1 – Tendo o tribunal proferido decisão mediante a qual declarou que a instituição de crédito mutuante cumpriu a sua obrigação de integração dos executados mutuários em PERSI e, consequentemente, que não se verificava, em relação a estes, a excepção dilatória inominada insanável que decorreria do incumprimento daquela obrigação, ficou imediatamente esgotado o seu poder jurisdicional quanto a essa matéria.
2 – Consequentemente, a posterior prolação de uma decisão que, declarando que a instituição de crédito mutuante não demonstrou ter comunicado validamente, aos executados mutuários, a extinção do PERSI, julgou verificada a excepção dilatória inominada insanável daí decorrente, violou o disposto no n.º 1 do artigo 613.º do CPC.
(Sumário do Relator)
Execução sumária para pagamento de quantia certa.
Exequente/recorrente: (…) 2, SARL.
Executados/recorridos: (…) e (…).
As conclusões do recurso são as seguintes:
1. A sentença recorrida viola o disposto nos artigos 613.º e 620.º do CPC.
2. Por sentença de 16.11.2023, foi julgada procedente a excepção dilatória inominada de cumprimento do PERSI apenas quanto aos fiadores, prosseguindo a execução quanto aos restantes.
3. Na sentença de 16.11.2023, julga o tribunal a quo:
«É insofismável que é sobre a exequente que impende o ónus de demonstrar a integração do cliente bancário no PERSI, por tal ser uma “específica condição de ação cuja inexistência conduz à carência da ação” – cfr. o Acórdão proferido pelo Tribunal da Relação do Porto no processo n.º. 4097/14.8TBMTS.P1.
Ora, esse ónus a aqui exequente observou quanto aos executados/ mutuários (…) e (…), mas reconheceu expressamente não poder satisfazer quanto aos demais executados, aceitando as consequências de tal.»
4. No que respeita aos executados/fiadores (…) e (…) e apenas «quanto a eles» «a extinção da presente execução.»
5. A decisão proferida em 16.11.2023 não mereceu reclamação ou recurso e transitou em julgado.
6. E com ela os executados se conformando e tanto assim é que em 15.03.2025 veio o executado aceitar que o bem dado em garantia à exequente seja vendido à melhor proposta e transferida a parte do preço que couber a massa insolvente da co-mutuária!
7. Transitada em julgado, nos termos do artigo 613.º do CPC, o tribunal a quo deixou de ter poder jurisdicional para conhecimento da matéria atinente ao cumprimento do PERSI.
8. E a decisão de 16.11.2023 faz caso julgado formal, ou seja, tem força obrigatória no processo – artigo 620.º do CPC.
9. Tendo o que é apelidado pelo Sr. Prof. José Lebre de Freitas «efeito preclusivo intraprocessual» (cit. «um Polvo Chamado Autoridade do Caso Julgado», Revista da Ordem dos Advogados III-IV, 2019).
10. E assim entende a jurisprudência, nomeadamente no acórdão do Tribunal da Relação de Évora de 09.04.2025, processo 3004/21.6T8ENT.E1 (…)
11. Conclui-se assim que o tribunal a quo profere a sentença recorrida após extinção do poder jurisdicional e bem assim em violação do princípio do caso julgado e ao arrepio do disposto nos artigos 613.º e 620.º do CPC, devendo a mesma ser revogada (…).
«Em 23 de junho de 2020 a “Caixa (…) (…) Geral”, sediada a Rua (…), n.ºs 219-241, em Lisboa, instaurou a presente execução contra (…), (…), (…) e (…), todos com os sinais dos autos, dando à execução o contrato de compra a venda, mútuo com hipoteca e fiança n.º (…), outorgado por escritura pública de 25.11.2005, no Cartório Notarial do Cartaxo, no qual (…) interveio na qualidade de vendedora, a aqui exequente, interveio na qualidade de mutuante, os primeiro e segundo executados na qualidade de compradores / mutuários e os terceiro e quarto executados na qualidade de fiadores destes últimos, conforme o doc. n.º 1 junto com o requerimento executivo, e bem assim o contrato de mútuo com hipoteca e fiança n.º (…), outorgado por escritura pública lavrada nesse mesmo dia 25.11.2005, no Cartório Notarial do Cartaxo, no qual a aqui exequente interveio na qualidade de mutuante, os primeiro e segundo atrás identificados executados na qualidade de mutuários e os terceiro e quarto executados na qualidade de fiadores daqueles, conforme o doc. n.º 23 junto com o requerimento executivo, e sendo certo que os executados/mutuários deixaram de cumprir as respetivas obrigações para com a exequente em 28 de fevereiro de 2018, nessa sequência, e uma vez que interpelados para pagamento das prestações em divida o não fizeram, lhes tendo vindo a ser comunicada a resolução de ambos os contratos, com o vencimento de tudo o devido à exequente, incluindo capital e respetivo juros vencidos e vincendos até efetivo e integral pagamento.
A execução prosseguiu os seus normais termos com a penhora de bens e a posterior citação dos executados, que não deduziram oposição alguma, seja à execução, seja à(s) penhora(s) realizada(s).
Constatando-se entretanto nada ter sido até então averiguado no que respeita ao cumprimento do PERSI nos autos, foi por despacho de 15 de maio de 2023 ordenada a notificação do exequente para esclarecer sobre o enquadramento do caso no dito procedimento e para, sendo a resposta afirmativa, comprovar o cumprimento do mesmo com relação aos dois contratos e a todos os executados.
