LITISPENDÊNCIA
IDENTIDADE DE ACÇÃO
PEDIDO
CAUSA DE PEDIR
Sumário

1. Entre a ação proposta, ao abrigo do disposto no artigo 1057.º do Código de Processo Civil, para obter a convocação judicial de uma assembleia de sócios, e a ação em que a mesma Autora pede que se proceda a inquérito judicial à sociedade, em conformidade com o preceituado no n.º 1 do artigo 1048.º do referido Código, não existe, nem pode legalmente existir, uma coincidência de pedidos e de causas de pedir.
2. A essa conclusão não obsta que a parte que impulsiona as ações, vise, com ambas, a destituição do gerente da sociedade, uma vez que esse desiderato final não se confunde com o pedido enquanto elemento conformador do objeto do processo e critério de aferição da litispendência.
(Sumário da Relatora)

Texto Integral

Processo n.º 1847/24.8T8STR.E1
Forma processual - ação especial para convocação de assembleia de sócios
Tribunal Recorrido – Juízo de Comércio de Santarém, Juiz 1
Recorrente – (…)
Recorrida – (…), Farmácia de Oficina, Lda.


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Acordam os Juízes Desembargadores da 2ª Secção Cível do Tribunal da Relação de Évora:

Relatório
I. Identificação das partes e descrição do objeto da ação.
(…) intentou ação especial para convocação de assembleia de sócios, nos termos do artigo 1057.º do Código de Processo Civil, contra a sociedade por quotas (…), Farmácia de Oficina, Lda..
Pediu a convocação judicial de assembleia de sócios da Requerida com a seguinte ordem de trabalhos:
1. Destituição do gerente, atenta a violação dos deveres da gerência nos termos do disposto no n.º 1, alínea b), do artigo 64.º do CSC.
2. Exclusão do sócio (…), atento o disposto na parte final da alínea a) do n.º 1 do artigo 186.º do C.S.C. em conjugação com o disposto no n.º 1 do artigo 242.º do C.S.C.”.
Alegou, em síntese, que é sócia da Requerida, detendo 50% do respetivo capital social, sendo o remanescente deste titulado por outro sócio e, bem assim, que tendo ela sido convocada para uma assembleia de sócios, pediu à gerência a inclusão de dois novos assuntos na ordem de trabalhos, o que lhe foi recusado de forma injustificada. Convocou em abono da sua pretensão o disposto no artigo 378.º, n.º 1, 2 e 4, do Código das Sociedades Comerciais.
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Ordenadas as citações da Requerida e do outro sócio da sociedade para os termos da ação, vieram os mesmos, em peças separadas, opor-se ao pedido formulado, concluindo pelo respetivo indeferimento.
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Após ter sido concedida às partes a oportunidade de se pronunciarem sobre a exceção de litispendência no confronto entre esta ação e a ação especial de inquérito judicial movida contra a mesma sociedade, veio a ser proferido, em 6 de maio de 2025, despacho em cujo trecho decisório se exarou:
Pelo exposto, julgo verificada a exceção de litispendência e, em consequência, indefiro a presente ação.
Fixo o valor da ação em € 30.000,01 – artigos 296.º, n.º 1, 297.º, 303.º e 306.º do Código de Processo Civil.
Custas pela Autora – artigo 527.º, n.º 1, do Código de Processo Civil.
Registe e Notifique”.
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II. Objeto do recurso.
