CRIME DE FALSIFICAÇÃO DE DOCUMENTO
ART.º 256º DO CÓDIGO PENAL
Sumário

I - Ao declarar (falsamente) o extravio da carta de condução, o título habilitante passa a ser a segunda via emitida, tendo a primeira perdido administrativamente o seu valor de documento autêntico, por alegado desapossamento do seu titular.
II - Porém a entrega do título substituído, para efeitos de cumprimento da pena acessória de proibição de conduzir, não integra, ao contrário do decidido, a prática de um crime de falsificação de documento agravado, pois trata-se de documento genuíno e não integrante das ações típicas prevenidas para o crime de falsificação de documento, tratando-se, antes, de uma forma de incumprir a ordem de entrega que lhe foi dirigida, em correlacionação com o eventual crime de desobediência, caso fizessem parte do objeto dos autos os demais elementos constitutivos.
III - Não obstante, ao submeter, perante a entidade competente (IMT), pedido para emissão de carta de substituição com a (falsa) indicação de extravio, tal conduta é integrante da prática de um crime de falsificação de documento, sendo aquela indicação juridicamente relevante e determinante da emissão de uma segunda via da carta de condução, constituindo, pois, uma declaração de facto falso inserida em documento.

Texto Integral

Processo: 1073/24.6T9PRD.P1

Acordam em conferência na 1.ª Secção Criminal do Tribunal da Relação do Porto

I.
Nos autos de processo comum n.º 1073/24.6T9PRD, a correr termos no Juízo Local Criminal de Paredes – Juiz 2, do Tribunal Judicial da Comarca do Porto Este, por sentença de 03.06.2025 (Ref.ª 98893409) decidiu-se, além do mais:
A) condenar o arguido AA, pela prática, em autoria material, de um crime de falsificação de documento, previsto e punido pelo artigo 256º, nº 1, alínea d)e) do Código Penal, na pena de 7 (sete) meses de prisão.
B) Nos termos do artº 45 do Código Penal substituir a pena aplicada ao arguido por 210 (duzentos e dez) dias de multa, à taxa diária de €6,00 (seis euros), num total de 1260,00 €.

*
I.2
Não se conformando com o decidido veio o arguido AA interpor o recurso ora em apreciação (Ref.ª 10683327) referindo, em conclusões, o que a seguir se transcreve:
I. Resulta com clareza do texto da sentença recorrida uma contradição insanável na respetiva fundamentação bem como um erro notório da apreciação da prova, uma vez que o Tribunal a quo admitiu expressamente, ainda que por hipótese, por duas vezes, a possibilidade de o Recorrente ter efetivamente perdido a sua carta de condução e posteriormente a ter reencontrado, sem ter afastado essa possibilidade com critérios de objetividade e segurança jurídica.
II. O Tribunal não afastou a hipótese do extravio e reencontro da carta com recurso a elementos objetivos ou fundamentação racional segura, limitando-se a valorizar juízos de improbabilidade e verosimilhança bem como regras da experiência — o que é insuficiente e inadmissível como base de uma condenação penal, à luz do princípio in dubio pro reo.
III. O Tribunal “a quo” admitiu, por duas ocasiões distintas na fundamentação da sentença, a possibilidade de o Recorrente ter efetivamente reencontrado a carta de condução que alegadamente estaria extraviada, sendo que, num primeiro momento, essa hipótese é afastada com base em juízos meramente probabilísticos, designadamente através da invocação de que a probabilidade de o Recorrente ter reencontrado a carta após o pedido da segunda via seria ‘altamente inverosímil’.
IV. No segundo momento, já não se invoca a improbabilidade do reencontro, mas sim o facto de o Recorrente ter entregue a primeira via da carta ao tribunal, comportamento esse que, segundo as regras da experiência, é tratado como indício de dolo.
V. Ora, salvo o devido respeito, este duplo afastamento da mesma hipótese, com fundamentos enfraquecidos, havendo explicações alternativas e lógicas que apontem em sentido contrário – nomeadamente o extravio da carta de condução e reencontro da mesma – revelam não só um raciocínio arbitrário, como uma ausência de critério probatório objetivo.
VI. Se, num primeiro plano, o reencontro é ‘improvável’ e num segundo plano já é aceite mas transformada em indício de culpa pelo simples facto da entrega da 1º via da carta, então estamos perante uma construção argumentativa arbitrária, que trata qualquer cenário como doloso, o que colide frontalmente com os princípios da lógica penal e com a exigência de prova segura e racional.
VII. A convicção condenatória do Tribunal “a quo” baseia-se em inferências baseadas nas regras da experiência e critérios probabilísticos, considerando que é altamente inverosímil que o Recorrente tenha perdido a carta e a tenha reencontrado, assentando ainda na convicção que segundo as regras da experiência o Recorrente deveria ter entregue a 2º via da carta de condução.
VIII. As chamadas “regras da experiência” são aqui invocadas de forma abstrata e genérica, sem concretização adequada, pelo que, com o devido respeito, tal aplicação excede os limites da admissibilidade da prova por inferência e contraria o princípio da presunção de inocência.
IX. Este modo de apreciação da prova configura igualmente um erro notório na sua valoração: o tribunal retirou da entrega da carta antiga (conduta neutra, legalmente admissível e até coerente com o cumprimento da ordem judicial) uma ilação de dolo, sem qualquer base objetiva, racional ou fática que o sustentasse.
X. A entrega da carta antiga é precisamente o comportamento que seria expectável de alguém que pretende cumprir a decisão judicial pois é a que habitualmente tem em seu poder, nada indicando nos autos que o Recorrente tivesse conhecimento efetivo que a segunda via inutilizaria a primeira.
XI. Aliás, caso o Recorrente tivesse entregue a segunda via da carta de condução e não a primeira, o Tribunal a “quo” iria entender que este só pediu a segunda via para ficar na posse da primeira para poder continuar a conduzir, pelo que, qualquer conduta que o Recorrente adotasse seria interpretado como um sinal de culpa.
XII. Assim, nenhuma conduta adotada pelo Recorrente escaparia à suspeição, uma vez que o raciocínio valorativo assenta numa lógica circular, onde a conclusão está previamente assumida e os comportamentos do Recorrente são moldados para a confirmar.
XIII. Por todos os motivos expostos, a sentença recorrida não respeita o critério de racionalidade probatória exigido pelo artigo 127.º do Código de Processo Penal, encontrando-se irremediavelmente viciada, padecendo, de forma cumulativa, dos vícios de contradição insanável na fundamentação (art. 410.º, n.º 1, al. d), CPP) e de erro notório na apreciação da prova (art. 410.º, n.º 1, al. e), CPP), impondo que a revogação da mesma.
XIV. O Tribunal “a quo” fundamentou a sua convicção condenatória através de um raciocínio inferencial de natureza silogística, ancorado em quatro factos tidos como assentes, a partir dos quais extraiu a conclusão de que o Recorrente incorreu na prática do crime de falsificação de documentos.
XV. Em boa verdade, da leitura da excerto da sentença recorrida sobressai um evidente erro de interpretação e de construção da prova por parte do Tribunal “a quo”, ao afirmar que, segundo as regras da experiência comum, a probabilidade de o Arguido ter perdido a sua carta de condução precisamente no momento em que transitou o acórdão do TRP que o condenou na pena acessória de inibição de conduzir por 4 meses é diminuta e altamente inverosímil.
XVI. O Tribunal “a quo” parte de uma premissa errada e não provada: a de que o Recorrente terá perdido a carta de condução quatro dias após o trânsito em julgado da sentença, uma vez que não existe nos autos qualquer elemento probatório que sustente essa factualidade ou que permita fixar com segurança o momento da alegada perda.
XVII. Só podemos concluir com certeza que o Arguido solicitou a segunda via da carta após quatro dias do transito em julgado do Acórdão que o condenou na pena acessória de inibição de conduzir, uma interpretação em sentido contrário é, com o devido respeito, uma extrapolação dos factos, com uma violação do princípio da legalidade da prova.
XVIII. A condenação do Recorrente assentou, nesta parte, num raciocínio silogístico construído pelo Tribunal “a quo”, baseado em critérios de experiência comum e juízos de verosimilhança, através do qual se concluiu que não seria plausível que o Recorrente tivesse perdido a carta de condução naquele momento, ou seja, imediatamente após o trânsito em julgado da sentença.
XIX. Contudo, tal silogismo parte de uma premissa empírica não provada, sem qualquer base factual, cuja ausência de demonstração compromete a solidez lógica da inferência e, por consequência, a validade da convicção condenatória à luz das exigências probatórias do processo penal.
XX. Ora, o Tribunal “a quo” parte da premissa de que a perda da carta ocorreu após o trânsito em julgado da sentença, o que se reputa como uma mera presunção especulativa, na medida em que dos autos apenas se extrai a data em que foi formalizado o pedido de segunda via, não havendo qualquer elemento de prova que permita fixar com segurança a data da alegada perda.
XXI. Não cabe ao Tribunal “a quo” presumir, sem base factual, o momento exato do extravio, sobretudo quando este facto serve de alicerce à tese de que o Recorrente concebeu um plano fraudulento, pelo que, neste sentido, o silogismo adotado pelo tribunal está comprometido por um vício lógico de base, tornando a sua conclusão insegura à luz do direito penal substantivo.
XXII. O Tribunal “a quo” incorre num erro na valoração da prova, ao considerar como adquirida, na sua fundamentação, uma premissa fáctica não provada nos autos e meramente especulativa, pelo que a douta sentença recorrida padece de erro notório na apreciação da prova (art. 410.º, n.º 1, al. e), do CPP), ao presumir como facto provado que o Recorrente perdeu a carta de condução após o trânsito em julgado da condenação, quando tal não resulta da prova constante dos autos.
XXIII. O Tribunal recorrido sustenta ainda a existência de dolo com base na alegação de que o Recorrente, conhecendo que a comunicação da proibição de conduzir pelo tribunal ao IMT levaria ao bloqueio da emissão de segunda via da carta, se antecipou estrategicamente e solicitou essa nova via antes de tal comunicação.
XXIV. Com o devido respeito, a inferência extraída pelo Tribunal “a quo” é logicamente insustentável à luz dos próprios factos dados como provados, na verdade, a sentença condenatória apenas transitou em julgado no dia 22/02/2024, e o pedido de emissão da segunda via da carta de condução foi formulado pelo Recorrente apenas em 26/02/2024 — ou seja, quatro dias após o trânsito.
XXV. Ora, se o Recorrente tivesse realmente conhecimento técnico de que a comunicação do tribunal ao IMT iria bloquear a emissão da nova via, como o tribunal supõe, não faria sentido que aguardasse até após o trânsito para apresentar esse pedido, pelo contrário, o comportamento lógico e previsível seria que solicitasse a segunda via antes do trânsito da decisão, para garantir que o documento fosse emitido antes do bloqueio.
XXVI. A conduta do arguido — solicitar a nova via após o trânsito — é, assim, incompatível com a tese de intenção fraudulenta e estratégica na antecipação do bloqueio da 2º via da carta, na medida em que esta cronologia factual contradiz frontalmente com a narrativa construída pelo Tribunal.
XXVII. Importa assim concluir que o próprio Tribunal “a quo” incorreu numa incongruência factual e lógica inaceitável: afirmou que o Recorrente se “antecipou” à comunicação do Tribunal ao IMT para evitar o bloqueio da emissão da segunda via — mas simultaneamente reconhece que o pedido da nova carta só foi feito após o trânsito em julgado da decisão, ou seja, quando tal comunicação já poderia ter ocorrido.
XXVIII. Face à contradição entre os factos e a tese acusatória acolhida na sentença, impõe-se concluir que não se verificou qualquer antecipação consciente por parte do Recorrente, pelo contrário, a sua conduta revela-se compatível com um cenário de efetivo extravio da carta, tendo atuado de forma diligente ao requerer a segunda via com o propósito de a entregar ao Tribunal, em cumprimento da obrigação que sobre si recaía.
