VENDA EXECUTIVA
PREÇO
VALOR DO IMÓVEL PENHORADO
EQUIDADE
Sumário

I. O Tribunal pode autorizar a venda em ação executiva por preço inferior ao valor base do bem a vender, mesmo contra a vontade do executado, desde que, das diligências efetuadas para a venda, resulte dificuldade em obter um valor correspondente ao mínimo fixado.
II. Tal decisão deve ser sustentada num juízo de ponderação dos elementos do processo, como sejam, a duração da ação, as potencialidades da venda do bem e as características do mesmo ou o interesse manifestado pelo mercado.
III. Para além disso, deve ainda o tribunal basear a sua decisão num juízo equitativo de equilíbrio dos interesses concorrentes – de credores, por um lado, e de devedores, por outro.
(Sumário da Relatora)

Texto Integral

Processo n.º 1840/20.0T8LLE-B.E1
Tribunal Recorrido - Tribunal Judicial da Comarca de Faro, Juízo de Execução de Loulé, Juiz 2
Recorrente (Executada) – (…) – Construção e Obras Públicas, S.A.
Recorrida (Exequente) – (…) – Assistência Técnica Móvel, Lda.

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Sumário: (…)
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Acordam os Juízes da 2ª Secção Cível do Tribunal da Relação de Évora:

