, da mesma freguesia – a courela situada em (…), da mesma (…), freguesia, denominada das (…), inscrita na matriz respectiva sob o artigo (…), com o valor de (…), e as três moradias da casa já referida de habitação sita à rua de (…), inscrita sob o artigo (…), com o valor de treze mil e duzentos e quarenta escudos, da sua freguesia, não incluídas no legado deixado a sua prima (…), sendo à primeira o respectivo usufruto e à segunda a raiz (…)”.
Do declarado nesse testamento resulta, assim, um primeiro legado de duas moradias inscritas na matriz sob o artigo (…), a favor de uma terceira (…), e depois, outro legado, das três moradias restantes da mesma casa, também sob o artigo (…), a favor da mãe da Autora e desta, sendo a primeira contemplada com o usufruto e a segunda com a raiz.
Estando as cinco moradias unificadas sob um mesmo artigo matricial e inexistindo qualquer elemento, no testamento, que permita distingui-las entre si, a dúvida do Tribunal recorrido quanto ao objeto do legado a favor da mãe da Autora e desta é perfeitamente legítima.
Perante o teor da referida deixa e sem prova complementar ao testamento que permita diferenciar o que foi legado a (…), por um lado, e o que foi deixado à Autora e sua mãe, por outro (prova essa que não foi oferecida), é impossível determinar se as duas moradias versadas na ação (atualmente unificadas na matriz como se de um mesmo prédio se tratasse) estão sob o primeiro legado ou sob o segundo.
O segundo documento de que a Autora pretende extrair a prova da titularidade do usufruto é a caderneta predial. Estão juntas à ação duas: uma emitida em 14 de setembro de 2000 (ou 2008, a letra é equívoca), em nome da mãe da Autora, e outra, obtida a partir de um modelo 1 do IMI entregue em 23 de outubro de 2012, já em nome da Autora.
Importa a primeira. Nela o objeto é descrito como “uma casa que compreende os seguintes pavimentos: rés-do-chão/9 divisões”. A divergência entre a descrição do testamento (alegadamente duas moradias) e essa outra indicia, desde logo, o pouco valor probatório da caderneta predial enquanto meio de prova documental.
Independentemente da data relevante (2000 ou 2008), quer o artigo 13.º do Código do Imposto Municipal sobre Imóveis, quer os seus antecessores artigos 13.º e 14.º do Código da Contribuição Autárquica, predispõem que a inscrição dos prédios na matriz e a atualização dessas inscrições é, em regra, efetuada com base nas declarações dos sujeitos passivos ou contribuintes. Este é um aspeto determinante para que o documento que é a caderneta predial nada possa atestar quanto à titularidade de direitos, já que não há qualquer intervenção de um oficial público na verificação do título de aquisição desses direitos (como existe, por exemplo, no registo predial e se extrai do disposto nos artigos 43.º, n.º 1 e 69.º, n.º 1, alínea b), do respetivo Código).
Por outro lado, a função dessa inscrição é meramente fiscal, servindo para identificar a realidade tributável e o seu valor, assim como para determinar o sujeito passivo do imposto correspondente.
Assim, nem da forma como se procede à inscrição na matriz, nem da função desse registo, resulta, por qualquer forma, que os documentos pertinentes demonstram a titularidade de direitos (os mesmos normalmente são convocados, em ações cuja causa de pedir integra a posse, apenas, para demonstrar os atos correspondentes a essa situação de facto).
O que afirma é, segundo se crê, incontroverso na jurisprudência, resultando, entre outros, dos Acórdãos do Supremo Tribunal de Justiça de 20 de fevereiro de 2020, no processo n.º 14/15.6T8TCS.C1.S1, do Tribunal da Relação de Coimbra de 10 de janeiro de 2006, no processo n.º 3207/05 e do Tribunal da Relação de Lisboa de 8 de março de 2001, no processo n.º 00106528 (todos disponíveis em www.dgsi.pt).