XXIX. Aplicando estes princípios, conclui-se que a tese do Tribunal — de que o Recorrente atuou dolosamente para se antecipar a uma comunicação ao IMT — é uma inferência especulativa, contrária aos factos e inadmissível no quadro da prova penal.
XXX. A ausência de prova do alegado conhecimento do arguido sobre os mecanismos internos do IMT, bem como o facto de o pedido ter ocorrido após o trânsito da decisão, enfraquecem a construção da intenção fraudulenta e estratégica, essencial à configuração do crime de falsificação de documento, havendo neste ponto, novamente, um vicio de erro na apreciação da prova nos termos do artigo 410º do CPP.
XXXI. Como referido, o Tribunal “a quo” utiliza presunções especulativas, com base em juízos de probabilidade e ainda assenta a sua convicção com base no facto de o Recorrente ter entregue a primeira via da carta de condução ao invés de primeira quando sabia que a mesma havia sido inutilizada pelo IMT.
XXXII. Mais afirmando que tal facto, segundo as regras da experiência comum, levam a concluir que este quis estar na posse da segunda via da carta de condução e assim poder continuar a conduzir e exibir às autoridades em caso de fiscalização.
XXXIII. Ora, a sentença condenatória assenta o seu raciocínio, em parte significativa, na entrega ao tribunal da carta de condução anterior (primeira via), já dada como extraviada e considerada inválida após emissão da segunda via, sendo que o Tribunal “a quo” afirma que essa entrega foi deliberada e estratégica, e que serviu para ocultar que o arguido mantinha a nova via consigo, com o intuito de continuar a conduzir.
XXXIV. No entanto, a própria sentença reconhece, logo de seguida: “E provavelmente não seria descoberto se tivesse entregue a carta de condução ..., ou seja, a segunda via (...).”
XXXV. Ou seja, o próprio Tribunal admite que, caso o Recorrente tivesse realmente querido ocultar a posse da nova carta e ludibriar o sistema judicial, o método eficaz seria justamente entregar a segunda via (a válida), pois isso não teria levantado qualquer suspeita junto do IMT, pois teria assim, supostamente, “cumprido” a pena acessória de entrega, enquanto mantinha a primeira via consigo sem deteção.
XXXVI. Por um lado, o tribunal sustenta que o Recorrente agiu com conhecimento estratégico, premeditação e astúcia, antecipando-se ao bloqueio do IMT; por outro lado, comportou-se de forma completamente incoerente com essa suposta astúcia, entregando justamente a carta que o denunciaria, em vez da que garantiria o sucesso do plano.
XXXVII. Este comportamento não é compatível com intenção fraudulenta, antes apontando para um desconhecimento, confusão ou até erro sobre o procedimento, na medida em que um Arguido que age com dolo, que conhece os mecanismos internos do IMT e que quer efetivamente enganar o Tribunal, não entrega o único documento que denuncia a sua alegada manobra.
XXXVIII. Se o Recorrente tivesse atuado com a astúcia e a intenção fraudulenta que o tribunal lhe imputa, e se tivesse realmente antecipado a comunicação da sentença ao IMT, como também é afirmado na motivação, então seria logicamente esperado que entregasse a segunda via da carta, garantindo a aparência de legalidade e evitando qualquer controlo cruzado entre tribunal e IMT.
XXXIX. Ao invés, o Recorrente entregou a carta antiga, a única que o podia incriminar, e manteve a nova em sua posse, o que é incoerente com a tese de premeditação e dolo específico, este comportamento aponta antes para desconhecimento, mas não para uma intenção clara de burlar o sistema judicial.
XL. Na verdade, o raciocínio do Tribunal transforma um comportamento objetivamente desvantajoso para o arguido — a entrega da carta que o compromete — em argumento para a sua condenação, o que é logicamente insustentável. Como pode o comportamento do Recorrente ser considerado doloso precisamente por ter escolhido o único meio que permitiria ser descoberto?
XLI. O Tribunal recorrido, ao mesmo tempo que o considera suficientemente inteligente e conhecedor para antecipar bloqueios administrativos e executar um plano encoberto, atribui-lhe uma conduta final completamente irracional e contraproducente. Esta duplicidade — astuto para planear, ingénuo para executar — não resiste a uma análise lógica coerente.
XLII. O Recorrente entregou ao Tribunal a primeira carta de condução por estar habituado a lidar com esse documento e, na sua perceção, considerava que tal era suficiente para cumprir a obrigação imposta.
XLIII. Porém, a imputação do crime de falsificação representa um claro extrapolamento dos factos provados, assentando numa construção inferencial absolutamente incriminatória, na medida em que o Tribunal deduz que o Recorrente detinha a carta no momento em que requereu a segunda via apenas com base no facto de ter vindo a entregar essa mesma carta.
XLIV. Tal ilação não tem fundamento direto na prova produzida nem afasta a possibilidade – perfeitamente plausível – de o documento ter sido entretanto recuperado, e que o Recorrente atuou de boa-fé e sem qualquer intenção de enganar ninguém.
XLV. Acresce ainda que o Tribunal constrói inferências sempre em sentido desfavorável ao Recorrente, independentemente da conduta adotada, ora se o Recorrente tivesse entregue a segunda via, seria interpretado como querendo ocultar a primeira; ao entregar a primeira, é acusado de reter a segunda para continuar a conduzir, levando a que qualquer cenário factual é moldado para confirmar a culpa, numa lógica circular em que a inferência não decorre dos factos, mas sim de uma intenção pré-formulada de o incriminar.
XLVI. Importa ainda sublinhar que, mesmo que o Recorrente tivesse optado por entregar a segunda via da carta de condução e mantido na sua posse a primeira, tal conduta não teria qualquer eficácia prática em termos de ocultação ou dissimulação, uma vez que ambas as vias — a original e a segunda — permitiriam às autoridades, numa ação de fiscalização mais concreta, constatar a sua inutilização (caso tivesse na posse da primeira via) ou que estaria inibido de conduzir (caso estivesse na posse da segunda via).
XLVII. Ou seja, quer tivesse apresentado uma ou outra, o resultado seria sempre o mesmo: a revelação da sua inaptidão para conduzir, pelo que não se compreende, assim, como pode o Tribunal concluir pela existência de uma manobra ardilosa com intenção de enganar, quando objetivamente nenhum dos documentos tinha eficácia para iludir a autoridade.
XLVIII. A este raciocínio já de si especulativo, junta-se uma dedução ainda mais forçada: o simples facto de o Recorrente ter entregue a primeira carta é interpretado como prova de que nunca a perdeu, ignorando-se por completo a hipótese, perfeitamente admissível, de a ter extraviado e posteriormente recuperado.
XLIX. Por todos os motivos expostos, é evidente que a sentença recorrida se encontra irremediavelmente viciada, padecendo do erro notório na apreciação da prova (art. 410.º, n.º 1, al. e), CPP), impondo a sua revogação.
L. A sentença proferida pelo Tribunal “a quo” considera que o Recorrente cometeu um crime de falsificação de documentos, previsto no artigo 256.º, n.º 1, alíneas d) e e), e n.º 3 do Código Penal, maioritariamente, com base no facto de ter entregue ao tribunal a primeira via da carta de condução, já considerada inválida e ter ficado na posse da segunda via.
LI. Contudo, o elemento essencial do crime de falsificação não reside na entrega de um documento inválido, mas sim na criação, alteração, falsificação ou uso de documento com consciência da sua falsidade, com intenção de enganar outrem ou obter benefício ilegítimo.
LII. O artigo 256.º exige, em qualquer das suas alíneas, uma conduta que falseie a aparência da realidade documental com relevância jurídica: ou pela criação, alteração ou contrafação do documento (falsidade material), ou pela inserção de conteúdo falso (falsidade ideológica), ou, pelo menos, pelo uso de documento falsificado ou contrafeito com conhecimento da sua natureza e intenção de enganar.
LIII. No presente caso, não se provou qualquer falsificação, alteração ou adulteração da carta de condução, uma vez que a carta entregue ao Tribunal era um documento autêntico, emitido regularmente pelo IMT, que apenas perdeu validade administrativa após emissão de nova via.
LIV. O Tribunal “a quo” foca-se em grande escala, no facto de o Recorrente ter entregue a primeira via da carta para cumprir com a obrigação de inibição de conduzir, subsumindo tal factualidade no crime de falsificação de documentos, subsunção esta, que desde já se repudia.
LV. A sentença recorrida não confere a mínima prevalência à única conduta que poderia, em abstrato, levantar questões penais relevantes: a alegada declaração falsa de extravio feita junto do IMT para obter a segunda via.
LVI. Se tal declaração fosse falsa e intencionalmente prestada para enganar, poderia colocar-se a questão da subsunção à alínea d) do artigo 256.º. Mas o tribunal não fundamenta essa questão — limita-se a inferir dolo a partir da entrega da carta antiga, o que desvia a análise para um comportamento que, na pior das hipóteses, pode ser visto como equívoco, mas não como falsificação documental.
LVII. O centro de gravidade do tipo penal de falsificação está na ofensa à fé pública: ou seja, na criação de um documento com aparência enganosa ou inserção de conteúdo falso no aludido documento, pelo que, a conduta do Recorrente ao entregar um documento original já administrativamente substituído não atinge esse bem jurídico.
LVIII. A única conduta com potencial relevância penal seria a declaração de extravio feita junto do IMT, se fosse falsa. E, no entanto, a sentença não analisa juridicamente esse ponto, nem demonstra que a mesma declaração consubstanciou um ato doloso, consciente e dirigido à obtenção ilegítima de uma nova carta. O tribunal evita esse ponto essencial — o único com relevância para o tipo penal em causa — e desvia-se para a análise da entrega da carta antiga ao tribunal, que não é, em si mesma, conduta típica do crime de falsificação.
LIX. Neste sentido, a subsunção feita pelo tribunal revela-se incorreta, pois ignora o núcleo essencial do tipo objetivo e subjetivo do crime de falsificação de documento: a criação de aparência enganosa sobre a autenticidade de um documento e a intenção de provocar um erro na esfera jurídica de outrem.
LX. Sem prejuízo da absolvição que se impõe por falta de preenchimento dos elementos do crime de falsificação de documento, importa ainda considerar que, à luz da factualidade provada, a conduta do arguido poderia, quando muito, ser juridicamente enquadrada na prática de um crime de desobediência qualificada, previsto no artigo 348.º, n.º 1, alínea b), do Código Penal.
LXI. Com efeito, resulta dos autos que, por sentença transitada em julgado a 22.02.2024, o Recorrente foi condenado na pena acessória de proibição de conduzir, tendo sido expressamente advertido para proceder à entrega da sua carta de condução no prazo de dez dias, sob pena de incorrer em crime de desobediência.
LXII. Em vez de cumprir essa ordem, o Recorrente solicitou ao IMT, no dia 26.02.2024, a emissão de uma segunda via da carta, e apenas procedeu à entrega da primeira via em 18.03.2024 — ocultando deliberadamente a existência e a posse da segunda via, que apenas viria a entregar após expressa notificação, em 22.05.2024.
LXIII. Este comportamento, tal como provado, não evidencia uma falsificação documental, mas sim um incumprimento doloso de uma ordem judicial clara, legítima e comunicada nos termos da lei. A jurisprudência tem sido firme no entendimento de que tais condutas, quando praticadas com plena consciência e com intenção de subverter os efeitos práticos da decisão judicial, preenchem os elementos típicos e subjetivos do crime de desobediência.
LXIV. Ora, foi precisamente essa a conduta do Recorrente: manteve em sua posse a única carta de condução válida, ocultou-a do Tribunal e só a entregou quando notificado especificamente para o fazer, em flagrante incumprimento da ordem inicial. A carta entregue em 18.03.2024 não era válida nem era a carta que a ordem judicial implicitamente pretendia — ou seja, a que se encontrasse em vigor e habilitasse à condução.
