O facto gerador da responsabilidade objetiva do produtor é o defeito do produto que põe em circulação e não a aptidão ou idoneidade deste para a realização do fim a que é destinada.
3. A 1ª Ré adquiriu à 3ª Ré, fabricante e vendedora, o reboque da marca (…), Modelo Banheira Monocasco (…).
4. Tal modelo de reboque permite a abertura do taipal por dois tipos: a de todo o taipal, de forma basculante, o que apenas ocorre quando o reboque se encontra engrenado a trator e por ação deste; e, a das meias portas, abrindo por ação humana, uma para cada lado.
5. O taipal deverá estar preso ao reboque por dois cavilhões/eixos, que estão colocados na sua parte superior, segurando cada cavilhão uma meia porta, o que permite que o mesmo basculhe ou que as meias portas sejam abertas [apenas uma ou as duas simultaneamente].
6. O reboque é dotado de dois fechos laterais [trancas ou patilhas] que têm de ser abertos, para permitir a abertura do taipal por basculamento.
7. Para além das trancas ou fechos, o reboque é equipado com quatro trincos que prendem a parte inferior do taipal, que se abrem automaticamente, quando o taipal é aberto por basculamento e se mantêm fechados quando o taipal é aberto manualmente pelas meias portas.
8. Para a abertura das meias portas não é necessário nem remover os dois fechos laterais nem os deixar acionados.
9. No dia 01 de outubro de 2018, (…) encontrava-se a exercer as suas funções laborais.
10. O reboque supra aludido, em estado novo, acabara de ser entregue pela 3ª Ré à 1ª Ré, nesse dia, transportando, no seu interior, quatro rodas suplentes.
11. Em sequência, o 2º Réu examinou o exterior do reboque, não detetando qualquer anomalia.
12. Em sequência, o 2º Réu, encarregado agrícola e superior hierárquico de (…), deu-lhe ordem para que este removesse as quatro rodas suplentes do interior do referido reboque, a fim de o começar a utilizar na instalação do sistema de rega na herdade em causa.
13. (…) procedeu à abertura da tranca do lado direito do taipal e, quando foi abrir a outra tranca, do lado esquerdo, o referido taipal caiu, atingindo o pé esquerdo do sinistrado, do que resultou o seu esmagamento.
14. O reboque foi entregue com os cavilhões/eixos de suporte do taipal inoperacionais.
15. Por essa razão, deu-se a queda do taipal quando (…) o tentou abrir, após destrancar os fechos laterais.
16. Caso os cavilhões/eixos de suporte estivessem operacionais, o taipal não teria caído.
17. Em data anterior à do acidente, (…) havia realizado as seguintes formações profissionais: i) segurança no trabalho: equipamentos de proteção coletiva e individual [3 horas]; ii) organização da segurança: evacuação de edifícios [4 horas]; iii) prevenção de incêndios [4 horas]; iv) gestão e prevenção de conflitos [7 horas]; v) prevenção de riscos no sector agrário [7 horas]; vi) sensibilização sobre segurança e saúde no trabalho [3 horas]; vii) primeiros socorros – suporte básico [7 horas]; viii) conduzir e operar com trator em segurança [50 horas].
18. O reboque foi entregue sem que a 3ª Ré fornecesse: i) manual de instruções redigido em língua portuguesa; e ii) registo de verificações e ensaios.
19. A 1ª Ré tem prevista a avaliação de riscos nos termos constantes do relatório e matriz juntos como anexo do doc. n.º 7 da petição inicial, aqui dados como integralmente reproduzidos.
20. (…) foi transportado de imediato para o hospital de Beja.
21. Do acidente resultou fratura exposta do metatarso de M1, M2, M3, M4 e M5 do pé esquerdo.
22. Para tratamento das referidas lesões, (…) foi submetido a cirurgia ao pé esquerdo, a redução cruenta/osteossíntese de M1 com parafuso e redução incruenta/osteossíntese de M2, M3, M4 com cavilha.
23. Foi realizada cirurgia plástica para enxerto de pele.
24. (…) teve alta clínica no dia 15/07/2019, tendo ficado com as seguintes sequelas: cicatriz dolorosa no dorso do pé esquerdo, com limitação da mobilidade e amplitude articular do metatarso, com inversão de 20% e eversão de 20%, bem como flexão plantar dolorosa nos extremos da mobilidade.
25. Do exposto, (…) ficou a padecer de uma incapacidade temporária absoluta no período compreendido entre o dia 02/10/2018 a 03/06/2019.
26. Padeceu, ainda, de uma incapacidade temporária parcial de 45% entre os dias 04/06/2019 a 24/06/2019.
27. E de uma incapacidade temporária parcial de 15% durante o período compreendido entre o dia 25/06/2019 e o dia 15/07/2019.
28. Por fim, foi-lhe, ainda, diagnosticada uma incapacidade permanente parcial de 15%.
29. Correu termos um processo especial emergente de acidente de trabalho sob o n.º 1096/19.7T8BJA, do Juízo do Trabalho de Beja do Tribunal Judicial da Comarca de Beja, pelo acidente supra descrito, tendo (…), e a Autora, como entidade seguradora responsável, chegado a acordo, homologado por sentença transitada em julgado, juntos à petição inicial como docs. n.º 3 e 4, aqui dado por integralmente reproduzido, nos termos do qual a Autora foi condenada a pagar ao sinistrado uma pensão anual e vitalícia, obrigatoriamente remível no valor de € 1.919,99, e despesas de transporte ao Gabinete Médico Legal de Beja, no valor de € 30,00.
30. A Autora pagou a (…) a quantia total de € 9.033,58, a título de indemnização pelos períodos de incapacidade temporária para o trabalho nos períodos compreendidos entre o dia 02/10/2018 a 15/07/2019.
