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IMPUGNAÇÃO DA MATÉRIA DE FACTO
ÓNUS DO RECORRENTE
ARRENDAMENTO VERBAL
Sumário
Não cumpre o ónus de impugnação que lhe está cometido pelo artigo 640.º, n.º 1, alínea b) e 2, do CPC, o Recorrente que não indicou nas suas alegações os concretos meios probatórios que impunham decisão diversa sobre os pontos da matéria de facto impugnada, nem ali identificou as exactas passagens da gravação respectiva de que se pretenderia fazer valer. (Sumário da Relatora)
Texto Integral
Proc. n.º 547/24.3T8ORM.E1
SUMÁRIO (da responsabilidade da Relatora)
(…)
I – RELATÓRIO 1.1. (…) e (…) intentaram acção declarativa com processo comum contra (…), pedindo a condenação do Réu a reconhecer que os Autores são donos e legítimos proprietários do imóvel que identificam e a restituir e desocupar o referido imóvel, livre de pessoas e bens.
Alegaram, para o efeito e em síntese, que são donos e legítimos proprietários de um imóvel que identificam e que a pedido do Réu o autorizaram a ocupar e a utilizar o imóvel em causa como sua residência, a título precário e por um período temporal limitado.
Mais alegaram que apesar de interpelado para o fazer, o Réu recusa-se a restituir o imóvel aos Autores.. 1.2. O Réu deduziu contestação, alegando, em suma, que celebrou com os Autores um contrato de arrendamento verbal do imóvel em causa e que procedeu ao pagamento da totalidade das rendas mensais que se foram vencendo. 1.3. Foi proferido despacho saneador com elaboração dos temas da prova e realizada a audiência de julgamento, finda a qual foi proferida sentença, com o seguinte teor decisório:
«Por todo o exposto, decide-se julgar procedente a presente acção, por provada. Em consequência, decide-se condenar o Réu: 1-) A reconhecer que os Autores são os titulares do direito de propriedade sobre o prédio urbano, sito na Rua (…), n.º 84, no lugar de (…), freguesia de (…), concelho de Ourém, composto por casa de habitação, com a área total de 61 m2, e a área coberta de 45 m2, inscrito na matriz predial urbana da freguesia de (…) sob o artigo (…), descrito na Conservatória do Registo Predial de Ourém sob o n.º (…), da freguesia de (…). 2-) Em proceder à restituição aos Autores do prédio urbano, sito na Rua (…), n.º 84, no lugar de (…), freguesia de (…), concelho de Ourém, composto por casa de habitação, com a área total de 61 m2, e a área coberta de 45 m2, inscrito na matriz predial urbana da freguesia de (…) sob o artigo (…), descrito na Conservatória do Registo Predial de Ourém sob o n.º (…), da freguesia de (…), deixando-o livre e desimpedido de pessoas e bens, e entregando-o aos Autores». 1.4. Inconformado com a sentença proferida, o Réu interpôs o presente recurso de apelação, pedindoque fosse provido e se revogasse a sentença recorrida, Concluiu as suas alegações da seguinte forma (que se aqui se reproduzem):
«1- A decisão recorrida julgou incorrectamente o presente pleito.
2- Sucede que, a douta sentença recorrida não só não deu como provada a matéria de facto adveniente do teor da prova testemunhal e documental, como também não extraiu nenhuma consequência jurídica da mesma no âmbito da ação.
3- Mostra-se assim necessário, ao abrigo do artigo 640.º do Código Processo Civil, que o recorrente proceda à impugnação da decisão relativa à matéria de facto, com base nos fundamentos da sentença.
4- O recorrente considera que existem pontos de facto incorretamente julgados, porque totalmente omitidos na douta sentença.
5- Atendendo a que toda a impugnação da matéria de facto, tem por base omissão de factualidade que se pedirá que seja dada como provada.
Ou seja,
6- Os Recorridos, acordaram com o Recorrente, no arrendamento do imóvel.
7- Ninguém se opôs a que o Recorrente ocupasse o imóvel, com o pagamento de uma renda mensal de 250,00 euros.