LXV. Assim, mesmo que se entenda haver relevância penal na conduta do Recorrente, o que se admite apenas por cautela de patrocínio, a sua atuação nunca poderia ter sido enquadrada no crime de falsificação de documentos, mas tão-somente, e com evidentes limites, no crime de desobediência qualificada, o que impõe a respetiva requalificação jurídica dos factos nos termos do artigo 412.º do Código de Processo Penal.
NESTES TERMOS, nos melhores de direito e com o sempre mui douto suprimento de V. Exas., sopesadas as conclusões acabadas de exarar, deverá ser dado provimento ao presente recurso e, por via disso, deverá a douta Sentença ora recorrida ser revogada, com a consequente absolvição do Recorrente pela prática do crime de falsificação de documentos, previsto e punido pelo artigo 256.º, n.º 1, alíneas d) e e), e n.º 3, do Código Penal. Caso assim não se entenda, e apenas por cautela de patrocínio, deverá o Tribunal “ad quem” proceder à requalificação jurídica dos factos, nos termos do artigo 412.º, n.º 1, alínea b), do Código de Processo Penal, subsumindo a conduta ao crime de desobediência qualificada, previsto no artigo 348.º, n.º 1, alínea b), do Código Penal, com aplicação de pena adequada à gravidade real dos factos, fazendo V. Exas., como sempre, inteira e sã JUSTIÇA!
*
I.3
O Ministério Público apresentou resposta (Ref.ª 10705225), pugnando pela preservação do decidido na sentença impugnada, referindo, singelamente, que “A sentença recorrida é formal e materialmente correta, devendo merecer inteira confirmação, pois não enferma de qualquer deficiência, obscuridade ou contradição. Destarte, mantendo a sentença recorrida nos seus precisos termos será por V. Exas. feita a costumada e desejada Justiça.”.
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I.4
Neste Tribunal o Digno Procurador-Geral Adjunto teve vista nos autos, tendo emitido parecer no sentido do não provimento do recurso (Ref.ª 19737244).
Refere-se, além do mais, que:
“(…) A douta sentença recorrida fundamentou a sua convicção em relação aos factos provados numa apreciação crítica e global de toda a prova produzida no seu conjunto. O Tribunal a quo considerou a documentação dos autos e recorreu a um processo silogístico de análise de factos, que ocorreu para além de qualquer dúvida razoável.
Ao contrário do que o recorrente defende, a convicção adquirida não foi caprichosa nem arbitrária, mas sim formada com dados objetivos, conjugados com a prova incorporada ou pré-constituída nos autos, que não necessita de ser lida em audiência de discussão e julgamento, e apreciadas de acordo com as regras de normalidade, experiência comum e razoabilidade.
O Tribunal soube distinguir o «verdadeiro», o «opinativo» e o «falso», revelando segurança e solidez na reconstituição do acontecer histórico.
A decisão revidenda fez uma correta avaliação, ponderação e decisão da matéria de facto, aplicando o Direito de forma irrepreensível. O processo decisório explicitado na fundamentação da sentença é claro, rigoroso e compreensível, expondo as razões da opção decisória e permitindo o controlo da atividade jurisdicional.
Relativamente aos vícios da sentença previstos no artigo 410.º do Código de Processo Penal – C.P.P., invocados pelo recorrente, estes dizem respeito a defeitos estruturais da decisão penal e não do julgamento. A sua verificação ou deteção deve resultar do próprio texto da decisão recorrida, por si só ou conjugado com as regras da experiência comum, sem recurso a elementos a ela estranhos.
Como se sabe a contradição insanável exige uma incompatibilidade irredutível entre os factos provados, entre estes e os não provados, ou entre a fundamentação e a decisão, que não possa ser ultrapassada com recurso à decisão no seu todo e às regras da experiência. O recorrente alega que o Tribunal admitiu a possibilidade de extravio e reencontro da carta sem a afastar com segurança. No entanto, a sentença analisada não demonstra tal contradição. A divergência do recorrente sobre a valoração da prova não se confunde com um vício de contradição insanável. O texto da decisão recorrida é lógico, bem estruturado e fundamentado.
Também inexiste qualquer erro notório na apreciação da prova (artigo 410.º, n.º 2, alínea c), do Código de Processo Penal – C.P.P.). O erro notório ocorre quando o tribunal valoriza a prova contra as regras da experiência comum ou contra critérios legalmente fixados, sendo o erro grosseiro, ostensivo e evidente, percetível pelo homem médio. O recorrente alega que a sentença incorre em erro notório ao presumir o momento do extravio da carta de condução e ao inferir dolo de condutas que considera neutras, como o pedido da segunda via e a entrega da primeira carta. Contudo, a discordância do recorrente com a apreciação da prova não configura, por si só, um erro notório. O Tribunal a quo explicitou o processo de formação da sua convicção, indicando os raciocínios que levaram à conclusão, e não se vislumbra qualquer ilogicidade ou oposição às regras da experiência comum no seu raciocínio. A argumentação da sentença baseia-se em critérios de razoabilidade, presunções de normalidade e regras de experiência, devidamente articulados e ponderados. A convicção formada é possível e explicável pelas regras da experiência comum, não havendo erro de julgamento que justifique a alteração da matéria de facto.
Em suma, a sentença recorrida encontra-se devidamente fundamentada, sem vícios de contradição insanável ou erro notório, refletindo uma apreciação das provas que respeita os princípios da lógica e da experiência comum.
(…)
O arguido foi acusado e condenado pela prática de um crime de falsificação de documento, previsto e punido pelo artigo 256.º, n.º 1, alíneas d) e e), e n.º 3 do Código Penal. O tipo legal de crime prevê a modalidade de uso de documento falsificado ou contrafeito.
O cerne da condenação reside no facto de o arguido ter entregue ao Tribunal uma carta de condução que sabia não ser a única válida ou que o habilitava à condução, uma vez que possuía outra, essa sim válida. A conduta do arguido visava enganar e ludibriar as autoridades e continuar a usufruir dos benefícios da condução, conduzindo com uma outra carta de condução que, se necessário, apresentaria às autoridades policiais.
O crime de falsificação de documento é de natureza dolosa, exigindo a consciência e a vontade de praticar o ato, bem como a intenção de causar um prejuízo ou de obter um benefício ilegítimo. A sentença concluiu, com segurança e rigor, que o arguido atuou com dolo direto e específico, nos termos do artigo 14.º, n.º 1 do Código Penal.
O recorrente contesta a existência de falsificação documental, alegando que não foi provada falsidade ideológica nem o uso de documento com aparência enganosa. Argumenta que a carta entregue era autêntica e que a única conduta com potencial relevância penal seria a declaração falsa de extravio ao I.M.T., que não foi analisada.
Contudo, a sentença foca-se na entrega do documento inválido ao Tribunal, apresentando-o como o documento único e válido para cumprimento da obrigação judicial, quando o arguido detinha uma outra carta válida. Esta conduta enquadra-se no uso de documento contrafeito ou falsificado, pois o documento, embora possa ter sido originalmente autêntico tinha sido substituído e foi utilizado de forma a induzir em erro sobre a sua validade para o fim específico de cumprimento da pena, com a intenção de obter um benefício ilegítimo, que seria a possibilidade de continuar a conduzir com a carta pretensamente válida na sua posse.
A argumentação do recorrente de que o comportamento é incoerente com uma intenção fraudulenta e que a entrega da carta antiga ou originária era a conduta expectável e «normal» é refutada pela criteriosa fundamentação da sentença, que rebateu esta asserção. O Tribunal não construiu inferências de forma especulativa ou incriminatória, mas sim através de um raciocínio lógico-dedutivo baseado nos factos provados e nas regras da experiência, concluindo que o arguido agiu com a intenção de enganar o tribunal e as autoridades. Assim, não resta duvidas que a conduta do arguido preencheu os elementos objetivos e subjetivos do crime de falsificação de documento.
A requalificação para o crime de desobediência qualificada, proposta pelo recorrente em tese subsidiária, é desnecessária e redundante, uma vez que os factos se enquadram perfeitamente no crime de falsificação de documento pelo qual foi condenado.
(…)
*
I.5
Deu-se cumprimento ao disposto no art.º 417.º n.º 2 do C.P.P., não tendo sido exercido o contraditório.
Foram os autos aos vistos e procedeu-se à conferência, importando, pois, apreciar e decidir.
*
II.
Questões a decidir:
Conforme jurisprudência recorrente e pacífica, o âmbito de qualquer recurso é delimitado pelas conclusões que sobrevêm às alegações do recorrente, sem prejuízo do conhecimento, ainda que oficioso, dos vícios da decisão a que se alude no n.º 2 do art.º 410.º do C.P.P. (cfr. art.ºs 119.º, n.º 1, 123.º, n.º 2 e 410.º, n.º 2, als. a) a c) do C.P.P. e Acórdão de fixação de jurisprudência n.º 7/95, de 19.10).
No caso, vistas as conclusões apresentadas em sede recursória, constitui objeto do presente recurso apreciar:
(i) da existência de vícios decisórios,
(ii) da correção da qualificação jurídica dos factos e eventual reformulação da pena em conformidade.
*
III.
III.1
Por facilidade de exposição, retenha-se o teor da sentença recorrida nas partes relevantes:
(…)
II – Fundamentação
Da audiência de julgamento resultaram provados os seguintes factos:
1. Por decisão datada de 15.06.2023, proferida no âmbito do Processo Abreviado n.º ..., que correu termos no Juízo Local Criminal de Paredes – Juiz 2, confirmada pelo Tribunal da Relação do Porto em 07.02.2024, transitada em julgado a 22.02.2024, foi o arguido condenado pela prática, em 05.03.2023, de um crime de condução de veículo em estado de embriaguez, previsto e punido pelos artigos 292.º, n.º 1 e 69.º, n.º 1, alínea a) do Código Penal, para além do mais, na pena acessória de proibição de conduzir veículos com motor pelo período de 4 (quatro) meses
2. Aquando da prolação dessa sentença, foi o arguido advertido para entregar os documentos que o habilitassem a conduzir na secretaria desse Tribunal, ou em qualquer posto policial, no prazo de dez dias a contar do trânsito em julgado daquela decisão, sob pena de os mesmos lhe serem apreendidos e de incorrer na prática de um crime de desobediência.
3. A 26.02.2024, depois do trânsito em julgado da sentença acima referida, o arguido solicitou ao IMT a emissão de uma nova via da sua carta de condução, apresentando como motivo o extravio da mesma.
4. A nova via da carta de condução do arguido -carta de condução n.º ...- foi emitida pelo IMT a 29.02.2024 e foi entregue ao arguido no dia 08.03.2024, por via postal.
5. No dia 18.03.2024, o arguido procedeu à entrega da carta de condução n.º ..., emitida em 09.02.2023, ficando esta à ordem do Processo Abreviado n.º ... para cumprimento da pena acessória de proibição de conduzir veículos motorizados que aí lhe foi aplicada.
6. Contudo, o arguido manteve na sua posse a carta de condução n.º ..., emitida a 29.02.2024, a qual só veio a entregar no referido Processo Abreviado no dia 22.05.2024, depois de ser notificado para o efeito, refazendo-se a liquidação da pena acessória.
7. O arguido solicitou ao IMT a emissão de nova via da sua carta de condução alegando extravio, bem sabendo que a mesma se encontrava se encontrava na sua posse e, logo a seguir, entregou a carta de condução que possuía no Juízo Local Criminal de Paredes para cumprimento da pena acessória de proibição de conduzir veículos a motor.
8. O arguido atuou ainda com intenção de obter uma nova via da carta de condução emitida pelo IMT, que efetivamente obteve, de forma a poder continuar a beneficiar das faculdades inerentes à detenção da carta de condução.
