DECISÃO ARBITRAL
RECURSO DE DECISÃO ARBITRAL
PERDA TOTAL
VALOR VENAL
Sumário

I – Nos termos do artº Artigo 33.º, nº 2, da 63/2011, de 14 de Dezembro – Lei da Arbitragem Voluntária, o demandante está obrigado a apresenta na sua petição o pedido e os factos em que este se baseia, sob pena de não fazer ficar precludida a sua apreciação posterior em sede de recurso por constituírem factos novos.
II - O artº 41º do DL 291/2007, de 21/08, refere-se à fase extrajudicial de regularização do sinistro automóvel, não afastando ou impedindo, caso as partes não cheguem a acordo extrajudicial, que a indemnização seja fixada em valores distintos por força do disposto nos artºs 562º e 566º do CC.
III - Ao A. cabe a prova de que o automóvel é susceptível de reparação e o custo dessa reparação (art.º 342º, nº 1, do Código Civil), cabendo à R. seguradora demonstrar que esse valor seria excessivamente oneroso em função do valor venal do veículo (matéria de excepção - art.º 342º, nº 2, do Código Civil).
Assim, cabe ao A. provar que o seu veículo tem no seu património pessoal um valor superior ao do seu valor de mercado, na falta de tal prova será de fazer valer o valor venal do veículo.

Texto Integral

Proc. nº 211/25.6YRPRT.P1
Recurso Sentença Arbitral do Centro de Informação e Mediação e Arbitragem de Seguros do Porto.

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Relator: Juiz Desembargador Álvaro Monteiro
1º Adjunto: Juíza Desembargadora Ana Luísa Gomes Loureiro
2º Adjunto: Juiz Desembargador José Manuel Monteiro Correia.
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Sumário:
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I - Relatório:
Foi objecto de resolução de litígio arbitral o conflito entre AA e A... – Sucursal em Portugal.
Peticionou o Reclamante a condenação da Reclamada, a título de danos patrimoniais e não patrimoniais, no valor de €9.662,37.
Para tanto, alegou, em síntese, que que no dia 25-04-2024, pelas 11:00, na estrada nacional ..., km 15,000, na União de Freguesias ... e ..., em ..., ocorreu um acidente de viação em que foram intervenientes os veículos ligeiros de passageiros de matrícula ..-..-XN, propriedade e conduzido pelo demandante, e o de matrícula ..-NX-.., propriedade de BB e conduzido por CC, com responsabilidade civil transferida para a demandada mediante contrato de seguro titulado pela apólice n.º ....
Por evidente imperícia e distracção do veículo NX o mesmo embateu violentamente no veículo XN.
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Contestou a Ré veículo seguro na Reclamada alegando que, seguindo na sua hemifaixa de rodagem, sinalizou com o pisca do lado esquerdo e, reduzindo a sua velocidade, realizou a manobra de mudança de direção à esquerda.
Quando o veículo seguro na Reclamada já se encontrava a concluir a manobra foi abalroado pelo veículo do Reclamante que, sem o cuidado necessário, iniciou uma manobra de ultrapassagem de vários veículos.
Concluiu pela improcedência da acção arbitral.
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Foi realizada audiência arbitral e produzida prova através da prestação de declarações de parte do demandante e do depoimento da testemunha arrolada por este.
Após foi proferida a seguinte decisão:
“Assim, em face do exposto, julgo parcialmente procedente, por provada, a presente ação arbitral e, consequentemente, condeno a demandada no pagamento ao demandante da quantia de €1.375,00 a título de indemnização de 50% pela perda total do seu veiculo automóvel, absolvendo a demandada do pedido de indemnização de danos não patrimoniais, tudo nos termos e com os efeitos previstos nos artigos 483º/2, 499.°, 503.°/1, 562.°, 563.° e 566.°, todos do Código Civil, e artigo 26.° do Regulamento do CIMPAS.
V. - Valor da Causa, Encargos processuais e Depósito da decisão arbitral:
Analisando o pedido e a causa de pedir à luz das regras previstas no Código do Processo Civil para a verificação do valor da causa fixa-se o valor da causa em €9.662,37 (nove mil seiscentos e sessenta e dois euros e trinta e sete cêntimos), recorrendo ao critério previsto no artigo 296.°/1, do CPC, por remissão do artigo 32.°/2, do regulamento do CIMPAS, em virtude de ser este o valor que o demandante reclama da demandada e que esta, por sua vez, pretende ver declarado como não sendo devido.
