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RECURSO DE REVISÃO
ADMISSIBILIDADE DO RECURSO
DOCUMENTO NOVO
Sumário
1. A decisão de admissibilidade do recurso de revisão, fundado na disposição contida no artigo 696.º, alínea c), do Código de Processo Civil, não se destina a efectuar um novo julgamento do pleito anteriormente julgado, mas antes a verificar se estão reunidos os pressupostos legais dos quais depende a admissão do recurso. 2. Não reúne o requisito de “novidade” a mera certificação de documentos pré-existentes, conhecidos pelo Recorrente e que poderia ter usado na causa onde foi proferida a decisão revidenda. 3. E também não reúne o requisito de “suficiência” se a certidão apresentada não modifica os dados essenciais da condenação do Recorrente na decisão revidenda: ter efectuado quatro pagamentos, utilizando os recursos financeiros de uma sociedade declarada insolvente, quando já não podia dispor deles, pagando em seu nome pessoal, como revertido, dívidas de que aquela sociedade era a devedora originária. (Sumário do Relator)
Texto Integral
Sumário: (…)
Acordam os Juízes da 2.ª Secção Cível do Tribunal da Relação de Évora:
(…), NIF (…), interpôs recurso de revisão do Acórdão desta Relação de Évora de 02.03.2023, transitado em julgado, proferido no apenso I, que negou provimento ao recurso por si interposto da sentença proferida em primeira instância que, por seu turno, havia julgado parcialmente procedente a acção intentada por Massa Insolvente de (…) – Produtos Agrícolas, Lda., decidindo:
1) “Absolver a Ré (…) dos pedidos deduzidos pela Autora;
2) Condenar o Réu (…) a pagar à Autora a quantia de € 13.469,85, acrescida de juros de mora, à taxa legal, até efectivo e integral pagamento;
3) Julgar procedente o incidente de litigância de má-fé deduzido pela Autora, condenando o Réu como litigante de má-fé, em multa processual de 5 UC, e em indemnização a fixar em despacho complementar”.
Visto que o Relator proferiu Decisão Singular indeferindo liminarmente o recurso de revisão, o Recorrente interpôs imediatamente recurso para o Supremo Tribunal de Justiça, que o Relator decidiu convolar em reclamação para a conferência.
Daqui a intervenção do Colectivo de Juízes deste Tribunal – artigo 652.º, n.º 3, do Código de Processo Civil.
***
Antes do mais, vejamos a fundamentação da Decisão Singular:
«O Recorrente invoca como fundamento do recurso a norma do artigo 696.º, n.º 1, alínea c), do Código de Processo Civil: “c) Se apresente documento de que a parte não tivesse conhecimento, ou de que não tivesse podido fazer uso, no processo em que foi proferida a decisão a rever e que, por si só, seja suficiente para modificar a decisão em sentido mais favorável à parte vencida”.
O documento é uma certidão emitida pelo Instituto de Gestão Financeira da Segurança Social, I.P., em 16.08.2023, a requerimento do Ilustre Mandatário do Recorrente – a petição inicial não menciona a data exacta deste requerimento mas, de acordo com esse articulado inicial e a documentação anexa, terá sido apresentado na sequência de continuação da audiência de julgamento agendada para 06.07.2023 no incidente de qualificação de insolvência que corre no apenso C, constando do doc. n.º 14 anexo à petição inicial um email de resposta do ISS datado de 27.7.2023 e do doc. nº 15, um requerimento dirigido ao referido apenso C em 11.08.2023, mencionando a apresentação do referido pedido de certidão.
A certidão do Instituto de Gestão Financeira da Segurança Social, I.P., datada de 16.08.2023, certifica os vários processos de execução fiscal instaurados à Insolvente, por contribuições à Segurança Social, cotizações e juros devidos no período de Junho de 1998 a Novembro de 2020, a lista de pagamentos efectuados pelo Recorrente entre 30.05.2019 e 06.01.2021 (sendo que, nesta última data, são mencionados quatro pagamentos, de € 5.207,72, de € 3.810,26, de € 4.333,77 e de € 118,10, no valor global de € 13.289,85).