9. O arguido sabia que ao atuar desta forma estava a induzir em erro os funcionários daquele Instituto, bem como o Tribunal.
10. Com a declaração de extravio da sua carta de condução e a emissão de uma nova via dessa carta, o arguido pôs em causa a fé pública de tal documento, o qual comprova a habilitação legal para a condução na via pública de veículos automóveis, causando, desse modo, prejuízo ao Instituto da Mobilidade e dos Transportes Terrestres, entidade emitente do referido documento, e ao Estado, o que quis.
11. O arguido agiu sempre de forma deliberada, livre e consciente, com intenção de obter benefício que sabia ser ilegítimo.
12. Sabia que as suas descritas condutas eram proibidas e punidas por lei.
13. O arguido vive em casa da mãe.
14. É administrador de uma empresa familiar onde aufere cerca de 1250,00 € mensais.
15. É Licenciado em Gestão.
16. O arguido foi condenado:
- Por sentença de 06.02.2019, no Juízo pequena Criminalidade J1- TJ do Porto, pela prática de um crime de condução de veiculo em estado de embriaguez (artº 292 º 1 Código Penal), na pena de 70 dias de multa
- Por sentença de 15.06.2023 transitada em julgado a 22.02.2024, no Juízo Criminal J2- TJ do Porto Este, pela prática de um crime de condução de veiculo em estado de embriaguez (artº 292 º 1 Código Penal), na pena de 100 dias de multa
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Não se provaram quaisquer outros factos com relevância para a causa.
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III – Motivação
Os factos dados como provados assentam numa apreciação crítica e global de toda a prova produzida no seu conjunto.
Assim, o Tribunal teve em consideração a documentação dos autos, constante de fls. 2 a 17, de fls. 30 a 43 e de fls. 44 a 46 e com recorrendo a um processo silogístico de analise de factos que sem margem de duvida ocorreram e que foram os seguintes.
1º O Arguido foi condenado por sentença de 15.06.2023 transitada em julgado a 22.02.2024, no Juízo Criminal J2- TJ do Porto Este, pela prática de um crime de condução de veiculo em estado de embriaguez (artº 292 º 1 Código Penal), na pena de 100 dias de multa e na pena acessória de 4 meses de proibição de condução (no Proc. ...)
2º O arguido em 26.02.2024 (quatro dias após o trânsito do proc. Proc. ...) formulou pedido de 2º via da sua carta de condução no IMT sendo o motivo apresentado “extravio” e recebeu em casa a 08.03.2024 a carta nº ...
3º O arguido entregou a 18.03.2024 no Proc. ... a carta de condução ....
4º O arguido notificado pelo Tribunal entregou a 22.05.2025 no Proc. ... a carta de condução ...
Estes são os factos conhecidos.
Será que podemos a partir destes factos tirar a conclusão segura que o arguido, como consta da acusação “atuou ainda com intenção de obter uma nova via da carta de condução emitida pelo IMT, que efetivamente obteve, de forma a poder continuar a beneficiar das faculdades inerentes à detenção da carta de condução e o arguido sabia que ao atuar desta forma estava a induzir em erro os funcionários daquele Instituto, bem como o Tribunal”.
A resposta é que sim, podemos.
O Tribunal a partir deste factos conhecidos concluiu com segurança que o arguido com o pedido da segunda via da carta pretendeu enganar o Tribunal e continuar a usufruir dos benefícios da condução conduzindo com carta, que se necessário, apresentaria às autoridades policiais que assim seriam enganadas pensando que este fazia uma condução legal e habilitada.
Com efeito dizem-nos as regras da experiência que as probabilidades de o arguido ter perdido a sua carta de condução logo no preciso momento em que transitou o Acórdão do TRP que o condenou na proibição de condução por 4 meses, são diminutas e altamente inverosímil.
Mas admitindo serem verdadeiras ou seja que este tenha mesmo perdido a sua carta após a data do transito a 22.02.2024 e tendo este de forma diligente logo pedido 2ª via a 26.02.2024 e que recebeu a 08.03.2024, qual a probabilidade de este ter reencontrada a carta perdida até 18.03.2024, data da entrega no Tribunal.
São diminutas e é altamente inverosímil.
Mas admitindo que seja verdade e que este reencontrou a carta antiga porque razão entregou a carta antiga no Tribunal a 18.03.2024 quando sabia que a mesma havia sido inutilizada pelo IMTT com a emissão da nova por substituição.
Não se compreende segundo as regras da experiência.
Bem como não se compreende que o arguido ao entregar a sua carta nada tenha dito que pediu uma segunda via e manteve a segunda via na sua posse.
Ou seja, a dedução silogística é que deste factos conhecidos retiramos o facto conclusivo com segurança que o arguido quis ocultar ao Tribunal que tinha na sua posse uma segunda via da carta e assim poder continuara a conduzir e exibir ás autoridades em caso de fiscalização.
E não temos duvidas que foi essa a sua intenção.
A conjugação das várias inverosimilhanças supra relatadas, permite a ilação segura da ocorrência de um facto que temos por seguro que ocorreu e que foi a intenção com o arguido actuou ao longo dos actos que praticou.
Foi pedir logo uma segunda via da carta quando soube da decisão do TRP e depois entregou a carta antiga e manteve na sua posse a nova, ocultando ao Tribunal que na realidade tinha duas cartas na sua posse.
Com efeito a comunicação do inicio da sanção acessória de proibição da condução pelo Tribunal ao IMT leva a um bloqueio de emissão de segunda via da carta como resulta da informação de fls. 15 e 39.
O arguido antevendo isso antecipou-se e solicitou segunda via e ocultou ao Tribunal pensando que não seria descoberto.
E provavelmente não seria descoberto se tivesse entregue a carta de condução ... ou seja a segunda via pois a comunicação ao IMT pelo Tribunal não levantaria qualquer duvida ao IMT como levantou a comunicação da entrega da carta extraviada e só uma acção de fiscalização concreta das autoridades policiais caso aquele exibisse a carta antiga dada como extraviada revelaria o plano do arguido.
Como se refere no Ac. do STJ de 06.10.2020 in Proc. 936/08.JAPRT “ XIII - A presunção permite, deste modo, que perante os factos (ou um facto preciso) conhecidos, se adquira ou se admita a realidade de um facto não demonstrado, na convicção, determinada pelas regras da experiência, de que normal e tipicamente (id quod plerumque accidit) certos factos são a consequência de outros. No valor da credibilidade do id quod, e na força da conexão causal entre dois acontecimentos, está o fundamento racional da presunção, e na medida desse valor está o rigor da presunção.
XIV - A consequência tem de ser credível; se o facto base ou pressuposto não é seguro, ou a relação entre a base e o facto adquirido é demasiado longínqua, existe um vício de raciocínio que inutiliza a presunção.
XV -Deste modo, na passagem do facto conhecido para a aquisição (ou para a prova) do facto desconhecido, têm de intervir, pois, juízos de avaliação através de procedimentos lógicos e intelectuais, que permitam fundadamente afirmar, segundo as regras da experiência, que determinado facto, não anteriormente conhecido nem directamente provado, é a natural consequência, ou resulta com toda a probabilidade próxima da certeza, ou para além de toda a dúvida razoável, de um facto conhecido.
XVI - A presunção intervém, assim, quando as máximas da experiência da vida e das coisas, baseadas também nos conhecimentos retirados da observação empírica dos factos, permitem afirmar que certo facto é a consequência típica de outros.
XVII - A ilação derivada de uma presunção natural não pode, porém, formular-se sem exigências de relativa segurança, especialmente em matéria de prova em processo penal em que é necessária a comprovação da existência dos factos para além de toda a dúvida razoável.
In casu a ilação retirada pelo Tribunal dos factos conhecidos para chegar ao facto desconhecido e que é vertido na acusação, cremos que eu assenta num raciocínio logico dedutivo que afasta a probabilidade de ocorrência de erro.
É que para além da ser muito improvável que o arguido tenha pedido a sua carta logo nos dias após o Acórdão do TRP no Proc. 165/23.3GAPRD o arguido entregou a sua carta nos autos mas em momento algum informou o referido processo que tinha duas cartas na sua posse e que tinha pedido segunda via por extravio.
O silencio do arguido foi de forma a poder ficar na sua posse com outra carta de condução que pudesse exibir ás autoridades.
E só foi descoberto porque o arguido entregou a carta antiga e substituída pois se tivesse entregue a nova recebida em 08.03.2024 não teria sido descoberto e só uma acção de fiscalização no terreno permitiria concluir que o arguido cometeu o crime de falsificação.
E na verdade cremos que o arguido continuou a conduzir com a nova carta na convicção que não seria descoberto (como veio a ser e daí ter sido notificado para entregar a nova carta o que ocorreu a 22.05.2024) e que assim poderia contornar a sanção acessória de proibição de condução.
Quanto à situação económica, profissional e familiar do arguido aceitaram-se as suas declarações.
Quanto aos antecedentes criminais do arguido valorou-se o certificado de registo criminal junto aos autos a fls. 70 a 73.
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IV – Subsunção dos factos ao Direito
Apurados os factos, importa agora proceder ao seu enquadramento jurídico-penal.
Para que o agente possa ser jurídico-penalmente responsabilizado, tem que praticar um facto típico, ilícito e culposo, sendo que o facto será típico quando a conduta do agente preencher todos os elementos objectivos e subjectivos de um tipo legal de crime.
Vejamos, então.
O arguido vem acusado da prática, em autoria material e na forma consumada, de um crime de falsificação de documento, previsto e punido pelo artigo 256º, nº 1, alíneas d), e) e nº 3 do Código Penal.
Nos termos do disposto no artigo 256º, nº1, alínea a) do Código Penal, comete o crime de falsificação de documento “quem, com intenção de causar prejuízo a outra pessoa ou ao Estado, de obter para si ou para outra pessoa benefício ilegítimo, ou de preparar, facilitar, executar ou encobrir outro crime: a) fabricar ou elaborar documento falso, ou qualquer dos componentes destinados a corporizá-lo; b) falsificar ou alterar documento ou qualquer dos componentes que o integram; c) abusar da assinatura de outra pessoa para falsificar ou contrafazer documento; d) fizer constar falsamente de documento ou de qualquer dos seus componentes facto juridicamente relevante; e) usar documento a que se referem as alíneas anteriores; ou f) por qualquer meio, facultar ou detiver documento falsificado ou contrafeito.”
Por seu lado, o nº 3 do artigo 256º determina que “se os factos referidos no n.º 1 disserem respeito a documento autêntico ou com igual força, a testamento cerrado, a vale do correio, a letra de câmbio, a cheque ou a outro documento comercial transmissível por endosso, ou a qualquer outro título de crédito não compreendido no artigo 267.º, o agente é punido com pena de prisão de seis meses a cinco anos ou com pena de multa de 60 a 600 dias.”
São, por isso, elementos constitutivos do respectivo tipo objectivo: que o agente: a) fabrique ou elabore documento falso, b) falsifique ou altere documento, c) abuse da assinatura de outra pessoa para falsificar ou contrafazer documento, d) faça constar falsamente de documento facto juridicamente relevante, e) use documento falsificado ou contrafeito, f) por qualquer meio, faculte ou detenha documento falsificado ou contrafeito.
Documento, para efeitos de falsificação é, desde logo, a declaração corporizada em escrito ou registada em disco, inteligível para a generalidade das pessoas ou para um certo círculo de pessoas que, permitindo reconhecer o emitente, é idónea para provar facto juridicamente relevante, quer tal destino lhe seja dado no momento da sua emissão quer posteriormente - cfr. o artigo 255º, al. a) do Código Penal.
Como escreve Helena Moniz (in “Comentário Conimbricense do Código Penal”, Tomo II, pág. 687),“se documento para efeitos de falsificação e como objecto de acção é a declaração, documento para efeitos de moldura penal é o escrito ou qualquer outro objecto material que incorpora a declaração”.