8- O tribunal a quo, deu como não provado, a existência de um contrato de arrendamento, salvo o devido respeito, não ter valorado a prova e documental e testemunhal, provando-se tal existência, a sentença é nula, porque não foi apreciada e valorizada tal prova.
9- O Recorrente entende que a decisão em apreço deve ser revogada e substituída por outra que julgue procedente o pedido deduzido pelo Recorrente.
10- Uma vez que, estão preenchidos os requisitos necessários para a formalização de tal contrato de arrendamento.
11- É, assim, posição do recorrente que a decisão recorrida violou ou não fez a melhor interpretação e aplicação do disposto os artigos artigo 607.º, n.º 4 e n.º 5, do Código de Processo Civil.
13- Prova testemunhal essa, que em bom rigor, contrariou de forma demasiado óbvia, o alegado pelos Autores.
14- Em conclusão, e salvo o devido respeito por opinião diversa, a decisão em crise não se poderá manter, devendo ser substituída por outra, onde seja declarado o reconhecimento do direito de o recorrente celebrar o contrato de arrendamento.
Termos em que, deve ser dado provimento ao presente recurso sendo em consequência revogada a decisão recorrida e substituindo-se por outra que julgue a ação improcedente, tendo em conta a prova produzida, julgando-se procedente o pedido formulado pelo recorrente, tudo com as legais consequências, requerendo-se junto de V. Ex.ª a devida Justiça!» 1.5. Os Autores não apresentaram contra-alegações.
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Corridos os vistos legais, cumpre apreciar e decidir.
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II –OBJECTO DO RECURSO
O objecto do recurso é delimitado pelas conclusões da alegação do recorrente (artigos 635.º, n.º 4 e 639.º, n.ºs 1 e 2, ambos do NCPC), não podendo este Tribunal conhecer de matérias nelas não incluídas, a não ser as de conhecimento oficioso (artigo 608.º, n.º 2, in fine, aplicável ex vi do artigo 663.º, n.º 2, in fine, ambos do NCPC).
Tendo, então, em atenção as conclusões da Recorrente são as seguintes as questões submetidas à apreciação deste Tribunal:
1. Impugnação da Decisão de Facto;
2. Nulidade da sentença;
3. Alteração do direito aplicado ao litígio dos autos, em face do sentido da decisão a proferir quanto ao ponto 1.
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III – FUNDAMENTAÇÃO DE FACTO
O Tribunal de 1.ª Instância, com interesse para a decisão da causa, deu como provados os seguintes factos:
1- Os Autores são proprietários de um prédio urbano, sito na Rua (…), n.º 84, no lugar de (…), freguesia de (…), concelho de Ourém, composto por casa de habitação, com a área total de 61 m2, e a área coberta de 45 m2, inscrito na matriz predial urbana da freguesia de (…) sob o artigo (…), que tem como titulares inscritos na matriz o Autor (…), na proporção de ½, e a Autora (…), na proporção da outra ½, descrito na Conservatória do Registo Predial de Ourém sob o n.º (…), da freguesia de (…), sobre o qual existe uma inscrição de aquisição de ½ indivisa do direito de propriedade a favor dos Autores, realizada através da Ap. n.º (…), de 10-01-2019.
2- No final do mês de Dezembro de 2021, em circunstâncias não concretamente apuradas, os Autores acordaram com o Réu, que este utilizasse como sua habitação e fixasse a sua residência no imóvel referido em 1), a título temporário.
3- O Réu passou a ocupar o imóvel referido supra em 1), nos termos mencionados em 2), a partir do mês de Janeiro de 2022.
4- Por três vezes, uma no mês de Outubro de 2022, e as outras em duas datas não concretamente apuradas, o Réu foi visto a entregar ao Autor (…) a quantia de 250 euros em dinheiro.
5- Os Autores acordaram pintar o imóvel referido supra em 1), quer na parte interior, quer na parte exterior, antes de o Réu se mudar para o local.