Os eventuais encargos processuais decorrentes deste processo arbitrai serão liquidados e cobrados pelo CIMPAS nos termos do Anexo I do seu regulamento.
Notifiquem-se as partes com cópia desta decisão e deposite-se o seu original no CIMPAS nos termos do artigo 27.° do referido regulamento.2
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É desta decisão que, inconformada, a Reclamante interpôs recurso, terminando as suas alegações com as seguintes conclusões:
1) Vem o presente recurso interposto da douta sentença arbitral proferida nos presentes autos, que julgou parcialmente procedente a reclamação apresentada pelo Demandante, aqui Recorrido, condenando a Demandada, ora Recorrida, ao pagamento da quantia de €1.750,00 a título de indemnização de 50% pela perda total do seu veículo automóvel, absolvendo a Demandada do pedido de indemnização de danos não patrimoniais.
2) O Tribunal a quo incorreu em erro de julgamento decorrente de errada apreciação, errada interpretação e errada valoração da prova produzida.
3) O Tribunal a quo incorreu em erro de julgamento ao aplicar o regime jurídico consagrado no artigo 41º, do Decreto-Lei nº 291/2007, de 21/08, para determinar o montante de indemnização pela perda total do veículo automóvel do Recorrente, em detrimento das regras da responsabilidade civil consagradas nos artigos 562º e 566º, ambos do Código Civil.
4) O Tribunal a quo incorreu, ainda, na violação das regras de direito probatório, designadamente no que respeito ao recurso para descobrir a real conduta das partes.
5) Pelas presentes alegações de recurso, vem o ora Recorrente impugnar a decisão proferida sobre a matéria de facto, com especificação dos pontos de facto que considera incorretamente julgados e a prova produzida nos presente autos, que impunha ao douto Tribunal a quo uma decisão diversa da recorrida e que devem ser reapreciadas.
6) De igual modo, vem o ora Recorrente pugnar pela alteração do teor da Sentença proferida, com base factualidade dada como provada ou não provada na douta sentença recorrida, que, salvo o devido respeito, errou na apreciação da prova produzida em sede de Audiência de Julgamento e na interpretação e aplicação do Direito, agindo, assim, em violação do disposto nos artigos 342º, 350º, 562º, 563º e 566º, todos do Código Civil.
7) Com efeito, salvo o devido respeito, face àquela que foi prova produzida, o ora Recorrente considera incorretamente julgados os pontos e os pontos 6 e 14, e a parte final do ponto 2, da matéria de facto provada, na medida em quem da prova produzida em sede de audiência de discussão de julgamento e dos demais elementos probatórios constantes dos presentes autos, não é possível, de todo, concluir pela procedência do entendimento seguido pelo douto Tribunal a quo.
8) Efetivamente, não poderão ser dados como provados os supra referidos pontos 6 e 14 dos factos provados, atendendo a toda a prova produzida em sede de audiência e discussão de julgamento e carreada para os presentes autos, impondo-se que a mesma passe a constar da matéria de facto dada como não provada.
9) Por seu turno, a parte final do ponto 2 dos factos provados deverá ser alterada no sentido de constar provadas as circunstâncias de modo, lugar e tempo em que ocorreu o acidente de viação.
10) Tanto mais que, o douto Tribunal a quo não valorou as declarações de partes do Recorrente e o depoimento da Testemunha DD.
11) De facto, em relação à matéria dada como provada na parte final do ponto 2 dos factos provados, o Tribunal a quo considerou provado a colisão entre o veículo automóvel do Demandante/Corrente e o veículo segurado pela Demandada/Recorrida sem que se tenha logrado apurar as circunstâncias concretas de facto e de direito em que ocorreu o acidente de viação na qual resultou danos no veículo do Recorrente, pelo facto não ter ficado provado a existência de qualquer conduta contraordenacional ou culposa dos condutores dos veículos intervenientes no acidente de viação.
12) O Tribunal a quo fundamentou a sua convicção no teor da declaração amigável de acidente automóvel junta com a reclamação inicial, pelas declarações de parte prestadas pelo Recorrente, pelo depoimento da testemunha DD e pela participação de acidente de viação da GNR.