O bem jurídico protegido no crime de falsificação de documento é a segurança e credibilidade no tráfico jurídico probatório, no que respeita à prova documental, atribuindo a confiança na autenticidade e veracidade dos documentos social e juridicamente relevantes (cfr. o Acórdão do Tribunal da Relação do Porto de 21.03.2012, proferido no processo nº 717/06.6TASTS.PI, disponível na internet via www.dgsi.pt).
A falsificação de documentos pode assumir formas diversas, na medida em que pode consubstanciar-se, quer numa falsidade material, quer numa falsidade ideológica. Pode, efectivamente, o documento ser total ou parcialmente forjado ou serem alterados elementos constantes de um documento já existente (cfr. Maia Gonçalves, Código Penal Português, 12ª Edição, pág.749); ou pode suceder que o documento não seja verdadeiro, por nele se encontrar incorporada uma declaração falsa ou distinta daquela que foi prestada.
Pois bem. Face às considerações que acabam de explanar-se e à factualidade provada, e acima enunciada, temos por verificado o elemento objectivo do tipo de ilícito em causa, na modalidade de uso de documento falsificado ou contrafeito, como prevê a alínea e) do nº 1 do artigo 256º.
Na verdade, e entre o mais, provou-se que no dia 18.03.2024, o arguido procedeu à entrega da carta de condução n.º ..., emitida em 09.02.2023, ficando esta à ordem do Processo Abreviado n.º ... para cumprimento da pena acessória de proibição de conduzir veículos motorizados que aí lhe foi aplicada mas contudo, o arguido manteve na sua posse a carta de condução n.º ..., emitida a 29.02.2024, a qual só veio a entregar no referido Processo Abreviado no dia 22.05.2024, depois de ser notificado para o efeito, refazendo-se a liquidação da pena acessória.
Ou seja o arguido pretendeu atribuir efeito jurídico à carta P – ... aquando da sua entrega ao Tribunal como sendo a única válida e que habilitava o arguido à condução o que não era verdade pois o arguido tinha outra, essa sim válida e que o habilitava à condução.
No que concerne ao elemento subjectivo deste tipo de crime, importa referir que, como se alcança da redacção do nº 1 do artigo 256º do Código Penal, o crime de falsificação de documento é de natureza dolosa.
Acresce, que neste tipo de ilícito, para além da consciência e da vontade de praticar o acto de falsificação, exige-se uma particular intenção do agente que é a de causar um prejuízo ou de obter um benefício ilegítimo.
Esta “intenção de causar prejuízo a outra pessoa ou ao Estado, ou de obter para si ou para outra pessoa benefício ilegítimo” e que vulgarmente é analisada em sede de dolo específico, constitui um elemento subjectivo especial deste tipo de crime, que acresce ao dolo entendido como elemento subjectivo geral.
In casu esse beneficio ilegítimo ocorreu pois o arguido continuou a beneficiar de uma carta de condução na sua posse que o habilitava à condução sabendo que isso não correspondia à verdade pois estava proibido à condução durante um periodo de 4 meses.
O que distingue o chamado dolo genérico do dolo específico, é o facto de, enquanto o primeiro consiste numa intenção e vontade de realização do crime, não exigindo a lei qualquer intenção específica, o segundo, “como a própria designação indica, exige, para além da intenção de realização do crime, uma particular intenção aquando da sua realização – o agente tem que ter procedido tendo em vista um certo fim” (cfr. Helena Moniz, “O crime de Falsificação de Documentos”, pág. 37).
Assim delineada, a falsificação insere-se nos chamados crimes de resultado cortado, em que a punição, a título de consumação, se basta com a realização parcial da lesão do bem jurídico, conjugada com a existência simultânea do dolo da realização completa ou da realização ulterior da lesão do bem jurídico. A consumação não depende, pois, de qualquer dano, nem sequer de perigo concreto. O tipo está preenchido logo que verificados os indicados elementos.
“Para que se verifiquem todos os elementos integradores do crime de falsificação do art.º 228º do Cód. Penal de 1982, não importa que o agente venha efectivamente a prejudicar alguém ou a colher benefício ilegítimo da falsidade efectuada, para tanto bastando que proceda à falsificação com essa intenção” (cfr. o Ac. do S.T.J. de 28.10.93, proc. n.º 44349, citado no Código Penal Anotado de Simas Santos e Leal Henriques, vol. 2, 2000, pág.1122).
In casu, tendo em atenção os factos dados como provados sob os pontos, dúvidas não restam de que o arguido actuou com intenção de realizar o facto típico, agindo, pois, com dolo directo e com dolo específico (artigo 14º, n.º 1 do Código Penal).
Nestes termos - e uma vez que não se verificam quaisquer causas de exclusão de ilicitude ou da culpa –, dúvidas não restam de que o arguido cometeu um crime de falsificação de documento, previsto e punido pelo artigo 256º, nº 1, alínea d) e) e nº 3 do Código Penal.
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(…)
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III.2
Dos vícios decisórios
Nos termos do art.º 410.º, n.º 2, do C.P.P. «Mesmo nos casos em que a lei restrinja a cognição do tribunal de recurso a matéria de direito, o recurso pode ter como fundamentos, desde que o vício resulte do texto da decisão recorrida, por si só ou conjugada com as regras da experiência comum: a) A insuficiência para a decisão da matéria de facto provada; b) A contradição insanável da fundamentação ou entre a fundamentação e a decisão; c) Erro notório na apreciação da prova».
Assim e como decorre expressamente da letra da lei, qualquer um dos elencados vícios tem de dimanar da complexidade global da própria decisão recorrida, por si só ou conjugada com as regras da experiência comum, sem recurso, portanto, a quaisquer elementos que à dita decisão sejam exógenos, designadamente declarações ou depoimentos exarados no processo durante o inquérito ou a instrução, ou até mesmo no julgamento, salientando-se também que as regras da experiência comum “não são senão as máximas da experiência que todo o homem de formação média conhece” [Germano Marques da Silva, Curso de Processo Penal, Vol. III, pág. 338/339]. Qualquer um dos referidos vícios, reforça-se, tem de existir «internamente, dentro da própria sentença ou acórdão» [Germano Marques da Silva, op. cit., pág. 340].
No caso específico do vício decisório prevenido na al. a), a insuficiência determina a formação incorreta de um juízo porque a conclusão ultrapassa as respetivas premissas. A matéria de facto (não os meios de prova que a sustêm) é insuficiente para fundamentar a solução de direito correta, legal e justa, estando, pois, associado à insuficiência da matéria de facto para a decisão.
No segundo caso, o da “contradição insanável da fundamentação ou entre a fundamentação e a decisão”, vício previsto no artigo 410.º, n.º 2, al. b), este consiste na incompatibilidade, de inviável ultrapassagem através da própria decisão recorrida, entre os factos provados, entre estes e os não provados ou entre a fundamentação e a decisão. Tal vício ocorre quando um mesmo facto, obviamente com interesse para a decisão da causa, seja julgado como provado e não provado simultaneamente e logicamente anulando-se, ou quando se considerem como provados factos incompatíveis entre si, de modo a que apenas um deles pode prevalecer, ou quando for de concluir que a fundamentação conduz a uma decisão contrária àquela que foi tomada.
Por fim, o “erro notório na apreciação da prova”, prevenido no inciso da al. c), ocorre quando um homem, medianamente sagaz, perante o teor da decisão recorrida, por si só ou conjugada com o senso comum, facilmente intui e percebe que o tribunal violou as regras da experiência ou que efetuou uma apreciação notoriamente errada, desadequada, baseada em juízos ilógicos, arbitrários ou inverosímeis.
De igual sorte, aponta-se a ocorrência de erro notório na apreciação da prova quando se violam as regras sobre prova vinculada ou das legis artis [cfr. Simas Santos e Leal-Henriques, Recursos em Processo Penal, 5.ª edição, pág. 61 e ss.].
Trata-se, no caso, de um vício de raciocínio na apreciação das provas que se evidencia pela simples leitura da decisão, e que consiste, basicamente, em decidir-se contra o que se provou ou não provou ou dar-se como provado o que não pode ter acontecido [cfr. Simas Santos e Leal-Henriques, op. cit., pág. 74], não se verificando se a discordância resulta apenas da forma como o tribunal aprecia a prova produzida, por desconforme àquela que, na ótica do recorrente, deveria ter sucedido.
Como é pacífico e consistentemente afirmado na jurisprudência, o julgamento da matéria de facto, em primeira instância, é efetuado segundo o princípio da imediação – possibilitando o contacto direto e pessoal entre o julgador e a prova, tangível ao e próprio do juiz a quo – sendo (…) as provas apreciadas por quem assistiu à sua produção, sob a impressão viva colhida nesse momento e formada através de certos elementos ou coeficientes imponderáveis, mas altamente valiosos, que não podem conservar-se num relato escrito das mesmas provas [Germano Marques da Silva, Direito Processual Penal Português – Do Procedimento, Univ. Católica Ed., pág. 212].
Além disso, o julgamento da matéria de facto far-se-á segundo o princípio da livre apreciação da prova, consagrado no art.º 127.º do C.P.P., interpretado, não num sentido que desonere o julgador de justificar o seu raciocínio e percurso interior para chegar à afirmação do facto, ou à sua desconsideração, – caso em que falaríamos de arbítrio - mas, apenas, no sentido de que o valor a atribuir a determinado meio de prova não é tarifado ou vinculado (salvo as exceções consignadas na lei), orientando-se o julgador de acordo com os ditames da lógica e da experiência, podendo, por exemplo, atribuir relevância a um depoimento em detrimento de vários e mais numerosos de sinal contrário, desde que o justifique, já que, na esteira do afirmado por Bacon, os depoimentos não se contam, pesam-se.
A convicção do Tribunal é, reforça-se, formada livremente, de acordo com as regras da experiência, enquanto postulados decorrentes da observação social e dos conhecimentos da técnica e da ciência. A afirmação positiva dos factos deverá fazer-se, não por razões ou argumentos puramente subjetivos e insindicáveis, mas sim concluindo-se através de uma “(…) valoração racional e crítica, de acordo com as regras comuns da lógica, da razão, das máximas da experiência e dos conhecimentos científicos, permitindo “objetivar a apreciação” [Germano Marques da Silva, Curso de Processo Penal, vol. II, Verbo 1993, pág. 111 a propósito da definição do conceito de livre apreciação da prova.].
Destarte, se a decisão do Tribunal recorrido se ancorar numa fundamentação compreensível, com as naturais e inevitáveis opções próprias efetuadas com permissão da razão e das regras da experiência, a coberto da livre apreciação consignada no art.º 127.º do C.P.P., cumprir-se-á o necessário dever de fundamentação e considerar-se-á perfetibilizada a fixação da matéria de facto, sem vício que a condicione.
Neste percurso, note-se, não raras vezes louvar-se-á o julgador em elementos indiciários/probatórios obtidos por via indireta, consequentemente envolvendo presunções obtidas por via judicial sendo até, amiúde, o único meio de chegar ao esclarecimento de um facto criminoso e à descoberta dos seus autores.
No caso que nos ocupa entende o recorrente que ocorrem os acima caraterizados vícios da contradição insanável e do erro notório na apreciação da prova.
Para tanto, alega que “resulta com clareza do texto da sentença recorrida uma contradição insanável na respetiva fundamentação bem como um erro notório da apreciação da prova, na medida em que não pode o Recorrente deixar de sublinhar que o Tribunal a quo admitiu expressamente, ainda que por hipótese, por duas vezes, a possibilidade de o Recorrente ter efetivamente perdido a sua carta de condução e posteriormente a ter reencontrado, sem ter afastado essa possibilidade com critérios de objetividade e segurança jurídica. O Tribunal não afastou a hipótese do extravio e reencontro da carta com recurso a elementos objetivos ou fundamentação racional segura, limitando-se a valorizar juízos de improbabilidade e verosimilhança bem como regras da experiência — o que é insuficiente e inadmissível como base de uma condenação penal, à luz do princípio in dubio pro reo. Não obstante essa fragilidade condenatória, o Recorrente foi condenado como se tais dúvidas estivessem plenamente sanadas, o que configura uma contradição lógica e jurídica entre a fundamentação e a decisão final e paralelamente um erro na apreciação da prova.”.