6- O sr. Mandatário dos Autores enviou ao Réu, e este recebeu, a carta registada, datada de 15 de Fevereiro de 2024, cuja cópia se encontra junta a fls. 10, cujo conteúdo se dá aqui por reproduzido, onde solicitava que o Réu entregasse aos Autores e desocupasse o imóvel referido em 1).
7- Após o recebimento da carta referida em 6), o Réu continuou a ocupar e a utilizar o imóvel referido em 1).
8- O Réu celebrou com as entidades fornecedoras, designadamente a (…) e a (…), contratos de fornecimento de água e de electricidade para o imóvel referido em 1).
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Considerou como não provados os seguintes factos:
A- No final do ano de 2021, o Réu solicitou aos Autores que lhe facultassem a utilização do imóvel referido em 1) como sua habitação, porque tinha sido posto fora de casa pela ex-mulher, se quem se tinha divorciado.
B- Na ocasião referida em 2) o Réu declarou aos Autores que no prazo de 2 meses conseguiria reorganizar a sua vida e arrendar um imóvel para onde se mudaria.
C- Após terem decorrido os 2 meses referidos supra em B), os Autores contactaram o Réu, questionando-o sobre qual a sua expectativa de sair do imóvel referido em 1), tendo este último respondido que: “na próxima semana já terei arranjado um lugar onde ficar”.
D- O Réu contactou os Autores e solicitou informação a estes sobre se eles pretendiam arrendar o prédio referido em 1), tendo os Autores respondido afirmativamente.
E- Na sequência, verbalmente, os Autores acordaram arrendar o imóvel referido em 1) ao Réu, mediante o pagamento por este da renda mensal no valor de 250 euros.
F- Os Autores compraram um esquentador pela o imóvel referido em 1), antes de o Réu se mudar para o local.
G- No mês de Setembro de 2023, a Autora (…) deslocou-se ao imóvel referido em 1), solicitando ao Réu um aumento do valor da renda referida em E) no montante de 100 euros, de forma a que a partir do mês de Janeiro de 2024, o valor da renda mensal passasse a ser de 350 euros.
H- Em resposta, o Réu recusou o aumento da renda, solicitando à Autora (…) que lhe emitisse os recibos das rendas que tinha pago, que tinha solicitado anteriormente por várias vezes, pois necessitava dos mesmos para o subsídio de renda.
I- Na sequência, a Autora (…) solicitou às entidades competentes que procedessem ao desligamento da água e da electricidade, que eram fornecidas ao imóvel referido em 1).
J- Em Janeiro de 2024, o Réu deslocou-se á residência dos Autores, como fez em todos os meses anteriores, para entregar o valor da renda, ou seja o montante de 250 euros.
K- Na ocasião referida em J) a Autora (…) recusou-se a receber a renda, alegando que só a receberia com o aumento.
L- Na sequência, o Réu deixou a quantia referida em J) dentro da caixa de correio dos Autores, acompanhada por uma mensagem em que informava que aquele montante era referente ao valor da renda.
M- Em Fevereiro de 2024, a Autora (…) voltou a exigir o pagamento da renda com o aumento mencionado em G).
N- Em resposta, o Réu negou efectuar o pagamento da renda com o aumento mencionado em H), sem a emissão de recibos.
O- Por diversas vezes, o Réu solicitou aos Autores os recibos das rendas que tinha pago, tendo estes últimos negado a emissão desses recibos.
P- Desde a data da celebração do contrato de arrendamento referido em E), o Réu pagou mensalmente aos Autores a totalidade dos valores da renda mensal mencionada em E), que se venceram.
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IV – FUNDAMENTAÇÃO DE DIREITO 4.1. Impugnação da Decisão de Facto – Ónus de impugnação
O Recorrente veio impugnar a decisão sobre a matéria de facto, nos termos que se deixaram enunciados em 1.5.
