FUNDO DE GARANTIA DE ALIMENTOS DEVIDOS A MENORES
ALIMENTOS DEVIDOS A FILHOS MENORES
DESPESAS ELEGÍVEIS
Sumário

- Quando a obrigação de alimentos inclua uma parte variável ou eventual — como despesas médicas, medicamentosas ou escolares não comparticipadas —, essa componente não pode ser transformada automaticamente numa quantia fixa e líquida no âmbito de um incidente de incumprimento em que se determine a intervenção do FGADM em substituição do progenitor faltoso;
- A modificação do montante da prestação de alimentos, para vincular o devedor originário e, consequentemente, o FGADM, deve ser feita em ação de alteração da regulação das responsabilidades parentais, nos termos do artigo 42.º do RGPTC.
(Sumário do Relator)

Texto Integral

Processo n.º 6180/09.2TBVFX-A.E1 - Recurso de Apelação
Tribunal Recorrido – Tribunal Judicial da Comarca de Santarém, Juízo de Família e Menores de Santarém - Juiz 1
Recorrente – Instituto de Gestão Financeira da Segurança Social I.P.
Recorridos – (…) e (…)

*
Sumário: (…)

**
Acordam os Juízes na 2ª Secção Cível do Tribunal da Relação de Évora
*
I – RELATÓRIO
(…) deduziu contra (…) incidente de incumprimento da regulação do exercício das responsabilidades parentais.
Em síntese, alegou que o requerido não cumpre a obrigação de alimentos fixada a favor do jovem (…), nascido em 05.10.2005, encontrando-se em dívida, à data da dedução do incidente, a quantia de € 1.385,89, correspondente às prestações de alimentos (componente fixa) relativas ao período compreendido entre janeiro e novembro de 2023, acrescida do valor de € 421,00, correspondente a 50% das despesas de escolares, médicas e medicamentosas.

Por decisão de 10.06.2024, foi declarado o “(…) o incumprimento pelo requerido (…) do regime de regulação das responsabilidades parentais, referente ao pagamento da pensão de alimentos e despesas devidas ao seu filho (…), no período compreendido entre Janeiro, fevereiro, março, abril, maio, junho, julho, agosto, setembro, outubro e novembro de 2023, num total de € 1.385,89 (mil e trezentos e oitenta e cinco euros e oitenta e nove cêntimos) bem como da sua quota parte (50%) nas despesas escolares, médicas e medicamentosas, no total de € 421,00 (quatrocentos e vinte e um euros)”.

Na impossibilidade de cobrança coerciva da obrigação de alimentos com recurso ao mecanismo previsto no artigo 48.º do RGPTC, foi solicitada à segurança social a elaboração com vista à eventual intervenção do FGADM.

Por decisão de 13.03.2025, foi fixado o valor de “(…) € 100,00 mensais a titulo de pensão de alimentos fixa e o valor de € 75,00 mensais a titulo de pensão de alimentos variável num total de € 175,00 a favor do (…), nascido a 05.10.2005, a prestar pelo Fundo de Garantia dos Alimentos Devidos a Menores, em substituição do progenitor (…), e a entregar à mãe (…)”.