13) Ora, as declarações de parte do Demandante e o depoimento da testemunha DD, que ficaram gravadas em ficheiro de áudio com referência A-2024-1490-EP GMT 20250228-102923_Recording, impunha uma valoração diferente e, consequentemente, uma decisão diferente, daquela que consta da Douta Sentença recorrida.
14) Pois, da análise destas declarações de parte do Recorrente suprarreferidas e com interesse para a decisão da parte final deste ponto 2 dos factos provados, o Recorrente entende que foi possível apurar as circunstâncias concretas de facto e de direito em que ocorreu a colisão entre o veículo ligeiro do Demandante/Recorrente e o veículo segurado pela Demandada/Recorrida e, consequentemente, a existência de conduta contraordenacional ou culposa da condutora do veículo segurado pela Recorrida com matrícula ..-NX-...
15) Das declarações do Recorrente/Demandante apura-se nos minutos [00:03:01 a 00:03:18] e [00:04:20 a 00:04:40] acima descritos que o acidente ocorreu na EN ... no sentido de ... em direção de .... Apurou-se ainda nos minutos [00:04:42 a 00:04:50] e [00:04:52 a 00:04:58] que os dois condutores circulavam no mesmo sentido. Nos minutos [00:05:02 a 00:05:20] que a outra viatura ia à frente do Demandante/Recorrente. Nos minutos [00:05:28 a 00:05:37] [00:05:44 e 00:05:50] e [00:19:19 a 00:19:29] não havia sinalização luminosa, nem sinalética. Nos minutos [00:06:00] e [00:06:06 a 00:06:10] quando se deu o sinistro o Demandante/Recorrente circulava na via de ultrapassagem à esquerda. Nos minutos [00:06:24] e [00:24:56 a 00:24:59] a estrada é uma reta larga e com boa visibilidade. Nos minutos [00:19:45] [00:24:50 a 00:24:55] e [00:32:58 e 00:33:09] é uma estrada nacional fora da povoação. Nos minutos [00:18:34] [00:18:49 a 00:18:54] [00:19:19 a 00:19:29] [00:24:33 a 00:24:42] [00:25:00 a 00:25:10] [00:25:52 a 00:26:11] o veículo do Demandante/Recorrente circulava a uma velocidade não concretamente apurada, mas inferior a 70 km/h. Nos minutos [00:06:31 a 00:06:38] e [00:20:14] quando o Demandante/Recorrente invadiu a faixa esquerda, a via encontrava-se livre.
16) Demonstra-se nos minutos [00:06:49 a 00:07:03] [00:08:12 a 00:08:20] [00:08:50] [00:09:17 a 00:09:21] [00:11:58] [00:20:14] [00:21:35] acima descritos quando o Demandante/Recorrente já se encontrava completamente na via do lado esquerdo a ultrapassar uma viatura, a condutora da viatura à frente daquela que o Demandante/Recorrente estava a ultrapassar com matrícula ..-NX-.., colocou o pisca e virou logo à esquerda, atravessando-se no meio da faixa do lado esquerdo onde o Recorrente/Demandante já se encontrava a circular e foi aí que ocorreu o acidente. E nos minutos [00:21:00 e 00:21:10] a condutora pretendia aceder à entrada para os passadiços que se encontra na berma do outro lado da estrada.
17) Resulta ainda dos minutos [00:09:37] [00:10:13] [00:10:34] e [00:25:38] a condutora cortou completamente a estrada à frente do Demandante/Recorrente e este não conseguiu travar a tempo e evitar o acidente. Nos minutos [00:10:47 a 0010:53] [00:13:33 a 00:13:36] [00:13:47 a 00:13:54] o veículo ..-NX-.. embateu com a sua frente lateral, na frente lateral direito da viatura do Demandante/Recorrente, projetando a viatura deste que veio a imobilizar-se na berma. E nos minutos [00:14:12 a 00:14:15] o embate deu-se na via esquerda.
18) Estas declarações de parte prestadas pelo Recorrente/Demandante são inteiramente corroboradas pelo depoimento da testemunha DD que depôs de forma clara, consistente, coerente e que presenciou o sinistro por se encontrar no veículo com o Sr. AA, no dia e na hora em que ocorreu o acidente de viação, mas que o Tribunal a quo na formação da sua convicção não atendeu ao seu depoimento, considera-se assim oportuno, necessário e adequado.