1. RELATÓRIO
Na ação executiva em que é Exequente (…) – Assistência Técnica Móvel, Lda.”, Executada, (…) – Construção e Obras Públicas, S.A. e Credora, a Caixa de Crédito Agrícola Mútuo (…), CRL, foi proferido despacho a 22 de abril de 2025, autorizando a venda de um imóvel penhorado nos autos e pertencente à Executada, pelo valor de € 162.010,00.
O referido despacho tem o seguinte teor:
Por requerimento apresentado em 13/9/2024, a credora Caixa de Crédito Agrícola Mútuo (…), C.R.L. veio requerer que fosse autorizada a venda do bem (verba 3 do auto de penhora) pelo valor proposto de valor € 162.010,00 e simultaneamente veio reclamar da decisão do agente de execução de 5/9/2024.
Foram ouvidos o agente de execução e as partes, que não se pronunciaram, sem prejuízo da posição já assumida pela executada de oposição à venda pelo valor proposto.
Apreciando.
Os factos relevantes a considerar são os seguintes:
- em 6/11/2020 foi penhorado o “prédio urbano descrito na Conservatória do Registo Predial de Silves sob o n.º (…) e inscrito sob o artigo matricial n.º (…), da freguesia e concelho de (…)”;
- o prédio urbano acima referido encontra-se descrito na Conservatória do Registo Predial de Silves sob o n.º (…), da freguesia de (…) e pela ap. (…), de 2020/11/06 foi inscrita a penhora efectuada nestes autos;
- por decisão do agente de execução de 3/5/2022 foi determinada a venda do prédio acima referido, na modalidade de leilão eletrónico e pelo valor base de 280.000,00 euros;
- para a determinação do valor do bem como acima consta o agente de execução teve ainda em conta uma avaliação datada de 24/4/2022 e onde foi atribuído ao bem o valor de 280.000,00 euros;
- o leilão electrónico foi encerrado em 21/9/2022 sem que fosse apresentada proposta que respeitasse o valor mínimo a anunciar para a venda que era 238.000,00 euros e tendo sido apresentadas 2 propostas com os valores de 144.444,44 euros e 140.000,00 euros;
- por se ter frustrado a venda em leilão electrónico, por decisão do agente de execução de 15/11/2022 foi determinada a venda por negociação particular, tendo sido nomeado encarregado da venda o sr. (…);
- o encarregado da venda comunicou que a melhor proposta apresentada tinha o valor de 152.002,00 euros, tendo o agente de execução ouvido as partes sobre tal proposta;
- em 12/5/2023 o agente de execução comunicou ao processo que fora recusada a proposta no valor de 152.002,00 euros por ser de valor inferior ao valor mínimo.
- por requerimento apresentado em 12/5/2023 a credora Caixa de Crédito Agrícola Mútuo (…), C.R.L., requereu que fosse aceite a proposta apresentada no valor de 152.002,00 euros quanto ao prédio acima referido;
- sobre o requerimento acima referido recaiu o despacho proferido em 21/3/2024, onde se decidiu não autorizar a venda do bem pelo valor proposto e se determinou que o agente de execução prosseguisse com as diligências de venda por forma a obter melhor preço;
- tendo prosseguido as diligências de venda em negociação particular, com publicidade na plataforma e-leilões entre 12/04/2024 e 12/06/2024, foi obtida uma única proposta no valor de 140.000,00 euros;
- em 12/06/2024 foi apresentada uma proposta de valor superior (€ 162.010,00), sobre a qual o agente de execução ouviu as partes;
- por decisão do agente de execução de 5/9/2024 foi determinado não aceitar a proposta acima referida por ser de valor inferior ao valor base e em face da oposição da executada.
Perante os descritos factos, verifica-se que em sede de negociação particular, o agente de execução não aceitou a proposta de compra pelo preço de 162.010,00 euros.
Como é evidente, não tendo sido autorizada judicialmente a venda do imóvel por valor inferior ao valor base (280.000,00 euros), mostra-se acertada a decisão do agente de execução.
Por conseguinte, deverá improceder a reclamação da credora reclamante Caixa de Crédito Agrícola Mútuo (…), C.R.L..
Questão diferente é de saber se deverá ser autorizada a venda por valor inferior ao valor base, o que igualmente foi requerido nos autos pela mesma credora.
Como se assinalou no despacho proferido em 21/3/2024, contrariamente ao que sucede na modalidade de venda em carta fechada, em que se exige o acordo de exequente, o executado e todos os credores com garantia real sobre os bens a vender, para a venda por valor inferior ao previsto no n.º 2 do artigo 816.º, na modalidade de venda em negociação particular já não existe tal restrição. Dai que ouvidas as partes e acautelados os interesses das partes, possa ser autorizada a venda por valor inferior ao valor base (e bem assim ao previsto no n.º 2 do artigo 816.º do Código de Processo Civil, aplicável à venda em propostas em carta fechada ou em caso de adjudicação).
Sobre esta matéria, entre outros, vejam-se os acórdãos do Tribunal da Relação de Lisboa de 6/11/2013, proc.º 30888/09.3T2SNT.L1-8 ou de 16/11/2017, proc.º n.º 3961-11.0T2SNT-B.L1-8, in www.dgsi.pt/jtrl ou ainda o acórdão do Tribunal da Relação de Évora de 8/3/2018, proc.º n.º 7867/11.5TBSTB-B.E1, in www.dgsi.pt/jtre.
Resulta da factualidade apurada, que foi fixado ao bem o valor base de 280.000,00 euros, tendo sido tentada a venda por leilão electrónico, que decorreu até 21/9/2022 sem que fosse apresentada proposta que respeitasse o valor mínimo a anunciar para a venda que era 238.000,00 euros (a melhor proposta teve o valor de 144.444,44 euros) e em sede de negociação particular foi obtida a melhor proposta no valor de 152.002,00 euros, não tendo sido autorizada a venda por esse valor (despacho de 21/3/2024).
Resulta igualmente que tendo prosseguido as diligências de venda em negociação
particular, com publicidade na plataforma e-leilões entre 12/04/2024 e 12/06/2024, foi obtida uma única proposta no valor de 140.000,00 euros, sendo posteriormente obtido uma proposta de valor superior (162.010,00 euros).
Em conclusão, decorrendo a venda ao longo de cerca de 2 anos, nunca foi possível obter proposta superior ao agora apresentado preço de 162.010,00 euros, sendo certo que tem sido dada publicidade à venda, seja inicialmente com a venda em leilão electrónico, seja com a publicidade na plataforma e-leilões aquando da venda em negociação particular.
Assim sendo, não obstante a oposição da executada, deverá ser autorizada a venda pelo valor requerido, pois que a indeferir a pretensão do credor, seria impor um maior período de espera sem qualquer perspectiva de conseguir uma proposta que respeite o valor base (como pretende a executada), tudo com prejuízo para os credores.
Pelo exposto, decide-se:
a) Julgar improcedente a reclamação apresentada pela credora Caixa de Crédito Agrícola Mútuo (…), C.R.L. no requerimento de 13/9/2024, condenando-se esta credora nas custas do incidente, fixando-se a taxa de justiça em 0,5 U.C..
b) Autorizar a venda do bem penhorado-prédio urbano descrito na Conservatória do Registo Predial de Silves sob o n.º (…), da freguesia de (…) – pelo valor de 162.010,00 euros que consta na proposta junta com a decisão do agente de execução de 5/9/2024, tudo como igualmente requerido pela credora Caixa de Crédito Agrícola Mútuo (…), C.R.L. no mesmo requerimento de 13/9/2024.
Notifique e comunique ao agente de execução com nota que a presente decisão de autorização de venda é susceptível de recurso”.