O Instituto de Gestão Financeira da Segurança Social, I.P., inconformado com esta decisão, dela veio interpor o presente recurso, cuja motivação concluiu do seguinte modo:
“1. Vem o presente recurso interposto da douta decisão a fls…, de 13-02-2025, que condenou o FGADM a assegurar ao jovem (…), em substituição do progenitor incumpridor, uma prestação de alimentos fixa no valor mensal de € 100,00 (cem euros), a que acresce o pagamento do montante mensal de € 75,00 (setenta e cinco euros), a título de prestação de base variável, na parte que se reporta à condenação do FGADM na prestação de base variável de € 75,00 (setenta e cinco euros).
2. Nos termos do preceituado no artigo 1.º da Lei n.º 75/98, de 19 de Novembro e no artigo 3.º do DL n.º 164/99, de 11 de Maio, para que o FGADM seja chamado a assegurar as prestações de alimentos atribuídas a menores / jovens residentes no território nacional é necessário que se verifiquem os pressupostos seguintes:
- que o progenitor esteja judicialmente obrigado a alimentos;
- a impossibilidade de cobrança das prestações em divida nos termos do artigo 48.º do RGPTC;
- que o alimentado não tenha rendimento ilíquido superior ao valor do indexante dos apoios sociais (IAS), nem beneficie de rendimentos de outrem a cuja guarda se encontre, superiores ao valor do IAS;
3. A lei faz depender a obrigação do FGADM da verificação cumulativa dos requisitos previstos nos diplomas que o regulamentam.
4. O sentido e a razão de ser da lei é apenas o de assegurar que, através do FGADM, os menores possam receber os alimentos fixados judicialmente a seu favor, mas apenas estes e após esgotados os meios coercivos previstos no artigo 48.º do RGPTC.
5. A obrigação do FGADM sendo nova e autónoma, não deixa de revestir natureza subsidiária, substitutiva relativamente à obrigação familiar (a dos progenitores).
6. Verificados os pressupostos para a sua intervenção, o FGADM só assegura a prestação alimentícia do menor, em substituição do devedor incumpridor, enquanto este não iniciar ou reiniciar o cumprimento da sua obrigação.
7. Ao FGADM não cabe substituir definitivamente uma obrigação legal de alimentos devida aos menores.
8. O valor da prestação de alimentos a suportar pelo FGADM não pode exceder o montante da pensão de alimentos fixada (ou seja, a pensão de base fixa estabelecida ao progenitor) e incumprida pelo obrigado originário.
9. Por acordo homologado por douta sentença em 20-05-2010, proferida em sede do processo principal, a Requerente e o Requerido acordaram fixar o valor da pensão de alimentos, devida pelo Requerido, ao seu filho, (…) em € 100,00 (cem euros) mensais.
10. Mais foi acordado, que tal quantia seria actualizável anualmente, em Junho à taxa de 2%, com início em Junho 2011.
11. Foi acordado, ainda, que o Requerido contribuiria com metade das despesas médicas, medicamentosas e escolares, na parte não comparticipada, contra apresentação de recibo.
12. A decisão ora recorrida condenou o FGADM a assegurar, ao jovem em causa, uma prestação de alimentos de base fixa, no valor mensal de € 100,00 (cem euros), e uma prestação de alimentos de base variável, no montante mensal de € 75,00 (setenta e cinco euros), ou seja, uma prestação global mensal no montante de € 175,00 (cento setenta cinco euros), em substituição do progenitor (…).
13. Não tendo sido referida qualquer necessidade especial do jovem é notório que as despesas médicas, medicamentosas e escolares, em causa, são extraordinárias, pontuais e esporádicas.
14. Tais despesas não têm uma natureza regular e muito menos mensal, podendo até não se verificarem.
15. Trata-se de despesas eventuais, de montante incerto e variável.
16. Atenta a natureza da prestação a cargo do FGADM e os critérios objectivos fixados legalmente para efeitos da sua determinação, em especial, o “montante da prestação de alimentos fixada”, a que se faz menção no artigo 2.º, n.º 2 e no artigo 4.º-A, n.º 1, da Lei 75/98, de 19 de Novembro e no artigo 3.º, n.º 5, do Dl n.º 164/99, de 13 de Maio, parece-nos inequívoco não poder o FGADM ser obrigado a suportar a variabilidade que está presente nas comparticipação das referidas despesas.
17. A legislação aplicável ao FGADM e em particular, o “montante da prestação de alimentos fixada”, a que se reportam os dispositivos legais anteriormente citados, aponta inequivocamente que para fixação do valor da prestação a cargo do FGADM haverá que atender a um valor determinado da pensão de alimentos.
18. Salvo o devido respeito, não se pode incluir no “montante da prestação de alimentos fixada”, despesas cujo valor se ignora.
19. Para efeitos de determinar o montante da prestação substitutiva de alimentos a cargo do FGADM haverá necessariamente que recorrer ao critério de atender à pensão de alimentos de base fixa determinada ao obrigado originário.
20. De outra forma, tal implicaria a possibilidade de se poder ultrapassar o montante fixado a cargo do devedor originário, o que a lei não permite.
21. Salvo o devido respeito e melhor entendimento, a douta decisão ora recorrida, fixando o valor da prestação a cargo do FGADM, em montante superior ao da pensão de alimentos de base fixa, estabelecida ao obrigado originário violou o disposto no artigo 4.º-A, n.º 1, da Lei n.º 75/98, de 19 de Novembro.
22. O FGADM fica sub-rogado em todos os direitos do menor/jovem a quem sejam atribuídas as prestações, com vista à garantia do respectivo reembolso (artigo 6.º, n.º 3, da Lei n.º 75/98, de 19 de Novembro e artigo 5.º, n.º 1, do DL n.º 164/99, de 13 de Maio).
23. A sub-rogação do FGADM tem como limite, o direito a um determinado montante de alimentos fixado judicialmente, não o podendo exceder.
24. Atendendo a que o valor da pensão de alimentos estabelecida ao progenitor incumpridor é de € 100,00 (cem euros), como resulta da decisão ora recorrida, é esse “o montante da prestação de alimentos fixada” a ter em conta, para efeitos de determinação do valor da prestação a cargo do FGADM, pelo que, o FGADM não pode ser obrigado a suportar uma prestação superior, no caso, no valor global de € 175,00 (€ 100,00 + € 75,00).
25. Quanto muito, poderia ter sido fixada ao FGADM uma prestação de alimentos (a título de prestação substitutiva de pensão de alimentos de base fixa), cujo valor incluísse as actualizações determinadas à pensão de alimentos de base fixa, estabelecida ao devedor originário, o que a douta decisão ora recorrida não determinou”.

