OMISSÃO DE PRONÚNCIA
NULIDADE
INUTILIDADE SUPERVENIENTE DA LIDE
Sumário

I – Não ocorre nulidade de omissão de pronúncia (artigo 615.º, n.º 1, alínea d), do CPC) quando na sentença não se conhece de questão cuja decisão se mostra prejudicada pela solução dada a outras questões (cfr. artigo 608.º, n.º 2, do CPC).
II – A inutilidade superveniente da lide ocorre em geral quando o efeito pretendido já foi alcançado por via diversa, sendo que da mera convergência de objectivos em acções distintas não decorre necessariamente uma situação de inutilidade superveniente da execução, tanto mais que à tutela dos direitos não basta a sua declaração judicial, mesmo que acompanhada da condenação no seu cumprimento.
(Sumário da Relatora)

Texto Integral

Proc. n.º 2437/22.5T8LLE.E1

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SUMÁRIO (da responsabilidade da relatora)

(…)


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Acordam os Juízes da 2.ª Secção Cível do Tribunal da Relação de Évora
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I – RELATÓRIO
1.1. (…), (…) e (…), instauraram acção executiva para prestação de facto contra (…), Lda., com a seguinte alegação no requerimento executivo:
«1. Por transação homologada por sentença em 07 de junho de 2022, obrigou-se a executada a reduzir o volume sonoro de dB emanado do seu restaurante bar, caso, em 60 dias, as medidas que se comprometeu a implementar para mitigar os efeitos do som produzido na residência contígua das exequentes, não fossem eficazes.
2. Decorridos os 60 dias sobre o acordo estabelecido, constata-se a ineficácia das medidas comprometidas implementar.
3. Com efeito, obrigou-se a executada a reduzir o volume sonoro com base em 50dB “na eventualidade das condições supramencionadas em 1), 2) e 3) não serem cumpridas” (ponto 4 da transação homologada por sentença), facto que até à data não ocorreu atente-se o volume sonoro em excesso emanado do restaurante, durante os 60 dias de vigência do acordo e após o seu termo, em 7 de agosto, como constatado abaixo:
- Dia 3 de junho, sexta-feira, mesmo dia em que a transação foi submetida: 23:11h (o som estava muito alto) – Reportou-se ao mandatário da executada e este confirmou que o som estava alto porque o DJ não cumpriu com o limite de 65dB; (foi gravado vídeo);
- Dia 5 de junho, domingo: 22:00h (os graves estavam muito altos) – Reportou-se ao mandatário da executada; (foi gravado vídeo);
- Dia 9 de junho, quinta-feira: os graves estavam altos; ouvia-se dentro de casa;
- Dia 12 de junho, domingo: os graves estavam altos; ouvia-se dentro de casa;
- Dia 14 de junho, terça-feira: atuação da banda de música ao vivo muito alto desrespeitando os limites impostos pela transação; ruído captado pelos Iphones e pelo leitor de dB / som; o som não foi desligado às 24h, (foram gravados vídeos);
- Dia 17 de junho, sexta-feira: 22:45h (barulho insuportável); 1:20h da manhã pessoas a cantar no parque de estacionamento – (foi gravado vídeo);
- 21 de junho, terça-feira: música muito alta a partir das 22:00h (barulho insuportável); ruído captado pelo leitor de dB/ som;
- 23 de junho; música muito alta a partir das 22:00h (barulho insuportável). Teve de ser chamada a GNR; ruído captado pelo leitor de dB/ som;
- 25 de junho; música muito alta vinda do (...) e do restaurante junto, (…);
- 28 de junho; música muito alta a partir das 22:00h (barulho insuportável); ruído captado pelo leitor de dB/ som;
- 5 Julho: música muito alta; ruído captado pelo leitor de dB/ som;
- 7 Julho: música muito alta; ruído captado pelo leitor de dB/ som;
- 8 Julho: música muito alta; ruído captado pelo leitor de dB/ som;
- 9 Julho: música muito alta; ruído captado pelo leitor de dB/ som;
- 10 Julho: música muito alta; ruído captado pelo leitor de dB/ som;
- 12 Julho: música muito alta; ruído captado pelo leitor de dB/ som; foi chamada a GNR;
- 14 Julho: música muito alta; ruído captado pelo leitor de dB/ som;
- 15 Julho: música muito alta; ruído captado pelo leitor de dB/ som;
- 17 Julho: música muito alta; ruído captado pelo leitor de dB/ som;
- 23 Julho: música muito alta; ruído captado pelo leitor de dB/ som;
- 26 Julho: música muito alta; ruído captado pelo leitor de dB/ som;
- 27 Julho: música muito alta; ruído captado pelo leitor de dB/ som;
- 28 Julho: música muito alta; ruído captado pelo leitor de dB/ som;
- 29 Julho: música muito alta; ruído captado pelo leitor de dB/ som;
- 2 agosto: música muito alta; ruído captado pelo leitor de dB/ som;
- 3 agosto: música muito alta; ruído captado pelo leitor de dB/ som;
- 4 agosto: música muito alta; ruído captado pelo leitor de dB/ som;
- 6 agosto: música muito alta; ruído captado pelo leitor de dB/ som;
- 7 agosto: música muito alta; ruído captado por Iphone;
- 9 agosto: música muito alta; ruído captado por Iphone;
- 10 agosto: música muito alta; ruído captado pelo leitor de dB/ som;
- 11 agosto: música muito alta; ruído captado por Iphone;
- 13 agosto: música muito alta; ruído captado por Iphone;
- 14 agosto: música muito alta; ruído captado por Iphone;
- 16 agosto: música muito alta; banda de música ao vivo + DJ; ruído captado por Iphone;
- 18 agosto: música muito alta; ruído captado por Iphone;
- 19 agosto: música muito alta; ruído captado por Iphone;
- 20 agosto: música muito alta; ruído captado por Iphone;
4. Os graves continuam altíssimos, o subwoofer propaga um ruído constante e invasivo na propriedade das exequentes.
5. Pelo que, face à ineficácia das medidas, desde já se peticiona a efetiva aplicabilidade do ponto 4 da transação homologada por sentença garantindo que a executada cumpre com o limite sonoro imposto de 50Db».