Não se conformando com essa decisão, a Requerente interpôs o presente recurso, culminando as suas alegações com as conclusões que se transcrevem:
“a) Vem a ora recorrente intentar a presente ação de Convocação Judicial de assembleia de sócios, nos termos e para os efeitos do disposto no artigo 1048.º e seguintes do CPC;
b) Peticiona a recorrente, no âmbito destes autos, a convocação judicial de assembleia de sócios da sociedade recorrida com a seguinte ordem de trabalhos: Destituição do gerente, considerando verificada a violação dos deveres de gerência nos termos do disposto no n.º 1, alínea b), do artigo 64.º do Código das Sociedades Comerciais; Exclusão do sócio supra identificado, considerando o disposto na parte final da alínea a) do n.º 1 do artigo 186.º do CSC, em conjugação com o disposto no n.º 1 do artigo 242.º do CSC;
c) Corre os seus termos no Juízos de Comércio de Santarém- J3, sob o n.º 1598/24.3T8STR, ação especial de inquérito judicial anteriormente proposta pela recorrente, pela qual esta peticiona a condenação da recorrida na prestação de informações e esclarecimentos relativos a deliberação de aumentos de capital por incorporação de reservas livres referentes aos anos de 2016 e 2018;
d) Mais ali se peticionando a aplicação de providência de suspensão de funções do sócio-gerente desta sociedade enquanto decorrer o inquérito judicial em apreço.
e) Contrariamente ao disposto pela sentença recorrida inexiste qualquer identidade entre causas de pedir nas ações em apreço.
f) A causa de pedir no âmbito dos presentes autos resulta da injustificada rejeição do pedido da ora recorrente de inclusão na ordem de trabalhos da assembleia de sócios por si convocada;
g) Sendo que, a causa de pedir no âmbito da ação especial de inquérito judicial em causa funda-se no facto de não terem sido disponibilizadas à recorrente as Atas das deliberações dos sócios para realização de aumentos de capital por incorporação de reservas livres, a que, como sócia, legalmente tem direito.
h) A natureza distinta das causas de pedir determinou o recurso a dois procedimentos com regimes jurídicos próprios e que se destinam, a obter resultados que não se confundem quanto aos seus efeitos.
i) Por um lado, a ação de inquérito judicial à sociedade, prevista e regulada pelo artigo 1048.º e seguintes do CPC, é o meio processual próprio para que um sócio, em caso de recusa expressa, consiga que determinada informação lhe seja prestada;
j) E por outro, o processo especial de Convocação Judicial de Assembleia de Sócios, cujo regime segue os termos do disposto no artigo 1057.º do CPC, o qual se esgota na promoção das diligências indispensáveis à realização e funcionamento de assembleia que se agenda, com a definição de determinada ordem de trabalhos;
k) Não procedendo, como tal, as pretensões deduzidas nestas ações do mesmo facto jurídico;
l) Contrariamente ao sustentado pela sentença ora recorrida, inexiste qualquer identidade de pedidos nas ações em apreço, fundamentada na suspensão/destituição do gerente- conforme sustenta a sentença recorrida;
m) Os pedidos formulados em ambas ações em apreço, destinam-se a alcançar efeitos jurídicos distintos de acordo com o tipo de ação proposta;
n) Nos presentes autos é peticionada a convocação judicial de assembleia de sócios, com a ordem de trabalhos supra exposta;
o) No processo especial de inquérito judicial é peticionada a condenação da recorrida na prestação de informações ilegitimamente recusadas e, bem assim, a suspensão provisória do seu gerente;
p) Não se confundindo a peticionada inclusão da destituição do gerente incluída na ordem de trabalhos da assembleia de sócios que se pretende ver judicialmente convocada no âmbito dos presentes autos – e que será nessa sede, oportunamente, apreciada e deliberada –, com a sua suspensão no âmbito dos autos de Inquérito judicial, a qual, efetivamente, se peticiona.
q) Não se encontra, assim, reunida a tríplice identidade entre sujeitos processuais, causa de pedir e pedido, para que, nos termos e para os efeitos do disposto no artigo 581.º do CPC, se considere verificada a invocada exceção dilatória de litispendência.
r) Inexistindo qualquer possibilidade da decisão que vier a ser proferida no âmbito de uma das ações em apreço nos autos poder reproduzir ou contrariar a que for proferida no âmbito da outra.
s) Ao ter considerado verificada exceção de litispendência a decisão ora recorrida violou o disposto no artigo 581.º do CPC.