Relativamente ao texto que, na ótica do recorrente, patenteia os vícios invocados, refere o seguinte trecho:
“Mas admitido serem verdadeiras, ou seja, que este tenha mesmo perdido a sua carta após o transito a 22.02.2024 e tendo este de forma diligente logo pedido a 2º via a 26.02.2024 e que a recebeu a 08.03.2024, qual a probabilidade de este ter reencontrado a carta perdida até 18.03.2024, data da entrega no tribunal.
São diminutas e é altamente inverosímil.
Mas admitindo que seja verdade e que este reencontrou a carta antiga porque razão entregou a carta antiga no Tribunal a 18.03.2024 quando sabia que a mesma havia sido inutilizada pelo IMT com a emissão da nova por substituição.
Não se compreende segundo as regras da experiência.”
Mais refere o recorrente a existência de erro notório na apreciação da prova pois, a seu ver, “O Tribunal “a quo” incorre num erro na valoração da prova, ao considerar como adquirida, na sua fundamentação, uma premissa fáctica não provada nos autos e meramente especulativa, pelo que a douta sentença recorrida padece de erro notório na apreciação da prova (art. 410.º, n.º 1, al. e), do CPP), ao presumir como facto provado que o Recorrente perdeu a carta de condução após o trânsito em julgado da condenação, quando tal não resulta da prova constante dos autos.”.
Ainda sob o enfoque do erro notório na apreciação da prova aponta o recorrente a verificação do vício pelo facto de o Tribunal a quo ter sustentado a existência de dolo com base na alegação de que o impetrante saberia dos mecanismos internos seguidos pelo I.M.T. e, com isso, antecipando-se, solicitou uma segunda via da carta de condução, inferência que considera desprovida de lógica e de base fáctica.
Ainda sob o mesmo assunto, refere o recorrente que o Tribunal recorrido utilizou “presunções especulativas”, sem “fundamento direto na prova produzida”, pois “Se o Recorrente tivesse atuado com a astúcia e a intenção fraudulenta que o tribunal lhe imputa, e se tivesse realmente antecipado a comunicação da sentença ao IMT, como também é afirmado na motivação, então seria logicamente esperado que entregasse a segunda via da carta, garantindo a aparência de legalidade e evitando qualquer controlo cruzado entre tribunal e IMT”.
Na visão do recorrente “quer tivesse apresentado uma ou outra, o resultado seria sempre o mesmo: a revelação da sua inaptidão para conduzir, pelo que não se compreende, assim, como pode o Tribunal concluir pela existência de uma manobra ardilosa com intenção de enganar, quando objetivamente nenhum dos documentos tinha eficácia para iludir a autoridade.
A este raciocínio já de si especulativo, junta-se uma dedução ainda mais forçada: o simples facto de o Recorrente ter entregue a primeira carta é interpretado como prova de que nunca a perdeu, ignorando-se por completo a hipótese, perfeitamente admissível, de a ter extraviado e posteriormente recuperado”.
Apreciando e analisando o teor da decisão recorrida.
No caso que nos ocupa, conforme se alcança da ata de audiência de discussão e julgamento (Ref.ª 98833964), o recorrente, no exercício de um direito, não prestou declarações sobre os factos que lhe eram imputados.
Não obstante, o legítimo silêncio mantido pelo arguido não é, por si só, impeditivo da atividade valorativa do Tribunal ante a existência de outros meios de prova, designadamente documentais. Ademais, na generalidade dos casos e ressalvando a confissão, no caso da aferição dos elementos subjetivos do tipo - tratando-se de elementos de ordem interna - ocorre por inferência ante a objetividade dos factos externos demonstrados e as regras da normalidade e da experiência.
Efetivamente, a tarefa de reconstituição da verdade não raramente se socorre de elementos circunstanciais e indiretos, louvando-se o julgador em indícios e raciocínios indutivos imanentes às presunções obtidas por via judicial.
Como refere o Conselheiro Santos Cabral [in Prova indiciária e as novas formas de criminalidade, disponível em www.stj.pt], “(…) é clássica a distinção entre prova directa e prova indiciária. Aquela refere-se aos factos probandos, ao tema da prova, enquanto a prova indirecta, (…), se refere a factos diversos do tema da prova, mas que permitem, com o auxílio de regras da experiência, uma ilação quanto ao tema da prova (v.g., uma coisa é ver homicídio e outra encontrar o suspeito com a arma do crime). Na prova indiciária, mais do que em qualquer outra, intervêm a inteligência e a lógica do juiz. A prova indiciária pressupõe um facto, demonstrado através de uma prova directa, ao qual se associa uma regra da ciência, uma máxima da experiência ou uma regra de sentido comum. Este facto indiciante permite a elaboração de um facto consequência em virtude de uma ligação racional e lógica (…).
Em síntese, neste capítulo, a prova indireta, que contém momentos de presunção ou inferência, pode igualmente justificar certeza bastante para fundar uma convicção positiva do Tribunal, desde que se assegure, na formação dessa convicção, uma valoração conjugada e coerente dos vários elementos indiciários a considerar, de forma motivada, objetivável e numa leitura que se afigure consentânea com as regras da experiência.
No caso vertente e com suporte na prova documental considerada, temos por adquirido que o recorrente sabia que, por força da condenação sofrida e transitada em 22.02.2024, teria de entregar o título de condução a fim de cumprir o período de proibição de conduzir fixado, sob pena de comissão de um crime de desobediência.
Ainda com base nos elementos documentais e de prova direta, no dia 26.02.2024 o recorrente solicitou ao IMT a emissão de uma nova via da carta de condução, apresentando, como motivo, o extravio. Na sequência desse pedido, foi emitido um novo título de substituição no dia 29.02.2024, entregue ao recorrente no dia 08.03.2024, por via postal.
No dia 18.03.2024 o arguido, já na posse do novo título emitido na sequência da declaração de extravio, procedeu à entrega, em cumprimento da condenação, do título pretensamente extraviado, mantendo, na sua posse, a “nova” carta emitida.
Com base nestes elementos, obtidos por via documental, o Tribunal concluiu que a declaração de extravio com pedido de emissão de carta de condução de substituição não correspondia a uma efetiva necessidade emergente da perda da carta de condução mas, tão só, uma forma de ficar na posse de dois títulos, entregando o primeiro no Tribunal, mas ficando na posse do título de substituição, o que razoavelmente lhe permitiria continuar a conduzir, tendo um título para exibir em caso de solicitação (e que, em termos do convencimento comum, seria suficiente para comprovar a habilitação, pelo menos nos casos de abordagem mais ligeira e em que a fiscalização não envolvesse uma comprovação junto do IMT e respetiva base de dados).
Destes elementos objetivos concluiu o Tribunal a quo, por via indireta, que o recorrente não havia, na verdade, perdido o título, tendo solicitado uma segunda via para poder entregar uma delas no Tribunal para cumprimento do período de proibição o que, na verdade, poderia ter esvaziado de conteúdo material a execução do período de proibição embora – aconselha a boa prática – a decisão que considere extinta a pena acessória deva incluir, como diligência prévia, a obtenção de informação junto do IMT sobre se, no período, o condenado solicitou a obtenção de segunda via (precisamente para prevenir situações como aquela que o Tribunal considerou verificar-se).
Os segmentos factuais não diretamente abrangidos pelos documentos considerados – ausência de extravio e intenção de contornar a proibição – ante o silêncio do arguido, foram considerados adquiridos pelo Tribunal com uma argumentação que o recorrente considera contraditória e integrante do conceito de “erro notório”, porquanto não estribada em critérios alinhados com a experiência comum.
Discordamos.
Na verdade, tendo em consideração a data do trânsito em julgado da decisão, a data do pedido de substituição e a da entrega do título pretensamente extraviado e, bem assim, o facto, quanto a nós revelador, de o condenado não ter entregue (também) o novo título emitido permitem, precisamente com base naqueles critérios, assumir o que o Tribunal a quo assumiu.
Efetivamente, se o título originário se tivesse, efetivamente, extraviado (no curto período entre o pedido de substituição e o da sua entrega), e o condenado estivesse de “boa fé”, impunham os critérios de lisura, de normalidade, próprios do comum cidadão cumpridor que, então, fizesse a entrega dos dois títulos de condução, que no dia 18 de março de 2024 já detinha e não, tão só, procedesse à entrega de uma carta que, há pouco mais de 15 dias, havia declarado perdida, ficando convenientemente na posse de uma carta válida e emitida posteriormente ao trânsito em julgado da condenação.
Foi este, na sua essência, o raciocínio do Tribunal recorrido e que, a nosso ver, se estriba nos critérios da lógica e da experiência, numa regra de sentido comum, sem a mínima entorse, nenhuma explicação alternativa existindo que seja minimamente plausível.
À validade da inferência contrapõe o recorrente a inexistência de argumentos para afastar a possibilidade de a carta ter sido efetivamente extraviada.
Discordamos.
Como já referimos neste género de situação, a criação de contraindícios razoáveis e que infirmem o juízo estribado em prova indireta ou a impossibilidade de afirmação de uma regra de sentido comum pressupõe a sua plausibilidade. O Tribunal não terá, ele próprio, que gerar dúvidas que não tenham sido trazidas ao objeto do processo ou que não decorram, naturalmente, das regras da experiência. Quando se tornou efetiva a obrigação de entrega da carta de condução foi comunicado um extravio para habilitar a emissão de nova carta, extravio que não existiu pois, logo após, a pretensa carta extraviada foi entregue, permanecendo o recorrente na posse da carta substituída, omitindo a sua entrega.
Ora, para nós, inexiste qualquer elemento gerador de escolho na assunção dos factos contestados e do raciocínio subjacente. Não há regra de experiência ou de sentido comum que obrigasse o Tribunal a equacionar que a carta pretensamente perdida, mas na posse do recorrente, que por isso a entregou, tenha estado, efetivamente, extraviada.
Sabemos que o arguido se remeteu ao silencio sem que tal direito o possa desfavorecer. Porém, não sendo impostos ónus ao arguido e essencialmente quanto ao afastamento da sua responsabilidade em determinado evento criminoso, o silêncio, ante determinado quadro probatório e as regras da normalidade, também não terá necessariamente de o favorecer. Ou seja, pelo silêncio não pode o Tribunal criar, motu proprio, uma miríade de hipóteses para a criação de contraindícios ou dúvidas fora do imediatismo daquelas que, pelas razões da experiência, são naturais em determinada situação concreta. Não terá de fazê-lo, não porque, se o não fizer, viola o princípio in dubio pro reo mas porque, perante os dados fornecidos pelo evento e a sua interpretação de acordo com os critérios de normalidade, não há nenhuma regra de experiência que possibilite cogitar tais hipóteses alternativas.
As máximas da experiência, a chamada “experiência comum”, assente na razoabilidade e na normalidade das situações da vida, são isso mesmo, definem-se pelas situações padrão que, não havendo razões para que sejam postas em causas, devem defluir consequentemente na afirmação do facto e não na criação de dúvidas que as contrariem, em exercício meramente abstrato e com pressupostos contrários ao normal acontecer. Foi declarado o extravio, mas o título pretensamente extraviado foi, num curto espaço de tempo, entregue (e, portanto, de paradeiro conhecido) enquanto o título emitido com base naquela alegação de extravio permaneceu na posse do obrigado à entrega, o que é denotativo da falsidade do motivo e da sua intenção de ficar na posse de um título habilitante.