1.2. Citada, a Executada deduziu embargos de executado nos quais foi apresentada contestação pelas Exequentes e, após, proferido despacho saneador com identificação do Objecto do Litígio e Temas da Prova com o seguinte teor:
Objecto do Litígio
«Saber
a) Se o requerimento executivo é inepto por contradição entre a causa de pedir e o pedido, se a executada «(…)-Restaurantes, Lda.» cumpriu o acordado na providência cautelar, nomeadamente se no prazo de 60 dias construiu, uma parede acústica com a altura de 3,80 metros na parede de madeira voltada para a propriedade das requerentes oras embargadas/executadas, acrescida de pala acústica de dois metros de profundidade e a construção de paredes acústicas, nas restantes paredes de madeira, pela mesma altura, iniciou a construção da restante parede acústica com a altura de 3,80 metros, acrescida de pala acústica de 2 metros de profundidade, através de empresa especializada, alterou o sistema de som do restaurante, mudando para alto-falantes direcionais, direccionados em sentido contrário à propriedade das requerentes, ora Embargadas / exequentes, através de empresa especializada colocou almofadas de absorção de som adicionais em volta do restaurante, solicitou a empresa especializada a colocação de painéis de insonorização com o comprimento de vinte e cinco metros na linha divisória das propriedades situada na zona do parque de estacionamento, e se de imediato, reduziu o parque de estacionamento 15 metros a contar da extrema divisória das propriedade, se contratou a empresa especializada para proceder à alteração do sistema de som e colocação das almofadas de absorção, se procedeu à redução dos graves, se reduziu os dBs com base em sessenta e cinco decibéis durante o período de implementação das alterações, se a actuação do DJ passou a ser até às 24.00 horas e se a actuação da banda de música passou a ser até às 22.30 horas às terças-feiras respeitando os 65 decibéis, ou se se impõe a sua execução coerciva na execução de que estes embargos de executado constituem apenso.
Constituem temas da prova:
1. A contratação de empresa especializada pela Embargante / executada para alteração do sistema de som do restaurante e colocação de almofadas de absorção de som;
2. Os trabalhos realizados pela Embargante/executada para cumprir o acordado no procedimento cautelar;
3. O som produzido pelo restaurante, nomeadamente nos momentos de actuação do DJ e da banda de música».
1.3. Prosseguiram os embargos com a instrução da causa, tendo tido lugar a realização de perícia, após o que foi agendada a realização de audiência de julgamento para o dia 27.02.2025.
1.4. Em 24.02.2025 a Embargante executado apresentou, nos embargos de executado, requerimento a pedir a extinção da execução por inutilidade da lide, fundamentando tal pedido na circunstância de se verificar que «a presente execução não tem qualquer efeito útil para as exequentes, já que o efeito pretendido foi alcançado, pelo que deve a execução ser extinta».
1.5. Em 25.02.2025 as Embargadas exequentes responderam, pugnando pelo indeferimento do requerimento e defendendo que «devem os presentes embargos serem declarados extintos por confissão da embargante».
1.6. Em 26.02.2025 foi proferida decisão nos Embargos de Executado com o seguinte teor:
«Refªs CITIUS 51476310 e 51490242 (da extinção da instância por inutilidade superveniente da lide):
Uma vez que resulta dos elementos carreados para os autos que as aqui Embargadas / exequentes (…), (…) e (…) intentaram contra a aqui Embargante / executada «(…)-Restaurantes, Lda.» acção declarativa de condenação que correu termos sob o n.º 2359/22.0T8FAR que corre termos no Juízo Central de Faro-Juiz 3, do Tribunal Judicial da Comarca de Faro, na qual foi proferida sentença, já transitada em julgado, em cujo segmento decisório consta, além do mais “V- Decisão. Pelo exposto, ao abrigo das citadas disposições legais, o Tribunal decide julgar a ação parcialmente procedente, por provada, em, consequência: a) determinar que a ré proceda a emissões sonoras no estabelecimento comercial que explora, denominado “(…)”, nos dias úteis até às 22h00m, e nos fins-de-semana, vésperas de feriados, noite de passagem do Ano e nos meses de Julho a setembro até às 11h30m, com limite máximo de 50 dB s e com eliminação ou redução substancial dos graves emanados dos subwoofers; b) condenar a ré a pagar a cada uma das autoras a quantia de € 7.500,00, a titulo de indemnização pelos danos causados…”, sendo certo que com a instauração da execução de que estes embargos de executado constituem apenso as Exequentes (…), (…) e (…) peticionavam que a Executada «(…)-Restaurantes, Lda.» implementasse o disposto no n.º 4 da transacção celebrada e homologada no Procedimento Cautelar n.º 1103/22.6T8LLE , ou seja a redução dos dB s para cinquenta decibéis.
Do exposto, resulta que aquilo que as Exequentes pretendiam com a instauração da presente execução, ou seja, a redução das emissões sonoras provenientes do estabelecimento comercial pertencente à Executada, denominado “(…)” para os cinquenta decibéis, já foi alcançado com a prolação da sentença proferida naqueles autos n.º 2359/22.0T8FAR, pelo que inexiste, agora, qualquer fundamento para prosseguimento da execução, a qual deverá ser declarada extinta e, constituindo os presentes embargos de executado apenso da referida execução, deverão ser também declarados extintos, por inutilidade superveniente da lide.
Assim, por inutilidade superveniente da lide, declaro extinta a presente instância de embargos de executado (cfr. artigo 277.º, alínea e), do Código de Processo Civil).
Custas a cargo da Embargante/executada (cfr. n.º 3 do artigo 536.º do Código de Processo Civil).
Registe e notifique, sendo também o senhor Agente de Execução, que, oportunamente, deverá declarar a extinção da execução» (sublinhado meu).
1.7. Inconformadas com a decisão proferida, as Exequentes interpuseram o presente recurso de apelação, pedindo que fosse provido e se revogasse a sentença recorrida e substituída por outra que determine a extinção da instância de embargos e o prosseguimento, ou renovação, da instância executiva para prestação de facto.