31. A Autora pagou a quantia total de € 9.820,15, para pagamento de honorários, consultas, cirurgias e despesas médicas em geral, para tratamento das lesões sofridas por (…) em consequência do acidente sub judice.
32. A Autora pagou a quantia total de € 70,00, a título de despesas referentes a próteses e aparelhos.
33. A Autora pagou a quantia de € 30,00, a título de despesas de transporte do sinistrado.
34. A Autora pagou a quantia de € 132,60, a título de encargos provenientes da ação de acidente de trabalho.
35. A Autora pagou ao sinistrado a quantia de € 31.023,20, a título de remição de pensões.
36. A Autora pagou a quantia de € 1.451,72, a título de juros moratórios na sequência da sentença condenatória proferida na ação de acidente de trabalho. »
II.3.2.
O tribunal de primeira instância julgou não provada a seguinte factualidade:
«a) Que o acidente teria sido evitado com uma inspeção / verificação ao reboque completa e minuciosa aquando da sua receção pela 1ª Ré.
b) Que acidente se deveu a uma incorreta abertura do taipal pelo sinistrado.
c) Que o sinistrado não sabia, por não ter formação e por não ter recebido as instruções que ao caso competia, como proceder à abertura do reboque, pelo que, terá sido feita uma má avaliação dos riscos e condições de trabalho no local.
d) Que houve uma incompleta identificação e avaliação dos riscos pela 1ª Ré e 2º Réu na receção do reboque.»
II.4.
Apreciação do objeto do recurso
II.4.1.
Nulidade da sentença
Neste segmento do seu recurso a apelante (…), SA argui as nulidades de sentença previstas no artigo 615.º, n.º 1, alíneas b) e c), do Código de Processo Civil, sustentando o seguinte: i. a sentença não especifica os fundamentos de facto e de direito que justificam a decisão no que diz respeito à presunção de que se socorre para declarar como provado o facto n.º 14; ii. a sentença dá como provados os factos n.ºs 11 e 14 incompatíveis entre si e com a fundamentação apresentada pela sentença quanto aos mesmos.
Vejamos, desde já se adiantando que não assiste razão à apelante.
A nulidade prevista no artigo 615.º, n.º 1, alínea b), do Código de Processo Civil - falta de especificação dos fundamentos de factos e de direito que justificam a decisão – é uma decorrência do dever de fundamentação das decisões judiciais com consagração constitucional (artigo 205.º/1, da Constituição da República) e que encontra reflexo no artigo 154.º do Código de Processo Civil, cujo n.º 1 estatui que «As decisões proferidas sobre qualquer pedido controvertido ou sobre alguma dúvida suscitada no processo são sempre fundamentados».
A fundamentação da decisão judicial é, portanto, um elemento essencial da mesma, permitindo que as partes fiquem elucidadas a respeito dos motivos da decisão e que aquela que ficou vencida possa impugnar, perante o tribunal superior, o(s) fundamento(s) da decisão que lhe foi desfavorável; a fundamentação permite, ainda, ao tribunal superior conhecer as razões determinantes da decisão para as poder apreciar no julgamento do recurso. Porém, «há que distinguir cuidadosamente a falta absoluta de motivação da motivação deficiente, medíocre ou errada. O que a lei considera nulidade é a falta absoluta de motivação; a insuficiência ou mediocridade da motivação é espécie diferente, afeta o valor doutrinal da sentença, sujeita-a ao risco de ser revogada ou alterada em recurso, mas não produz nulidade. Por falta de motivação deve entender-se a ausência total de fundamentos de direito e de facto. Se a sentença especificar os fundamentos de direito, mas não especificar os fundamentos de facto, ou vice-versa, verifica-se a nulidade do n.º 2 do art. 668.º»[1].
É jurisprudência pacífica que a nulidade em causa pressupõe que se omita completamente o cumprimento do dever de fundamentação previsto no artigo 154.º do CPC não se verificando perante uma fundamentação meramente deficiente. Uma eventual deficiência na fundamentação da decisão proferida sobre a matéria de facto constitui uma irregularidade que pode ser suprida nos termos previstos na alínea d) do n.º 2 do artigo 662.º do CPC, segundo a qual a Relação deve, mesmo oficiosamente, e quando nisso haja utilidade processual, determinar que não estando devidamente fundamentada a decisão proferida sobre algum facto essencial para o julgamento da causa o tribunal de 1.ª instância a fundamente, tendo em conta os depoimentos gravados ou registados. Desta forma, perante a deficiente fundamentação da decisão proferida sobre a matéria de facto, estando em causa um facto essencial para o julgamento da causa, deverá a Relação determinar a baixa do processo ao tribunal de 1.ª instância, a fim de ser suprido o vício, o qual não configura a causa de nulidade prevista na alínea b) do n.º 1 do CPC.
No caso sub judice, analisando a sentença sob recurso, verifica-se que o tribunal a quo fundamentou de forma exaustiva o julgamento que formou quanto ao ponto de facto provado n.º 14; efetivamente, depois de declarar que aquilo que suporta o taipal (em si mesmo, fechado ou aberto) são os cavilhões superiores, que têm por função prender o taipal ao reboque, socorrendo-se, nomeadamente, das declarações de parte do legal representante da 3ª Ré, o julgador a quo veio a concluir que no caso o acidente ocorreu porque aqueles cavilhões estavam inoperacionais, como o demonstra o seguinte excerto da sentença: «Dos relatórios juntos aos autos [da A.C.T. produzido no âmbito da investigação do acidente de trabalho, e da G.E.P., produzido por conta da Autora] é indicada a inoperacionalidade dos cavilhões de suporte do taipal. E vem totalmente corroborada pelo teor das fotografias juntas aos autos [pelo que expressam – o cavilhão incompleto/sem cabeça – e pelo que não expressam – qualquer outro sinal de defeito do reboque]. Na verdade, foi a única explicação apresentada ao julgador em sede de prova. Frise-se que, nisto, até o próprio legal representante da 3ª ré concorda: a causa imediata do acidente foi o decepamento da parte exterior do cavilhão [a cabeça], por via do tal efeito gilhotina]. A prova é, pois, neste aspecto, unívoca: a causa imediata do acidente prendeu-se com a quebra do cavilhão.