19) Extraia-se das Declarações de Parte do Recorrente/Demandante, quer do Depoimento da Testemunha DD supra descritos nos minutos [00:39:47] [00:40:33] [00:41:05] [00:42:02] [00:43:14] e [00:45:31] que, no dia 25 de abril de 2024, o veículo SEAT com matrícula ..-..-XN do AA, ora aqui Recorrente/Demandante e o veículo Renault com matrícula ..-NX-.. conduzido pela CC e segurado pela Recorrida, únicos intervenientes no acidente, circulavam na EN ... no sentido ... para ... e que o veículo Renault segurado pela Recorrida sem que nada o fizesse prever e de forma repentina, invadiu a faixa de rodagem em que seguia o veículo do Recorrente/Demandante para realizar uma mudança de direção à esquerda, cruzando a trajetória do veículo do Reclamante para virar para berma do sentido oposto para aceder aos Passadiços, invadindo a sua via de trânsito, sem sinalizar atempadamente a mudança de via e sem se ter certificado da presença de veículos que circulassem nessa via, como era o caso do veículo do ora Recorrente/Demandante, o que foi causa direta e necessária do embate.
20) Da análise de toda essa factualidade o Recorrente entende que o Tribunal a quo decidiu, em total contradição com a factualidade apresentada, bem como da prova testemunhal e de declarações de parte produzida em sede de audiência de julgamento, que impõem uma decisão diversa daquela que foi tomada, por ter sido apurado que a condutora do veículo segurado pela Recorrida ..-NX-.., nas circunstâncias de modo, lugar e tempo, em que ocorreu o acidente de viação, não tenha atuado como se impunha e tenha omitido os deveres de cuidado que são impostos ao cidadão comum pelas regras de circulação rodoviária e como tal, podendo-se concluir que a condutora tenha atuado com culpa.
21) Portanto, com tais manobras irregulares e perigosas de mudança de direção à esquerda por parte da condutora do veículo segurado pela Recorrida, dúvidas não restam que circulava de forma desatenta e descuidada, não se apercebendo se quer da presença do veículo do Recorrente, conforme o Recorrente/Demandante afirma na transcrição supra descrita no minuto [00:09:37] “ Ali não tive tempo de travar porque ela nem sequer me viu, ela cortou-me a estrada completamente pronto eu aí não deu para fazer nada, mesmo que viesse a 20 ou 30 não dava... foi porque ela não me viu, ela quando cortou, quando nós batemos eu fui ter com ela ao carro para ver se estava tudo bem..”
22) Posto isto, com tais comportamentos a condutora do veículo segurado pela Recorrida com matrícula ..-NX-.. encontrava-se a violar o disposto do nº 1, do artigo 38º, do Código da Estrada: “O condutor de veículo não deve iniciar a ultrapassagem sem se certificar de que a pode realizar sem perigo de colidir com veículo que transite no mesmo sentido ou em sentido contrário” e nos termos da alínea a) do nº 2 do mesmo artigo devia especialmente certificar-se “ que a faixa de rodagem se encontra livre na extensão e largura necessárias à realização da manobra com segurança”, o que não fez.
23) Não só, dispõe o nº 1, do artigo 21.º, do mesmo diploma que “Quando o condutor pretender reduzir a velocidade, parar, estacionar, mudar de direção ou de via de trânsito, iniciar uma ultrapassagem ou inverter o sentido de marcha, deve assinalar com a necessária antecedência a sua intenção.”, o que não aconteceu, uma vez que a condutora do ..-NX-.. não manifestou a sua intenção, antes de mudar de direção, fê-lo colocando o pisca no preciso momento em que virou subitamente para a faixa de rodagem do lado esquerdo, onde já se encontrava a transitar o veículo ..-..-XN, conforme prova gravada nos minutos supra descritos [00:07:03] [00:25:33] [00:41:05] e [00:42:02].
24) Com efeito, de acordo com a regra geral constante no nº 2 do artigo 11º, do Código da Estrada decorre que “Os condutores devem, durante a condução, abster-se da prática de quaisquer atos que sejam suscetíveis de prejudicar o exercício da condução com segurança”.