A propósito do ónus de impugnação da matéria de facto, dispõe o artigo 640.º, n.º 1, do NCPC que, quando «seja impugnada a decisão sobre a matéria de facto, deve o recorrente obrigatoriamente especificar, sob pena de rejeição», «a) Os concretos pontos de facto que considera incorrectamente julgados; b) Os concretos meios probatórios, constantes do processo ou de registo ou gravação nele realizada, que impunham decisão sobre os pontos da matéria de facto impugnada diversa da recorrida; c) A decisão que, no seu entender, deve ser proferida sobre as questões de facto impugnadas».
E quando «os meios probatórios invocados como fundamento do erro na apreciação das provas tenham sido gravados», acresce ainda àquele ónus do recorrente, «sob pena de imediata rejeição do recurso na respectiva parte, indicar com exactidão as passagens da gravação em que se funda o seu recurso, sem prejuízo de poder proceder à transcrição dos excertos que considere relevantes» (artigo 640.º, n.º 2, alínea a), do NCPC).
Do citado preceito legal resulta, então, que o recorrente, sob cominação de rejeição do recurso, deve delimitar com precisão os concretos pontos da decisão de facto que pretende impugnar, indicar os concretos meios probatórios em que se estriba, e, quando tenham sido gravados, precisar com exactidão as passagens da gravação em que se funda o seu recurso; e deixar expressa a decisão que, no seu entender, deve ser proferida sobre as questões de facto impugnadas.
Incumprido pelo recorrente o ónus de impugnação previsto na citada disposição legal, o seu recurso, nessa parte, terá que ser rejeitado.
Precisando, a «rejeição total ou parcial do recurso respeitante à impugnação da decisão da matéria de facto deve verificar-se em alguma das seguintes situações:
a) Falta de conclusões sobre a impugnação da decisão da matéria de facto (artigos 635.º, n.º 4 e 641.º, n.º 2, alínea b);
b) Falta de especificação nas conclusões dos concretos pontos de facto que o recorrente considera incorrectamente julgados (artigo 640.º, n.º 1, alínea a);
c) Falta de especificação, na motivação, dos concretos meios probatórios constantes do processo ou nele registados (v.g. documentos, relatórios periciais, registo escrito, etc.);
d) Falta de indicação exacta, na motivação, das passagens da gravação em que o recorrente se funda;
e) Falta de posição expressa, na motivação, sobre o resultado pretendido relativamente a cada segmento da impugnação» (Abrantes Geraldes, Recursos no Novo Código de Processo Civil, Almedina, 2017, págs. 158/159).
Como sintetizou o Ac. STJ de 19.02.2015, rel. Maria dos Prazeres Beleza, Proc. n.º 405/09.1TMCBR.C1.S1 (disponível em www.dgsi.pt). «a impugnação da decisão de facto, feita perante a Relação, não se destina a que este tribunal reaprecie global e genericamente a prova valorada em primeira instância», «razão pela qual se impõe ao recorrente um especial ónus de alegação, no qua respeita à delimitação do objecto do recurso e à respectiva fundamentação»; por isso, «não observa tal ónus o recorrente que identifica os pontos de facto que considera mal julgados, mas se limita a indicar os depoimentos prestados e a listar documentos, sem fazer a indispensável referência àqueles pontos de facto, especificando os concretos meios de prova que impunham que cada um desses pontos fosse julgado provado ou não provado».
Vertendo ao caso dos autos, das conclusões apresentadas resulta que o recorrente discorda do juízo feito pelo Tribunal a quo quando deu como não provado que os Autores acordaram com o Recorrente no arrendamento do imóvel e que ninguém se opôs a que ocupasse o imóvel com o pagamento de uma renda mensal de 250 euros. Ainda que não devidamente explicitado nas conclusões é fácil de ver que se trata da factualidade dada como não provada nas alíneas D e E dos factos não provados.