(…)
Que – os cavilhões – estavam inoperacionais resulta da dinâmica do acidente, com a consequente rutura do sistema dos cavilhões, sem que se conheça qualquer factor externo que possa ter conduzido à queda do taipal. E, claro, além de relevar, pela negativa, a ausência de comprovação de qualquer contra-tese, como as supra aludidas, igualmente importa, sobremaneira, pela positiva, a consideração das circunstâncias de tempo e modo em que surgiu a queda do taipal. Ora, (i) o reboque era novo, (iii) tinha acabado de ser entregue, (iii) na primeira abertura do taipal, dá-se a sua imediata queda. (…)».
Resulta assim do exposto que não se verifica a nulidade de falta de fundamentação imputada pela apelante à sentença. De facto, o que a argumentação da apelante revela é a sua discordância com o julgamento do tribunal recorrido a propósito do ponto de facto acima mencionado, mas um eventual erro de julgamento não se confunde com a nulidade de sentença, a qual se prende com vícios de procedimento.
A nulidade prevista naquele normativo legal traduz-se numa contradição entre os fundamentos e a decisão, isto é, ocorre quando os fundamentos, seguindo um raciocínio lógico, devam conduzir a resultado decisório diverso. Conforme explicam António Santos Abrantes Geraldes/Paulo Pimenta/Luís Filipe Pires de Sousa[2], a nulidade em causa ocorre «quando existe incompatibilidade entre os fundamentos de direito e a decisão, ou seja, quando a fundamentação aponta num sentido que contradiz o resultado. Situação que, sendo violadora do chamado silogismo judiciário, em que as premissas devem condizer com a conclusão, também não se confunde com um eventual erro de julgamento, que se verifica quando o juiz decide contrariamente aos factos apurados ou contra norma jurídica que lhe impõe uma solução jurídica diferente». Ainda a propósito deste vício de sentença escreveu-se no Ac. RL de 04.10.2011, proc. n.º 107/2001.L1-7, consultável em www.gsi.pt., o seguinte: «(…) a oposição entre os fundamentos e a decisão só releva como vício formal, para os efeitos da nulidade cominada na alínea c) do n.º 1 do artigo 668.º do CPC, quando se traduzir numa contradição nos seus próprios termos, num dizer e desdizer desprovido de qualquer nexo lógico positivo ou negativo, que não permita sequer ajuizar sobre o seu mérito da causa. Se a relação entre a fundamentação e a decisão for apenas de mera inconcludência, estar-se-á perante uma questão de mérito, reconduzida a erro de julgamento e, por isso, determinativa da improcedência da ação».
Eventuais vícios da decisão sobre a matéria de facto não configuram, sem mais, a invocada causa de nulidade, desde logo porque, conforme explicam José Lebre de Freitas/Isabel Alexandre[3], «a invocação de vários dos vícios que a esta dizem respeito é feita nos termos do artigo 640.º e porque a consequência desses vícios não é necessariamente a anulação do ato (cfr. os n.ºs 2 e 3 do artigo 662)».
Dito isto, concluímos que a alegação da recorrente não integra a previsão do artigo alínea c), do artigo 615.º/1, do CPC, ou seja, não se traduz numa contradição entre os fundamentos da sentença e o seu segmento decisório, antes e eventualmente, na invocação de um erro de julgamento de facto, a apreciar em sede de impugnação da decisão de facto.
Estes três enunciados de facto prendem-se com a causa do sinistro, pelo que serão analisados em conjunto. No que a eles respeita a apelante (…), SA sustenta que o ponto de facto provado n.º 14 não tem suporte probatório, fundando-se apenas em presunções, aduzindo que a prova testemunhal confirma que o reboque foi basculhado antes do acidente, «o que compromete a tese de que os cavilhões estavam inoperacionais no momento da entrega»; aduz que a decisão do tribunal a quo ignora que a 1ª ré e o 2º réu vistoriaram e aceitaram o reboque, sem detetarem qualquer anomalia e que se os cavilhões estivessem inoperacionais tal teria sido detetado na referida vistoria. Conclui a apelante, quanto a este ponto de facto, que o mesmo deverá passar a ter a seguinte redação: «O acidente ocorre após o reboque ter sido recebido e formalmente aceite pelos 1ºs e 2ºs réus». Quanto ao ponto de facto provado n.º 15 afirma a apelante que ele parte de uma conclusão errada, pois o taipal caiu devido à incorreta abertura das trancas laterais pelo sinistrado e não por falha dos cavilhões e que o mesmo deve ser eliminado e relativamente ao ponto de facto provado n.º 16 afirma que se trata de «uma suposição sem base factual» pois que não se provou que os cavilhões estavam inoperacionais», devendo, por isso, ser também eliminado do elenco dos factos provados.
Vejamos.
A dinâmica do acidente mostra-se descrita no ponto de facto provado n.º 13, o qual não foi impugnado: «(…) procedeu à abertura da tranca do lado direito do taipal e, quando foi abrir a outra tranca, do lado esquerdo, o referido taipal caiu, atingindo o pé esquerdo do sinistrado, do que resultou o seu esmagamento.»