Inconformada com este despacho, a Executada interpôs recurso, terminando as suas alegações com as seguintes conclusões, que se transcrevem:
1. Assiste razão à Recorrente.
2. Salvo o devido respeito, não se pode aceitar a douta decisão.
3. A Recorrente está numa situação vulnerável, pelo que merece, também ela, proteção jurídica.
4. A Recorrente é a principal lesada pela presente aceitação de venda, pois trata-se do seu património.
5. O sr. Agente de Execução e o Tribunal a quo não pode aceitar uma proposta de valor inferior ao mínimo, sem considerar a oposição apresentada pela Recorrente.
6. O Tribunal a quo limitou-se a aderir à decisão do sr. Agente de Execução.
7. A lei fixa um valor mínimo de venda.
8. Valor esse que deve ser respeitado.
9. Perante a ausência de propostas em valor igual ou superior ao valor mínimo, não podem simplesmente adjudicar.
10. O argumento de que a celeridade do processo justifica a presente decisão não é suficiente para desviar as regras processuais.
11. A afetação do património da Executada merece tutela constitucional.
12. Tutela essa, também prevista no artigo 18.º, n.º 2, da Constituição da República Portuguesa, que consagra o princípio da proporcionalidade.
13. O sr. Agente de Execução não efetuou as diligências necessárias para garantir uma venda de valor superior.
14. Constata-se um aumento significativo dos valores das propostas apresentadas, entre a primeira e a mais recente proposta.
15. A Recorrente acredita que será possível alcançar o valor mínimo em novas licitações.
16. É esta a principal prejudicada pela venda num valor inferior ao valor mínimo.
17. A melhor proposta não alcançou 85% do valor base, pelo que não estão reunidas as condições necessárias para que se concretize a adjudicação do bem.
18. O Tribunal a quo faz uma aplicação incorreta do regime.
19. Neste tipo de regime, a venda apenas é possível quando se alcance os 85% do valor base.
20. Caso a venda seja adjudicada sem que tal valor seja alcançado, a mesma é nula.
21. A Recorrente não se conforma com o alegado no douto Despacho, não havendo necessidade de ponderação da aceitação da presente proposta.
22. Não tem o sr. Agente de Execução poderes para proceder à venda por este valor.
23. Tão-pouco tem o Tribunal a quo competências para aceitar a proposta.
24. Estão as partes vinculadas ao preço base anunciado e, consequentemente, ao valor mínimo.
25. O valor não é proporcional ao valor de mercado do concelho de Silves.
26. É consideravelmente mais baixo.
27. A Recorrente tem legitimidade para interpor Recurso e está a tempo de o fazer”.

Não foram apresentadas contra-alegações.

O recurso foi admitido.

1.1. Questão a decidir
Considerando as conclusões do recurso, há que decidir se pode ser autorizada a venda do imóvel que se encontra penhorado nos autos por valor inferior ao valor base resultante da sua avaliação.
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Colhidos os vistos, cumpre apreciar e decidir.