A mesma certidão refere que, quanto “ao processo de execução fiscal n.º 1401201500210749 e apensos, foram efectuados vários pagamentos, quanto ao responsável subsidiário, como decorre dos detalhes dos documentos únicos de cobrança (DUCS) que se anexam (docs. 4 a 7), deles se retirando os valores pagos, a que título e referentes a que períodos” – estes DUCS, todos emitidos em 06.01.2021, respeitam aos quatro pagamentos ocorridos nessa data, já descritos no parágrafo anterior.
A mesma certidão anexa, ainda, a lista de créditos reconhecidos no processo de insolvência e a sentença de reclamação de créditos, datada de 09.09.2021, proferida no apenso A.
Antes do mais, vejamos os factos que foram considerados provados na sentença e confirmados no Acórdão (consultados por acompanhamento electrónico efectuado ao apenso I, através do Citius), mesmo após impugnação dirigida pelo Recorrente quanto aos factos constantes das alíneas I), J) e K) dos factos provados, e quanto aos pontos 1, 5, 6 e 7 dos não provados:
A) Por sentença proferida em 25/11/2020, transitada em julgado, no âmbito dos autos principais, instaurados pela (…), Sociedade Agro-Industrial, S.A., foi declarada a insolvência de (…) – Produtos Agrícolas, Lda..
B) A insolvente tem um capital social de € 24.939,89, dividido por duas quotas de igual valor, cada uma delas titulada por (…) e (…).
C) Da certidão de registo comercial da insolvente constam como administradores da mesma (…) e (…), obrigando-se a sociedade com a assinatura de um dos sócios gerentes.
D) Por sentença proferida no Apenso A em 09/09/2021, já transitada em julgado, foram reconhecidos créditos no montante global de € 1.092.607,90, entre os quais um crédito do Instituto da Segurança Social, IP, no montante de € 130.588,16.
E) Após a declaração da insolvência de (…) – Produtos Agrícolas, Lda., o réu, na qualidade de gerente da insolvente em seu nome pessoal como revertido, requereu junto do Instituto de Segurança Social, IP, relativamente a dívidas de que a sociedade insolvente era a devedora originária, os seguintes documentos únicos de cobrança (guias de pagamento), no montante global de € 13.469,85, juntos com a petição inicial como docs. 4 a 7, cujo teor aqui se dá por integralmente reproduzido:
- N.º 2114012173000011001, no valor de € 5.207,72;
- N.º 2114012173000011010, no valor de € 3.810,26;
- N.º 2114012173000011028, no valor de € 4.333,77;
- N.º 2114012173000011036, no valor de € 118,10.
F) Após, em 06/01/2021 o réu procedeu à liquidação dos DUC’s identificados em E) através de conta bancária titulada pela insolvente.
G) Em consequência do referido em E) e F), a sra. administradora de insolvência, em representação da autora, solicitou ao Instituto da Segurança Social, IP. a devolução do respectivo valor, invocando a declaração de insolvência da sociedade.
H) O Instituto da Segurança Social, IP respondeu por email de 01/09/2021 que relativamente ao montante de “€ 13.469,85 a SPE informou que se reflectiu na conta corrente do gerente, (…), enquanto revertido da devedora insolvente, uma vez que foi este que procedeu ao pagamento, desconhecendo as demais circunstâncias subjacentes”, pelo que “entende que deverão ser accionados os meios de responsabilização junto das instâncias competentes, pelos actos praticados pelo gerente e que tenham afectado a MI”.
I) Com a conduta referida em E) e F), o réu agiu com o intuito de, à custa dos credores, liquidar uma dívida própria sua, enquanto revertido da sociedade insolvente, o que conseguiu.
J) Ao agir do modo descrito, o réu causou prejuízos à generalidade dos credores da insolvente, diminuindo o património integrante da massa insolvente no montante do pagamento que efectuou.
K) Aquando do referido em E) e F) o réu sabia que a sociedade de que é gerente tinha sido declarada insolvente, bem sabendo que não podia dispor do dinheiro daquela e que ao pagar as mencionadas através de conta titulada pela sociedade veria a sua dívida pessoal ser diminuída à custa dos credores e da massa insolvente.
L) A ré encontra-se divorciada do réu desde 31/01/2008.
M) Há cerca de 20 anos que a ré não pratica qualquer facto relativo à vida da sociedade insolvente, designadamente não movimentando as contas bancárias nem acedendo às contas clientes e contas fornecedores.
N) Desde então, foi o réu que, em exclusivo, tomou todas as decisões relativas à sociedade, designadamente subscrevendo livranças e emitindo cheques, admitindo pessoal, pagando a fornecedores e autorizando encomendas, movimentando as contas bancárias da sociedade.