Conclui-se pelo exposto, neste trecho, duplamente: a) a prova da titularidade do direito de usufruto não é determinante para a demonstração de quem celebrou o contrato de arrendamento na posição de locador; b) nem a cópia do testamento nem a caderneta predial, ambas juntas pela Autora, provam que a sua mãe foi titular do direito ao usufruto do imóvel.

(ii) Depoimentos e declarações de parte
Além do valor probatório que pretende retirar da titularidade do usufruto e que atrás se afastou, a Recorrente baseia-se no depoimento de três testemunhas (…, … e …) e na pouca credibilidade das declarações de parte da Ré, para sustentar que o Tribunal Recorrido não deveria ter dado como provados os factos enunciados nos nºs 3 e 4 da fundamentação da sentença sob recurso e que deveria, antes, ter considerado demonstrado o facto da alínea a) da matéria considerada não provada.
Passa-se à análise dos meios de prova indicados:
· Depoimento da testemunha (…)
A testemunha é prima da Autora (o seu pai era irmão da mãe desta) e depreende-se, ao longo do depoimento, a boa relação que tem com a Ré, cuja casa disse ter frequentado e que, segundo também afirmou, “tratou” do seu pai durante a velhice. Esse enquadramento confere credibilidade ao depoimento.
A razão de ciência da testemunha é relevante: segundo afirmou, a Autora entregou-lhe a chave da primeira casa arrendada para ela a mostrar a possíveis rendeiros, tendo ela mostrado a casa à Ré, à mãe desta e ao companheiro da primeira.
Extrai-se do seu depoimento que a testemunha agiu convicta de que quem arrendava a casa era a mãe da Autora (como aliás esta já fazia, segundo disse, no tempo em que o seu irmão era vivo), mas que a Autora agora era quem tratava do arrendamento por a sua mãe não ter condições de o fazer em virtude da idade.
Quanto ao essencial que aqui se discute e que está em saber o que a Ré sabia quanto à identidade da pessoa que arrendava (nomeadamente por lhe ter sido dito), nada se extrai desse depoimento.
Segundo a testemunha, depois de mostrar a casa nos sobreditos termos, falou com a Autora e disse-lhe para ela falar com os interessados. Quanto à Ré, afirmou que sempre lhe disse que “os negócios e as coisas” eram com a A. e não com ela, ela era só para mostrar a casa e entregar a chave.
Quanto ao segundo arrendamento disse que “a (…) falou com a (…) e lá se combinaram”.
Questionada sobre quem mandava, reafirmou o que já tinha dito: quem mandava era a (…), mas a dona das casas era a mãe desta que, por causa da idade, não intervinha.
Em síntese: nada nesse depoimento permite afirmar que a Ré sabia que as casas estavam a ser arrendadas pela mãe da Autora, e não por esta.
· Depoimento da testemunha (…)
A testemunha é irmã da Autora e a razão de ciência do seu depoimento é obscurecida por não se distinguir o que ouviu dizer àquela outra e o que sabe por conhecimento direto.
Regista-se que o depoimento da testemunha é duplamente contraditório: é contraditório com o testemunho da depoente anteriormente identificada (…) e é contraditório nos seus próprios termos. Concretizando: a testemunha começou por afirmar, quanto ao primeiro arrendamento (que disse ser do n.º 33), que a “…” (referindo-se àquela outra) telefonou à sua mãe a dizer que tinha uma senhora que queria arrendar a casa e a mãe autorizou o arrendamento. Ora, segundo o depoimento da testemunha identificada em primeiro lugar, não foi isso o que se passou e a mãe da Autora não teve qualquer interação com ela sobre esse assunto. Depois, num segundo momento do seu depoimento (quando já havia afirmado que o dinheiro da renda era necessário para pagar o lar onde a mãe residia), a testemunha afirmou que quem falou com a Ré foi a irmã “a mando da mãe” e que a testemunha (…) telefonou à irmã (logo, não à mãe) para estabelecer o contato com a interessada.
A contradição apontada e a obscuridade da razão de ciência retiram credibilidade ao depoimento.