2. FUNDAMENTAÇÃO
2.1. Fundamentos de facto
A matéria de facto a considerar é a que consta do Relatório que antecede.

2.2. Apreciação do objeto do recurso
No presente caso, há que decidir se é de autorizar a venda de um bem imóvel penhorado, por valor inferior ao que lhe foi atribuído como valor base.
Assim e deixando um breve enquadramento teórico da questão, há que ter presente que a regulamentação adjetiva da venda executiva inicia-se com o artigo 811.º do Código de Processo Civil (doravante, CPC), primeiro das “Disposições gerais” sobre a venda na ação executiva e que, por isso, se aplicarão a todas as modalidades da venda ali previstas.
De acordo com o disposto no n.º 1 do referido artigo 811.º do CPC, a venda pode revestir as seguintes modalidades:
a) Venda mediante propostas em carta fechada;
b) Venda em mercados regulamentados;
c) Venda direta a pessoas ou entidades que tenham direito a adquirir os bens;
d) Venda por negociação particular;
e) Venda em estabelecimento de leilões;
f) Venda em depósito público ou equiparado;
g) Venda em leilão eletrónico.
Tratando-se da venda de bens imóveis – como é o caso – estabelece o artigo 837.º, n.º 1, do CPC que a venda é feita, preferencialmente, em leilão eletrónico, modalidade que se encontra regulada nos artigos 20.º a 26.º da Portaria n.º 282/13, de 29 de agosto.
No n.º 2 do referido artigo 811.º prevê-se ainda que “O disposto no artigo 818.º, no n.º 2, do artigo 827.º e no artigo 828.º para a venda mediante propostas em carta fechada aplica-se, com as necessárias adaptações, às restantes modalidades de venda e o disposto nos artigos 819.º e 823.º aplica-se a todas as modalidades de venda, excetuada a venda direta”.
Ainda no âmbito da regulamentação genérica da venda em processo executivo, importa considerar que nos termos do artigo 812.º, relativo à decisão sobre a venda, para além da determinação da modalidade da mesma, há que fixar o valor base dos bens a vender, sendo que, de acordo com o previsto no n.º 3, o valor de base dos bens imóveis a vender corresponde ao maior dos seguintes valores: “a) valor patrimonial tributário, nos termos de avaliação efetuada há menos de seis anos; b) valor de mercado”. O n.º 5 do artigo 812.º do CPC, por seu turno, atribui ao agente de execução os poderes necessários para, por sua iniciativa ou a requerimento de qualquer interessado, promover diligências com vista à determinação do valor de mercado, designadamente, a realização de avaliação.
No âmbito da venda mediante propostas em carta fechada prevê o n.º 2 do artigo 816.º do CPC que “O valor a anunciar para a venda é igual a 85% do valor base dos bens”, preceito aplicável à venda em leilão eletrónico, por via do disposto nos artigos 837.º e 817.º, n.º 3, do CPC.