O arguido, enquanto sujeito processual, não tem obviamente de provar que não cometeu o crime imputado, como nos parece de meridiana clareza, nem esse ónus (como já se aludiu) lhe é imposto na procedência da posição sufragada. O arguido goza do direito ao silêncio, como decorrência da presunção de inocência e concretização do princípio nemo tenetur se ipsum accusare.
É certo que, entre nós, não tem tido qualquer acolhimento a possibilidade, admitida pelo T.E.D.H. de, em circunstâncias excecionais, o tribunal poder retirar ilações do silêncio do arguido, o que implicaria, sempre, conferir-lhe efeito declarativo.
Aliás, o art.º 343.º, n.º do C.P.P. proíbe expressamente que o juiz atribua ao silêncio do arguido qualquer significado probatório desfavorável para o estabelecimento da culpabilidade.
Porém, tal proibição - quando o arguido, pelo exercício do direito ao silêncio, privou o Tribunal de uma informação que só ele conheça e que até poderia favorecê-lo (designadamente criando dúvidas) – não é excludente da possibilidade de, reflexamente, se traduzir num desfavorecimento objetivo, impedindo o afastamento da culpabilidade emergente de outras provas que assim não contradita [Cfr., neste sentido, Manuel Soares, Proibição de Desfavorecimento do Arguido em Consequência do Silêncio em Julgamento – A Questão Controversa das Ilações Probatórias Desfavoráveis, in Revista Julgar n.º 32, 2017, pág. 31].
Na sobredita hipótese, como se escreve no acórdão do Tribunal da Relação de Lisboa de 28.05.2019 [proc. 520/16.5PAMTJ.L1-9, Rel. Filipa Costa Lourenço, acedido em www.dgsi.pt] “Não se trata de uma consequência probatória do silêncio mas apenas do resultado inevitável de o tribunal não poder considerar circunstâncias que desconhece. (…). O arguido não pode esperar que o seu silêncio reforce a presunção de inocência, anulando o valor das outras provas demonstrativas da culpabilidade. Pode manter-se em silêncio sem que tal atitude o desfavoreça, mas não pode pretender que daí surja um agravamento do ónus da prova imposto ao Ministério Público ou um especial direito à absolvição com base no princípio in dubio pro reo.”.
Efetivamente, a possibilidade de se remeter ao silêncio e a qualidade de arguido não convocam a existência de um direito a que o Tribunal, em seu benefício, equacione uma miríade de hipóteses de explicação alternativa, criando uma dúvida insanável, quando tais hipóteses não sejam, em si mesmo, decorrências do normal acontecer, ante os dados conhecidos.
Mais uma vez, sem impor ao arguido a demonstração do contrário, não surgiu no âmbito da discussão da causa qualquer outra explicação plausível para o sucedido, nem esta é evidente a partir das regras da lógica ou da afirmação de uma regra de senso comum. Não existe nenhuma máxima da experiência, a ponderar inelutável e oficiosamente, que afirme que uma carta que se declarou extraviada mas que logo a seguir se entrega (e portanto não extraviada) para cumprimento do período de proibição (ficando o obrigado convenientemente na posse do título emitido em substituição, que retém) tenha, efetivamente, sido alvo de extravio.
Aqui chegados, lida a decisão e a motivação que a serve (e note-se que os vícios que lhe são apontados têm de ser percetíveis a partir da economia da própria decisão) não se alcança qualquer patente desconformidade a regras de sentido comum, interpretações esdrúxulas ou gritantemente desconformes às regras da experiência ou do bom senso, nem se lobriga a existência de qualquer contradição insanável.
No caso, a lógica argumentativa do recorrente é desenvolvida no sentido da contestação da forma e do sentido que o Tribunal a quo deu à prova produzida, desconformidade que, a existir, não pode ser apreciada à luz de qualquer vício decisório. Não há uma evidente imparidade entre o decidido e os seus fundamentos, ou qualquer evidente derrogação de uma qualquer regra de sentido comum, detetável a partir da simples leitura do texto da decisão recorrida. O que perpassa da argumentação do recorrente é que, a luz da forma “correta” como a prova produzida deveria, a seu ver, ter sido apreciada, a conclusão a extrair seria diversa, o que pode, evidentemente, afirmar, mas apenas em sede de erro de julgamento e cumprindo os necessários ónus.
Em pormenor, quanto a pretensas contradições, não há qualquer uma emergente do facto de o Tribunal ter aventado a possibilidade de o recorrente ter perdido o título de condução e depois não ter afastado essa hipótese “com recurso a elementos objetivos ou fundamentação racional segura, limitando-se a valorizar juízos de improbabilidade e verosimilhança bem como regras da experiência”.
Efetivamente, quando o Tribunal aventou essa possibilidade, fê-la em discurso retórico, não por assumi-la, mas para a poder afastar, encerrando o seu raciocínio em sentido contrário. No mais, o referido pelo recorrente encerra pura adjetivação, de manifestação de dissídio, não enquadrável na aferição da existência de vícios decisórios.
Na perspetiva do erro notório, no texto da decisão o mesmo não se evidencia. O recorrente discorre sobre pretensos juízos “especulativos”, “sem fundamento direto na prova produzida”, alinhando contra-argumentos, formas de interpretar distintas mas que, na verdade, não demonstram a existência de erro notório – aquele que é clamoroso, que se exibe perante qualquer leitor atento – sendo, tão só, reflexo do modo de ver distinto de quem os sufraga.
Inexistem, pois, os vícios apontados.
Da leitura da motivação não se alcança qualquer contradição ou erro notório mas, apenas, se antevê a exteriorização do iter seguido pelo julgador - que o recorrente naturalmente contesta por, a seu ver e em juízo opinativo, inexistir prova “suficiente” – defluindo em opções consentidas pelas regras da lógica e da experiência.
*
III.3
Da qualificação jurídica dos factos
Segundo a acusação (Ref.ª 96737296), para os factos ali constantes e segundo qualificação jurídica proposta, o arguido incorreu na prática de um crime de falsificação de documento, p. e p. pelo art.º 256.º, n.º 1, als. d) e e) e 3 do C.P..
Realizada audiência de julgamento, aqueles factos foram considerados provados e, em juízo subsuntivo, considerou o Tribunal a quo que aqueles eram suscetíveis de integrar o crime imputado pelo Ministério Público e, portanto, mantendo a mesma qualificação jurídica.
O recorrente discorda dessa mesma qualificação.
Em seu entender, “não se provou qualquer falsificação, alteração ou adulteração da carta de condução, uma vez que a carta entregue ao Tribunal era um documento autêntico, emitido regularmente pelo IMT, que apenas perdeu validade administrativa após emissão de nova via”. Mais acrescenta que “[a] sentença recorrida não confere a mínima prevalência à única conduta que poderia, em abstrato, levantar questões penais relevantes: a alegada declaração falsa de extravio feita junto do IMT para obter a segunda via.”.
Em contraponto propõe o enquadramento dos factos à luz do crime de desobediência qualificada, p. e p. pelo art.º 348.º, n.º 1, al. b) do C.P., com a consequente aplicação de pena adequada à moldura do ilícito e à gravidade da conduta.
Apreciando.
Nos termos do art.º 256.º do C.P., sob a epígrafe “Falsificação ou contrafacção de documento”:
1 - Quem, com intenção de causar prejuízo a outra pessoa ou ao Estado, de obter para si ou para outra pessoa benefício ilegítimo, ou de preparar, facilitar, executar ou encobrir outro crime:
a) Fabricar ou elaborar documento falso, ou qualquer dos componentes destinados a corporizá-lo;
b) Falsificar ou alterar documento ou qualquer dos componentes que o integram;
c) Abusar da assinatura de outra pessoa para falsificar ou contrafazer documento;
d) Fizer constar falsamente de documento ou de qualquer dos seus componentes facto juridicamente relevante;
e) Usar documento a que se referem as alíneas anteriores; ou
f) Por qualquer meio, facultar ou detiver documento falsificado ou contrafeito;
é punido com pena de prisão até três anos ou com pena de multa.
2 - A tentativa é punível.
3 - Se os factos referidos no n.º 1 disserem respeito a documento autêntico ou com igual força, a testamento cerrado, a vale do correio, a letra de câmbio, a cheque ou a outro documento comercial transmissível por endosso, ou a qualquer outro título de crédito não compreendido no artigo 267.º, o agente é punido com pena de prisão de seis meses a cinco anos ou com pena de multa de 60 a 600 dias.
4 - Se os factos referidos nos n.os 1 e 3 forem praticados por funcionário, no exercício das suas funções, o agente é punido com pena de prisão de um a cinco anos.
O crime de falsificação de documento encontra-se inserido no título relativo aos crimes contra a vida em sociedade, sendo considerado um tipo de crime “a meio caminho entre os crimes contra bens colectivos e os crimes patrimoniais” [Figueiredo Dias, Actas, 1993, p. 297.].
O bem jurídico que se pretende proteger na presente norma incriminadora consubstancia-se na segurança e credibilidade dos documentos no tráfico jurídico, especialmente no tráfico jurídico probatório, valor que é erigido a bem jurídico-criminal [Helena Moniz, in O crime de falsificação de documentos, da falsidade intelectual e da falsidade em documento. Coimbra Editora, 1999, p. 41 e ss. Utilizando as palavras de Figueiredo Dias, o que o crime de falsificação protege é a verdade intrínseca do documento enquanto tal.].
Não é toda a segurança no tráfico jurídico que se pretende proteger, mas apenas a relacionada com os documentos. Desta forma, acentuam-se as duas funções que o documento pode ter: - a função de perpetuação que todo o documento tem em relação a uma declaração humana e a função de garantia, pois cada autor do documento tem a garantia que as suas palavras não serão desvirtuadas e apresentar-se-ão tal qual como ele, num certo momento e local, as expôs. São estes dois aspectos que são violados com o crime de falsificação de documentos [Comentário Conimbricense do Código Penal, Parte Especial, Tomo II, dirigido por Figueiredo Dias, Coimbra Editora, 1999, p. 680.].
O crime em causa consubstancia um crime de perigo abstrato, pois o perigo não constitui elemento do tipo, sendo apenas a motivação do legislador. Assim, basta que o documento seja falsificado para que o agente possa ser punido independentemente de o utilizar ou colocar no tráfico jurídico. Para o preenchimento deste tipo de ilícito não se mostra necessário que, em concreto, se verifique aquele perigo, sendo suficiente que se conclua, em termos abstratos, que aquela conduta é passível causar lesão ao bem jurídico. Basta que exista uma probabilidade de lesão da confiança e da segurança que toda a sociedade deposita nos documentos e, portanto, no tráfico jurídico [Como é sabido, nesta categoria de crimes está-se perante uma antecipação da tutela do bem jurídico.].
Posto isto, entremos, agora, na análise dos vários elementos do tipo.
Comecemos pelo elemento objetivo.
O documento [Cfr. conceito explanado no art.º 255.º, al. a) do C.P. sendo que foi acolhida uma noção mais ampla do que a inscrita no âmbito do direito civil: “Documento é, pois, a declaração de um pensamento humano que deverá estar corporizada num objecto que possa constituir meio de prova” (Comentário Conimbricense ao Código Penal, Parte Especial, Tomo II, Coimbra Editora, 1999, p. 667)] constitui o objeto da ação. Será sobre ele que incidirá a conduta do agente, bastando para a consumação do tipo legal o ato de falsificação. Chegando a simples consumação formal, o crime perfetibiliza-se com o simples ato de falsificação.