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A Recorrida sociedade e o sócio citado apresentaram, em peças separadas, contra-alegações (dirigidas, certamente por lapso, ao Tribunal da Relação de Lisboa), nas quais concluíram pela improcedência do recurso e pela manutenção da decisão recorrida.
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III. Questão a solucionar
A questão a solucionar neste acórdão é única e circunscreve-se a saber se entre esta ação especial e o inquérito judicial movido contra a Requerida existe a tríplice identidade – sujeitos, pedido e causa de pedir – que determina a verificação da exceção dilatória de litispendência.
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Fundamentação

I. Factos provados
Além dos factos que resultam do relatório (na parte relativa à identificação do objeto da ação, para a qual se remete) resulta demonstrado documentalmente, com interesse para a decisão do recurso, o seguinte:
a) A Requerente desta ação intentou junto do Juízo de Comércio de Santarém, ação especial para realização de inquérito judicial à sociedade Requerida, tendo alegado, entre outros, os seguintes factos para fundamentar o peticionado:
“1. A sociedade requerida dedica-se à prestação de serviços farmacêuticos, de diagnóstico e de terapêutica; a gestão de espaços onde sejam prestados serviços farmacêuticos de promoção da saúde e do bem-estar dos utentes; a preparação de manipulados; a compra e venda de medicamentos e de produtos medicamentosos, de drogas de uso medicinal, de medicamentos homeopáticos, de cosmética, de perfumaria, de produtos destinados à higiene, de profilaxia, de puericultura, de ortopedia e de fitoterapia, e de quaisquer outros produtos suscetíveis de venda em estabelecimentos de farmácia, bem como de quaisquer outras atividades conexas com as atividades supra identificadas, cfr. doc. 1 – Certidão Permanente Comercial – ora junto e que se dá por integralmente reproduzido para os devidos e legais efeitos.
2. Atualmente tem como sócios a Requerente e (…), contribuinte fiscal n.º (…), residente na Quinta da (…), (…), Torres Novas.
(…)
11. Em, 2015, o sócio (…) adquire, por contrato de cessão de quotas, as quotas das sócias (…) e (…), conforme menção de depósitos 388, 389 e 390, constantes da Certidão Comercial Permanente, ora junta como doc. 1.
12. Após o que a estrutura societária ficou circunscrita aos sócios (…) e (…), na seguinte forma:
• (…)
Quota : 104.192,00 Euros;
• (…)
Quota : 36.608,00 Euros.
(…)
20. Após o aumento a sociedade passou a ter como capital social o montante de € 730.000,00 (setecentos e trinta mil euros).
(…)
22. Desta forma, verifica-se que a Requerente e o Sócio (…) são detentores de 100% do capital social da sociedade Requerida, conforme doc. 1.
(…)
27. Deste modo, entendeu ser necessário solicitar ao sócio-gerente a disponibilização da documentação contabilística da sociedade.
28. Em 3 de outubro de 2023, a advogada do sócio-gerente remeteu documentação sumariada sobre a vida económica e financeira da sociedade, cfr. doc. 4 – Email de 3/10/2023 e respetivos anexos – ora junto e que se dá por integralmente reproduzido para os devidos e legais efeitos.
29. Face a documentação sumariada fornecida e por não considerar a informação nela contida satisfatória, tomou outras diligências com vista a analisar a conformidade dessa informação, nomeadamente, pesquisando os atos societários publicados no site do Ministério da Justiça (https://publicacoes.mj.pt/).
30. Só nessa altura, veio a requerente ter conhecimento que os aumentos de capital realizados em 2016 e 2018 haviam sido feitos por incorporação de reservas livres cfr. docs. 5 e 6 – publicações de atos societários – ora junto e que se dá por integralmente reproduzido para os devidos e legais efeitos – o que até então desconhecia.