· Depoimento da testemunha (…)
A testemunha é irmã da Autora e foram-lhe formuladas, a instâncias da parte que a arrolou, perguntas sugestivas (perguntas que induzem respostas meramente afirmativas ou negativas), o que obscurece a sua razão de ciência.
Perguntada sobre se assistiu ao arrendamento que foi feito à Ré, respondeu, “nós decidimos e a minha irmã é que falou”, para depois acrescentar que contavam à mãe e que esta estava a par de tudo.
Do depoimento da testemunha nada é possível retirar quanto ao que foi dito à Ré (ou que ela já sabia) sobre quem estava a arrendar-lhe o imóvel.
· Declarações de parte da Ré (…)
A declarante tem interesse no desfecho da ação inerente à sua condição de parte e as respetivas declarações tiveram dois momentos de falta de credibilidade, que se revelaram quando foi confrontada com a carta de 22 de fevereiro de 2023 que ela mesmo escreveu (doc. n.º 10 junto com a petição), a saber: afirmou que sempre residiu no imóvel e não foi capaz de explicar a divergência entre essa afirmação e o que escreveu naquele documento a esse propósito e, ainda, quando disse o valor da renda acordado para o novo arrendamento (350 euros no confronto com os 300 que resultam do mesmo documento).
No que concerne aos termos em que foi negociado o arrendamento, as suas declarações são conformes com o depoimento da testemunha (…). No mais que releva para os factos em apreço, manteve que nunca conheceu a mãe da Autora, que transferia o dinheiro da renda para uma conta bancária em nome da demandante (cuja identificação resultava do uso do Multibanco), que esta sempre se apresentou como dona da casa e que tudo foi tratado verbalmente entre ambas (sem contrato escrito e sem recibos).
Feito o excurso da prova que interessa para a impugnação da decisão de facto, veja-se a forma como o Tribunal recorrido motivou a convicção a que chegou a propósito dos nºs 3 e 4 dos factos provados:
As partes divergiram, no entanto, relativamente à identidade da pessoa que interveio na celebração dos referidos acordos verbais na qualidade de senhorio. Senão vejamos,
Alegou a Autora que esses contratos foram celebrados entre sua mãe (…), na qualidade de senhoria e enquanto usufrutuária daqueles prédios. Esta versão foi sustentada pelos testemunhos de (…) e de (…) – irmãs da Autora – que, em termos gerais, disseram que as casas em causa nos autos pertenciam à sua mãe, tendo-lhe sido deixado o respetivo usufruto por testamento, que a moradia do n.º 33 foi arrendada à Ré, por intermédio da sua prima (…) e que, mais tarde, o inquilino do n.º 31 saiu e a ré pediu para arrendar também essa moradia, ficando acordado que a Ré pagaria € 150,00 por cada uma dessas moradias, através de depósito bancário na conta da Autora. As mencionadas testemunhas frisaram que esse valor revertia para pagar as despesas da mãe da Autora, por ser ela a “dona” da casa. Sucede que nenhuma destas testemunhas interveio na celebração desses acordos e ambas garantiram que naquela altura não controlavam o recebimento das rendas nem o pagamento das despesas da mãe, sendo que os factos acima relatados lhes foram sempre transmitidos pela Autora, por ser esta a pessoa quem, à data, acompanhava e tratava diretamente desses assuntos.
Já a Ré afirmou expressamente que nunca conheceu a D. (…) e que sempre contatou e negociou o “arrendamento” com a Autora, a quem pagou a renda, referindo que o fazia através de transferência bancária para o NIB titulado pela Autora (identidade que, segundo referiu, confirmou através dos dados associados àquele NIB). A este respeito a Ré (…) disse ainda que vive nesta casa, juntamente com o Réu e os filhos de ambos, desde 2013/2014, que a casa lhe foi mostrada pela prima da Autora, de nome (…), mas a renda foi negociada pelo telefone com a Autora, a quem efetivamente pagou sempre a renda. Explicou que primeiramente viviam apenas na casa com o n.º 33 e pagavam mensalmente € 150,00 de renda e que, mais tarde, acordaram com a Autora passar a usar também a casa do n.º 31, com o acréscimo de € 100,00 mensais (precisando que a Autora deu três anos de renda para a ajuda do arranjo do telhado, obra que foi efetuada a cargo dos Réus). Disse, por fim, que nunca celebraram um contrato escrito e também nunca recebeu qualquer recibo das rendas.