O) Não tendo a ré qualquer conhecimento dos moldes em que o réu praticava os factos descritos em N), desconhecendo o património e as dívidas da sociedade e, pelo menos desde o ano de 2017, não tendo acesso à contabilidade da empresa nem às contas da mesma.
P) Desde há cerca de 20 anos que a ré apenas desempenhava na sociedade as funções de operária fabril, sob as ordens e direcção do réu.
Q) A ré desconhecia o referido em E) e F).
R) Por carta registada, com AR, datada de 09/12/2020, recepcionada pelo réu em 10/12/2020, a sra. AI, na qualidade de administradora de insolvência nomeada à (…) – Produtos Agrícolas, Lda., solicitou ao réu a entrega dos documentos a que alude o artigo 24.º do CIRE nos termos que constam do doc. junto sob o n.º 1, em 31/01/2022.
S) O réu respondeu à referida missiva por email de 30/12/2020, cfr. doc. junto sob o n.º 2, em 31/01/2022.
T) A sra. AI tomou conhecimento do referido em E) e F) por tal lhe ter sido comunicado pelo réu por email de 13/01/2021, informando-a que, na sequência de um reembolso de IVA, havia procedido ao pagamento dos montantes mencionados em E) e que parte desse reembolso havia sido retido pela credora Caixa de Crédito Agrícola Mútuo para se ressarcir de um crédito.
U) A sra. AI respondeu ao réu por email do mesmo dia com o seguinte teor “Como sabe a empresa está insolvente, não tem o senhor legitimidade para proceder a qualquer pagamento em nome da empresa, e muito menos da conta da empresa”.
V) Nessa sequência, o réu respondeu à sra. AI por email de 14/01/2021, que “Peço imensa desculpa Doutora, apesar de saber que não tenho qualquer legitimidade para efectuar qualquer pagamento, apenas o fiz por ser para o Estado, neste caso o crédito agrícola também não pode usufruir-se dos valores. Neste caso o crédito agrícola cometeu uma ilegalidade bem maior que a minha”.
Nos pontos 1, 5, 6 e 7 dos factos não provados na sentença, que o Recorrente também impugnou no recurso por si interposto, mas cuja decisão foi confirmada no Acórdão desta Relação de 02.03.2023, foi dado como não provado o seguinte:
1) “Com a conduta referida em E) e F), o réu agiu com o intuito de à custa dos credores liquidar uma divida própria da ré, enquanto revertida da sociedade insolvente, o que conseguiu. (…);
5) Aquando do referido em E) e F) o réu desconhecia que a (…) – Produtos Agrícolas, Lda. tinha sido declarada insolvente.
6) O réu apenas tomou conhecimento da declaração de insolvência da sociedade no dia 11/01/2021.
7) Não obstante terem sido emitidas pela Segurança Social guias para pagamento de dívidas do réu, em seu nome pessoal e na qualidade de revertido, o réu havia solicitado junto de tal entidade a emissão de guias para pagamento das dívidas da sociedade e não suas na qualidade de revertido”.
Importa, ainda, atentar às seguintes datas de prática de actos processuais no apenso I, também verificadas no acompanhamento electrónico efectuado ao mesmo:
- a petição inicial foi apresentada pela Massa Insolvente em 08.10.2021;
- a contestação do Réu (…) foi apresentada em 18.11.2021;
- o requerimento da Massa Insolvente pedindo a condenação do Réu como litigante de má fé foi apresentado em 31.01.2022;
- o Réu respondeu a esse requerimento em 21.03.2022;
- a audiência prévia realizou-se a 23.06.2022;
- a audiência de julgamento decorreu em duas sessões, realizadas em 07.10.2022 e em 03.11.2022;
- a sentença condenatória do Réu foi proferida a 28.11.2022;
- as alegações de recurso foram apresentadas pelo Réu em 27.12.2022;
- o Acórdão desta Relação de Évora que confirmou a sentença foi proferido a 02.03.2023.
Estes são os factos a ponderar nesta decisão.
Aplicando o Direito, a norma do artigo 696.º, n.º 1, alínea c), do Código de Processo Civil exige, cumulativamente, que o documento seja novo e suficiente.