O tipo abarca diversas modalidades de conduta, espraiadas nas diversas alíneas do citado artigo, designadamente a falsificação ou falsidade material, que pode assumir várias formas como a fabricação de documento falso, ou seja, a contrafação total, a feitura “ex novo” e “ex integro” de um documento, a falsificação ou alteração do documento, onde se verifica uma contrafação parcial, uma falsificação posterior do documento, mediante uma alteração do mesmo, por norma, por pessoa diferente daquela que o realizou, o abuso da assinatura de outra pessoa para elaborar documento falso, a falsificação intelectual, na qual o documento se apresenta como genuíno, do ponto de vista material, mas o seu conteúdo intelectual não corresponde ao real pela inserção, aquando da sua elaboração, de facto inverídico juridicamente relevante e, por fim, o uso de documento falsificado.
Quanto ao elemento subjetivo do tipo de ilícito, a realização típica do crime exige, para além da verificação do dolo nos termos gerais, em qualquer das suas modalidades (cfr. art.º 14.º do C.P.), uma especial intenção, traduzida na “intenção de causar prejuízo a outra pessoa ou ao Estado, ou de obter para si ou para outra pessoa um benefício ilegítimo”.
No caso vertente e vistos os factos provados, não podemos acompanhar o raciocínio de qualificação expresso pelo Tribunal a quo seguindo, neste particular, a argumentação recursória.
Efetivamente a “falsificação” não está na apresentação de uma carta de condução verdadeira, do ponto de vista da sua genuinidade, emitida pela entidade competente e com requisitos de forma, nem do próprio título consta, falsamente, qualquer facto juridicamente relevante.
Em suma, não consta que na carta entregue esteja incorporando qualquer das características mencionadas nas alíneas a) a d) do nº 1, do art.º 256.º do C.P.
Não será pelo facto de a carta entregue ter sido substituída por novo título emitido na sequência da falsa alegação de extravio que torna o primeiro título se torna “documento falso”, nas diferentes modalidades previstas no tipo e que habilite, também, a punição do seu uso.
Note-se que, para efeitos de integração da conduta à luz da al. d), carecia o título de integrar, aquando da sua feitura, elemento que não é real, o que, no caso, não sucede.
Contrapõe o recorrente com a afirmação de que a sua conduta poderia integrar a prática de um crime de desobediência.
Efetivamente, o arguido, ao pedir a segunda via por falso extravio da carta de condução estaria a prevenir-se para contornar e esvaziar de conteúdo útil a efetivação da aplicação da pena acessória de proibição de conduzir, cumprindo-a aparentemente.
Porém, os factos apurados são insusceptíveis de serem enquadrados à luz do art.º 348.º, nº 1, al. b), do C.P., por ausência dos indispensáveis fatos que suportem os elementos objetivo e subjetivo do tipo em causa.
Mas será a conduta apurada jurídico-penalmente inócua?
Entendemos que não.
No caso, os factos apurados são suscetíveis de integrar, também, a prática de um crime de falsificação de documento (que, aliás, por diferenciação dos bens jurídicos, estaria em concurso efetivo com o aventado crime de desobediência, se existissem elementos factuais para tanto), embora sem a agravação do n.º 3 e sem necessidade da comunicação a que alude o art.º 424.º, n.º 3 do C.P.P. porquanto, como se analisará infra, não há alteração dos factos, a subsunção far-se-á ao mesmo tipo legal e a correção efetuada já foi prevista e compreendida nas alegações da defesa.
Como é consabido, a habilitação para conduzir automóveis ligeiros documenta-se com a denominada carta de condução, obtida após aprovação nos exames teóricos e práticos (em momento algum se prevendo a detenção, em simultâneo, de dois títulos relativos à mesma categoria de veículos).
É verdade que, ao declarar (falsamente) o extravio da carta de condução, o título habilitante passa a ser a segunda via, que ficou na sua posse, tendo a primeira perdido administrativamente o seu valor de documento autêntico, por alegado desapossamento do seu titular.
Neste enfoque, a entrega do título substituído, embora genuíno e não integrante das ações típicas prevenidas para o crime de falsificação de documento, seria uma forma de, efetivamente, incumprir a ordem de entrega que lhe foi dirigida, em correlacionação com o eventual crime de desobediência, caso fizessem parte do objeto dos autos os demais elementos constitutivos.
Porém, como resultou provado:
- A 26.02.2024, depois do trânsito em julgado da sentença acima referida, o arguido solicitou ao IMT a emissão de uma nova via da sua carta de condução, apresentando como motivo o extravio da mesma. (3)
- A nova via da carta de condução do arguido -carta de condução n.º ...- foi emitida pelo IMT a 29.02.2024 e foi entregue ao arguido no dia 08.03.2024, por via postal. (4)
- No dia 18.03.2024, o arguido procedeu à entrega da carta de condução n.º ..., emitida em 09.02.2023, ficando esta à ordem do Processo Abreviado n.º ... para cumprimento da pena acessória de proibição de conduzir veículos motorizados que aí lhe foi aplicada. (5)
- Contudo, o arguido manteve na sua posse a carta de condução n.º ..., emitida a 29.02.2024, a qual só veio a entregar no referido Processo Abreviado no dia 22.05.2024, depois de ser notificado para o efeito, refazendo-se a liquidação da pena acessória. (6)
- O arguido solicitou ao IMT a emissão de nova via da sua carta de condução alegando extravio, bem sabendo que a mesma se encontrava se encontrava na sua posse e, logo a seguir, entregou a carta de condução que possuía no Juízo Local Criminal de Paredes para cumprimento da pena acessória de proibição de conduzir veículos a motor. (7)
- O arguido atuou ainda com intenção de obter uma nova via da carta de condução emitida pelo IMT, que efetivamente obteve, de forma a poder continuar a beneficiar das faculdades inerentes à detenção da carta de condução. (8)
- O arguido sabia que ao atuar desta forma estava a induzir em erro os funcionários daquele Instituto, bem como o Tribunal. (9)
- Com a declaração de extravio da sua carta de condução e a emissão de uma nova via dessa carta, o arguido pôs em causa a fé pública de tal documento, o qual comprova a habilitação legal para a condução na via pública de veículos automóveis, causando, desse modo, prejuízo ao Instituto da Mobilidade e dos Transportes Terrestres, entidade emitente do referido documento, e ao Estado, o que quis. (10)
- O arguido agiu sempre de forma deliberada, livre e consciente, com intenção de obter benefício que sabia ser ilegítimo. (11)
- Sabia que as suas descritas condutas eram proibidas e punidas por lei. (12)
Ora, considerando que o pedido de emissão de segunda via de carta de condução pressupõe a sujeição de formulário on-line com a indicação do motivo ou a elaboração de pedido aos balcões do IMT, o pedido assim subscrito, com falsa indicação do motivo para a emissão de carta de substituição, corporiza uma falsa declaração de extravio da carta de condução e integra a prática de um crime de falsificação de documento, quer se considere que, antes dessa declaração e ante o formulário, não há documento (caso em que configuraria a hipótese do n.º 1, al. a) do art.º 256.º, criando-o), quer se entenda que o formulário já é, ele mesmo, um documento particular que passa a conter a aposição de facto juridicamente relevante (art.º 256.º, n.º 1, al. d) do C.P.).
Ao submeter, perante a entidade competente (IMT), pedido para emissão de carta de substituição com a (falsa) indicação, para tanto, de extravio, a conduta é, ainda, integrante da prática de um crime de falsificação de documento.
A falsa indicação de perda/extravio inserida no pedido é juridicamente relevante e determinante da emissão de uma segunda via da carta de condução (bastando a primeira para a consumação formal, prescindindo-se desse resultado), constituindo, pois, uma declaração de facto falso inserida em documento “que cria, modifica ou extingue uma relação jurídica” suscetível de produzir algum dano publico ou privado, o que no caso se verifica, despoletando o processo de emissão [Manzini, apud Helena Moniz in O crime de falsificação de documentos dano, pág. 231 e 232.], ou, se quisermos, relevante no entendimento de que “A relevância jurídica desenha-se sempre que o facto inserto no documento produza uma alteração no mundo do Direito, isto é, que abra ensejo à obtenção de um benefício.” [Manuel Leal-Henriques e Manuel Simas Santos, in Código Penal, 2º volume, 1996, pág. 731, cit. acórdão do Tribunal da Relação de Coimbra de 27.04.2011, proc. 134/10.3TAGRD.C1, Rel. Isabel Valongo, acedido em www.dgsi.pt].
Assim, em face dos factos assentes, a conduta do recorrente integra, pelo menos, a prática de um crime de falsificação de documento, p. e p. pelo art.º 256.º, n.º 1, al. d) do C.P., divergindo da originalmente proposta, em benefício do condenado, porquanto aquele pedido de emissão não preenche o conceito de documento autêntico para efeitos do n.º 3.
*
III.4
Das consequências do decidido
Considerada a ablação da aplicabilidade do n.º 3 do art.º 256.º do C.P., a pena aplicável ao recorrente é determinável a partir de uma moldura abstrata mais benévola, passando de pena de prisão de 6 meses a 5 anos ou multa de 60 a 600 dias para multa de 10 a 360 dias ou prisão de 1 mês a 3 anos importando, pois, determinar a pena adequada de acordo com a “nova” moldura.
No caso, para efeitos do estatuído no art.º 70.º do C.P., o Tribunal a quo entendeu que a pena de multa não satisfazia as exigências preventivas que constituem a finalidade da punição e optou pela pena de prisão que, em concreto, graduou em 7 meses e que, para efeitos do art.º 45.º, n.º 1 do C.P., substituiu por multa, fixada no exato correspondente – 210 dias – à taxa diária de € 6,00.
Ora, quanto a nós e salvo o devido respeito, no plano concreto dificilmente se poderá sustentar, para efeitos do art.º 70.º, que a pena de multa não satisfaz, de forma adequada, as finalidades da punição e, em termos substitutivos, considerar adequada a pena de multa. Ainda que se possa dizer que as consequências do não pagamento são distintas e que, por isso, existirá um maior efeito intimidatório, a verdade é que, em termos líquidos, é em ambos os casos aplicado um sancionamento monetário e, ainda, com benefício, pois a operação de substituição, ao contrário do decidido, não importa um raciocínio de substituição por equivalente.
A substituição da prisão por multa destinar-se-á, quanto a nós e primacialmente, para os casos em que o próprio tipo não prevê a aplicabilidade da multa a título principal ou, quando assim não seja e no limite, habilitando a substituição da prisão de curta duração por multa mas importando nova operação de determinação desta na moldura geral da multa (por vezes superior à prevista como pena direta, o que nem é o caso) e não por mera equivalência entre a prisão substituída e os dias de multa.
Dito isto, para efeitos do art.º 70.º do C.P., não obstante as condenações anteriores em pena de multa, dada a preferência do legislador pelas medidas não detentivas e prevendo-se a aplicabilidade direta da multa, sendo, também, distintos os bens jurídicos violados nas anteriores condenações, entendemos que a pena de multa ainda se mostra suficiente na salvaguarda das finalidades das penas, ainda que naturalmente repercutindo, no seu quantum concreto, as advertências anteriores.
Na determinação concreta da pena de multa, entre os 10 e os 360 dias definidos no tipo e considerando os critérios operativos seguidos pelo Tribunal recorrido, entende-se como adequada a pena de 190 dias de multa, à mesma taxa diária considerada, perfazendo € 1.140,00 ou, subsidiariamente, 126 dias de prisão.
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IV.
Decisão:
Por todo o exposto, acordam os Juízes Desembargadores que compõem a 1ª Secção deste Tribunal da Relação do Porto em conceder parcial provimento ao recurso do arguido AA condenando-o, pela prática de um crime de falsificação de documento, p. e p. pelo art.º 256.º, n.º 1, al. d) do C.P., na pena de 190 (cento e noventa) dias de multa, à taxa diária de € 6,00 (seis euros), perfazendo € 1.140,00 (mil, cento e quarenta euros) ou, subsidiariamente, 126 dias de prisão, mantendo, no mais, o decidido.
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Sem tributação.
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Porto, 15 de outubro de 2025
José Quaresma
Maria do Rosário Martins
Madalena Caldeira