No presente caso, foi inicialmente determinada a venda por leilão eletrónico, com respeito pelo previsto no artigo 837.º do CPC, tendo o valor base sido fixado pelo sr. Agente de Execução após realização, por sua iniciativa, de avaliação por perito, diligência que mereceu o acordo dos vários interessados. Assim, tendo o bem imóvel em causa sido avaliado, em abril de 2022, em € 280.000,00, foi a venda anunciada pelo valor de € 238.000,00 (correspondente a 85% daquele valor), iniciando-se o leilão a 5 de julho e terminando a 21 de setembro de 2022. Frustrando-se a venda por esse meio, já que a proposta mais elevada apresentada foi de € 144.444,44, foi determinada a venda por negociação particular, cujo prazo, num primeiro momento, terminou a 29 de março de 2023, com a melhor proposta apresentada no valor de € 152.002,00. Sobre o valor desta proposta, recaiu, então, o despacho proferido a 21 de março de 2024, que não autorizou a venda do imóvel por esse valor.
Posteriormente, realizaram-se novas diligências com vista à venda do imóvel, com a publicitação da mesma na plataforma e-leilões, entre 12 de abril de 2024 e 12 de junho de 2024, tendo sido apresentada uma proposta no valor de € 140.000,00. Na última data mencionada, o sr. Encarregado de Venda recebeu uma proposta para aquisição do bem por € 162.010,00, valor que não foi aceite pelo sr. Agente de Execução, dada a oposição da Executada. E foi na sequência destes factos que o tribunal a quo proferiu, a 22 de abril de 2025 e após ter solicitado esclarecimentos ao sr. Agente de Execução quanto às diligências levadas a cabo para a venda, o despacho recorrido, mediante o qual autorizou a venda do imóvel pelo referido valor de € 162.010,00.
Ora, se é certo que nos termos da disposição geral contida no artigo 812.º, n.º 2, alínea b) e n.º 3, do CPC, mesmo no caso de venda por negociação particular, deve ser indicado o valor base dos bens a vender, não há que transpor para esta modalidade da venda, o que se encontra consagrado no n.º 2 do artigo 816.º, já que, determinando o n.º 2 do artigo 811.º as normas da venda mediante propostas em carta fechada que são aplicáveis às demais modalidades da venda, nela não se prevê a limitação do valor mínimo da venda. Tal opção legislativa poderá explicar-se pela circunstância, decorrente do disposto no artigo 832.º do CPC, de a venda por negociação particular ser, em regra, uma solução de recurso, utilizada uma vez frustrada a venda mediante leilão ou por propostas em carta fechada, com vista a, numa segunda oportunidade, se obter o pagamento do crédito pelo produto da venda do bem penhorado, nada permitindo, por isso, concluir pela existência de tal limitação quanto ao valor da mesma.
Assim, por aplicação do regime previsto no n.º 1 do artigo 812.º, podem ser aceites propostas de valor inferior ao indicado no n.º 3, caso exequente, executado e todos os credores com garantias sobre os bens a vender nisso acordem, e, partindo deste princípio, que impõe a conciliação do interesse de todas as pessoas referidas, pode extrair-se uma outra regra – a de que só é admissível a venda de um bem, por negociação particular, por valor inferior ao referido no citado n.º 2, do artigo 816.º, garantidos que se mostrem os interesses daquelas pessoas, os quais têm de ser sopesados e ponderados casuisticamente (neste sentido, vide o Ac. TRE, de 26/10/2023, processo n.º 1632/15.8T8BJA-D.E1, in diariodarepublica.pt). Como referem José Lebre de Freitas e Armindo Ribeiro Mendes, citados no acórdão atrás mencionado, “se o valor-base não for atingido, só por acordo de todos os interessados ou autorização judicial será possível a venda por preço inferior. Embora a lei nada diga, releva do poder jurisdicional a decisão de dispor do bem penhorado, pertença do executado e garantia dos credores, mediante a obtenção de um preço inferior àquele que, de acordo com o resultado das diligências efectuadas pelo agente de execução, corresponde ao valor de mercado do bem; nem faria sentido que, quando o agente de execução é encarregado da venda ou escolha da pessoa que a fará, lhe coubesse baixar o valor-base dos bens, com fundamento na dificuldade em o atingir. O juiz conserva, pois, o poder, que já tinha (…), de autorizar a venda por preço inferior ao valor-base.” (in Código de Processo Civil Anotado, Vol. 3.º, Coimbra Editora, setembro de 2003, págs. 601 e 602; entendendo também que o valor base da venda por negociação particular pode ser inferior ao previsto no artigo 816.º, n.º 2, do CPC, cfr. Abrantes Geraldes e outros, in Código de Processo Civil Anotado, Vol. II, 2ª ed., 2025, pág. 257).
Conclui-se, pois, que as regras relativas à negociação particular, modalidade de venda residual, prevista designadamente para os casos de frustração de outras modalidades de venda, não exigem, a fixação de preço mínimo, devendo-se ajustar o valor do bem à condição do mercado por forma a potenciar a maior receita possível. E, inexistindo acordo dos vários interessados, a venda por negociação particular por valor inferior ao valor base pode ser concretizada mediante autorização judicial, desde que se mostrem devidamente garantidos os interesses das entidades indicadas no artigo 821.º, n.º 3, do CPC. Como se referiu no mencionado acórdão do TRE de 26/10/23, “A defesa dos interesses de todos os intervenientes e interessados acima referidos, mormente dos executados e demais credores, ao autorizar a venda por um preço inferior ao anunciado para a venda, terá de resultar, casuisticamente, da ponderação de diversos factores. O Tribunal pode autorizar a venda por preço inferior ao valor base mesmo que as partes não se tenham pronunciado nesse sentido, desde que, das diligências efetuadas para a venda resulte dificuldade em obter um valor que satisfaça o mínimo fixado, realizando juízo de ponderação dos elementos do processo que habilitem tal decisão, como a duração da execução, o período de tempo já decorrido com a realização da venda, a evolução da conjuntura económica, as potencialidades da venda do bem, o interesse manifestado pelo mercado, a desvalorização sofrida e a sofrer, valores de mercado da zona e outros elementos relevantes para ajuizar acerca da aceitação da oferta, comportando controlo da legalidade e um juízo equitativo de equilíbrio dos interesses concorrentes.”
A este propósito e no mesmo sentido, escreveu-se no acórdão do TRG de 2/11/2023 (no Proc. n.º 950/17.5 T8chv-C.G1, relator Afonso Cabral de Andrade, in dgsi): “Ora, não faria sentido que, falhando a modalidade principal de venda, se passasse para outra não tão desejada como a primeira, mas se mantivessem as mesmas exigências previstas para aquela. O fracasso seria quase inevitável.” E no acórdão do TRC, de 14/06/2022 (Proc. n.º 797/13.8TBLMG-B.C1, relator Paulo Correia, in dgsi), escreveu-se: “Na realidade, na venda executiva por negociação particular é possível fixar o valor mínimo da venda abaixo do valor de referência legal, pois se fosse imperativo a manutenção de um limite não sobejaria qualquer benefício para a resolução da execução com a alteração da modalidade de venda, dado que assim se perpetuava a inflexibilidade da venda judicial mediante propostas em carta fechada”.