31. Tal informação não estava contemplada na documentação sumariada fornecida pelo sócio-gerente em 3 de outubro de 2023.
32. Efetivamente, considerando que o valor do primeiro dos aumentos de capital supramencionados foi de € 159.200,00 e o segundo de € 430,000,00, e não se verificando, em ambos os momentos, na contabilidade da sociedade requerida a materialização de tais reservas, pela subscrição de depósitos a prazo ou por outros títulos financeiros, era necessário que o sócio-gerente esclarecesse como, efetivamente, realizou tais operações.
33. Em sequência, a requerente, através do seu advogado, endereçou carta registada para a advogada do sócio-gerente, datada de 10/01/2024, cfr. doc. 7 – Carta de 10 de Janeiro de 2024 e, respetivos talão de aceitação e aviso de recepção – ora junto e que se dá por integralmente reproduzido para os devidos e legais efeitos.
34. Na supramencionada carta, a Requerente refere que se demonstra pertinente para a tomada de decisão sobre a venda das suas quotas, o acesso às atas das deliberações dos sócios que constituíram as reservas livres, utilizadas para os aumentos de capital.
35. Assim, solicitou a disponibilização de tais atas.
36. Acontece que até a presente data o sócio-gerente não disponibilizou tais atas.
Ademais,
37. No dia seis de Maio de 2024, teve lugar a Assembleia-Geral da sociedade onde a requerente, devidamente representada pelo seu mandatário, ora signatário, conforme previamente acordado com o sócio-gerente, voltou a insistir junto deste último não só pela disponibilização das atas em apreço, assim como, por explicações quanto aos aumentos de capital por incorporação de reservas livres.
38. No entanto, não só não lhe foram facultadas as referidas atas, nem dadas explicações cabais sobre os referidos aumentos de capital por incorporação de reservas livres.
39. (…)
(…)
46. Subsistindo, assim, total ausência de justificação plausível e uma recusa objetiva em produzir a informação quanto a tais operações.
47. Motivo pelo qual a ora requerente, não aprovou as contas do exercício da sociedade referentes ao ano de 2023, cfr. doc. 9 – Ata n.º 35 – ora junto e que se dá por integralmente reproduzido para os devidos e legais efeitos.
48. Visto que as supramencionadas operações de aumento de capital, sempre careceriam de fundamentação especificada em sede das respetivas assembleias-gerais, o que não aconteceu.
49. O que suscita acrescidas dúvidas quanto às referidas operações e, bem assim, quanto à real intenção do sócio-gerente ao determiná-las unilateralmente.
50. Dúvidas essas que justifica e fundamenta o presente inquérito judicial.”.
b) A Requerente terminou a narração dos fundamentos dessa ação com a formulação do seguinte pedido:
“Requer-se inquérito judicial à sociedade (…), Farmácia de Oficina, Lda., devendo, em cumprimento do n.º 2 do artigo 1048.º do CPC, ser a mesma e o sócio-gerente (…), citados para, querendo, contestar.
Mais se requer a suspensão de funções de gerência do sócio (…) durante a realização do presente inquérito judicial.
c) Em 2 de julho de 2023, na mesma ação judicial, foi proferida decisão que, além do mais, indeferiu a realização do inquérito judicial peticionado.
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II. Aplicação do Direito.
No cerne deste recurso está a divergência de entendimentos entre o Tribunal recorrido e a Autora da ação, aqui nas vestes de Recorrente, sobre a verificação da exceção dilatória de litispendência suscitada oficiosamente pelo primeiro.
A decisão recorrida, na parte que releva, mostra-se fundamentada nos seguintes termos:
o pedido é o mesmo pois a Autora pretende o mesmo efeito jurídico em ambas ações, saber a suspensão / destituição de gerente de (…), sendo que, como já decidido pelo STJ no ac. de 15-12-1999, proc. n.º 00A327, disponível em www.dgsi.pt, para haver identidade de pedido não é necessária uma rigorosa identidade formal entre um e outro, bastando que sejam coincidentes o objetivo fundamental de que dependa o êxito de cada uma delas – no mesmo sentido ac. do TRL de 26-10-2022, proc. n.º 474/20.3YHLSB.L1-PICRS, disponível em www.dgsi.pt.