Pede que seja “dado provimento ao presente recurso, declarando-se que o montante da prestação de alimentos a cargo do FGADM está limitado pelo valor da prestação fixa, determinada judicialmente ao progenitor do jovem e, consequentemente, deve ser revogada a douta decisão recorrida, na parte que determina, uma prestação substitutiva de alimentos de base variável, no valor de € 75,00, reduzindo-se o valor da prestação global mensal a cargo do FGADM para o montante de € 100,00 (cem euros)”.

Não foi apresentada resposta.
*
II – QUESTÕES A DECIDIR
Perante as conclusões das alegações do Recorrente, a única questão que importa apreciar é se, na decisão que determina a intervenção do Fundo de Garantia de Alimentos Devidos a Menores pode ou não ser contemplado um montante fixo, por conta de despesas variáveis previstas na regulação do exercício das responsabilidades parentais.

*
Colhidos que se mostram os vistos, cumpre apreciar e decidir.

*
III - FUNDAMENTAÇÃO
3.1. – FUNDAMENTOS DE FACTO
Com interesse para a decisão, importa ter em consideração os seguintes factos:
a) (…) nasceu em 05.10.2005 e é filho de requerente e requerido;
b) Por decisão de 20.05.2010, proferida no processo principal, foi regulado o exercício das responsabilidades parentais relativas ao jovem (…), no que agora interessa nos seguintes termos:
1 – Fixam a residência do menor junto da progenitora.
(…)
11 – O pai contribuirá com a quantia mensal de € 100,00, a título de pensão de alimentos para o menor, a entregar à mãe até ao dia 8 de cada mês, através de transferência bancária.
12 – A pensão de alimentos será actualizada anualmente, em Junho à taxa de 2%, com início em Junho de 2011.
13 – O pai contribuirá com metade das despesas médicas, medicamentosas e escolares, do menor, na parte não comparticipada contra apresentação de recibo.
14 – O pai suportará os custos inerentes ao seguro de saúde do menor”.
c) Em 22.11.2023, a progenitora deduziu contra o progenitor incidente de incumprimento da regulação do exercício das responsabilidades parentais.
Em síntese, alegou que o requerido não cumpre a obrigação de alimentos fixada a favor do jovem (…), nascido em 05.10.2005, encontrando-se em dívida, à data da dedução do incidente, a quantia de € 1.385,89, correspondente às prestações de alimentos (componente fixa) relativas ao período compreendido entre janeiro e novembro de 2023, acrescida do valor de € 421,00, correspondente a 50% das despesas de escolares, médicas e medicamentosas.
d) Por decisão de 10.06.2024, foi declarado o “(…) o incumprimento pelo requerido (…) do regime de regulação das responsabilidades parentais, referente ao pagamento da pensão de alimentos e despesas devidas ao seu filho (…), no período compreendido entre Janeiro, fevereiro, março, abril, maio, junho, julho, agosto, setembro, outubro e novembro de 2023, num total de € 1.385,89 (mil e trezentos e oitenta e cinco euros e oitenta e nove cêntimos), bem como da sua quota parte (50%) nas despesas escolares, médicas e medicamentosas, no total de € 421,00 (quatrocentos e vinte e um euros)”.
e) Na impossibilidade de cobrança coerciva da obrigação de alimentos com recurso ao mecanismo previsto no artigo 48.ºdo RGPTC, foi solicitada à segurança social a elaboração com vista à eventual intervenção do FGADM.
f) Por decisão de 13.03.2025, foi fixado o valor de “(…) € 100,00 mensais a titulo de pensão de alimentos fixa e o valor de € 75,00 mensais a titulo de pensão de alimentos variável num total de € 175,00 a favor do (…), nascido a 05.10.2005, a prestar pelo Fundo de Garantia dos Alimentos Devidos a Menores, em substituição do progenitor (…), e a entregar à mãe (…)”.