Resulta, nomeadamente, da reportagem fotográfica anexa ao relatório da GEP (documento n.º 9 anexo à PI) que o taipal consiste na estrutura que fica na traseira do reboque constituída por duas meias portas que estão guarnecidas por uma estrutura em aço fixa ao reboque, no topo superior, por dois cavilhões, um em cada lado. Do ponto de facto provado n.º 5 decorre que o taipal – logo também as duas meias portas nele integradas – é seguro pelos dois cavilhões colocados, cada um deles, no topo do reboque. Donde, se o taipal caiu – como de facto sucedeu e não é controvertido – então os cavilhões não seguraram o taipal ao reboque. E a razão pela qual não cumpriram essa função é revelada por diversos meios probatórios produzidos nos autos, senão vejamos:
i. consta do relatório da GEP que, em declarações ao sr. perito-averiguador, (…) – que se encontrava no local do sinistro quando este ocorreu, disse o seguinte: «(…) Este reboque, do que nos apercebemos, tinha em falta umas cavilhas na parte superior que seguram a porta que estavam defeituosas motivo pela qual a porta caiu pois não estava segura. Reclamámos a empresa que veio fazer as modificações no reboque de forma a não acontecerem situações futuras, o que foi feito 1 ou 2 dias depois do acidente»; esta testemunha, em sede de julgamento, voltou a referir que os cavilhões não estavam fixos, que viu um deles caído dentro do reboque, e que nenhum deles tinha anilha. E a testemunha (…), sinistrado, referiu em julgamento que os cavilhões são o apoio principal do taipal, aquilo que o agarra ao reboque e «o que se viu foi que um dos cavilhões estava caído no solo do reboque e o outro estava quase a cair, ficou pendurado».
ii. a reportagem fotográfica anexa ao relatório da GEP contém as fotografias que foram fornecidas pela GNR e fotografias que foram tiradas ao reboque pelo sr. perito averiguador da GEP (testemunha …) quando este se deslocou ao local do acidente, o que sucedeu já em momento posterior ao da ocorrência do sinistro. Frisa-se que a testemunha (…) referiu que a sua deslocação ocorreu já depois de o fabricante ter intervindo no reboque, pois, caso contrário, não lhe teria sido possível repetir, como repetiu, o procedimento seguido pelo sinistrado na abertura das portas laterais sem que o taipal tivesse caído. E, adiantou esta testemunha que o taipal não caiu quando ele abriu as portas laterais. Numa das fotografias facultadas pela GNR ao sr. perito averiguador mostra-se assinalada a falta de um cavilhão no topo superior do reboque e numa outra também facultada pela GNR está fotografado o referido cavilhão com a legenda de que lhe falta uma anilha de freio, ou seja, uma anilha de segurança. Pese embora as fotografias facultadas pela GNR não se mostrem datadas, temos razões para supor que as mesmas foram tiradas logo após a ocorrência do acidente, pois que não só a testemunha (…) referiu em julgamento que as fotografias que lhe foram facultadas pelo GNR foram tiradas no dia do sinistro, como resulta das regras de experiência que as mesmas são tiradas quando a GNR se desloca ao local para tomar conta da ocorrência, portanto, em momento próximo ao eclodir do sinistro; acresce que a presença de um dos cavilhões no solo do reboque imediatamente após a ocorrência do acidente foi confirmada pelas testemunhas (…) e (…), como supra referimos. Por conseguinte, quando a GNR se deslocou ao local do sinistro, um dos cavilhões que suporta o taipal ao reboque no topo superior estava caído no solo do reboque e não tinha uma anilha de segurança, a qual permitiria evitar que o cavilhão se deslocasse para fora do orifício onde foi inserido, caiando no chão. Numa das fotografias tiradas pelo sr. perito averiguador ao reboque – dias depois do acidente – mostra-se inserida a seguinte legenda: «Cavilhas já reparadas pelo fabricante com novo método segurança, no caso um freio» (sublinhado nosso); e no relatório da GEP aquele perito averiguador escreveu o seguinte: «apurámos não houve negligencia do sinistrado na abertura da porta, pois aquando da análise fizemos o procedimento que nos referiu fazer e no caso a estrutura da porta não cedeu, pois as cavilhas que a seguram já se encontravam a fazer a sua função de forma segura». E este perito averiguador, em sede de julgamento, voltou a referir que tendo repetido o procedimento que o sinistrado lhe disse ter realizado aquando da ocorrência do sinistro, a estrutura da porta não cedeu porque o reboque já tinha sido intervencionado pelo fabricante.; ou seja, o fabricante já tinha introduzido nos ditos cavilhões um freio que impedia aqueles de se deslocarem para fora do orifício onde são inseridos de forma a segurar o taipal ao reboque.
iii. do relatório da A.C.T. constam os seguintes trechos: «O reboque não tinha os cavilhões/eixos de suporte superior do taipal na sua posição correta. O do lado direito traseiro havia caído, encontrando-se no solo do reboque, e o do lado esquerdo permaneceu na sua abertura (furo), embora deslocado da posição de suporte do taipal», «Uma avaria compatível com este tipo de acidente e que foi confirmada posteriormente, é a rutura/deslocação dos cavilhões/eixos de suporte do taipal»; e, em sede de julgamento, a testemunha (…), Inspetor do Trabalho e que subscreveu o relatório da A.C.T., quando questionado sobre a causa do sinistro, afirmou que o caixilho que fixa as portas ao reboque soltou-se por inteiro porque «um dos cavilhões não estava lá e o outro estava deslocado», acrescentando que «teria sido um problema de encaixe dos cavilhões e que ou os cavilhões foram mal montados na fábrica ou se desencaixaram no transporte», afirmando, ainda, que «se os cavilhões estivessem no sítio, o acidente não teria ocorrido».