O mesmo se diga quanto à causa de pedir, porquanto ambos os processos se fundam nos mesmos factos jurídicos. Com efeito, no nosso processo civil, a causa de pedir é “a referência direta às ocorrências da vida real ou às coisas do mundo sensível” (cfr. Antunes Varela, RLJ, 126.º, pág. 47), pelo que, a causa de pedir não pode ser entendida como uma categoria abstrata, mas como o facto real que concretamente se alega para justificar o pedido. Em síntese e citando o Ac. do STJ de 03/02/2005, disponível em www.dgsi.pt, “Inspirada pelo princípio da substanciação, a causa de pedir é envolvida, além do mais, pelas características da facticidade e da concretização, estruturando-se na envolvência dos factos concretos correspondentes à previsão das normas substantivas concedentes da situação jurídica alegada pelas partes, independentemente da respetiva valoração jurídica”.
Revertendo ao caso em apreço, verifica-se que a factualidade concreta em que assentam os pedidos de ambas as ações é a mesma, o que aliás é reconhecido pela A. no artigo 22 da petição inicial dos presentes autos ao afirmar que os pressupostos que fundamentaram a ação judicial n.º 1598/24.3T8STR são os mesmos.
Assim, nos termos e pelos fundamentos expostos é forçoso concluir pela existência de litispendência”.
Entende a Recorrente, divergindo, que nem o pedido nem a causa de pedir se mostram coincidentes em ambas as ações.
Dispõe o artigo 580.º, n.º 1, do Código de Processo Civil:
As exceções da litispendência e do caso julgado pressupõem a repetição de uma causa; se a causa se repete estando a anterior ainda em curso, há lugar à litispendência; se a repetição se verifica depois de a primeira causa ter sido decidida por sentença que já não admite recurso ordinário, há lugar à exceção do caso julgado”.
Acrescenta o n.º 2 do artigo que “tanto a exceção da litispendência como a do caso julgado têm por fim evitar que o tribunal seja colocado na alternativa de contradizer ou de reproduzir uma decisão anterior”.
Quanto ao que deva entender-se por repetição da causa (pendente ou já julgada), o n.º 1 do artigo 581.º do mesmo Código exige uma coincidência tríplice – sujeitos, pedido e causa de pedir.
Adquirido que está que os sujeitos são os mesmos em ambas as ações, importa que se atente nos conceitos de pedido e de causa de pedir, relevantes para este concreto efeito.
O n.º 3 do artigo 581.º do Código de Processo Civil fornece um apoio legal da noção de pedido, ao estabelecer que “há identidade de pedido quando numa e noutra causa se pretende obter o mesmo efeito jurídico”.
O pedido a formular na petição inicial expressa a concreta tutela jurisdicional que é pretendida pelo autor, constituindo o corolário lógico dos factos alegados como causa de pedir. (…) A noção de «pedido» está consagrada no artigo 581.º, n.º 3, e corresponde ao efeito prático-jurídico que o autor pretende retirar da ação” (Abrantes Geraldes, Pimenta e Pires de Sousa, Código de Processo Civil Anotado, vol. I, Almedina, pág. 17).
Entendido o pedido como um efeito prático e jurídico é forçoso concluir que não é formulação linguística que estabelece a diferença entre dois pedidos.
Assim, em concreto, o pedido comporta os seguintes elementos: - O elemento material (ou declarativo) é a alegação pelo autor da titularidade de uma situação subjectiva (como, por exemplo, um direito de crédito, um direito real ou um direito potestativo); - O elemento processual (ou performativo) é a pretensão processual, ou seja, a tutela solicitada para a situação subjetiva alegada pelo autor (como, por exemplo, condenar, constituir, extinguir ou apreciar” (J. de Castro Mendes/ M. Teixeira de Sousa, Manual de Processo Civil, Volume I, AAFDL Editora, pág. 408).