*
3.2. – APRECIAÇÃO DO MÉRITO DO RECURSO
3.2.1. No caso concreto, está assente o incumprimento da regulação do exercício das responsabilidades parentais, na vertente da obrigação de alimentos, por parte do requerido.
Não tendo sido possível recorrer aos meios processuais previstos no artigo 48.º do RGPTC, a fim de se tornar efetiva a prestação, foi determinada a intervenção do FGADM.
A questão que se debate tem que ver, não com o facto de ter sido atribuído ao FGADM o encargo de satisfazer a obrigação de alimentos em substituição do progenitor faltoso – isso, a Recorrente não questiona – mas antes a extensão dessa intervenção.

Vejamos.
A Constituição da República Portuguesa consagra expressamente o direito das crianças à proteção, como função da sociedade e do Estado, tendo em vista o seu desenvolvimento integral (artigo 69.º). Ainda que assumindo uma dimensão programática, este direito impõe ao Estado os deveres de assegurar a garantia da dignidade da criança como pessoa em formação a quem deve ser concedida a necessária proteção. Desta conceção resultam direitos individuais, desde logo o direito a alimentos, traduzido no acesso a condições de subsistência mínimas, o que, em especial no caso das crianças, não pode deixar de comportar a faculdade de requerer à sociedade e, em última instância, ao próprio Estado as prestações existenciais que proporcionem as condições essenciais ao seu desenvolvimento e a uma vida digna.
A proteção à criança, em particular no que toca ao direito a alimentos, tem merecido também especial atenção no âmbito das organizações internacionais especializadas nesta matéria e de normas vinculativas de direito internacional elaboradas no seio daquelas. Destacam-se, nomeadamente, as Recomendações do Conselho da Europa R(82) 2, de 4 de fevereiro de 1982, relativa à antecipação pelo Estado de prestações de alimentos devidos a menores, e R(89) l, de 18 de janeiro de 1989, relativa às obrigações do Estado, designadamente em matéria de prestações de alimentos a menores em caso de divórcio dos pais, bem como o estabelecido na Convenção sobre os Direitos da Criança, adotada pela ONU em 1989 e assinada em 26 de janeiro de 1990, em que se atribui especial relevância à consecução da prestação de alimentos a crianças e jovens até aos 18 anos de idade.
De entre os fatores que relevam para o não cumprimento da obrigação de alimentos assumem frequência significativa a ausência do devedor e a sua situação socioeconómica, seja por motivo de desemprego ou de situação laboral menos estável, doença ou incapacidade e o crescimento de situações de maternidade ou paternidade que, por razões semelhantes, inviabilizam por vezes a assunção plena das respetivas responsabilidades parentais.
Estas situações justificaram que o Estado tenha criado mecanismos que assegurem, na falta de cumprimento daquela obrigação, a satisfação do direito a alimentos.
Neste contexto, a Lei n.º 75/98, de 19 de novembro, alterada pela Lei n.º 66-B/2012, de 31/12, pela Lei n.º 24/2017, de 24/05 e pela Lei n.º 71/2018, de 31/12, determinou a constituição do FGADM, destinado a assegurar o pagamento das prestações fixadas nos termos da mesma lei – artigo 6.º, n.ºs 1 e 2.
O artigo 1.º, n.º 1, daquele diploma legal estabelece que “quando a pessoa judicialmente obrigada a prestar alimentos a menor residente em território nacional não satisfizer as quantias em dívida pelas formas previstas no artigo 189.º do Decreto-Lei n.º 314/78, de 27 de outubro, e o alimentado não tenha rendimento ilíquido superior ao valor do indexante dos apoios sociais (IAS) nem beneficie nessa medida de rendimentos de outrem a cuja guarda se encontre, o Estado assegura as prestações previstas na presente lei até ao início do efetivo cumprimento da obrigação”.
Regulamentando aquela Lei, o Decreto-Lei n.º 164/99, de 13 de maio, alterado pelo Decreto-Lei n.º 70/2010, de 16/06, pela Lei n.º 64/2012, de 20/12, e pelo Decreto-Lei n.º 84/2019, de 28/06, reafirmou aquela competência do FGADM, na falta do pagamento das prestações por alimentos devidas a menores por parte das pessoas judicialmente obrigadas a prestá-los (artigos 2.º, n.os 1 e 2 e 3.º, n.º 1, alínea a).