Contudo, verifica-se que o Recorrente não indicou, nem no corpo das alegações, nem nas conclusões, os concretos meios probatórios que infirmariam o juízo de prova do Tribunal a quo, limitando-se a referir, de forma genérica, nas alegações, que «foram prestadas declarações de parte em audiência de discussão e julgamento, conforme resulta da respetiva Ata, encontram-se gravadas através do sistema integrado de gravação digital, disponível na aplicação informática em uso no Tribunal», que «em sede de audiência de julgamento foi realizada prova, da existência de um contrato verbal de arrendamento, a prova de tal facto decorre da conjugação da prova testemunhal, assim como da prova documental» e que «todas as testemunhas envolvidas, arroladas pelo Réu, assim como o próprio, provaram a existência e prevalência deste contrato de arrendamento há mais de seis meses», acrescentando que «não foi valorada a prova documental e testemunhal».
Nada do invocado cumpre a apontada exigência de especificação dos concretos meios probatórios constantes do processo ou da gravação dos depoimentos nele realizada que sejam aptos a fundamentar a pretendida alteração: quanto à prova documental, quais os documentos; quanto à prova testemunhal, quais os depoimentos das testemunhas e quais as exactas passagens desses depoimentos e das declarações de parte em que se baseia na discordância manifestada (reportado a cada um dos concretos pontos de facto impugnados).
Impunha-se, isso sim, que o Recorrente, com referência a cada um dos pontos de facto que impugnou,especificasse que concretos meios de prova impunham que esses pontos de factos fossem julgados de forma diversa da efectuada pelo tribunal recorrido e, tratando-se de prova gravada, indicar as exactas passagens da gravação em que se funda, o que, como vimos, não fez.
Importa, então, considerar que o Recorrente não cumpriu o ónus de impugnação que lhe estava cometido pelo artigo 640.º, n.º 1, alínea b) e 2, do CPC, porque não indicou nas suas alegações de recurso os concretos meios probatórios que impunham decisão diversa sobre os pontos da matéria de facto impugnada, nem ali identificou as exactas passagens da gravação respectiva de que se pretenderia fazer valer.
Deste modo, impõe-se rejeitar o recurso sobre a matéria de facto (considerando-se, do mesmo passo, definitivamente assente a matéria de facto que foi apurada pela 1ª instância e referida em III).
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4.1. - Nulidade da Sentença recorrida por Falta de Fundamentação
Sustentou, ainda, o Recorrente nas suas conclusões que «a decisão em apreço deve ser revogada e substituída por outra que julgue procedente o pedido deduzido pelo Recorrente, uma vez que estão preenchidos os requisitos necessários para a formalização de tal contrato de arrendamento» imputando à decisão recorrida a violação do disposto no artigo 607.º, n.º 4 e n.º 5, do CPC.
Lê-se no artigo 604.º do CPC que «4 - Na fundamentação da sentença, o juiz declara quais os factos que julga provados e quais os que julga não provados, analisando criticamente as provas, indicando as ilações tiradas dos factos instrumentais e especificando os demais fundamentos que foram decisivos para a sua convicção; o juiz toma ainda em consideração os factos que estão admitidos por acordo, provados por documentos ou por confissão reduzida a escrito, compatibilizando toda a matéria de facto adquirida e extraindo dos factos apurados as presunções impostas pela lei ou por regras de experiência» e «5 - O juiz aprecia livremente as provas segundo a sua prudente convicção acerca de cada facto; a livre apreciação não abrange os factos para cuja prova a lei exija formalidade especial, nem aqueles que só possam ser provados por documentos ou que estejam plenamente provados, quer por documentos, quer por acordo ou confissão das partes».
Impõe-se, portanto, ao juiz que explicite, quer o elenco dos meios de prova que utilizou para formar a sua convicção (sobre a prova, ou não prova, dos factos), quer a relevância atribuída a cada um desses meios de prova, afirmando não só o quedecidiu, mas também os motivos de assim ter decidido.
A explicitação da formação da convicção do juiz consubstancia precisamente a «análise crítica da prova» que lhe cabe fazer.