A essa instância o exequente respondeu nos termos que melhor constam exarados nos seus requerimentos sob as ref.ªs 9738919, de 31 de maio de 2023, 9822164, de 30 de junho de 2023, e 9885816, 25 de julho de 2023, concedendo no enquadramento legal de ambos os contratos em questão no PERSI, mas juntando apenas a documentação (cartas de integração e extinção do PERSI a que alude o artigo 21.º do Dec.-Lei n.º 227/2012, de 25/10) que atesta o respetivo cumprimento no que especificamente diz respeito aos executados (…) e (…), e referindo, quanto aos executados fiadores, que apesar de todos os esforços desenvolvidos, não lhe ter sido possível localizar as cartas que para o mesmo efeito lhes terão sido remetidas nos termos do citado artigo 21.º do Dec.-Lei n.º 227/2012, de 25/10, e, nessa conformidade, admitindo que a execução possa por esse motivo ser julgada extinta no que especificamente diz respeito a eles.
Cumpre, pois, agora decidir.
(…)
No caso dos autos, vindo alegado no requerimento executivo que os executados / mutuários deixaram de cumprir em 28 de fevereiro de 2018 as obrigações decorrentes dos contratos de mútuo (para aquisição de habitação própria permanente, um, e para despesas relacionadas com a mesma, o outro) dados à execução em 23 de junho de 2020, e reconhecendo agora a exequente não lhe ser possível demonstrar o cumprimento das obrigações decorrentes do referido Dec.-Lei n.º 227/2012 quanto aos executados fiadores, (…) e (…), não pode senão dar-se como assente que estes não foram integrados no PERSI, o que significa a verificação em concreto de uma exceção dilatória inominada, insuprível, que tem como consequência inelutável a absolvição dos mesmos da instância executiva – cfr. os artigos 576.º, n.º 2 e 578.º, ambos do CPC – e que, nos termos do artigo 726.º, n.º 2, alínea b), do CPC, inclusivamente poderia ter desde logo determinado o indeferimento liminar do requerimento executivo quanto a eles. É insofismável que é sobre a exequente que impende o ónus de demonstrar a integração do cliente bancário no PERSI, por tal ser uma “específica condição de ação cuja inexistência conduz à carência da ação” – cfr. o Acórdão proferido pelo Tribunal da Relação do Porto no processo n.º 4097/14.8TBMTS.P1. Ora, esse ónus a aqui exequente observou quanto aos executados/mutuários (…) e (…), mas reconheceu expressamente não poder satisfazer quanto aos demais executados, aceitando as consequências de tal.
Por tudo quanto vem de expor-se - e uma vez que a não ser no despacho liminar, a exceção em causa pode ainda ser conhecida, nos termos do disposto no artigo 734.º, n.º 1, do C.P.C., “até ao primeiro ato de transmissão dos bens penhorados”, situação que se verifica nos autos -, julgo verificada a exceção dilatória inominada de falta de integração no PERSI dos executados/fiadores (…) e (…), em consequência do que, quanto a eles, determino a extinção da presente execução.
(…)»
Sinteticamente, através desta decisão, proferida na sequência de ter suscitado oficiosamente a questão do cumprimento da obrigação, a cargo da instituição de crédito mutuante, de integração dos executados (que eram, então, quatro, dois mutuários e dois fiadores) em PERSI, o tribunal a quo:
1 – Julgou que aquela obrigação não foi cumprida relativamente aos executados fiadores;
2 – Julgou que aquela obrigação foi cumprida relativamente aos executados mutuários;
3 – Como corolário, determinou a extinção da execução apenas quanto aos primeiros.
No que ao ponto 2 concerne, atente-se nos seguintes trechos, que não deixam dúvidas acerca do sentido da decisão do tribunal a quo:
- «(…) juntando apenas a documentação (cartas de integração e extinção do PERSI a que alude o artigo 21.º do Dec.-Lei n.º 227/2012, de 25/10) que atesta o respetivo cumprimento no que especificamente diz respeito aos executados (…) e (…)»;
- «É insofismável que é sobre a exequente que impende o ónus de demonstrar a integração do cliente bancário no PERSI (…). Ora, esse ónus a aqui exequente observou quanto aos executados/mutuários (…) e (…)»;
- «(…) julgo verificada a exceção dilatória inominada de falta de integração no PERSI dos executados/fiadores (…) e (…), em consequência do que, quanto a eles, determino a extinção da presente execução».
Com a prolação desta decisão, mediante o qual foi apreciada a questão do cumprimento da obrigação de integração, em PERSI, de todos os executados, esgotou-se imediatamente (entenda-se, independentemente do trânsito em julgado) o poder jurisdicional do tribunal a quo relativamente a tal matéria, nos termos dos n.ºs 1 e 3 do artigo 613.º. Daí que, ao reapreciar essa mesma questão em relação aos executados mutuários, ora recorridos, através da prolação da decisão recorrida, o tribunal a quo tenha violado aquela norma legal, impondo-se, assim, a sua revogação, com o consequente prosseguimento da execução relativamente àqueles executados.
Delibera-se, pelo exposto, julgar o recurso procedente, revogando-se a decisão recorrida e ordenando-se o prosseguimento da execução.
Custas a cargo dos recorridos.
Notifique.
Vítor Sequinho dos Santos (relator)
Cristina Dá Mesquita (1ª adjunta)
Isabel de Matos Peixoto Imaginário (2ª adjunta)