São requisitos de intervenção FGADM:
- Menoridade do alimentado;
- O menor tem de residir em território nacional;
- A pessoa judicialmente obrigada a prestar alimentos não satisfaça as quantias em dívida pelas formas previstas atualmente no artigo 41.º do RGPTC.
- O menor não tenha rendimento ilíquido superior ao valor do indexante dos apoios sociais (IAS) nem beneficie nessa medida de rendimentos de outrem a cuja guarda se encontre.
No caso dos jovens que atingiram a maioridade, o artigo 1.º, n.º 2, da Lei n.º 75/98, de 19 de Novembro estipula que “O pagamento das prestações a que o Estado se encontra obrigado, nos termos da presente lei, cessa no dia em que o menor atinja a idade de 18 anos, exceto nos casos e nas circunstâncias previstas no n.º 2 do artigo 1905.º do Código Civil”.

De acordo com o disposto no n.º 5 do artigo 3.º do Decreto-Lei n.º 164/99, de 13-05, as prestações são fixadas pelo tribunal (não podendo exceder mensalmente, por cada devedor, o montante de 1 IAS), atendendo à capacidade económica do agregado familiar, ao montante da prestação de alimentos fixada e às necessidades específicas do menor.
É sobejamente conhecida a divisão doutrinária e jurisprudencial que se desenvolveu em torno da questão a decidir. Entendem uns, dentro dos limites estabelecidos pelo artigo 3.º, n.º 5, do Decreto-Lei n.º 164/99, de 13.05, com a alteração introduzida pela Lei n.º 64/2012, de 20.12, que o valor da prestação a suportar pelo FGADM não pode ultrapassar o valor da prestação de alimentos a que está vinculado o devedor originário, e defendem outros, de modo contrário, a possibilidade de a prestação a suportar pelo FGADM ser superior à prestação de alimentos fixada a cargo do devedor originário.
No dia 4 de maio de 2015 foi publicado no Diário da República, 1ª série, n.º 85, pág. 2223, o Acórdão do Supremo Tribunal de Justiça Uniformizador de Jurisprudência n.º 5/2015, de 19-03-2015 que, embora com vários votos de vencido, uniformizou assim a solução da questão: “Nos termos do disposto no artigo 2.º da Lei n.º 75/98, de 19 de Novembro, e no artigo 3.º, n.º 3, do Decreto-lei n.º 164/99, de 13 de Maio, a prestação a suportar pelo Fundo de Garantia de Alimentos Devidos a Menores não pode ser fixada em montante superior ao da prestação de alimentos a que está vinculado o devedor originário”.
Como ali se analisa, “O incumprimento do devedor originário funciona, pois, como pressuposto justificativo da intervenção subsidiária do Estado, só nascendo a obrigação do FGADM após decisão judicial proferida naquele incidente que o vincule ao pagamento da prestação. A intervenção estadual em matéria de alimentos a menores tem, assim, como pressuposto legitimador a não realização coactiva da prestação alimentícia a cargo do progenitor obrigado.
Como vem sendo afirmado, a prestação que ao Fundo cabe assegurar, embora subsidiária, é independente e autónoma da do devedor originário. Trata-se de uma obrigação ex novo, que nasce com a decisão judicial que a determina, conforme Acórdão Uniformizador de Jurisprudência de 07.07.2009, proferido no Agravo ampliado n.º 682/09, o qual, mau grado afirmar que "esta prestação nova não tem que ser, necessariamente, equivalente à que estava a cargo do progenitor" "(...) podendo ter um conteúdo diferente da obrigação de alimentos do originário devedor", não tomou posição - nem se impunha que o fizesse – sobre a concreta questão agora em análise.