Concluíram as suas alegações da seguinte forma (aqui reproduzida):
1 – O Tribunal a quo errou ao determinar a extinção da execução para prestação de facto. Errou, desde logo, porque o facto que determinou a execução para prestação de facto, persiste no tempo – o incumprimento e violação da Recorrida na redução das emissões sonoras provenientes do seu estabelecimento comercial para cinquenta decibéis, mantém-se, constante e permanentemente, ao ponto das Recorrentes terem tido a necessidade de intentar duas ações executivas no período de dois anos – a do presente processo de execução e a que corre termos no mesmo juízo de execução de Loulé-Juiz 1, sob o n.º 2244/24.0T8LLE.
2 - Fizeram-no porque não tiveram, e não têm, alternativa pois que a Recorrida voluntariamente insiste em não cumprir com os limites impostos por transação (processo n.º 1103/22.6T8LLE Loulé - Juízo Local Cível-Juiz 2) e por sentença judicial (processo n.º 2359/22.0T8FAR, que correu termos no Juízo Central de Faro-Juiz 3).
3 - As Recorrentes discordam da prolação da sentença - surpresa, entendendo que a instância executiva para prestação de facto deve prosseguir para imposição coerciva do limite sonoro de 50dBs e a instância de embargos deve ser extinta por confissão da Recorrida.
4 – Entendem as Recorrentes que o Tribunal a quo deveria ter extinguido a instância de embargos por confissão da embargante quer quanto à impossibilidade da mesma de impedir a propagação do som proveniente do estabelecimento comercial pertencente da Recorrida até à habitação das Recorrentes, quer quanto à impossibilidade de não garantir a emissão sonora de 50 dBs.
5 - Aliás, inclusive, a Recorrida no seu requerimento de 24 de fevereiro de 2025, no qual pediu a extinção da execução por inutilidade superveniente da lide com base no falacioso argumento de que o pretendido na execução foi alcançado com a sentença dos autos n.º 2359/22.0T8FAR, nem juntou a certidão dos autos do processo n.º 2359/22.0T8FAR, como lhe competia por forma a lograr demonstrar o que estava a alegar.
6 - Todavia, mas mesmo assim tal relevante facto não impediu o tribunal a quo de dois dias depois, ter proferido sentença colhendo na íntegra o argumento da Executada / Embargante, sem sequer ter analisado a sentença do processo n.º 2359/22.0T8FAR.
7 - Ao não ter analisado a sentença, o tribunal a quo decidiu precipitadamente e erradamente pois não tinha ao seu dispor quaisquer factos que corroborassem o alegado pela Recorrida.
8 - Pelo contrário, toda a factualidade do processo n.º 2359/22.0T8FAR prova a condenação da Recorrida na redução das emissões sonoras e mais, prova a violação da mesma quanto à transação homologada por sentença transitada em julgado nos autos do processo n.º 1103/22.6T8LLE, que correu termos em Loulé - Juízo Local Cível-Juiz 2, objeto da presente execução.
9 - Tanto que, se o juiz a quo tivesse tido o cuidado de analisar o processo n.º 2359/22.0T8FAR, constataria que as alterações realizadas pela Recorrida no Verão de 2022 não impediram, nem impedem, a propagação do som proveniente do estabelecimento até à habitação das Recorrentes.
10 - E, constataria também, que nas medições efetuadas pela CML verificou-se que, no mês de julho de 2022, a música reproduzida no estabelecimento explorado pela Recorrida ultrapassou os 65dB, chegando a atingir perto dos 75 dB (cfr. doc. de fls. 98 verso dos autos apensos, cujo teor se dá por reproduzido)”, conforme pontos 14 e 19 dos factos provados da sentença proferida no processo n.º 2359/22.0T8FAR, que correu termos no Juízo Central de Faro-Juiz 3.
11 - E bastaria ao tribunal a quo ter, pelo menos, “passado os olhos” pela sentença do processo n.º 2359/22.0T8FAR para perceber que o argumento da Recorrida para pedir a extinção da execução não colhe, pois que a extinção da execução apenas e tão só aproveita e premeia a Recorrida infrator por esta continuar, impunemente, a incumprir as decisões judiciais e a prejudicar a saúde das Recorrentes sem que seja obrigado, através da execução para prestação de facto, a cumprir e respeitar.
12 - Aliás, no mesmo sentido já apontava o Acórdão do Tribunal da Relação de Évora que decidiu a providência cautelar nos autos do processo n.º 2359/22.0T8FAR-B, que correu termos no Juízo Central Cível de Faro-Juiz 3, junto aos presentes aos pelas Recorrentes em 19 de janeiro de 2024 e sem que o tribunal a quo, posteriormente, lhe tivesse feito qualquer referência.
13 - Efetivamente, repete-se, constata-se que a sentença proferida nos autos n.º 2359/22.0T8FAR, foi notificada aos mandatários das partes em 8 de abril de 2024 e transitou em julgado no dia 13 de maio de 2024, tendo a Recorrida somente 9 meses depois, em 24 de fevereiro de 2025, requerido a extinção da execução por inutilidade superveniente da lide com o falacioso argumento de que “efeito que as exequentes pretendem com a presente execução, que consiste em que a executada proceda a emissões sonoras até aos 50 dBs, foi alcançado com a sentença proferida posteriormente no processo n.º 2359/22.0T8FAR”.
14 - Argumento que não corresponde à realidade pois que a Recorrida não cumpre com o limite das emissões sonoras até aos 50 dBs nem cumpre ou respeita a decisão judicial, pelo que, a sentença proferida nos autos n.º 2359/22.0T8FAR não tem qualquer efeito na presente execução.
15 – Consequentemente, entendem as Recorrentes que o tribunal a quo deveria ter mantido a execução para prestação de facto para possibilitar às Recorrentes fazerem valer o seu direito em impor e garantir que a Recorrida cumpra com o limite de propagação sonora de 50 dBs.
16 – Ou seja, para que a Recorrida seja compelida a reduzir os dBs com base em cinquenta decibéis.
17 - A prestação de facto que está em causa na execução é a limitação coerciva da propagação sonora a 50 dBs e esse facto, ao contrário do alegado na douta sentença, não foi alcançado com a sentença proferida nos autos n.º 2359/22.0T8FAR.