Em complemento da prova que acabámos de enunciar, importa ainda convocar o testemunho de (…), prima da Autora e amiga da Ré, que intermediou os contatos entre ambas aquando do “arrendamento”, revelando por isso conhecimento direto dos factos, destacando-se pela sua isenção e desinteresse em relação aos mesmos e também quanto ao desfecho da ação, motivo pelo qual o seu testemunho mereceu particular relevância para a formação da nossa convicção.
… (apelidada, pelas pessoas que lhe são próximas, pelo nome de “…”) afirmou que, inicialmente era o pai quem tinha a chave e recebia as rendas daquelas casas e depois enviava o dinheiro pelo correio para a sua irmã (…), sendo que o seu pai tratava sempre tudo com a D. … (dona da casa). Disse ainda que, mais tarde, a chave passou para si, tendo-lhe sido entregue pela Autora, que lhe transmitiu que a mãe não estava em condições de cuidar desses assuntos, pois já tinha muita idade, e que a Autora lhe pediu para alugar a casa com o n.º 31 que estava desabitada. Nessa sequência, mostrou a casa aos Réus e transmitiu-lhes que os negócios eram todos com a (…), que a sua única intervenção era mostrar a casa e entregar a chave, caso arrendassem a casa. Referiu que depois de mostrar a casa, contatou a Autora que negociou com os Réus, e após entregou-lhes a chave da referida casa. Acrescentou ainda que posteriormente, a Ré falou com a Autora e passou a usar também a outra casa, mas que esse assunto já foi tratado diretamente entre ambas.
(…) afirmou ainda que nunca tratou destes “assuntos” com a D. (…) e que também nunca recebeu as rendas dos Réus.
Assim e em face dos testemunhos acima sintetizados, afigura-se-nos que não foi produzida prova segura e direta de que (…) tenha efetivamente intervindo na celebração dos acordos referidos nos factos n.ºs 3 e 4, que a mesma tivesse conhecimento da sua outorga ou autorizado a Autora a representá-la na celebração desses contratos.
Com efeito, resulta das declarações desinteressadas e credíveis prestadas por (…), nesta parte coincidentes com as declarações da Ré, que foi sempre a Autora quem negociou, celebrou o acordo de arrendamento das casas e também quem recebeu o pagamento da renda convencionada (note-se que o recebimento das rendas encontra-se admitido pela Autora no artigo 41º da réplica), consequentemente, o tribunal considerou provado os factos descritos em 3 e 4 e não provada a factualidade vertida na alínea a), porque com aqueles é inconciliável”.
Questiona-se: perante a prova atrás analisada, o Tribunal recorrido errou na convicção que formou sobre a veracidade dos factos levados aos números 3 e 4 da matéria provada e que, em síntese, se resumem a considerar que a Autora, mediante acordo verbal, cedeu à Ré, contra o pagamento de uma quantia mensal, o uso do prédio versado na ação?
A resposta é negativa.
A convicção do Tribunal está alicerçada em dois relatos dos mesmos factos que são conformes entre si, sendo um deles produzido por uma testemunha sem interesse no desfecho da ação.
Numa segunda linha de raciocínio, importa registar que esses factos têm, segundo se crê, apoio nas regras da experiência comum.
Essa experiência diz-nos que se uma pessoa se apresenta a praticar um ato jurídico ou a produzir uma declaração negocial, o seu interlocutor assume, salvo se tiver conhecimento prévio distinto ou outra informação lhe for dada, que essa pessoa está a agir em nome próprio.