A sua atribuição depende dos seguintes critérios objectivos: (i) existência de sentença que fixe os alimentos; (ii) residência do menor em território nacional; (iii) inexistência de rendimento ilíquido superior ao valor do indexante dos apoios sociais (IAS); (iv) não pagamento pelo devedor da obrigação de alimentos em dívida pelas formas previstas no artigo 189.º do DL n.º 314/78, de 27 de Outubro (OTM) – artigo 1.º, n.º 1, da Lei n.º 75/98, de 19 de Novembro.
O montante da prestação a suportar pelo FGADM pode não ter correspondência com o valor da prestação alimentícia a que ficou vinculado o progenitor não convivente com o filho menor no âmbito dos autos de regulação das responsabilidades parentais. Com efeito, na fixação do valor da prestação mensal a suportar pelo Fundo deve o tribunal atender à capacidade económica do agregado familiar, ao montante da prestação de alimentos judicialmente fixada e às necessidades específicas do menor (artigo 2.º, n.º 2, da Lei n.º 75/98 e artigo 3.º, n.º 5, do DL n.º 164/99).
E, prossegue o Supremo Tribunal de Justiça: “A obrigação define-se, neste contexto, pelo crédito do menor sobre o progenitor que não tem a sua guarda, vinculado judicialmente a uma prestação de alimentos concreta, assegurando a lei, pela via da sub-rogação, o reembolso ao FGADM do pagamento da prestação social que efectuou em vez do devedor originário.
A natureza do instituto da sub-rogação, tal como está delineado na Lei n.º 75/98 e no DL n.º 164/99, que a regulamentou, estabelecido com o propósito de assegurar o reembolso do devedor originário de todas as quantias pagas aos menores não é conciliável com a interpretação que consente ao FGADM o pagamento de uma prestação alimentícia superior à do primitivo devedor.
Os elementos literal, teleológico, sistemático e, bem assim, o teor da motivação do Projecto de Lei n.º 340/VII, que esteve na génese da Lei n.º 75/98, de 19 de Novembro, apontam para um sentido interpretativo mais restritivo dos normativos em causa, o qual não contende com qualquer comando constitucional.
Como se salientou no Ac. deste Supremo Tribunal de Justiça de 07.04.2011 (proc. n.º 9240.06TBCSC.L1.S1, www.dgsi.pt/jstj), «situa-se no âmbito da livre discricionariedade do legislador a opção sobre os montantes públicos que, em cada momento, é possível adjudicar à tutela dos direitos dos menores carenciados, por privados do apoio familiar que prioritariamente lhes era devido – já que os recursos financeiros públicos disponíveis para a prossecução de políticas sociais, subordinadas à cláusula do possível, sempre inelutavelmente escassos, terão de ser repartidos pelos vários grupos de cidadãos carenciados, sendo indispensável a formulação, pelos órgãos democraticamente investidos, de opções, juízos prudenciais e ponderações, situadas no cerne da sua competência político-legislativa e insindicáveis no plano judiciário»”.
Neste mesmo sentido, o acórdão da Relação de Évora de 11.05.2017, onde se lê que “O montante da prestação a suportar pelo FGADM não tem que ser, necessariamente, equivalente à que estava a cargo do progenitor, podendo ter um conteúdo diferente da obrigação de alimentos do originário devedor o progenitor não convivente com o filho menor no âmbito dos autos de regulação das responsabilidades parentais. Não pode, porém, ser fixada em montante superior ao da prestação de alimentos a que está vinculado o devedor originário” e o acórdão da Relação de Coimbra de 12.07.2017, onde se lê “O Tribunal atende à capacidade económica do agregado familiar, ao montante da prestação de alimentos fixada e às necessidades específicas do menor pelo que intervindo o Fundo em substituição do seu devedor, a prestação a pagar por si deverá, tendencialmente, ser igual à já fixada judicialmente, ainda que possa estabelecer um montante inferior”.