18 - Pelo contrário, o facto que se traduz no limite da propagação sonora a 50 dBs por parte da Recorrida está por alcançar e deve ser alcançado por via da presente execução para prestação de facto – aliás, já no âmbito do procedimento cautelar e do processo principal (autos n.º 2359/22.0T8FAR) ficou claro que a Recorrida não pretendia limitar as emissões sonoras ao definido nas sentenças mas sim, pelo contrário, aumentar as emissões sonoras, com grave e direto prejuízo para a saúde das Recorrentes.
19 – Aliás, a decisão inicial do tribunal a quo em suspender a execução (despacho de 23 de janeiro de 2023) premiou o infrator / Recorrida permitindo-o continuar a violar as decisões judiciais de limitação das emissões sonoras com prejuízo direto para a saúde das Recorrentes, facto que acabou por revelar-se relacionado com a sentença-surpresa ora recorrida, ambos lesivos dos direitos das Recorrentes.
20 - E com a prolação da sentença-surpresa em benefício da Recorrida, as Recorrentes suspeitaram do comportamento do tribunal e acabaram por descobrir que o juiz da causa (o mesmo da execução de Loulé-Juiz 1, sob o n.º 2244/24.0T8LLE) é tio do marido da gerente da Recorrida (sobrinho esse que já havia intervindo, como testemunha, no processo da providência cautelar, cujo Acórdão da Relação que decidiu em definitivo o procedimento cautelar, fez referência; decisão junta aos presentes autos pelas Recorrentes em 19 de janeiro de 2024).
21 - Situação que acabou por revelar-se suspeita e incómoda para as Recorrentes, enraizando-se no seu espírito que o juiz da causa não foi imparcial e beneficiou uma das partes, a Recorrida.
22 – Razões pelas quais, entendem as Recorrentes que o Tribunal a quo errou no alcance e determinação do objeto da execução para prestação de facto, não podendo de forma alguma ter dado por extinta a execução, mas sim, e apenas, ter dado por extinto os embargos pela confissão da Recorrida quanto à sua impossibilidade em limitar a propagação sonora a 50 dBs, como determinado nos processos declarativos transitados em julgados – proc. n.º 1103/22.6T8LLE Loulé - Juízo Local Cível-Juiz 2 e processo n.º 2359/22.0T8FAR, que correu termos no Juízo Central de Faro-Juiz 3.
23 – Pelo que, entendem as Recorrentes que a sentença ora colocada em crise é nula nos termos do artigo 615.º, n.º 1, alíneas c) e d), do CPC, e padece de erro de julgamento nos termos do artigo 616.º, n.º 2, alínea a), do CPC, bem como viola a natureza e trâmites da ação executiva para prestação de facto e a natureza, autonomia e trâmites da ação de embargos de executado, pois que o tribunal a quo não poderia ter extinto a ação executiva mas sim, poderia ter extinto a ação de embargos com fundamento na confissão da Recorrida em não reduzir as emissões sonoras a 50 dBs.
1.8. A Embargante executada contra-alegou, pugnando pelo não provimento da apelação e pela consequente confirmação da sentença recorrida, apresentando as seguintes conclusões:
1. O acordo homologado por sentença no proc. n.º 2359/22.0T8FAR e dado à execução, previa que a recorrida procedesse à realização de alterações na sua operação comercial e à realização de certas construções no seu estabelecimento comercial no prazo de 60 dias. Caso as alterações não fossem cumpridas ou não fossem cumpridas dentro do prazo, a consequência seria reduzir a emissão de som para a base do 50 dBs.
2. Logo a recorrida acordou numa obrigação de meios e não numa obrigação de resultado.
3. A sentença posta em crise não é uma sentença-surpresa. As partes tomaram posição sobre a questão decidenda, nomeadamente, as recorrentes através do requerimento de 25-02-2025 (req. com a Ref.ª 51490242).
4. A recorrida nada confessou, nomeadamente que: “As alterações realizadas pela ré não impedem a propagação do som proveniente do estabelecimento até à habitação das autoras” e que “Nas medições efetuadas pela CML verificou-se que, no mês de julho de 2022, a música reproduzida no estabelecimento explorado pela ré ultrapassou os 65dB, chegado a atingir perto dos 75dB (cfr. doc. de fls. 98 verso dos autos apensos, cujo teor se dá por reproduzido”, como pretendem as recorrentes com o objectivo de conseguirem a extinção dos embargos mas não da execução.
5. A recorrida colocou à decisão do Tribunal a quo a possibilidade de extinção da instância por inutilidade superveniente da lide, já que o pedido efectuado pelas recorrentes na acção executiva tem objectivo idêntico ao da sentença proferida no proc. n.º 2359/22.0T8FAR, no Juízo Central de Faro-Juiz 3.
6. É descabida a alegação de que o Tribunal a quo não terá analisado a sentença proferida no proc. 2359/22.0T8FAR, já que, segundo as embargadas / recorrentes, a embargante não teria juntado a certidão daquela sentença.
7. A verdade é que o Tribunal conhece a sentença, já que a mesma foi dada à execução pelas recorrentes e corre termos no mesmo Juízo de Execução de Loulé-Juiz 1 com o n.º 2244/24.0T8LLE, sendo certo que o tribunal poder tomar e ordenar todas as diligências para apuramento da verdade e ter conhecimento de factos no âmbito do exercício de funções.
8. Quanto à alegação que só após 9 meses do trânsito em julgado da sentença é que a recorrida argui a inutilidade superveniente, nada acrescenta ou retira ao que se discute neste recurso. A recorrida não tinha prazo para alegar a inutilidade superveniente da lide. E, fê-lo quando entendeu que devia fazê-lo.
9. O incidente de suspeição do MM Juiz é extemporâneo, já que há muito foi ultrapassado o prazo que as recorrentes tinham para o deduzir e, surge apenas porque as recorrentes tiveram uma decisão que consideram desfavorável.
10. Mas sempre se diga que a recorrida é uma sociedade comercial e como tal não tem tios ou sobrinhos. A sociedade tem como sócios e gerentes as pessoas identificadas na certidão permanente, com o código de acesso (…).