Regressando ao caso concreto em apreciação e repetindo, para maior clareza, alguns dados objetivos já referidos, verifica-se que a ação foi instaurada em 21 de agosto de 2020, para cobrança da quantia exequenda de € 16.095,05, que o auto de penhora data de 6 de novembro do mesmo ano e que, após avaliação do bem imóvel em causa, realizada em maio de 2022, iniciou-se, a 5 de julho desse ano, o leilão eletrónico com vista à sua venda. No período do leilão, que decorreu até 21 de setembro, foram apresentadas duas propostas nos valores de € 140.000,00 e € 144.444,44, não tendo a venda sido autorizada. Assim, a 15 de novembro do mesmo ano, decidiu o sr. Agente de Execução proceder à venda por negociação particular, terminando o respetivo prazo a 29 de março de 2023 e tendo sido apresentada uma proposta no valor de € 152.000,00, não tendo sido, mais uma vez, autorizada a venda. A 12 de abril de 2024 iniciou-se novo período para a venda por negociação particular, que decorreu até 12 de junho desse ano, apresentando a melhor proposta o valor de € 140.000,00. Finalmente, nesta última data e após o encerramento da publicitação da venda na plataforma e-leilões, foi apresentada uma proposta para aquisição do bem por € 162.010,00.
Ora, perante esta sucessão de factos, afigura-se-nos que andou bem o tribunal a quo ao autorizar a venda do imóvel pelo referido valor.
Com efeito, a ação encontra-se pendente há mais de cinco anos e, realizadas diligências diversas, com respeito pela lei e recurso a meios que permitem uma ampla publicidade da venda, não foi possível obter propostas de valor superior ao indicado – para o que poderá, eventualmente, contribuir a localização do bem, situado junto ao cemitério de (…). Aliás, do relatório de avaliação do imóvel realizada por iniciativa do sr. Agente de Execução, consta, nos parâmetros para determinação do valor, que “o valor comercial da localização do imóvel é “bom”, numa escala que prevê as caracterizações qualitativas de “muito elevado/elevado/bom/razoável/baixo”.
Assim, num jogo de equilíbrio que deve ponderar os interesses do exequente e demais credores, a quem assiste o direito à ação executiva efetiva e, por via dela, a reaverem os seus créditos, e do próprio executado, cujo património não deve ser desproporcionalmente afetado mas que se encontra sujeito à responsabilidade executiva pelo facto de ter incumprido as suas obrigações perante aqueles, afigura-se-nos, por um lado, que, do ponto de vista legal, nada obsta à venda por valor inferior ao previsto no artigo 816.º, n.º 2, do CPC e, por outro lado, que o valor que, em concreto, foi proposto, é aceitável, já que permite, como acréscimo ao valor já realizado pela venda de outro imóvel (em outubro de 2023) pagar total ou, pelo menos, em grande parte, a dívida exequenda – finalidade principal do processo executivo, que justifica a restrição dos direitos fundamentais do executado, em especial ao direito de propriedade privada, consagrado no artigo 62.º da Constituição da República Portuguesa. É que, apesar de defendermos que a execução não se destina à venda a todo o custo e a qualquer preço dos bens penhorados, sob pena de se converter num processo expropriativo ilegal, colidindo com a tutela constitucionalmente consagrada do direito de propriedade (em prejuízo, também, do próprio direito de crédito do exequente), o certo é que, no caso concreto, desde meados de 2022, não foi apresentada qualquer proposta para a aquisição do bem por valor, sequer, igual ao inicialmente anunciado de € 238.000,00, o que é sintomático do interesse do mesmo no mercado imobiliário da zona. Por isso, caso não se autorize a venda pelo valor mais alto que foi oferecido, correr-se-á o risco de não se conseguir vender o bem ou de se vir a vendê-lo mais tarde por um valor ainda inferior, face à depreciação decorrente do passar do tempo e ao avolumar da dívida pelo arrastar da situação, riscos que podem e devem ser evitados, com vista à realização de uma justiça que se pretende eficaz e célere, mas igualmente equilibrada e justa. Com efeito, importa também