Parece, portanto, assente que a prestação a suportar pelo FGADM tem como limite máximo o montante da prestação a que está obrigado o progenitor faltoso.
A questão, aqui, apresenta uma nuance.
Os progenitores, como muitas vezes sucede, fixaram a prestação de alimentos contemplando uma componente fixa e uma componente variável – aqui incluindo “as despesas médicas, medicamentosas e escolares, do menor”.
O que está em causa é saber se o FGADM deve suportar essa componente variável, ainda que para tal se ficcione / presuma que as despesas ali incluídas atingem, mensalmente, um determinado montante.
A decisão recorrida está assim fundamentada: “Com efeito, socorrendo-nos de juízos de equidade em função da idade do (…), percurso académico no ensino superior (transportes públicos ascendem a € 200,00 mensais) e a necessidade de acompanhamento médico regular decidimos fixar como pensão de alimentos variável a acrescer à fixa, o valor de € 75,00 mensais”.
A este respeito, o Supremo Tribunal de Justiça, em Acórdão de 02.05.2019, em https://juris.stj.pt/, tomou posição sobre o tema, nos seguintes termos: “Na esteira da jurisprudência dominante, a obrigação de garantia a cargo FGADM, instituída pela Lei n.º 75/98, de 19/11, é autónoma em relação à obrigação originária que visa garantir, assumindo a natureza de prestação social, fundada em razões de solidariedade social.
Não obstante isso, tal obrigação de garantia não deixa de estar genética e funcionalmente vinculada à obrigação originária, na medida em que tem como pressuposto o incumprimento desta e só perdura enquanto se mantiver este incumprimento, nos termos do artigo 1.º, n.º 1, da citada Lei.
Assim, como se doutrinou no Acórdão de Uniformização de Jurisprudência (AUJ) do STJ n.º 12/2009, de 07/07/209, publicado no Diário da República, I Série, de 5/8/2009, tal obrigação de garantia, “nos termos previstos nos artigos 1.º da Lei n.º 75/98, se 19 de Novembro, e 2.º e 4.º, n.º 5, do Decreto-Lei n.º 164/99, de 13 de Maio, só nasce com a decisão que julgue o incidente de incumprimento do devedor originário e a respectiva exigibilidade só ocorre no mês seguinte ao da notificação da decisão do tribunal, não abrangendo quaisquer prestações anteriores”.
Além disso, conforme também se sedimentou no AUJ do STJ n.º 5/2015, de 19/03/2015, publicado no Diário da República, I Série, de 04/05/2015, a referida obrigação de garantia “não pode ser fixada em montante superior ao da prestação de alimentos a que está vinculado o devedor originário.”
Nesta conformidade, o incumprimento do devedor de alimentos de que emerge a obrigação de garantia legalmente atribuída ao FGADM terá de ser aferido em função do limite quantitativo da prestação alimentar originária, pressupondo, por isso, que o montante desta se encontre ou seja previamente fixado.
É pois nestes termos que se tem de considerar, como tem vindo a ser considerado, adequadamente assegurado, por via legal, o dever de prestação social devido às crianças, por parte do Estado, consagrado no artigo 69.º da Constituição.
No caso presente, cada uma das obrigações alimentares estabelecidas a cargo do Requerido a favor dos seus dois filhos menores integra duas componentes:
i) – Uma componente de natureza periódica, de montante líquido mensal (…).
ii) – Outra componente de natureza eventual, a título de despesas médicas, medicamentosas e escolares curriculares não comparticipadas, na proporção de metade, determinável em função da comprovação de tais despesas.
Esta última componente traduz-se numa prestação futura ilíquida não dependente de simples cálculo aritmético.
Nessa medida, a exequibilidade desta componente ilíquida depende de prévia liquidação nos termos dos artigos 358.º, n.º 2, 609.º, n.º 2 e 704.º, n.º 6, do CPC.
Assim, em caso de incumprimento, só depois de efetuada tal liquidação é que se poderá lançar mão do procedimento pré-executivo previsto no artigo 48.º do RGPTC, que, de resto, se destina à efetivação de prestações alimentares em quantia certa.
Por seu lado, como foi referido, a obrigação de garantia a cargo do FGADM pressupõe o incumprimento da obrigação originária que visa garantir, com montante já determinado, só sendo exigível a partir do 1º dia seguinte ao da notificação da decisão que o determine (artigo 4.º, n.º 4 e 5, do Dec.-Lei n.º 164/99, de 13-05).
(…)
Acresce que a Requerente não pretende sequer obter o pagamento de despesas efetuadas, mas sim que seja fixada uma quantia adequada a título de despesas médicas, medicamentosas e escolares curriculares não comparticipadas.
Significa isto que o que ela pretende é converter a componente eventual e ilíquida da obrigação alimentar em prestação líquida pré-determinada, como se fosse devida a forfait.
Porém, como se observou no acórdão recorrido, uma tal conversão coerciva daquela componente da obrigação alimentar estabelecida só seria viável mediante ação de alteração de regulação das responsabilidades parentais, nomeadamente naquele segmento, nos termos previstos no artigo 42.º do RGPTC, e nunca no âmbito do procedimento pré-executivo previsto no artigo 48.º do mesmo diploma, nem muito menos em sede do incidente previsto no artigo 3.º do Dec.-Lei n.º 75/98, de 19/11. De notar que mesmo em sede do incidente de incumprimento da regulação das responsabilidades parentais previsto no artigo 41.º do RGPTC, só é permitida a sua alteração mediante acordo dos progenitores como decorre do respetivo n.º 4.
Em suma, não existe fundamento para considerar exigível ao Requerido qualquer prestação líquida por despesas médicas, medicamentosas e escolares curriculares não comparticipadas devidas aos menores – que nem se alega terem sido realizadas –, nem se mostra lícito converter, no presente procedimento pré-executivo, a obrigação de prestação eventual futura e ilíquida estabelecida nesse domínio em obrigação de prestação líquida pré-determinada.
Além disso, nem tão pouco a pretendida fixação de uma tal prestação por despesas ainda que porventura realizadas poderia ser garantida pelo FGADM por não se tratar de prestação vincenda nos termos e para os efeitos dos n.ºs 4 e 5 do artigo 4.º do Dec.-Lei n.º 164/99, de 13-05”.