Isto porque «livre apreciação da prova» (artigo 607.º, n.º 5, do CPC) não corresponde a «arbitrária apreciação da prova». «É assim que o juiz explicará por que motivo deu mais crédito a uma testemunha do que a outra, por que motivo deu prevalência a um laudo pericial em detrimento de outro, por que motivo o depoimento de certa testemunha tecnicamente qualificada levou à desconsideração de um relatório pericial ou por que motivo não deu como provado certo facto apesar de o mesmo ser referido em vários depoimentos. E é ainda assim por referência a certo depoimento e a propósito do crédito que merece (ou não), o juiz aludirá ao modo como o depoente se comportou em audiência, como reagiu às questões colocadas, às hesitações que não teve (teve), a naturalidade e tranquilidade que teve (ou não)» (Paulo Pimenta, Processo Civil Declarativo, Almedina, 2014, pág. 325).
Perante o não cumprimento das regras próprias da elaboração da sentença nos termos acima preceituados, o artigo 615.º, n.º 1, alínea b), do NCPC, comina de «nula a sentença quando não especifique os fundamentos de facto e de direito que justificam a decisão».
Contudo, importa considerar que tem sido entendimento pacífico na doutrina e jurisprudência que só a falta absoluta da indicação dos fundamentos de facto ou de direito é geradora da nulidade prevista no artigo 615.º, n.º 1, alínea b), do CPC.
Isto porque «há que distinguir cuidadosamente a falta absoluta de motivação da motivação deficiente, medíocre ou errada. O que a lei considera nulidade é a falta absoluta de motivação; a insuficiência ou mediocridade da motivação é espécie diferente, afecta o valor doutrinal da sentença, sujeita-a ao risco de ser revogada ou alterada em recurso, mas não produz nulidade»; e, por «falta absoluta de motivação deve entender-se a ausência total de fundamentos de direito e de facto» (Alberto dos Reis, Código de Processo Civil Anotado, Volume V, pág. 140).
No caso dos autos, o tribunal a quo explicitou a fundamentação do seu juízo sobre os factos provados e não provados nos seguintes moldes: «O tribunal fundamentou a sua convicção na globalidade da prova produzida na audiência de discussão e julgamento, designadamente na prova documental junta aos autos, nas declarações de parte prestadas pelos Autores e pelo Réu, no depoimento das testemunhas que foram ouvidas naquela audiência, e na ponderação daí advinda. Designadamente, a prova dos factos referidos no ponto 1), foi realizada com base fundamentalmente na falta de impugnação dos mesmos por parte do Réu na sua contestação. Na verdade, o Réu não veio impugnar expressamente, nem tacitamente, esses factos na contestação que apresentou. Pelo contrário veio admitir a veracidade de tais factos. Registou-se assim uma situação designada pela doutrina de confissão ficta por parte do Réu em relação a esses factos, resultantes da falta de impugnação dos mesmos. Além disso, para a prova dos factos referidos no ponto 1), levaram-se em consideração a certidão matricial e a certidão de registo predial, juntas aos autos a fls. 8 e 9, referentes ao prédio em causa, onde constam esses elementos de facto. Por sua vez, a prova dos factos referidos nos pontos 2), 3) e 7), foi efectuada com base nas declarações de parte dos Autores e no depoimento de parte do Réu. Na verdade, esses depoimentos foram concordantes na parte em que os Autores e o Réu acordaram no mês de 12-2021, que este último poderia ocupar e utilizar como sua residência o prédio referido em 1). Que o Réu passou a residir no prédio referido em 1) a partir do mês de Janeiro de 2022. Que o Réu continuou a ocupar e a utilizar o prédio referido em 1) como sua residência, depois de ter recebido a carta mencionada em 6). Para além disso, tendo em conta que não ficou provado que os Autores e o Réu celebraram um contrato de arrendamento referente ao prédio referido em 1), o Tribunal deu credibilidade à parte do depoimento dos Autores em que os mesmos alegaram que a ocupação pelo Réu do prédio referido em 1) seria meramente precária e temporária. Por outro lado, para a prova dos factos referidos no ponto 4), levaram-se em consideração os depoimentos da testemunha (…), que é filho do Réu, e da testemunha (…), que é amigo do Réu. Na verdade, a testemunha (…) referiu ter visto por uma vez, e a testemunha (…) referiu ter visto por duas vezes, o Réu entregar ao Autor (…) a quantia de 250 euros, em dinheiro. Por sua vez, para a prova dos factos referidos no ponto 5) levou-se em consideração o depoimento da testemunha (…), que é pintor da construção civil e que referiu ter procedido à pintura do prédio referido em 1), a mando dos Autores. Por fim, para a prova dos factos referidos no ponto 6), levou-se em consideração a carta em causa, que se encontra junta a fls. 10, onde constam esses elementos de facto. A restante factualidade dada como não provada resultou da ausência total de provas ou da inexistência de prova convincente quanto à mesma. Designadamente, os Autores e o Réu não fizeram prova, ou prova convincente, quer documental, quer testemunhal, conforme lhes competia, nos termos do artigo 342.º do Código Civil, por terem o respectivo ónus, desses factos que fundamentariam a sua versão, não se dando assim os mesmos como demonstrados. Refira-se ainda que não foram consideradas as declarações de parte dos Autores e do Réu, para efeito de prova dos restantes factos por si alegados. Na verdade, este depoimento tem um valor muito reduzido em termos probatórios. Na realidade, há que levar em consideração que a parte se limita a maior parte das vezes a reproduzir no seu depoimento aquilo que já alegou nas exposições que juntou ao processo. Esse depoimento será assim manifestamente tendencioso e subjectivo. Apenas poderá ser utilizado como meio de prova se for produzida alguma outra prova adicional, aqui isenta e objectiva, que confirme o teor do depoimento de parte que foi realizado. Ora, no caso concreto não se vislumbra que tenha sido produzida qualquer prova adicional, isenta, objectiva e imparcial, que viesse confirmar o teor do depoimento prestado pelos Autores e pelo Réu, quanto a estes outros factos. Logo tal depoimento não pôde ser, nem foi utilizado como meio de prova nos presentes autos, designadamente em relação aos restantes factos alegados pelos AA. e pelo R., e que foram considerados não provados».
Ainda que se pudesse discutir a suficiência / acerto da motivação, o certo é que não estamos perante uma falta absoluta de motivação, sendo que só esta comina de nula a sentença.
O recorrente confunde, pois, o que são causas de nulidade da sentença por falta de fundamentação da decisão de facto, com aquilo que são os erros de julgamento da matéria de facto, passíveis de recurso nos termos definidos no artigo 662.º, n.º 1, do CPC, desde que a parte interessada cumpra os ónus previstos no artigo 640.º do CPC (recurso da matéria de facto que, no caso vertente, como vimos em 4.1., foi rejeitado precisamente por falta de cumprimento desses ónus).
Consequentemente, o recurso improcede quanto à invocada nulidade por omissão de fundamentação.
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4.3. Alteração do direito aplicado ao litígio dos autos, em face do sentido da decisão da matéria de facto
A pretensão recursória do Recorrente de alteração da decisão de mérito pressupõe a procedência da impugnação da decisão da matéria de facto no sentido por ele defendido.
Rejeitado, contudo, que foi recurso de impugnação da decisão sobre a matéria de facto fica prejudicado o conhecimento da pretendida alteração da decisão de mérito.
Na verdade, e porque a apreciação do recurso pertinente à interpretação e aplicação ao direito depende do prévio sucesso do recurso interposto sobre a matéria de facto fixada, ficou necessariamente prejudicado o conhecimento daquele.
Improcede, por isso, também nesta parte, o recurso.
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V – DECISÃO
Pelo exposto, e nos termos das disposições legais citadas, acordam os Juízes deste Tribunal da Relação, em julgar totalmente improcedente o recurso de apelação interposto pelo Réu recorrente e, em consequência, confirmar a sentença recorrida.
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Custas da apelação pelo Recorrente (conforme artigo 527.º, n.º 1 e n.º 2, do CPC, por nele ter decaído).
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Évora, 16/10/2025
Maria Isabel Calheiros
Isabel de Matos Peixoto Imaginário
Cristina Maria Xavier Machado Dá Mesquita