11. Nada havendo a reparar na sentença posta em crise pelas recorrentes, deve a mesma ser mantida nos seus exactos termos.
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Corridos os vistos legais, cumpre apreciar e decidir.
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II – OBJECTO DO RECURSO
O objecto do recurso é delimitado pelas conclusões da alegação do recorrente (artigos 635.º, n.º 4 e 639.º, n.ºs 1 e 2, ambos do NCPC), não podendo este Tribunal conhecer de matérias nelas não incluídas, a não ser as de conhecimento oficioso (artigo 608.º, n.º 2, in fine, aplicável ex vi do artigo 663.º, n.º 2, in fine, ambos do NCPC).
Tendo, então, em atenção as conclusões das Recorrentes são as seguintes as questões submetidas à apreciação deste Tribunal:
. existência de decisão surpresa;
. nulidade da sentença por contradição/ambiguidade/obscuridade e por omissão de pronúncia;
. erro de julgamento sobre a inutilidade superveniente da execução para prestação de facto e dos embargos de executado que dela são dependentes.
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III – FUNDAMENTAÇÃO DE FACTO
Os factos pertinentes para a apreciação do recurso são os descritos no relatório que antecede, acrescentando-se ainda que:
1 – O título executivo (transacção homologada por sentença) apresentado à execução tem o seguinte teor:
«a) O essencial do presente acordo é mitigar os efeitos do som produzido pelo restaurante.
b) Para isso, espera-se que um conjunto de medidas e alterações no restaurante possam conter o som dentro do espaço do restaurante sem afetar as requerentes.
c) Comprometem-se as partes a, durante e após a implementação das medidas inframencionadas, solucionar qualquer questão que surja pela via do diálogo e a estudar novas medidas, caso as mesmas propostas não se verifiquem suficientes.
Assim:
1. A requerida no prazo de sessenta dias:
a) Construirá uma parede acústica com a altura de 3,80 m, na parede de madeira voltada para a propriedade das requerentes, acrescida de pala acústica de dois metros de profundidade e a construção de paredes acústicas, nas restantes paredes de madeira, pela mesma altura;
b) Iniciará a construção da restante parede acústica com as dimensões da indicada em a) do ponto anterior;
c) Alterará o sistema de som do restaurante e mudará para alto-falantes direcionais, direcionados em sentido contrário à propriedade das requerentes. Tal medida será implementada por uma empresa especializada;
d) Colocará almofadas de absorção de som adicionais em volta do restaurante. Tal medida será implementada por uma empresa especializada.
e) Solicitará à empresa especializada a colocação de painéis de insonorização, com o comprimento de vinte e cinco metros, na linha divisória das propriedades
situada na zona do parque de estacionamento.
2. A requerida de imediato:
a) Reduzirá o parque de estacionamento 15 metros, a contar da extrema divisória das propriedades;
b) Contatará a empresa especializada em som para proceder à implementação do referido em c), d) e e) do ponto 1;
c) Procederá à redução dos graves;
d) Reduzirá os dB`s com base em sessenta e cinco decibéis durante o período da implementação das alterações;
e) A atuação do DJ passará ser até às 24.00 horas;
f) A atuação da banda de música passará a ser até às 22.30 horas às terças-feiras respeitando os dB`s mencionados em d).
3. A requerida iniciará de imediato os procedimentos necessários à construção de uma antecâmara de vidro imediatamente a seguir à porta de entrada principal exterior do restaurante.
4. Na eventualidade das condições supramencionadas em 1), 2) e 3) não serem cumpridas nos prazos estabelecidos, a requerida reduzirá os dB’s com base em cinquenta decibéis.
5. A requerida manterá as janelas do restaurante fechadas para evitar a propagação do som;
6. Custas devidas serão por conta da requerida».
2 – A sentença proferida na Acção de Processo Comum n.º 2359/22.0T8FAR, em 07.04.2024, transitada em julgado no dia 13.05.2024, tem o seguinte segmento decisório:
«a)- determinar que a ré proceda a emissões sonoras no estabelecimento comercial que explora, denominado “(…)”, nos dias úteis até às 22h00m, e nos fins-de-semana, vésperas de feriados, noite de passagem do Ano e nos meses de julho a setembro até às 22h30m, com limite máximo de 50 dB´s e com eliminação ou redução substancial dos graves emanados dos subwoofers;
b)- condenar a ré a pagar a cada uma das autoras a quantia de € 7.500,00, a título de indemnização pelos danos causados;
c)- absolver a ré do demais peticionado e da instância quanto ao pedido formulado na alínea c)».
3 – Na fundamentação de direito da dita sentença lê-se, além do mais, que: «Como antes referimos, entendemos que a presente decisão não abrange as medidas preconizadas no acordo antes firmado, o qual se mantém em vigor, nomeadamente na parte em que impõe a adoção, por parte da ré, de medidas para insonorização do imóvel, necessárias e suficientes para evitar a propagação de ruídos provindos do estabelecimento que possam afetar as autoras.
Aliás, qualquer estabelecimento onde seja passada música ao vivo, ou proveniente de aparelhos de som, com potência suficiente para se fazer ouvir nas habitações vizinhas, deve proceder à sua insonorização.
Donde, a acrescer a essas medidas acordadas, se imponha a limitação e diminuição do horário de atuação da banda e do DJ ora determinada, a qual se entende terá também impacto na diminuição da lesão dos direitos de personalidade das autoras, assegurando o seu sono, descanso e repouso ao final do dia».
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IV – FUNDAMENTAÇÃO DE DIREITO
4.1. Existência de Decisão – Surpresa
A Recorrente, ao reportar-se à decisão recorrida, proferida nos embargos de executado, refere tratar-se de uma decisão surpresa, ainda que não invoque qualquer fundamento para tal, nem nas conclusões, nem nas alegações.
A (singela) invocação remete-nos, contudo, para o princípio do contraditório, princípio estruturante do nosso sistema processual civil, que deve ser observado pelo juiz em todas as fases do processo, “não lhe sendo lícito, salvo caso de manifesta desnecessidade, decidir questões de direito ou de facto, mesmo que de conhecimento oficioso, sem que as partes tenham tido a possibilidade de sobre elas se pronunciarem” (artigo 3.º, n.º 3, do CPC).