Ou seja, não sendo de afastar a possibilidade de o FGADM poder suportar uma prestação de alimentos fixa na qual estejam, à partida, integradas despesas de base variável (habitualmente, despesas de saúde e de educação), ficcionando-se, mesmo que por estimativa, o respetivo valor, a determinação da prestação há de ser feita, previamente, em sede de alteração da regulação do exercício das responsabilidades parentais. Outra solução, porque a tais despesas está associado um caráter incerto, colide com a natureza subsidiária da intervenção do FGADM e, também nessa medida, com o Acórdão Uniformizador de Jurisprudência n.º 5/2015.
Neste contexto, o valor da prestação global mensal a cargo do FGADM deve ser reduzido para o montante de € 100,00 (cem euros), a atualizar, nos termos da decisão que regulou o exercício das responsabilidades parentais e do disposto no artigo 4.º-A da Lei n.º 75/98, de 19 de novembro.
*
IV – DECISÃO
Pelo exposto, acordam os juízes da 2ª Secção Cível do Tribunal de Relação de Évora em julgar procedente a apelação e, em consequência, revogar parcialmente a decisão recorrida, reduzindo-se o valor da prestação mensal a cargo do FGADM para o montante de € 134,69, já actualizado na presente data.
*
Sem custas.
*
Notifique.
*
Évora, 16.10.2025
Miguel Jorge Vieira Teixeira
Anabela Raimundo Fialho
Rosa Barroso