ter presente que, ponderados os interesses de credores e devedor, há que encontrar um equilíbrio, que não privilegie de modo exacerbado o segundo, cujo incumprimento, afinal, deu azo à ação executiva. Além disso, não se pode deixar de considerar que, tratando-se a venda por negociação particular uma modalidade de recurso e não tendo surgido propostas de valor igual ou superior a 85% do valor base no leilão eletrónico, num período de tempo razoável, com grande probabilidade não será possível encontrar no mercado propostas de compra superiores a esse valor. Aliás, ao longo destes cinco anos de pendência da ação executiva, a Executada limitou-se a declarar que não aceitava a venda por valor inferior a € 800.000,00 num primeiro momento e, depois, € 250.000,00, por entender que era possível realizar outras diligências com vista à efetivação do negócio por tais valores, mas nada de concreto propôs, designadamente, apresentando compradores interessados no mesmo. Assim, nesta fase do processo e perante a inexistência de proponentes dispostos a adquirir o imóvel pelo valor da avaliação ou, até, por 85% desse valor, é desejável encontrar um comprador que permita concretizar a venda e pagar, ainda que parcialmente, a dívida exequenda, o que será do interesse dos credores mas também da própria Executada que, desse modo, não verá a sua dívida aumentar e a sua situação económica agravar-se e arrastar-se ainda mais, sem necessidade (num momento, aliás, em que já foi declarada a sua insolvência).
Ainda nesta linha de raciocínio, escreveu-se no acórdão do TRG de 02/11/2023 (processo n.º 950/17.5T8CHV-C.G1, relator Afonso Cabral de Andrade): “o que está em causa aqui é conciliar o interesse dos credores e dos executados, sob a égide da boa aplicação da Justiça. E esses interesses estão em grande medida alinhados, pela busca do maior valor possível para a venda. O que sucede é que não existe um valor juridicamente definido como o valor real do imóvel. O valor do imóvel é determinado pelo mercado, ou seja, pelo jogo da oferta e da procura. O valor do imóvel é o valor que os compradores estiverem dispostos a dar por ele, num determinado momento.
E entre os interesses em conflito avulta o interesse do exequente em cobrar o seu crédito no período de tempo mais curto possível, e o interesse do executado em não ver o seu património executado de forma leviana pela urgência na efectivação do direito do credor” (vide ainda o acórdão do TRC de 14/06/2022, relator Paulo Correia, Proc. n.º 797/13.8TBLMG-B.C1, in dgsi).
Face a tudo o que ficou exposto, entendemos, pois, que a decisão recorrida apresenta-se sensata, na busca do equilíbrio entre a definição do melhor valor para a venda e o tempo que é razoável esperar por ele. Claro que se poderia sempre dizer, como pretende a Executada, que vale a pena esperar até que o mercado se altere e o preço do imóvel suba. Porém, o tempo tem também um impacto negativo sobre o imóvel e sobre os próprios interesses de credores e devedores, acrescendo ainda o facto de que a Recorrente, apesar da sua oposição à venda por aquele valor e como já se referiu, não oferecer qualquer alternativa que justifique reponderação.
Não merece, pois, censura, a decisão do tribunal recorrido, sendo, por isso, de autorizar a venda do imóvel pelo valor de € 162.010,00, para que se possam efetuar pagamentos, evitando o avolumar da dívida, sendo certo que nada obsta (naturalmente!) a que a venda se efetue por valor superior que, até à sua concretização, possa vir a ser proposto, com benefício para todos os interessados.
Improcedem, pois, as conclusões da apelação, devendo, por isso, manter-se a decisão recorrida.

3. DECISÃO
Nestes termos, a 2ª Secção Cível do Tribunal da Relação de Évora julga a apelação improcedente, confirmando a decisão recorrida.
Custas pela Recorrente (cfr. artigo 527.º do CPC).
Notifique.
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Évora, 16 de outubro de 2025
(Acórdão assinado digitalmente)
Anabela Raimundo Fialho (Relatora)
Miguel Teixeira (1º Adjunto)
Maria Isabel Calheiros (2ª Adjunta)