Todos os meios probatórios acima referidos sustentam, portanto, a inoperacionalidade dos cavilhões que o julgador a quo julgou provada no ponto de facto n.º 14 e que foi alegada pela autora na respetiva petição inicial a par da seguinte factualidade: «Prosseguindo, o sinistrado procedeu à abertura da tranca do lado direito traseiro do taipal e, quando foi abrir a outra tranca ou fecho, do lado esquerdo traseiro, o referido taipal, por não ter nenhum mecanismo de segurança acoplado que o sustivesse, caiu, atingindo o pé esquerdo do sinistrado» (artigo 16.º da PI), «Para infortúnio de todos os envolvidos, o referido reboque padecia de uma série de anomalias que só foram detectadas após o acidente» (artigo 44º), «Sendo que, a avaria ou anomalia que esteve na origem do acidente e que foi posteriormente confirmada, prende-se com a ruptura dos cavilhões eixos de suporte superior do taipal» (artigo 45.º da PI).
Numa tentativa de atribuir o sinistro a uma causa diferente que não a “inoperacionalidade” dos cavilhões, diz a apelante que o funcionário da 3ª ré que procedeu à entrega e ao descarregamento do reboque em questão confirmou que ao ser descarregado o reboque, o mesmo foi acoplado a um trator da 1ª ré e que existiu um momento em que o reboque foi basculado, defendendo que o reboque foi experimentado pela 1ª ré através dos seus funcionários e pelo 2º réu e que esse teste de experiência com o reboque pode ter despoletado a quebra dos cavilhões, «por basculamento incorreto/não total do reboque». A tal respeito diz-se na sentença recorrida o seguinte: «(…) Foi inquirida a testemunha que retirou o reboque do camião da 3ª ré (…) e este disse não ter ocorrido qualquer basculamento. Igualmente, nem o 2º réu nem o sinistrado (…) o referiram. Ademais, o basculamento só é possível quando o reboque se encontra atrelado a um trator, o que apenas sucedeu quando (...) o retirou do camião da 3ª ré, pelo que não se vislumbra em que espaço temporal teria ocorrido esse basculamento (teria de ser presenciado por …). Apenas o maquinista da 3ª ré que trouxe o reboque para a herdade da 1ª ré (…) disse ter visto o final de um basculamento. Enfim, não se atribui grande credibilidade a tal narração, uma vez que não só vai ao arrepio das demais provas acabadas de referir, como das próprias regras de experiência. É que fica por explicar a razão pela qual teriam os funcionários da 1ª ré feito um basculamento e incompleto para, no exato momento a seguir, se pretender abrir manualmente o taipal para retirar do mesmo os pneus».
A fundamentação do julgador a quo para afastar a explicação apresentada pela testemunha (…) não nos merece censura, depois de ouvidos os depoimentos das testemunhas … (afirmou convincentemente que foi ele que descarregou o reboque, que o desengatou do trator e que o deixou estacionado no sítio onde ocorreu o acidente) e (…) afirmou que o reboque tinha acabado de chegar quando o seu superior lhe pediu para ir retirar do interior do mesmo os pneus sobressalente que lá se encontravam, o que revela que o sinistro ocorreu pouco tempo depois do reboque ter sido desengatado do trator, não se vislumbrando a oportunidade nem a razão para fazer um basculamento quando o reboque continha, tão só, quatro pneus. Aliás nas declarações que prestou ao perito averiguador da GEP (…) declarou o seguinte: «Tinha distribuído as tarefas ao (…), que no caso tinha que retirar umas rodas suplentes que se encontravam no interior do reboque tendo para tal que abrir a porta retirar as rodas para depois as guardar porque os reboques eram novos e haviam chegado a Herdade nesse dia». Acresce que das fotografias tiradas pela GNR no dia do acidente não se vislumbra que o reboque estivesse acoplado a qualquer trator e o basculamento exigiria que o estivesse.
De todo o exposto, se conclui pela improcedência da impugnação do julgamento de facto quanto aos pontos de facto provados n.ºs 14, 15 e 16.
Defende a apelante que deve ser julgado provado que «A 3ª ré entregou à 1ª ré o reboque com o respetivo manual de instruções». Para tal desiderato sustenta que tal resultou do depoimento da testemunha (…) e que na própria sentença recorrida se refere que (…), inspetor da A.C.T teve acesso a uma versão do manual em espanhol. Ora a apelante não põe em causa que não foi entregue um manual de instruções em língua portuguesa nem o registo de verificação e ensaios e foi essa factualidade que foi alegada no artigo 63.º da petição inicial. Por conseguinte, improcede a impugnação quanto a este ponto de facto. De qualquer modo, sempre se dirá que de trata de facto inócuo para a decisão da causa, na medida em que não se provou que a ausência do manual de instruções tenha sido a causa ou tenha contribuído para a eclosão do sinistro.
Defende a apelada … (e recorrente do recurso subordinado) que o enunciado em questão deverá passar a ter a seguinte redação: «Em sequência, o 2º réu apenas examinou o exterior do reboque, não tendo conseguido detetar o defeito existente nos cavilhões superiores que suportavam o taipal». Para tal desiderato invoca os depoimentos das testemunhas (…), inspetor da A.C.T, e do réu (…), superior hierárquico do sinistrado, logo funcionário da 1ª ré.