Visa-se com aquele princípio evitar decisões não expectáveis para as partes, seja porque versam sobre questões que nenhuma das partes suscitou ou sobre as quais não tiveram oportunidade de se pronunciar.
No caso vertente, na sentença que extinguiu a execução e os embargos de executado, ambos por inutilidade superveniente da lide, parece-nos claro que o tribunal apreciou a pretensão ali formulada pela Embargante/Recorrida, de ser declarada extinta a instância executiva por força da prolacção de sentença definitiva na acção declarativa n.º 2359/22.0T8FAR (a qual, tudo indica, trata-se da acção principal de que é dependência a providência cautelar no âmbito da qual as partes efectuaram a transacção que é apresentada à execução).
E o certo é que sobre essa pretensão as Embargadas Recorrentes exerceram o contraditório, apresentando a sua resposta, opondo-se à extinção da execução e defendendo que a única extinção possível seria a dos embargos de executado, por, em seu entender, a embargante ter confessado a inutilidade e incumprimento das medidas que se propôs implementar.
Ou seja, perante aquele requerimento da recorrida – cuja formulação visava obter uma decisão do tribunal a quo a declarar a extinção da instância executiva por inutilidade superveniente –, a contraparte, as aqui Recorrentes, tiveram oportunidade de se pronunciar, como o fizeram.
Por isso, a decisão recorrida, independentemente do seu acerto, não se traduz numa decisão surpresa.
Termos em que improcede, nesta parte, o recurso.
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4.2. Nulidade da sentença
Vieram, depois, as Recorrentes sustentar que a sentença recorrida é nula, sob invocação do disposto no artigo 615.º, n.º 1, alíneas c) e d), do CPC, pornão se ter pronunciado sobre o requerimento das Exequentes / Embargadas e apenas se ter pronunciado e acolhido a tese do argumento da Executada / Embargante – requerimentos com apenas um dia de diferença, 24 e 25 de fevereiro de 2025 – e ter proferido imediata sentença com os fundamentos em que o fez”.
Dispõe, a propósito, o artigo 615.º, n.º 1, alínea c), do CPC, que «é nula a sentença quando os fundamentos estejam em oposição com a decisão ou ocorra alguma ambiguidade ou obscuridade que torne a decisão ininteligível».
Na 1ª situação contemplada no citado artigo, a sentença «enferma de vício lógico que a compromete. A lei quer que o juiz justifique a sua decisão. Como pode considerar-se justificada uma decisão que colide com os fundamentos em que ostensivamente se apoia?». Nela «a construção da sentença é viciosa, pois os fundamentos invocados pelo juiz conduziriam logicamente, não ao resultado expresso na decisão, mas a resultado oposto» (Alberto dos Reis, Código de Processo Civil Anotado, Volume V, Coimbra Editora, Reimpressão, págs. 141-142)
Ora, ao contrário do pretendido pelas Recorrentes, não se divisa na sentença qualquer vício lógico entre os fundamentos e o sentido da decisão, nem obscuridade ou ambiguidade, sendo o seu sentido claramente perceptível, e foi devidamente apreendido pelas Recorrentes, que manifestaram a sua discordância quanto ao sentido da decisão, interpondo o presente recurso.
Dispõe, por seu turno, a alínea d) do citado artigo 615.º, que «é nula a sentença quando o juiz deixe de pronunciar-se sobre questões que devesse apreciar ou conheça de questões de que não podia tomar conhecimento».
Estamos, aqui, perante nulidade que tem correspondência com o disposto no artigo 608.º, n.º 2, do mesmo CPC, onde se impõe ao juiz o ónus de resolver na sentença todas as questões que as partes tenham submetido à sua apreciação, exceptuadas aquelas cuja decisão esteja prejudicada pela solução dada a outras questões, e de nela só se poder ocupar das questões suscitadas pelas partes, salvo se a lei lhe permitir ou impuser o conhecimento oficioso de outras.
Contudo há que distinguir entre questões a apreciar e razões ou argumentos apresentados pelas partes. «São na verdade coisas diferentes: deixar de conhecer questão de que devia conhecer-se, e deixar de apreciar qualquer consideração, argumento ou razão produzida pela parte. Quando as partes põem ao tribunal determinada questão, socorrem-se, a cada passo, de várias razões ou fundamentos para fazer valer o seu ponto de vista; o que importa é que o tribunal decida a questão posta; não lhe incumbe apreciar todos os fundamentos ou razões em que elas se apoiam para sustentar a sua pretensão» (Alberto dos Reis, ob. ci., pág. 143).
E também não ocorre esta nulidade da sentença «quando nela não se conhece de questão cuja decisão se mostra prejudicada pela solução dada a outras questões (cfr. artigo 608.º, n.º 2, CPC). É que o conhecimento de uma questão pode fazer-se tomando posição directa sobre ela, ou resultar da ponderação ou decisão de outra conexa que a envolve ou a exclui» (Ac. do STJ, de 08.03.2001).
No caso vertente, a circunstância de o tribunal a quo não se ter pronunciado, na decisão recorrida, sobre a pretensão das Embargadas, de que a instância de embargos fosse extinta por confissão da Recorrida, decorre de o seu conhecimento ter ficado prejudicado com o prévio deferimento da pretensão de extinção da execução, e, por arrasto, dos embargos de executado, ambos por inutilidade superveniente da lide, não se traduzindo, por isso, em vício de omissão de pronúncia.
Consequentemente, o recurso improcede quanto às invocadas nulidades por contradição e omissão de pronúncia da decisão recorrida.
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4.3. Erro de julgamento sobre a inutilidade superveniente da execução (e dos embargos)
Sustenta, depois, a Recorrente que, o tribunal a quo errou ao determinar a extinção da execução para prestação de facto, porque o facto que determinou a execução persiste no tempo – o incumprimento e violação da Recorrida na redução das emissões sonoras provenientes do seu estabelecimento comercial para cinquenta decibéis, que se mantém, constante e permanente, ao ponto das Recorrentes terem tido a necessidade de intentar duas ações executivas no período de dois anos – a do presente processo de execução e a que corre termos no mesmo juízo de execução de Loulé-Juiz 1, sob o n.º 2244/24.0T8LLE.