A tarefa de distinguir pedidos surge de sobremaneira facilitada numa situação como a vertente, em que estão em causa ações sob a forma especial de processo.
Com efeito, salvo se existir erro (nos termos do artigo 193.º, n.º 1, do Código de Processo Civil), o pedido formulado pelo demandante integrará a previsão legal da norma que define o tipo de processo. A tanto obriga o disposto no n.º 2 do artigo 546.º do Código de Processo Civil.
A ação para convocação judicial de assembleia de sócios surge definida, no n.º 1 do artigo 1057.º do mesmo Código, nos seguintes termos:
Se a convocação de assembleia geral puder efetuar-se judicialmente, ou quando, por qualquer forma ilicitamente se impeça a sua realização ou o seu funcionamento, o interessado requer ao juiz a convocação”.
Como se vê, o pedido típico dessa forma de ação é a solicitação ao Tribunal que convoque uma assembleia de sócios numa determina sociedade.
Já a ação de inquérito judicial, prevista no n.º 1 do artigo 1048.º do Código de Processo Civil, deve ter um pedido conformado com a seguinte previsão “o interessado que pretenda a realização de inquérito judicial à sociedade, nos casos em que a lei o permita, alega os fundamentos do pedido de inquérito, indica os pontos de facto que interesse averiguar e requer as providências que repute convenientes”.
Quanto ao efeito que se busca com esse processo, os n.ºs 1, 2 e 3 do artigo 1049.º do mesmo Código são autoexplicativos, visando-se, no essencial, o exercício, por via judicial, do direito à informação sobre a vida societária (podendo o Tribunal determinar a prestação da informação pretendida pelo Requerente, determinar a apresentação, em prazo, das contas da sociedade ou dar curso à indagação prevista no n.ºs 2, 3 e 4 desse artigo).
Conclui-se, assim, que do ponto de vista da lei, não pode haver coincidência entre os pedidos de uma ação especial para convocação judicial de uma assembleia de sócios e de um inquérito judicial à sociedade. São obviamente meios de tutela jurisdicional com finalidades distintas.
E quanto à causa de pedir?
O n.º 4 do artigo 581.º do Código de Processo Civil define-a como o facto jurídico de onde procede a pretensão, concretizando o conceito nas ações reais, nas ações constitutivas e de anulação.
O conceito é, na doutrina, problemático, podendo mesmo defender-se que no direito adjetivo civil vigoram distintos conceitos de causa de pedir, consoante o efeito que esteja em discussão (nesse sentido, Mariana França Gouveia, A causa de pedir na ação declarativa, Almedina).
Numa das aproximações ao mesmo, a causa de pedir é acervo dos factos que integram o núcleo essencial da previsão da norma ou normas do sistema que estatuem o efeito de direito material pretendido” (Lebre de Freitas e Isabel Alexandre, Código de Processo Civil anotado, volume 2.º, 3ª Edição, Almedina, pág. 597)
A causa de pedir é constituída pelos factos necessários para individualizar a pretensão material ou o direito potestativo alegado pelo autor. O critério para delimitar a causa de pedir é necessariamente jurídico: é a previsão de uma regra jurídica que fornece os elementos para a construção de uma causa de pedir. Portanto, a causa de pedir é um conceito processual que é construído com base na previsão de regras de direito substantivo” (J. de Castro Mendes/ M. Teixeira de Sousa, Ob Cit. pág. 411).