Esse dado da vida quotidiana é reconhecido pelo direito, nomeadamente no artigo 258.º do Código Civil atrás citado, ao exigir, para que se desencadeie o mecanismo da representação, uma declaração em nome de outrem.
No caso, não há prova de que a Ré soubesse que a mãe da Autora era a “dona das casas” (e muito menos que era usufrutuária das mesmas) e também não há prova de que essa informação lhe foi transmitida, não havendo, nomeadamente, demonstração que o foi, como teria sido pertinente, pela própria Autora aquando da celebração do negócio.
Tendo esse negócio se pautado pela absoluta informalidade – sem redução a escrito e sem emissão de recibos de renda – que poderia o declaratário normal, colocado na posição da Ré, presumir? Apenas que a pessoa com quem negociou o arrendamento é a pessoa com legitimidade para dispor da coisa, e logo, o seu senhorio.
Conclui-se, assim, que não merece provimento a impugnação da matéria de facto, devendo a decisão respetiva ser mantida nos seus termos.

b) Aplicação do Direito.
Fixados os factos relevantes, o Tribunal recorrido, no confronto com o disposto no n.º 2 do artigo 1069.º do Código Civil (na redação dada pela Lei n.º 13/2019, de 12 de fevereiro, aplicável à locação da ação por força do artigo 14.º, n.º 2, da mesma lei), concluiu pela validade formal do arrendamento versado na discussão.
Seguidamente, apoiando-se no entendimento de que ilegitimidade do locador não torna o arrendamento inválido, mas apenas ineficaz em relação ao titular do direito, afastou o escolho de não se ter provado na ação a qualidade de proprietária da Autora/senhoria.
Noutra formulação: enfrentando o desconhecimento de quem é o titular do direito a ceder o uso da coisa (no caso, quem é o proprietário) o Tribunal recorrido colocou-se a questão de saber se não estaria a reconhecer um arrendamento inválido.
Fê-lo nos seguintes termos:
“A questão que subsiste é a de saber se a Autora tinha legitimidade para celebrar esse contrato, uma vez que não resultou demonstrada a propriedade daquele imóvel.
Nesta matéria – a de saber se o contrato de arrendamento celebrado por quem não tem direito real nem o poder de administração sobre o imóvel locado é ou não válido – a jurisprudência e a doutrina não são consensuais.
Assim, “(…) no sentido da sua validade, com os argumentos de que “assumindo o contrato de arrendamento uma natureza de contrato consensual, para cuja formação se torna necessária a entrega do prédio, e assumindo também a natureza de um contrato obrigacional, a disposição de coisa alheia através da locação não é nula nem sequer anulável: é antes perfeitamente válida”, pronunciou-se Januário Gomes, Constituição da Relação de Arrendamento Urbano, pág. 287. Também Henrique Mesquita (RLJ ano 125, pág. 100, nota 1) ao defender a legitimidade do arrendamento de coisa alheia, com base em dois tópicos argumentativos: a natureza obrigacional do contrato e o regime inscrito no artigo 1034.º, n.º 1, alínea a), do Código Civil. E acrescenta, “(…) se o contrato de locação de coisa alheia pode originar a sujeição do locador aos efeitos do não cumprimento, isso significa inquestionavelmente que se considera válido o contrato. O locador não pode eximir-se ao cumprimento da obrigação de entrega da coisa locada com fundamento em que esta lhe não pertence e responderá pelos danos que causar ao locatário se culposamente a não cumprir”.