Lê-se no artigo 277.º, alínea e), do CPC que a instância extingue-se com a impossibilidade ou inutilidade superveniente da lide.
Dá-se a impossibilidade e a inutilidade superveniente da lide quando, após a propositura da acção, ocorre um facto que impede que a mesma prossiga – quanto à impossibilidade –, ou determina a falta de interesse processual, por a pretensão já ter sido atingida por outro meio (o litígio deixou de subsistir, o interesse implicado no pedido mostra-se satisfeito) – quanto à inutilidade.
Na verdade, «a instância pode extinguir-se por inutilidade ou impossibilidade superveniente da lide, o que se verifica quando, por facto ocorrido na sua pendência, a pretensão do autor não se pode manter, por virtude do desaparecimento dos sujeitos ou do objecto do processo, ou encontra satisfação fora do esquema da providência requerida, situação em que não existe qualquer efeito útil na decisão a proferir por já não ser possível o pedido ter acolhimento ou o fim visado com a acção ter sido atingido por outro meio» (Acórdão do TRL de 02.07.2019, Proc. n.º 566/19.1YRLSB.L1-7, disponível em www.dgsi.pt).
Melhor precisando, «inutilidade superveniente decorre em geral dos casos em que o efeito pretendido já foi alcançado por via diversa, sendo o caso mais típico o do pagamento da quantia peticionada por via diversa ou, em geral, o cumprimento espontâneo da obrigação em causa ou entrega do bem reivindicado” (Abrantes Geraldes, Paulo Pimenta e Luís Filipe Pires de Sousa, Código de Processo Civil Anotado, Vol. I, pág. 321).
Vejamos, então, o caso vertente.
No acção executiva para prestação de facto, verifica-se que o título executivo apresentado é uma transacção efectuada em providência cautelar, tendo as Exequentes/Recorrentes formulado o seguinte pedido no requerimento executivo:face à ineficácia das medidas, desde já se peticiona a efetiva aplicabilidade do ponto 4 da transação homologada por sentença garantindo que a executada cumpre com o limite sonoro imposto de 50Db».
Verifica-se, ainda, que citada a ali Executada, aqui Recorrida, deduziu embargos à execução, que prosseguiram os seus termos e nos quais, em audiência prévia, foi fixado como o Objecto do litígio, além do mais, saber «se a executada «(…)-Restaurantes, Lda.» cumpriu o acordado na providencia cautelar, nomeadamente se no prazo de 60 dias construiu, uma parede acústica com a altura de 3,80 metros na parede de madeira voltada para a propriedade das requerentes oras embargadas/executadas, acrescida de pala acústica de dois metros de profundidade e a construção de paredes acústicas, nas restantes paredes de madeira, pela mesma altura, iniciou a construção da restante parede acústica com a altura de 3,80 metros, acrescida de pala acústica de 2 metros de profundidade, através de empresa especializada, alterou o sistema de som do restaurante, mudando para alto-falantes direcionais, direccionados em sentido contrário à propriedade das requerentes, ora Embargadas / exequentes, através de empresa especializada colocou almofadas de absorção de som adicionais em volta do restaurante, solicitou a empresa especializada a colocação de painéis de insonorização com o comprimento de vinte e cinco metros na linha divisória das propriedades situada na zona do parque de estacionamento, e se de imediato, reduziu o parque de estacionamento 15 metros a contar da extrema divisória das propriedade, se contratou a empresa especializada para proceder à alteração do sistema de som e colocação das almofadas de absorção, se procedeu à redução dos graves, se reduziu os dB s com base em sessenta e cinco decibéis durante o período de implementação das alterações, se a actuação do DJ passou a ser até às 24.00 horas e se a actuação da banda de música passou a ser até às 22.30 horas às terças-feiras respeitando os 65 decibéis, ou se se impõe a sua execução coerciva na execução de que estes embargos de executado constituem apenso».
Verifica-se, também, que foram fixados como Temas da Prova: «1. A contratação de empresa especializada pela Embargante/executada para alteração do sistema de som do restaurante e colocação de almofadas de absorção de som; 2. Os trabalhos realizados pela Embargante/executada para cumprir o acordado no procedimento cautelar; 3. O som produzido pelo restaurante, nomeadamente nos momentos de actuação do DJ e da banda de música».
Verifica-se, depois, que na sentença recorrida o Tribunal a quo declarou extinta a instância de embargos e ordenou que o Agente de Execução fosse notificado para extinguir a execução nos seguintes termos: “Uma vez que resulta dos elementos carreados para os autos que as aqui Embargadas / exequentes … intentaram contra a aqui Embargante / executada … acção declarativa de condenação que correu termos sob o n.º 2359/22.0T8FAR …, na qual foi proferida sentença, já transitada em julgado, em cujo segmento decisório consta, … “… o Tribunal decide julgar a ação parcialmente procedente, por provada, em, consequência: a) determinar que a ré proceda a emissões sonoras no estabelecimento comercial que explora, denominado “(…)”, nos dias úteis até às 22h00m, e nos fins-de-semana, vésperas de feriados, noite de passagem do Ano e nos meses de Julho a setembro até às 11h30m, com limite máximo de 50 dBs e com eliminação ou redução substancial dos graves emanados dos subwoofers;…”, sendo certo que com a instauração da execução de que estes embargos de executado constituem apenso as Exequentes … peticionavam que a Executada … implementasse o disposto no n.º 4 da transacção celebrada e homologada no Procedimento Cautelar 1103/22.6T8LLE, ou seja a redução dos dBs para cinquenta decibéis.
Do exposto, resulta que aquilo que as Exequentes pretendiam com a instauração da presente execução, ou seja, a redução das emissões sonoras provenientes do estabelecimento comercial pertencente à Executada, denominado “(…)” para os cinquenta decibéis, já foi alcançado com a prolação da sentença proferida naqueles autos n.º 2359/22.0T8FAR, pelo que inexiste, agora, qualquer fundamento para prosseguimento da execução, a qual deverá ser declarada extinta e, constituindo os presentes embargos de executado apenso da referida execução, deverão ser também declarados extintos, por inutilidade superveniente da lide».