Como se vê, a causa de pedir não é o conjunto dos factos alegados pelo Autor ou Requerente na parte narrativa da sua petição. A mesma é constituída apenas por aqueles factos que, dentro dessa narração, integram a previsão da norma ou normas que permitem obter a medida de tutela jurídica pretendida. Assim e exemplificando: numa ação para reconhecimento do direito de propriedade com fundamento em usucapião, a causa de pedir é constituída pelos factos que constituem as premissas da usucapião, mas não, por exemplo, pelos demais factos que o Autor entenda alegar a latere dessa substanciação.
Nesta ação, a causa de pedir deve ser constituída pelo conjunto de factos que suportam o direito do Requerente a realização da assembleia de sócios e que constituem a recusa da sua realização ou funcionamento. Já no inquérito judicial a causa de pedir será conformada pelos factos que enformam o direito à informação e que fazem parte das premissas, por exemplo, dos artigos 31.º, n.º 3; 67.º, n.º 1; 216.º; 292.º e 450.º do Código das Sociedades Comerciais.
Demonstrado que, de acordo com a lei adjetiva, não existe possibilidade de sobreposição entre as causas de pedir e os pedidos das duas ações, é tempo de enfrentar o caso concreto.
Terá a Recorrente logrado, contra o texto legal, configurar uma ação para convocação de assembleia de sócios e um inquérito judicial com pedidos e causas de pedir coincidentes?
A resposta é obviamente negativa, pois se assim fosse ter-se-ia de convir que existiria um erro na forma de processo numa das ações ou, em alternativa, uma delas estaria votada a manifesta improcedência.
Concretizando. Nesta ação a Requerente pede a convocação judicial de uma assembleia de sócios. No inquérito judicial pede que se realize uma indagação sobre aspetos da vida societária e que o gerente seja suspenso das suas funções durante a mesma. Os pedidos são coincidentes? Não são. A Requerente visa o mesmo objetivo com as duas ações? Admite-se que sim, mas esse objetivo é irrelevante. Não é a motivação ou o objetivo (pessoal, prático, estratégico) da parte que define a litispendência. O que a define é o pedido formulado na ação. A parte pode intentar várias ações com o mesmo desiderato final, mas se todas elas tiverem pedidos diferentes, nenhuma litispendência existe.
As causas de pedir das duas ações são as mesmas? Não são, de todo. Nesta ação os factos que constituem a causa de pedir são o pedido de inclusão de dois assuntos na ordem de trabalhos da assembleia e a recusa da gerência em fazê-lo. No inquérito judicial, a causa de pedir é a negação da prestação de informação, em concreto a negação do acesso às atas das deliberações dos sócios que constituíram as reservas livres, utilizadas para aumentos de capital.
Verificando-se que não existe, entre as duas ações, nem coincidência de pedidos nem identidade de causas de pedir, pode concluir-se, sem necessidade de outras indagações, que a decisão recorrida não pode manter-se, devendo, por consequência, ser revogada, ordenando-se o prosseguimento da instância, se nada de diverso a tanto obstar.
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III. Responsabilidade tributária
Decaindo a Recorrida, é a mesma responsável pelas custas nesta instância, de acordo com o disposto no artigo 527.º, n.º 1, do Código de Processo Civil.
Sendo o termo “custas” polissémico, o mesmo significa, no caso, custas de parte.
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Decisão
Face ao acima exposto, acordam os Juízes que compõem a 2ª Secção Cível do Tribunal da Relação de Évora, em julgar procedente o recurso de apelação interposto na ação pela Autora (…) e, por consequência, revogam a decisão prolatada em 6 de maio de 2025 que julgou verificada a exceção de litispendência, ordenando o prosseguimento da instância se nada de diverso a tanto obstar.
A Recorrida (…), Farmácia de Oficina, Lda. suportará as custas do recurso, na vertente custas de parte.

Évora, 16 de outubro de 2025
Maria Emília Melo e Castro
Ana Margarida Leite
Miguel Teixeira
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SUMÁRIO (elaborado nos termos do artigo 663.º, n.º 7, do Código de Processo Civil)
(…)