No mesmo sentido se pronuncia Menezes Leitão, Arrendamento Urbano, Almedina, 2017, 8.ª Edição, pág. 67, referindo: “No caso de ser celebrado um arrendamento por quem não tem legitimidade para o celebrar, o mesmo não deve, porém, ser considerado inválido mas apenas ineficaz em relação ao proprietário ou aos restantes contitulares do imóvel. Efectivamente, e apesar do que refere o artigo 1024.º/2, do Cód. Civil, a questão da validade do contrato coloca-se apenas no plano das relações internas, sendo que em relação aos verdadeiros titulares do imóvel o contrato é ineficaz, podendo estes facilmente obter a restituição do imóvel com este fundamento, através de uma acção de reivindicação. Se tal acontecer, naturalmente que quem arrendou o imóvel responderá por incumprimento perante o arrendatário, como expressamente resulta dos artigos 1034.º, n.º 1, alínea a) e 1032.º. (…)
Noutro sentido, o Professor Pereira Coelho, Arrendamento, pág. 105, defende que o arrendamento de bens alheios “é nulo por falta de legitimidade do locador, embora este seja obrigado a sanar a nulidade do contrato, que se torna válido logo que o locador adquira direito (propriedade, usufruto, etc.) que lhe dê legitimidade para arrendar – artigos 895.º e 897.º do Código Civil, aplicável por analogia”.
No caso e perante os dados factuais que resultaram provados (cfr. pontos 7, 8 e 9), não é manifestamente possível sanar a nulidade deste contrato, nos termos acabados de referir” – cfr. Acórdão do Tribunal da Relação do Porto, de 14 de setembro de 2023, relator Desembargador Carlos Portela, www.dgsi.pt.
Aderimos à primeira posição por ser a que, segundo cremos, se mostra mais conforme com o regime da locação em termos sistemáticos e literais, como tal e na senda desse entendimento, impõe-se reconhecer a validade do contrato de arrendamento sem termo, celebrado entre Autora e Ré com início em 2014 relativo às duas casas a que correspondem os n.ºs 31 e 33 da Rua de (…), (…), pela renda mensal de € 300,00 (trezentos euros)”.
A Recorrente insurge-se contra o que reputa ser uma contradição insanável entre não se demonstrar que a Autora é a titular do direito de propriedade sobre o imóvel da ação e, ainda assim, se dar como demonstrado que a mesma está vinculada à Ré por um contrato de arrendamento com o mesmo objeto.
Questiona concretamente a Recorrente: Se não está demonstrado que a coisa reivindicada é a coisa detida pelos Réus, como é que se pode declarar que existe um contrato de arrendamento, sem termo, que teve início em 2014 e foi celebrado entre a Autora e a Ré relativo às duas casas a que correspondem os n.ºs 31 e 33 da Rua de (…), (…), pela renda mensal de € 300,00 (trezentos euros)?
Contradição em sentido próprio (entendida como afirmação de duas proposições logicamente inconciliáveis) não existe. Não existe, na exata medida em que o primeiro facto não é negativo, ou seja, não está provado que a Autora não é proprietária do imóvel. Apenas não se demonstrou que o fosse e, como é consabido, a não prova de um facto não significa a demonstração do facto inverso.
Afastado esse escolho, questiona-se se o Tribunal recorrido decidiu bem, em sede de direito, ao declarar a existência de um contrato de arrendamento tendo a Autora como senhoria, quando não há prova de que a mesma fosse (passado) ou seja (presente) titular de um direito que lhe permita dispor do uso da coisa.
O Tribunal recorrido louvou-se no conjunto dos entendimentos dos Professores Januário da Costa Gomes, Henrique Mesquita e Menezes Leitão, sumariados no Acórdão do Tribunal da Relação do Porto de 2 de julho de 2020 que citou (processo n.º 1358/15.2T8VNG.P2, disponível em www.dgsi.pt).
Segundo esse entendimento e em síntese, a natureza meramente obrigacional do contrato de arrendamento, por um lado, e a disciplina do artigo 1034.º, n.º 1, alínea a), do Código Civil (que trata como causa de incumprimento e não como causa de invalidade, a ilegitimidade do locador), por outro, concorrem para crer que o arrendamento celebrado por quem não detém a faculdade de proporcionar o gozo da coisa é válido.
Segundo essa tese, o arrendamento é válido entre o locador e o locatário, mas ineficaz em relação a quem venha a demonstrar-se ser o titular daqueles poderes (v. g. o proprietário).