O enunciado em causa reporta-se à verificação do reboque que efetivamente ocorreu no dia do sinistro e não há verificação do reboque que deveria ou poderia ter sido feita. Donde, o depoimento da testemunha (…), inspetor geral do trabalho, que não estava no local quando o acidente ocorreu, ser irrelevante para o enunciado em apreço. Foi a testemunha (…) quem efetuou a verificação do reboque. Assim o assumiu em sede de julgamento, tendo dito que fez uma vistoria geral ao reboque pelo exterior e não se apercebeu de qualquer defeito nos cavilhões; e foi isso que ficou consignado no enunciado em questão, pelo que a sua redação não merece censura. Frisa-se, no entanto, que a apelante/ré nunca alegou na sua petição inicial que a verificação deveria ter sido feita também pelo interior do reboque ou que uma mera verificação exterior não permitia perceber o defeito dos cavilhões.
Por conseguinte, improcede este segmento da impugnação de facto.
Liminarmente se dirá que o enunciado de facto constante da alínea d) contém um juízo de natureza conclusiva que não decorre quer da factualidade contida na respetiva redação quer de qualquer ponto de facto julgado provado. Ora, julgamos ser entendimento pacífico na jurisprudência dos tribunais superiores que as conclusões apenas podem extrair-se de factos materiais, concretos e precisos que tenham sido alegados, sobre os quais tenha recaído prova que suporte o sentido dessas alegações, sendo esse juízo conclusivo formulado a jusante, na sentença, onde cabe fazer a apreciação crítica da matéria de facto provada. Embora não conste do Código de Processo Civil vigente uma norma como a do artigo 646.º, n.º 4, do Código de Processo Civil de 1961, que considerava não escritas as respostas do tribunal coletivo sobre questões de direito», decorre do disposto no artigo 607.º, n.º 4, do CPC que na sentença são de afastar expressões de conteúdo puramente valorativo ou conclusivo, destituídas de qualquer suporte factual e resulta do disposto no artigo 662.º, n.º 2, alínea c), do CPC que o tribunal da relação deve considerar não escritos os enunciados da matéria de facto que contenham juízos conclusivos e genéricos e matéria de direito. É também jurisprudência pacífica dos tribunais superiores que os enunciados de facto (provados e não provados) não devem conter afirmações de natureza conclusiva que integrem o thema decidendum. Entende-se, como tal, o conjunto de questões de natureza jurídica que constituem o objeto do processo. E que sempre que um ponto da matéria de facto integre uma afirmação ou valoração de factos que se insira na análise das questões jurídicas a decidir, comportando uma resposta, ou componente de resposta, àquelas questões, tal ponto do enunciado deve ser eliminado – neste sentido, entre outros, Ac. RP de 09.03.2020, processo n.º 3789/15.9T8VFR.P1, consultável em www.dgsi.pt. Ora o enunciado em questão integra o thema decidendum na medida em que a autora defendeu na sua petição inicial (e continua a defender no seu recurso subordinado) que a ré (…) – Atividades Agrícolas, Lda. deve ser condenada também no pedido porque o sinistro ficou «a dever-se à inobservância das mais elementares regras de segurança por parte da primeira ré bem como do seu encarregado, responsável pelo sector agrícola, o aqui 2º Réu». Por conseguinte, improcede a impugnação quanto ao enunciado constante da alínea d).
Quanto ao enunciado constante da alínea a), também ele contem um juízo de natureza conclusiva, que não tem suporte factual na respetiva redação e que, além mais, contém questão que integra o thema decidendum, pelo que não pode transitar para o elenco dos factos provados como pretende a apelante, improcedendo a impugnação no que a ele respeita.
Quanto ao ponto de facto não provado constante da alínea c) resultou da prova oral produzida em julgamento, concretamente dos depoimentos das testemunhas (…) e (…) que o sinistrado sabia como proceder à abertura das meias portas do reboque pois já o fizera antes. (…) afirmou e depois do sinistro continuaram a abrir a porta do reboque da mesma forma, que é a forma segura de abrir as portas: destrancar as cavilhas laterais, que são trancas de segurança, e depois abrem as portas. E acrescentou que «o acidente poderia ter acontecido consigo porque teve a ver com os cavilhões». Também a testemunha (…) afirmou que ele próprio abriu as meias portas da mesma forma que o sinistrado lhe dissera que as abrira no dia do sinistro e que não houve problema, o taipal não caiu. Isso mesmo foi consignado no relatório da GEP de onde se extrai o seguinte trecho: «apurámos não houve negligencia do sinistrado na abertura da porta, pois aquando da análise fizemos o procedimento que nos referiu fazer e no caso a estrutura da porta não cedeu, pois as cavilhas que a seguram já se encontravam a fazer a sua função de forma segura».
Diz-se na sentença sob recurso o seguinte: «(…) não se prova igualmente que o acidente se deveu à falta de formação e informação adequada ao sinistrado no manuseamento do equipamento fornecido pela 3ª ré. O sinistrado não podia remover os fechos laterais e proceder à abertura das meias portas em segurança? Podia. Disse o próprio que sempre o fez e continuou a fazer após o acidente. Aliás, como já supra dito, nem o manual de instruções o prevê. Novamente: o risco que se concretizou no acidente [o defeito no reboque por inoperacionalidade dos cavilhões superiores] não substituía, em si, a formação sobre o manuseamento de reboques, designadamente a formação em “segurança de equipamentos e alfaias agrícolas» pois são formações distintas, como explicou (…), inspetor da A.C.T. , e pese embora a ação de formação de condução de trator efetivamente realizada pelo sinistrado não haja implicado o manuseamento de taipais idênticos ao do reboque em causa nos autos [com meias portas], como disse o próprio, tudo isso é algo inócuo.» Concorda-se integralmente com esta fundamentação.
Improcede, pois, a impugnação quanto ao enunciando em apreço.
