i) A instrumentalidade entre o direito que se pretende ver acautelado por via da providência cautelar de restituição provisória da posse e do direito que se pretende fazer valer no processo principal impõe, pelo menos, que o facto que serve de fundamento à providência integre a causa de pedir da ação principal.
ii) Tal não acontece quando é instaurado procedimento cautelar de restituição provisória da posse como preliminar de recurso de revisão ou de ação de anulação/nulidade da transação no âmbito dos quais o requerente pretende ver destruídos os efeitos da transação na qual fora reconhecida a inexistência do direito que o requerente pretende ver acautelado por via da providência.
(Sumário da Relatora)
4. Questões a decidir
Considerando as conclusões do recurso, as quais delimitam o seu objeto nos termos do disposto nos artigos 608.º, n.º 2, 635.º, n.º 4 e 639.º, n.º 1, todos do Código de Processo Civil (de ora em diante CPC) a questão a decidir é unicamente a de saber se o procedimento cautelar de restituição provisória da posse pode ser instaurado como preliminar de recurso de revisão ou de ação de anulação/nulidade da transação no âmbito dos quais o requerente pretende sindicar e destruir os efeitos da transação na qual foi reconhecida a inexistência do direito que o requerente pretende ver acautelado por via da providência.
II. FUNDAMENTOS
1. De facto
Os factos relevantes são os que constam do relatório que antecede.
2. Conhecimento da questão suscitada no recurso
Objeto do recurso é, como vimos, saber se procedimento cautelar de restituição provisória da posse pode ser instaurado como preliminar de recurso de revisão ou de ação de anulação/nulidade da transação no âmbito dos quais o requerente pretende sindicar e destruir os efeitos da transação na qual foi reconhecida a inexistência do direito que o requerente pretende ver acautelado por via da providência
A restituição provisória constitui um meio de defesa da posse previsto no artigo 1279.º do Código Civil, de ora em diante CC, ao serviço do possuidor, contra atos de esbulho violento.
“O carácter declarada e assumidamente expedito do procedimento de restituição provisória da posse tem em vista alcançar uma regulação interina da situação, antecipando os efeitos que, de modo mais solene, serão assegurados pela acção principal de que está necessariamente dependente”[1].
Efetivamente, como resulta do artigo 364.º, n.º 1, do CPC, “(…) o procedimento cautelar é dependência de uma causa que tenha por fundamento o direito acautelado e pode ser instaurado como preliminar ou como incidente de ação declarativa ou executiva”.
Como elucidativamente expende Abrantes Geraldes, embora “não se pressuponha na acção e no procedimento uma total identidade dos direitos que se pretendem tutelar, nem tão pouco se exija a alegação do mesmo circunstancialismo fáctico integrador da causa de pedir na acção definitiva e nos fundamentos da providência solicitada, a função instrumental que a lei atribui aos procedimentos não é compatível com um total divórcio entre os respectivos objectos. A identidade entre o direito acautelado e o que se pretende fazer valer no processo definitivo impõe, pelo menos, que o facto que serve de fundamento à providência integre a causa de pedir da acção principal”[2].
Daí que, por exemplo, nada obste a que seja interposta uma restituição provisória de posse sem referência a um direito real constituído na esfera jurídica do requerente e que, posteriormente, em lugar de uma simples ação possessória, o requerente, sendo simultaneamente possuidor e proprietário, opte pela instauração de uma ação de reivindicação do objeto do direito de propriedade (acórdão do Tribunal da Relação de Coimbra, de 05/01/1993, in Colectânea de Jurisprudência, Tomo I, pág. 5), bem como nada “impede que na providência cautelar não especificada se invoque o direito de personalidade (direito ao sossego durante o período nocturno) e na acção definitiva, a par da alegação do referido direito, nos surja o direito de propriedade, também ele violado através dos mesmo comportamento”[3].
Assim, pese embora a latitude da instrumentalidade da providência cautelar em relação à ação principal, o certo é que a lei exige que se afira se a causa principal tem por fundamento o direito acautelado.
No caso dos autos impõe-se leitura distinta daquela que é propugnada pela Recorrente. Efetivamente, esta apresentou providência de restituição da posse anunciando que a mesma é dependência de recurso de revisão ou de ação de anulação / nulidade da transação a interpor e no âmbito dos quais pretende sindicar e destruir os efeitos da transação e da sentença que homologou tal transação. Significa isto, que os fundamentos de tal recurso e ação são os vícios que sejam suscetíveis de determinar a anulabilidade/nulidade da transação nos termos gerais, ao invés dos fundamentos da providência cautelar requerida, cujos fundamentos assentam na posse, no esbulho e na violência (artigo 377.º do CPC). Não existe, como tal, a menor identidade entre o direito acautelado (posse) e o que se pretende fazer valer no processo definitivo (nulidade ou anulação de uma sentença homologatória), não integrando os factos que servem de fundamento à providência a causa de pedir da ação principal.
Verdadeiramente, como entendeu o tribunal a quo, a causa que teve por fundamento o direito acautelado foi a ação que correu os seus termos com o número de processo n.º 2799/23.7T8PTM: ali a ora Recorrente quis ver reconhecido judicialmente o seu direito possessório sobre os espaços em causa (piscinas e court de ténis), na decorrência de contrato de arrendamento que entendia persistir. E esse é, precisamente, o objeto da providência que agora pretende ver decretada.
Uma última nota, para dizer que o acórdão invocado pela Recorrente, do Tribunal da Relação do Porto, não versa a restituição provisória da posse, nem, de um modo geral, a dependência do procedimento cautelar da ação principal, mas, antes, saber se, depois de ter sido intentado recurso de revisão com fundamento na alínea d) do artigo 696.º do CPC, cujo requerimento inicial foi indeferido liminarmente por decurso do prazo de 60 dias aludido no n.º 2 do artigo 697.º do CPC, podiam os requerentes sucessivamente vir instaurar ação de anulação/nulidade da transação. No presente caso, porém, não se discute a admissibilidade do recurso de revisão ou da ação de anulação/nulidade da transação, mas sim o caráter instrumental de uma providência cautelar face a tais instrumentos jurídicos.
Assim, não pode proceder o recurso.
3. Custas
Custas pela Recorrente, atento o decaimento (artigo 527.º, n.º s 1 e 2, do CPC e tabela I-B do Regulamento das Custas Processuais).
III. DECISÃO
Assim, nos termos e pelos fundamentos expostos, acorda-se em julgar a apelação improcedente, confirmando-se a decisão recorrida.
Custas pela Recorrente.
Évora, 16 de outubro de 2025
Sónia Kietzmann Lopes (Relatora)
Sónia Moura (1ª Adjunta)
Ricardo Manuel Neto Miranda Peixoto (2º Adjunto)
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[1] Abrantes Geraldes, in “Temas da Reforma do Processo Civil,”, IV Volume, 2.ª ed., Almedina, pág. 25.
[2] In “Temas da Reforma do Processo Civil,”, III Volume, 2.ª ed., Almedina, pág. 128.
[3] Abrantes Geraldes, In “Temas da Reforma do Processo Civil,”, III Volume, 2.ª ed., Almedina, nota de rodapé 192.