Escreveu-se no Acórdão do Supremo Tribunal de Justiça de 6 de fevereiro de 2003 a este propósito:
No que concerne ao regime da locação de coisa alheia, o contrato será válido nas relações entre o locador e o locatário, de sorte que só haverá incumprimento por parte do locador quando a coisa vier a ser reivindicada pelo "dominus". Em relação ao "dominus", o contrato nunca pode haver-se como válido, nem nulo, mas apenas como inexistente visto ser res inter alios acta” (processo n.º 02B4376, no mesmo suporte).
Da fundamentação do Acórdão do Tribunal da Relação de Lisboa de 10 de outubro de 2019 extrai-se, no mesmo sentido:
“Embora não exista unanimidade doutrinária e jurisprudencial a este propósito, na esteira dos ensinamentos de Henrique Mesquita (RLJ, 125, 100, nota 1), Almeida Costa e Aragão Seia (Arrendamento Urbano, Almedina, 6.ª edição, págs. 78 a 81 e 105), entendemos que dada a natureza meramente obrigacional do contrato de arrendamento, a circunstância do senhorio não deter legitimidade, segundo a lei substantiva, para dar de arrendamento o arrendado, não determina a invalidade do contrato, pelo que o contrato de arrendamento de coisa alheia é válido. “Senhorio” é aquele que, segundo o contrato de arrendamento celebrado e cuja resolução se pretende obter, ocupa essa posição, isto é, será aquele que nos termos do contrato de arrendamento outorgado se obrigou a proporcionar (e que proporcionou) ao outro contraente (o arrendatário) o gozo temporário do imóvel, mediante a obrigação deste de lhe pagar a renda convencionada e, bem assim, aquele que, entretanto, por acto intervivos ou mortis causa, lhe sucedeu nessa sua posição contratual” (processo número 616/19.1YLPRT.L1-2, no mesmo suporte).
Ainda no mesmo sentido, lê-se no sumário do Acórdão de 26 de maio de 2022, também do Tribunal da Relação de Lisboa:
“Celebrado um arrendamento por quem não tem legitimidade para o celebrar, o mesmo não deixa de ser válido entre as partes contratantes, mas poderá ser ineficaz em relação ao proprietário ou aos restantes contitulares do imóvel” (proc. n.º 11990/19.0T8LRS.L1-3, disponível também em www.dgsi.pt).
Contra esse entendimento pronunciam-se o Professor Pereira Coelho e a Conselheira Olinda Garcia (segundo a anotação do Comentário ao Código Civil, Direito das Obrigações, Contratos em Especial, UCP Editora, pág. 491, fazem-no em Lições Policopiadas, Coimbra 1988 e em Arrendamento para comércio e fins equiparados, Coimbra Editora, Coimbra 2006, respetivamente).
O Acórdão do Tribunal da Relação de Coimbra de 23 de maio de 2017 reflete essa doutrina, dele se extraindo a seguinte fundamentação:
Para Pereira Coelho (Direito Civil, Arrendamento, 1980, págs. 97 e 98) o arrendamento de bens alheios é nulo, por falta de legitimidade do locador, embora este esteja obrigado a sanar a nulidade do contrato, que se torna válido logo que o locador adquira direito (de propriedade, usufruto, etc.) que lhe dê legitimidade para arrendar, aplicando analogicamente os artigos 895.º e 897.º do Código Civil.
No mesmo sentido o Ac RP de 20/11/90 (C.J. ano XV, tomo V, pág. 202), onde se decidiu que ao contrato de arrendamento de coisa alheia aplica-se, por analogia, o regime da venda de coisa alheia; no sentido do arrendamento sobre bens alheios ser nulo vai também o Ac. desta Relação de 11/11/2003, Proc. n.º 549/03, relatado por Jorge Arcanjo; em sentido oposto Henrique Mesquita (RLJ ano 125, pág. 100, nota 1), sustenta a legitimidade do arrendamento de coisa alheia, com base em dois tópicos argumentativos: a natureza obrigacional do contrato e o regime inscrito no artigo 1034.º, n.º 1, a), do CC; escreve, a dado passo - “(…) se o contrato de locação de coisa alheia pode originar a sujeição do locador aos efeitos do não cumprimento, isso significa inquestionavelmente que se considera válido o contrato. O locador não pode eximir-se ao cumprimento da obrigação de entrega da coisa locada com fundamento em que esta lhe não pertence e responderá pelos danos que causar ao locatário se culposamente a não cumprir “ (processo n.º 2035/09.9TBPMS.C1, no mesmo suporte).