DECISÃO
Em face do exposto, procede parcialmente a impugnação do julgamento de facto e, em conformidade, determina-se que a redação do ponto de facto provado n.º 5 passe a ser a seguinte: «O taipal deverá estar preso ao reboque por dois cavilhões/eixos, que estão colocados na sua parte superior, segurando cada cavilhão uma meia porta, o que permite que o mesmo basculhe ou que as meias portas sejam abertas [apenas uma ou as duas simultaneamente] sem que o taipal se desprenda do reboque».
II.4.3.
Do Direito
A sentença sob recurso condenou a 3ª Ré (…), SA no pagamento à autora da quantia de € 51.428,65 [cinquenta e um mil quatrocentos e vinte e oito euros e sessenta e cinco cêntimos], acrescida de juros moratórios calculados à taxa legal civil desde a citação até integral pagamento, e absolveu os demais réus daquele pedido, por ter considerado que a responsabilidade pela ocorrência do acidente em causa nos autos deve ser imputada exclusivamente àquela ré, por ter fabricado e posto em circulação um reboque não operacional e de cuja inoperacionalidade resultou a queda do taipal que esmagou o pé esquerdo do sinistrado.
Não é controvertido que, à data do sinistro em causa nos autos: i. a responsabilidade civil emergente de acidentes de trabalho que envolvessem o sinistrado (…), à data funcionário da ré (…) – Atividades Agrícolas, Lda., se encontrava transferido para a autora por contrato de seguro; ii. o sinistro consistiu num acidente de trabalho; e iii. a autora satisfez a pretensão indemnizatória ao lesado.
Aquilo que é contestado pela apelante (…), SA é a imputação da responsabilidade pela ocorrência do sinistro a ele própria, defendendo no recurso que interpôs que o acidente ocorreu devido «a erro humano na abertura das trancas laterais aliado à falta de formação do sinistrado, e nunca à alegada inoperacionalidade dos cavilhões» e que a sentença recorrida «interpretou erradamente o artigo 17.º da Lei n.º 98/2009, de 04.09 e o regime da responsabilidade objetiva do D/L n.º 383/89, de 06.11, na medida em que «o regime da responsabilidade civil do produtor não dispensa a prova do dano que cabe à Autora demonstrar e a decisão recorrida apenas presume a existência de um defeito sem prova cabal que o sustente, violando ónus da prova» e que «não ficou provado que o acidente decorreu exclusivamente de um defeito do produto pelo que a apelante não podia ser condenada com base na responsabilidade objetiva». Já a Companhia de Seguros (…) defende, no seu recurso subordinado, que da alteração da matéria de facto que preconiza resulta que a 1ª ré é co-responsável pelo eclodir do sinistro porque sendo a entidade empregadora do sinistrado não procedeu a uma avaliação dos riscos e condições de trabalho no local, pelo que deve ser condenada juntamente com a 3ª ré.
Na sentença do tribunal recorrido, na parte que ora releva, escreveu-se o seguinte: «(…) indo diretamente à questão central: provou-se que o acidente se deveu a desconformidade do reboque entregue pela 3ª ré, e não a violação das regras de segurança por parte da 1ª ré, entidade patronal do sinistrado, desrespeitadas, in loco, pelo 2º réu, seu representante, ou à falta de formação do sinistrado. Destarte, inexiste possibilidade de imputação à esfera jurídica dos 1º e 2º Réus dos prejuízos sofridos pela Autor. O risco materializado no acidente [o defeito havido no reboque que não tinha os cavilhões de suporte superior do taipal operacionais] em nada se prendeu com alguma falta de formação do sinistrado [que só tinha as formações provadas no ponto 17, ou seja, nenhuma específica sobre manuseamento de reboques, designadamente a formação em segurança de equipamentos e alfaias agrícolas] nem com alguma quebra de segurança da 1ª Ré ou incorreta ordem provinda do 2º réu. Noutra perspetiva: da factualidade provada, nada traz implicada a imputação da causa do acidente a qualquer comportamento, ainda que omissivo, por parte dos 1º e 2º réus.
Relativamente à 3ª Ré, na precisa medida inversa, existe óbvia responsabilidade objetiva, nos termos do artigo 1.º do D/L n.º 383/89, de 06 de novembro [o produtor é responsável, independentemente de culpa, pelos danos causados por defeito dos produtos que põe em circulação] ao ter fabricado e posto em circulação um reboque não operacional e de cuja inoperacionalidade resultou a queda do taipal. Defeituoso, pois, nos termos do artigo 4.º, n.º 1, do citado diploma [um produto é defeituoso quando não oferece a segurança com que legitimamente se pode contar, tendo em atenção todas as circunstâncias, designadamente a sua apresentação, a utilização que dele razoavelmente possa ser feita e o momento da sua entrada em circulação].»
Esta fundamentação do tribunal recorrido não nos merece qualquer censura na medida em que ela tem suporte na factualidade julgada provada. Ainda assim sempre diremos o seguinte.
O artigo 1.º do D/L 383/89, de 06.11[4] dispõe que o produtor é responsável, independentemente de culpa, pelos danos por defeitos dos produtos que põe em circulação.
Não é controvertido que neste preceito legal está consagrado o princípio da responsabilidade objetiva do produtor: ou seja, a culpa não constitui pressuposto da responsabilidade por produtos defeituosos, nem enquanto culpa provada nem como culpa presumida; desde que se prove o dano, o defeito e o nexo de causalidade entre o dano e o defeito, a vítima de produtos defeituosos tem direito a ser indemnizada em certos termos, em nada adiantando ao fabricante a prova de que agiu sem culpa ou de que os danos se teriam igualmente produzido ainda que não houvesse atuação culposa da sua parte. Donde, a vítima de produtos defeituosos tem de alegar e provar o dano, o defeito e o nexo de causalidade entre um e outro, mas não já a culpa, nem sequer a ilicitude da conduta do produtor, pois estes não são elementos constitutivos ou pressupostos da responsabilidade objetiva[5].