A propósito, escreveu-se o seguinte no Acórdão do Supremo Tribunal de Justiça de 29.06.2017 (Proc. n.º 90/13.6T2VGS-A.P1.S1), publicado em www.dgsi.pt: «V – A “novidade” significa que o documento não foi apresentado no processo onde se proferiu a decisão em causa, seja porque ainda não existia, seja porque, existindo, a parte não pôde socorrer-se dele. VI – Quanto à “suficiência”, ao contrário do que sucedia no CPC de 1939, não se exige já que o documento altere radicalmente a situação de facto em que assentou a sentença revidenda, basta que implique uma modificação dessa decisão em sentido mais favorável à parte vencida. VII – Só se estará perante documento dotado de “suficiência” se o documento, além de dotado de força probatória bastante para firmar ou infirmar factos, conduzir à prova ou afastar a prova de factos contemporâneos com os que consubstanciam a causa de pedir na acção onde foi proferida a decisão revidenda ou, ao menos, com a data da decisão revidenda.»
Ora, o documento apresentado não é novo, nem suficiente para alterar a decisão recorrida.
Quanto à inexistência do requisito de novidade, diremos que a certidão de 16.08.2023 não só podia ter sido obtida previamente ao julgamento efectuado no apenso I, como não passa da certificação de documentos pré-existentes, alguns deles antigos em décadas por referência à data em que foi decretada a insolvência.
Com efeito, na parte que respeita à certificação dos vários processos de execução fiscal instaurados à Insolvente, por contribuições à Segurança Social, cotizações e juros devidos no período de Junho de 1998 e Novembro de 2020, o que se verifica é que se trata de processos instaurados entre 13.11.2001 e 28.02.2022 (sendo que os dois processos de execução fiscal desta última data respeitam a contribuições devidas no mês de Novembro de 2020, tendo a insolvência sido decretada no dia 25 desse mês).
Ou seja, o que a certidão de 16.08.2023 certifica é a pré-existência de processos de execução fiscal, instaurados à Insolvente ao longo de mais de duas décadas, todos eles já existentes à data em que ocorreu a audiência prévia no apenso I, que teve lugar a 23.06.2022, dos quais o Recorrente tinha necessariamente conhecimento, na sua qualidade de gerente da sociedade Insolvente e requerente dos documentos únicos de cobrança emitidos em 06.01.2021 (já após a data de decretamento da insolvência), nos quais se identifica o processo e apensos à ordem dos quais o pagamento foi realizado, e se afirma que se trata de “dívida revertida” para o Recorrente, indicando-se o seu nome, o seu NIF e o seu NISS.
Por outras palavras, os processos de execução fiscal não só eram pré-existentes à data em que se realizou a audiência prévia no apenso I, como o Recorrente conhecia-os por neles ter tido intervenção – maxime, pelos DUC’s cuja emissão solicitou e pelos pagamentos parciais que realizou à sua ordem – podendo deles ter feito o uso que melhor tivesse por conveniente para a sua defesa.
Quanto à lista de pagamentos efectuados pelo Recorrente entre 30.05.2019 e 06.01.2021, também aqui não há qualquer novidade – trata-se de actos praticados pelo Recorrente dos quais tinha, ipso facto, conhecimento, sendo que os quatro pagamentos ocorridos em 06.01.2021 foram extensivamente discutidos e analisados na sentença e no Acórdão desta Relação de 02.03.2023.
Quanto à reclamação de créditos efectuada no apenso A e à sentença de reconhecimento e graduação de créditos ali proferida, datada de 09.09.2021, trata-se igualmente de documentos pré-existentes ao julgamento efectuado no apenso I, que o Recorrente conhecia face à sua intervenção nos autos.
E quanto aos detalhes dos quatro documentos únicos de cobrança de 06.01.2021, para além de mero desenvolvimento dos quatro documentos únicos de cobrança que foram apresentados logo com a petição inicial no apenso I, foram emitidos nessa data a pedido do Recorrente, pelo que deles teve imediato conhecimento, e também nada de novo aportam aos autos – neles continua a dizer-se que se trata de “Pagamento Reversão” e “Respectivo ao Revertido n.º (…)”, que corresponde ao NIF do Recorrente.
Finalmente, quanto ao requisito da suficiência, a certidão em causa não modifica os dados essenciais da condenação do Recorrente – ter efectuado quatro pagamentos em 06.01.2021, utilizando os recursos financeiros da sociedade, quando já não podia dispor deles, pagando em seu nome pessoal, como revertido, dívidas de que a sociedade insolvente era a devedora originária.