O Supremo Tribunal de Justiça, no Acórdão de 8 de abril de 2021 pronunciou-se nos seguintes termos, numa situação de cessão de exploração realizada por quem não era o proprietário do imóvel:
“Não se provou, contudo, que, à data da celebração do contrato de cessão de exploração, o autor fosse o titular do direito de propriedade sobre as frações autónomas cuja exploração cedeu à ré, uma vez que apenas em 23.9.2013 foi celebrado o respetivo contrato de compra e venda.
Não obstante, a legitimidade (substantiva) do autor para ceder à ré a exploração das frações encontra-se assegurada, dado que o contrato de cessão de exploração é um negócio do qual resultam meras obrigações que podem, ou não, ser cumpridas. Desta forma, sendo um negócio obrigacional, o contrato é válido ainda que o cedente não esteja em condições de oferecer ao cessionário o gozo/fruição da coisa cedida, podendo, quando muito, se for esse o caso, incorrer em responsabilidade contratual, por incumprimento do contrato (artigo 798.º do CC).” (Proc. n.º 453/14.0TBVRS.L1.S1, no mesmo suporte).
Feito o enquadramento da questão, havendo que tomar posição na contenda, a adesão vai para a tese sufragada na sentença recorrida.
A mesma tem em seu abono três qualidades essenciais que, com o respeito devido, falham na tese inversa e que se enunciam topicamente:
- é conforme com a natureza meramente obrigacional (por oposição à eficácia real que se verifica na compra e venda) do contrato de arrendamento;
- tem apoio legal (salvo melhor juízo, categórico) no artigo 1034.º, n.º 1, alínea a), do Código Civil que, como se disse, assume que a falta de poder de dispor do gozo da coisa pelo locador é questão de cumprimento, e não de validade do contrato;
- por fim (mas sem menor relevância) proporciona uma tutela equilibrada às posições jurídicas que podem ser afetadas pela ilegitimidade do locador: a posição do locatário que beneficia de um arrendamento válido, mas que pode reagir, se privado do gozo, por incumprimento do contrato e a posição do proprietário/titular dos poderes de dar de arrendamento, relativamente ao qual o arrendamento nenhum efeito produz.
Isto posto, crê-se que o Tribunal recorrido esteve bem ao reconhecer o arrendamento, mesmo sem a demonstração de que a locadora é a proprietária da coisa locada.
Do exposto resulta que soçobram, como um todo, os fundamentos do recurso em análise, assim se concluindo que este deve ser julgado improcedente e deve ser mantida, nos seus termos, a sentença recorrida.
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IV. Responsabilidade tributária
As custas nesta instância são da responsabilidade da Recorrente, que decaiu (artigo 527.º, n.º 1, do Código de Processo Civil).
Sendo o termo “custas” polissémico (artigo 529.º, n.º 1, do Código de Processo Civil), o mesmo significa, no caso, apenas custas de parte.
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Decisão
Face ao acima exposto, acordam os Juízes que compõem a 2ª Secção Cível do Tribunal da Relação de Évora, em julgar totalmente improcedente o recurso de apelação interposto pela Autora/Reconvinda (…), mantendo nos seus termos a sentença recorrida.
As custas do recurso, na vertente custas de parte, ficarão a cargo da Recorrente.
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Évora, 16 de outubro de 2025
Maria Emília Melo e Castro
Mário João Canelas Brás
Anabela Raimundo Fialho
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SUMÁRIO (elaborado nos termos do artigo 663.º, n.º 7, do Código de Processo Civil):
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