O facto gerador da responsabilidade objetiva do produtor é o defeito do produto que põe em circulação e não a aptidão ou idoneidade deste para a realização do fim a que é destinada[6].
Nos termos do disposto no artigo 4.º do diploma legal que vimos citando, um produto é defeituoso quando «não oferece a segurança com que legitimamente se pode contar, tendo em atenção todas as circunstâncias, designadamente a sua apresentação, a utilização que dele razoavelmente possa ser feita e o momento da sua entrada em circulação».
A “segurança” constitui a pedra de toque para o conceito de “defeito” à luz do referido artigo 4.º. Ou seja, a noção de defeito é a falta de segurança do produto. A falta de segurança «com que se possa legitimamente contar», ou, dito de outra forma, a «segurança esperada e tida por normal nas conceções do tráfico do respetivo setor de consumo»[7].
No artigo 3.º do D/L n.º 69/2005, de 17.03[8] define-se como “produto seguro” «qualquer bem que, em condições de utilização normais ou razoavelmente previsíveis, incluindo a duração, se aplicável a instalação ou entrada em erviço e a necessidade de conservação, não apresente quaisquer riscos ou apresente apenas riscos reduzidos compatíveis com a sua utilização e considerados conciliáveis com um elevado nível de proteção da saúde e segurança dos consumidores, tendo em conta, nomeadamente: i) As características do produto, designadamente a sua composição; ii) A apresentação, a embalagem, a rotulagem e as instruções de montagem, de utilização, de conservação e de eliminação, bem como eventuais advertências ou outra indicação de informação relativa ao produto; iii) Os efeitos sobre outros produtos quando seja previsível a sua utilização conjunta; iv) As categorias de consumidores que se encontrarem em condições de maior risco ao utilizar o produto, especialmente crianças e os idosos». Também aqui, o cerne da noção de defeito é a falta de segurança que é legitimamente esperada do produto.
Por fim, a responsabilidade civil do produtor diz respeito aos danos causados pelos defeitos dos produtos circulantes no mercado, ou, dito de outra forma, para que o produtor seja responsabilizado pelos danos causados pelo produto defeituosos é necessário que o mesmo o tenha posto em circulação [cfr. artigos 1.º, 5.º, alíneas b) e c), do D/L 383/89].
Um produto é posto em circulação no momento em que o produtor, consciente e voluntariamente, o lança no tráfico para comercialização, o entrega voluntariamente a terceiro com o correlativo poder de disposição, de direção e de controlo. E isto será assim, também quando o negócio implicar o envio da coisa para lugar diferente do cumprimento, a expedição para o adquirente basta para se poder falar de produto posto em circulação, porque é sinal que o produtor entende que o produto reúne as condições de segurança para uso e porque a partir desse momento deixa de ter, por via d e regra, o domínio de facto sobre o produto.
No caso em apreço a apelante (…), SA põe em causa no seu recurso a existência de defeito do reboque e que tenha sido esse defeito que originou o sinistro em causa nos autos. O que é completamente contraditado pela factualidade julgada provada, da qual emana que o reboque foi entregue com os cavilhões/eixos que estão colocados na sua parte superior, e que têm por função fixar o taipal ao reboque, inoperacionais na medida em que não estavam em condições de segurar o taipal ao reboque e, por essa razão, deu-se a queda do taipal quando (…) o tentou abrir, após destrancar os fechos laterais, caindo sobre o pé esquerdo daquele, esmagando-o. Resulta da factualidade julgada provada que foi a referida deficiência do reboque e apenas ela que propiciou o acidente e a produção dos danos sofridos pelo sinistrado e que a autora teve de indemnizar, enquanto seguradora. A autora logrou provar, como lhe competia, atento o disposto no artigo 342.º, n.º 1, do Código Civil, que a fabricante do reboque colocou em circulação um produto que não apresentava as condições de segurança legitimamente esperadas, porque os cavilhões – dispositivos que seguram, no topo, a estrutura traseira do reboque, ou taipal, ao reboque – não estavam aptos a desempenhar aquela função de fixação [porque lhes faltava uma anilha de segurança que impedisse de eles se deslocarem] e que, em consequência dessa “inoperacionalidade” dos cavilhões, o taipal caiu, esmagando o pé do sinistrado, não se tendo provado qualquer outras circunstâncias que tenham concorrido para a eclosão do sinistro e suscetíveis de quebrar o nexo de causalidade entre o defeito do reboque e o dano que a queda do mesmo ocasionou.
Quanto à pretensão da recorrente (…), o julgamento de facto não permite imputar qualquer responsabilidade pela ocorrência do acidente aos 1º e 2º Réus, pois não se provou que estes tenham contribuído para a verificação do sinistro com alguma conduta negligente, remetendo-se para a fundamentação do julgador a quo a qual acima de transcreveu.
Em face do exposto, improcede a apelação, mantendo-se a sentença recorrida.
III. DECISÃO
Em face do exposto, acordam em julgar a apelação improcedente, mantendo a sentença recorrida.
As custas na presente instância relativamente ao recurso principal são da responsabilidade da apelante, sendo que a este título apenas é devido o pagamento de custas de parte pois mostra-se paga a taxa de justiça devida pelo impulso processual, e as custas relativas ao recurso subordinado são da responsabilidade da Companhia de Seguros (…), sendo que a esse título apenas são dividas custas de parte porquanto se mostra paga a taxa de justiça devida pelo impulso processual.