Tal conduziu ao juízo de ilicitude do comportamento assumido pelo Recorrente, expresso no seguinte passo da sentença, também reproduzido no Acórdão: “(…) a ilicitude imputável ao réu traduz-se no facto de no momento em que solicitou as guias e procedeu ao seu pagamento já se encontrar privado, em virtude da declaração de insolvência, dos poderes de administração e de disposição dos bens integrantes da massa insolvente, os quais passaram a competir à administradora da insolvência (artigo 81.º, n.º 1, do CIRE), que assumiu a representação da devedora para todos os efeitos de carácter patrimonial que interessem à insolvência (n.º 4). Acresce que o mesmo procedeu ao pagamento de dívidas suas na qualidade de revertido (ainda que a devedora originária fosse a sociedade insolvente), diminuindo, desse modo, o seu próprio passivo com dinheiro que pertencia à massa insolvente”.
Como igualmente conduziu à formulação do juízo sobre a obrigação de indemnizar do Recorrente, expresso no seguinte passo: “Concluindo, no caso em apreço, o réu, em seu nome pessoal e na qualidade de revertido em dívida da sociedade então insolvente (e, portanto, depois de revertidas as dívidas), procedeu ao pagamento de dívidas originais dessa sociedade através de conta por esta titulada, mas para pagar dívidas suas na qualidade de revertido (ainda que, consequentemente, diminuísse o passivo da sociedade insolvente perante o Instituto de Segurança Social, IP). Esta actuação do réu reflecte uma violação dos deveres de lealdade que sobre si impendiam, uma vez que o seu comportamento não se orientou pelo interesse social, mas antes pelo interesse meramente pessoal, o que se traduz na sua censura e reprovação, por não ter usado, além do mais, a diligência de um gestor criterioso e ordenado. Com efeito, ao contrário do invocado pelo réu, tal comportamento consubstancia uma violação do seu dever de lealdade para com a sociedade de que era gerente”.
E quanto à condenação como litigante de má fé, a condenação do Recorrente a esse título funda-se na circunstância de ter alterado a verdade dos factos, nos termos assim expressos no Acórdão: “(…) no caso dos autos o réu alegou que no momento em que solicitou as guias e efectuou o seu pagamento desconhecia que a sociedade (…) havia sido declarada insolvente e que procedeu ao pagamento de dívidas da insolvente e não dívidas suas. Está provada não só que, quando solicitou as guias e efectuou os pagamentos, o réu tinha conhecimento de que a sociedade se encontrava insolvente como também que o mesmo procedeu ao pagamento de dívidas suas na qualidade de responsável subsidiário e não de dívidas da sociedade (ainda que esta seja a devedora originária daquelas). Ainda que o passivo da sociedade tenha ficado reduzido em montante idêntico ao dos pagamentos efectuados, o réu também conseguiu uma redução do seu passivo em idêntico montante por ser devedor das quantias pagas na qualidade de revertido. Atenta a factualidade provada, dúvidas não existem de que o réu litigou com manifesta má-fé processual porquanto deduziu alterou ostensivamente a verdade dos factos (alínea b) do artigo 542.º, n.º 2, do CPC). Como refere a decisão recorrida dúvidas não existem que o réu alterou a verdade dos factos, pelo que a sua conduta não pode deixar de se considerar dolosa, assumindo aqui o dolo um grau de intensidade elevada. Isto é, o réu litigou com intenção maliciosa, de forma dolosa, cujo comportamento envolve uma censura ético-jurídica com as necessárias repercussões na acção, enquadrando-se na situação prevista no artigo 27.º, n.º 3, do RCP”.
A certidão de 16.08.2023 nada altera a este respeito: não demonstra que o Recorrente desconhecia a insolvência da sociedade quando efectuou os pagamentos de 06.01.2021, como até comprova que procedeu ao pagamento de dívidas suas na qualidade de responsável subsidiário – conclusão que é patente nos detalhes dos documentos únicos de cobrança anexos àquela certidão, onde se afirma que se trata de “Pagamento Reversão”, “Respectivo ao Revertido n.º (…)”, i.e., ao aqui Recorrente.