Ora, é certo que a sentença proferida no Proc. n.º 2359/22.0T8FAR decidiu, com trânsito em julgado, «determinar que a ré [Executada] proceda a emissões sonoras no estabelecimento comercial que explora, denominado “(…)”, nos dias úteis até às 22h00m, e nos fins-de-semana, vésperas de feriados, noite de passagem do Ano e nos meses de julho a setembro até às 22h30m, com limite máximo de 50 dB´s e com eliminação ou redução substancial dos graves emanados dos subwoofers».
Não se nega que entre aquela acção e respectiva sentença e as medidas acordadas na transacção que se executa existe uma convergência de objectivos. Mas dessa convergência não decorre necessariamente uma situação de inutilidade superveniente da execução de que estes embargos são um apenso.
É que, e desde logo, na fundamentação da dita sentença consignou-se, com autoridade de caso julgado entre as mesmas partes, que «a presente decisão não abrange as medidas preconizadas no acordo antes firmado, o qual se mantém em vigor, nomeadamente na parte em que impõe a adoção, por parte da ré, de medidas para insonorização do imóvel, necessárias e suficientes para evitar a propagação de ruídos provindos do estabelecimento que possam afetar as autoras. Aliás, qualquer estabelecimento onde seja passada música ao vivo, ou proveniente de aparelhos de som, com potência suficiente para se fazer ouvir nas habitações vizinhas, deve proceder à sua insonorização. Donde, a acrescer a essas medidas acordadas, se imponha a limitação e diminuição do horário de atuação da banda e do DJ ora determinada, a qual se entende terá também impacto na diminuição da lesão dos direitos de personalidade das autoras, assegurando o seu sono, descanso e repouso ao final do dia».
Deste modo, e patentemente, o decidido naquela sentença acresce às medidas de insonorização do imóvel acordadas entre as mesmas partes na transação que se executa, medidas essas cujo invocado incumprimento são a causa de pedir na execução e constituem o objecto do litígio nos embargos de executado.
Logo, o decidido na sentença em causa não as anula, nem substitui, antes as mantém em vigor, não beliscando a manutenção do quadro negocial alcançado naquela transacção.
Por outro lado, também não é possível afirmar, como faz a sentença recorrida, que com a sentença proferida no Proc. n.º 2359/22.0T8FAR a “redução das emissões foi alcançada”, pois que a dita sentença declarou o direito, mas à tutela dos direitos não basta a sua declaração judicial, mesmo que acompanhada da condenação no seu cumprimento. Ela, por si só, não assegura o seu cumprimento efectivo, e em caso de incumprimento só resta o recurso à acção executiva.
Não pode, assim, por todo o exposto, considerar-se que com a prolacção daquela sentença o interesse implicado no pedido executivo se mostre satisfeito, ou sequer atingido, por via diferente.
Ou seja, e concluindo, a dita sentença não se mostra apta a determinar, sem mais, a inutilidade superveniente da lide executiva, nem, por arrasto, dos embargos à execução (em que se discute, como vimos, se a executada cumpriu o acordado na providencia cautelar).
Procede, assim, o recurso, impondo-se revogar a decisão recorrida que determina a extinção da execução e dos embargos de executado (cuja extinção é ali determinada por decorrência da primeira).
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4.3.1. Extinção dos embargos por confissão da Embargante / Recorrida
Pretendem as Recorrentes, por fim, que sejam extintos os embargos com fundamento na confissão da Recorrida em não reduzir as emissões sonoras a 50 dBs.
Este pedido corresponde ao formulado junto do Tribunal a quo, na resposta que apresentaram a 25.02.2025 e na qual invocaram, a este propósito, a “confissão da Recorrida quanto à sua impossibilidade em limitar a propagação sonora a 50 dBs, como determinado nos processos declarativos transitados em julgados – processo 1103/22.6T8LLE Loulé - Juízo Local Cível-Juiz 2 e processo n.º 2359/22.0T8FAR, que correu termos no Juízo Central de Faro-Juiz 3”.
O artigo 277.º, alínea e), do CPC dispõe que a instância extingue-se com a desistência, transacção ou confissão.
Menciona esta disposição legal, de acordo com Alberto dos Reis (ob. cit, Volume I, págs. 393 e ss.) «os modos de extinção da instância, ou melhor, os factos que determinam a extinção». «Quer isto dizer, ao falar das causas e modos de extinção da instância, a lei teve em vista unicamente as causas e modos anormais; pôs de parte o modo normal: o julgamento ou sentença de mérito. As causas anormais apontadas (…) podem classificar-se assim: a) Extinção por acto do juiz (sentença de absolvição da instância)» nos termos do artigo 278.º do CPC; «b) Extinção por acto das partes (compromisso arbitral …, confissão, desistência e transacção» (artigos 283.º a 291.º do CPC).
Sucede que, nem o requerimento da Recorrida de 24/02/2025, no qual formula a pretensão de extinção da execução por inutilidade da lide, nem a sentença proferida no Proc. 2359/22.0T8FAR, configuram confissão do pedido executivo por banda daquela para efeitos do disposto nos citados artigos 277.º e 283.º.
Por outro lado, a eventual ponderação do alcance do caso julgado obtido com a sentença condenatória proferida no Proc. n.º 2359/22.0T8FAR (artigos 619.º e 621.º do CPC), não só, mais uma vez, não se reconduz a confissão do pedido executivo, como não dispensa a realização de julgamento e prolacção de sentença de mérito (onde tal questão poderá se ponderada).
Improcede, assim, nesta parte, o Recurso apresentado.
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V – DECISÃO
Pelo exposto, decidem os juízes desta Relação em julgar parcialmente procedente a Apelação e, em consequência, revogam a sentença recorrida, determinando-se o prosseguimento da execução e dos embargos de executado nos seus exactos termos.
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Custas pelas Recorrentes e Recorrida na proporção de 10% e 90%, respectivamente (cfr. artigos 527.º, n.ºs 1 e 2, 607.º, n.º 6 e 663.º, n.º 2, todos do CPC).
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Évora, 16/10/2025
Maria Isabel Calheiros
Isabel de Matos Peixoto Imaginário
Maria Domingas Simões