Enfim, a certidão apresentada, emitida em 16.08.2023 não é, assim, suficiente para modificar a decisão a rever: na verdade, o documento não modifica nada, apenas confirma os factos essenciais julgados provados no Acórdão desta Relação de 02.03.2023, e que ali foram devidamente apreciados.
Assim, sem maiores desenvolvimentos, porque absolutamente espúrios – nem o caso merece mais – será o recurso liminarmente indeferido (artigo 699.º, n.º 1, do Código de Processo Civil).»
***
Na sua reclamação, o Recorrente argui, no essencial, o seguinte:
- através de uma atenta análise da Certidão em causa, dúvidas não existem que o Recorrente, quando afirmava, em sede da Acção de Processo Comum n.º 1859/20.0T8STR-I (na qual foi depois injustamente condenado):
a. Tinha razão quando invocava que desconhecia a existência de um processo de reversão, tanto mais que a empresa (…) nunca fora notificada ou citada pelo Instituto da Segurança Social, I.P. das dívidas tributárias em causa, e sendo certo que o Recorrente nunca fora notificado para exercer o direito de audição em sede de reversão ou citado para apresentar a sua oposição, só tendo agora chegado ao conhecimento, através da Certidão junta como doc. n.º 16, sobre quais os tributos e períodos em causa respeitantes aos quatro DUC’s identificados, embora desconhecendo, ainda hoje, a existência de um qualquer Despacho de Reversão;
b. Tinha razão quando invocava que o pagamento, processado pelo Recorrente, no montante total de € 13.469,85, e referente aos quatro DUC’s em causa (…), correspondia, sim, ao pagamento de parte da dívida tributária devida pela empresa … (e não de dívida pessoal), tanto mais que tal pagamento foi imputado no PEF n.º 1401201500210749 e Apensos, respeitante a dívidas tributárias da identificada pessoa colectiva dos períodos 10/2016 a 12/2016, 01/2017 a 03/2017 e 01/2018 a 04/2018;
c. Tinha razão quando invocava que tal montante (€ 13.469,85), não obstante já ter objecto de pagamento, foi reclamado pelo Instituto da Segurança Social, I.P. no Processo de Insolvência e incluído pela Exma. sra. Administradora de Insolvência na Lista dos créditos reconhecidos e na Sentença de verificação e graduação de créditos;
- Da certidão resulta que o Recorrente, aquando dos pagamentos, não poderia saber que existia um processo de reversão, pois dele não foi notificado previamente ou citado, sendo certo que agiu conforme agia habitualmente, ou seja, dirigia-se à Segurança Social no sentido de fazer pagamentos de dívidas ao Estado que pudessem encontrar-se em dívida (…), e isto sem nunca desconsiderar que os pagamentos realizados pelo ora Recorrente nunca poderiam consubstanciar pagamentos de uma qualquer dívida pessoal sua, própria, mas antes da empresa, tanto mais que não foi aberto um novo processo em virtude da reversão, e sendo certo que o Despacho de reversão – cuja existência se desconhece – não tem uma natureza administrativa.
Porém, há a afirmar que a decisão de admissibilidade do recurso de revisão, fundado na disposição contida no artigo 696.º, alínea c), do Código de Processo Civil, não se destina a efectuar um novo julgamento do pleito anteriormente julgado, mas antes a verificar se estão reunidos os pressupostos legais dos quais depende a admissão do recurso.
Foi a essa tarefa que se dedicou a Decisão Singular, ora afirmando que o documento apresentado não reunia o requisito de novidade – trata-se de uma mera certificação de documentos pré-existentes, conhecidos pelo Recorrente e que poderia ter usado na anterior causa – ora declarando que também não reunia o requisito de suficiência, pois a certidão não modificava os dados essenciais da condenação do Recorrente: ter efectuado quatro pagamentos em 06.01.2021, utilizando os recursos financeiros da sociedade insolvente, quando já não podia dispor deles, pagando em seu nome pessoal, como revertido, dívidas de que aquela sociedade era a devedora originária.
Visto que o Colectivo retoma a mesma fundamentação que já consta da Decisão Singular, resta indeferir liminarmente o recurso.
Decisão.
Destarte, indefere-se liminarmente o recurso de revisão.
Custas pelo Recorrente.
Évora, 16 de Outubro de 2025
Mário Branco Coelho (relator)
Maria Domingas Simões
José Manuel Costa Galo Tomé de Carvalho