25) Por seu turno, do disposto no nº1 do artigo 35º, do Código da Estrada de decorre que “O condutor só pode efetuar as manobras de ultrapassagem, mudança de direção ou de via de trânsito, inversão do sentido de marcha e marcha atrás em local e por forma que da sua realização não resulte perigo ou embaraço para o trânsito.”, explicitando o nº 1, do artigo 44.º, n.º 1, a respeito da mudança de direção para a esquerda que o condutor que pretenda efetuar esta manobra “deve aproximar-se, com a necessária antecedência e o mais possível, do limite esquerdo da faixa de rodagem ou do eixo desta, consoante a via esteja afeta a um ou a ambos os sentidos de trânsito, e efetuar a manobra de modo a entrar na via que pretende tomar pelo lado destinado ao seu sentido de circulação”.
26) Ora, basta cotejar das declarações de parte do Recorrente/Demandante e do depoimento da testemunha DD supra descritos com os comandos decorrentes do Código da Estrada para concluirmos que a condutora do veículo ..-NX-.. segurado pela Recorrida não cumpriu com as obrigações que a impediam para mudar de direção à esquerda.
27) Desde logo porque, não há dúvidas que a condutora do veículo segurado pela Recorrida agiu com culpa, uma vez que executou uma manobra de mudança de direção para o lado esquerdo com intuito de virar para os passadiços que se encontra na berma do sentido oposto, sem antes ter esperado pela passagem do veículo do Recorrente que já se encontrava a ultrapassar nessa mesma faixa de rodagem da esquerda, faixa essa adstrita à circulação em sentido contrário e acabou por ser embatido.
28) O Recorrente/Demandante confrontando com a invasão inopinada da sua via de trânsito, não dispôs nem de tempo, nem de espaço para em segurança imobilizar o veículo, embatendo no veículo do Recorrente na sua lateral direita.
29) Pois, contrariamente ao que refere o Tribunal a quo na sua motivação do enquadramento de Direito, dúvidas não restam que do circunstancialismo fáctico acima descrito ficou provado, relativamente à dinâmica do acidente, que o sinistrou ficou a dever-se exclusivamente à conduta culposa da condutora do veículo ligeiro passageiro ..-NX-.., por ter violado as mais elementares normas estradais previstas nos artigos 11º, nº 2, 21º, nº1, 35º nº 1 e 38º nº 2.
30) Assim, in casu, face à ocorrência factual supra descrita a Demandada não logrou afastar a presunção de culpa que impendia sobre a conduta da condutora do veículo ..-NX-.. segurado, invocada pelo Demandante/Recorrente na sua reclamação de 28-10-2024 junto aos autos, ao abrigo do disposto no artigo 350º, do Código Civil.
31) Pelo que, não é de admitir nem de aceitar, sequer, a conclusão vertida na Douta Sentença recorrida de que “só pode dar como provado o embate entre dois veículos em situação não concretamente apurada e da qual resultaram danos para um deles e, por isso, não lhe é possível atribuir a nenhum dos condutores a responsabilidade pelo acidente de viação objeto dos presentes autos”.
32) É evidente, que não houve uma correta apreciação da matéria de facto levada aos autos pelo Tribunal a quo. Pois, pese embora o Tribunal a quo valorasse a participação de acidente de viação da GNR e a declaração amigável de acidente automóvel junta com o Formulário de Reclamação inicial, pelas razões acima referidas, de acordo com as declarações de parte e o depoimento da testemunha DD produzidos em audiência de julgamento, deveria ter sido tomada em consideração a factualidade acima descrita e dar como provado as circunstâncias de modo, lugar e tempo em que ocorreu o acidente de viação.
33) Devendo assim o Ponto 2 dos factos provados ser alterado de modo a constar “Nos presentes autos foi possível apurar que o veículo automóvel do demandante e veículo segurado pela demandada colidiram entre si e que as circunstâncias concretas de facto e de direito em que ocorreu essa colisão nas quais resultaram danos no veículo do demandante, deveu-se única exclusivamente à manobra realizada pela condutora do veículo ..-NX-.., sem se certificar de que podia atravessar a via esquerda onde circulava o veículo ..-..-XN, com a necessária segurança”.
34) Quanto aos pontos 6 dos factos provados, o Recorrente/Demandante não pode conformar-se com a assunção fática eleita pelo Tribunal a quo que deu como provado no ponto 6 dos factos provados que não se justificava, técnica e economicamente, a reparação do veículo dado que o custo estimado para a sua reparação era superior ao valor do veículo à data do sinistro, tendo para efeitos de cálculo de indemnização dado como provado no ponto 14 que o valor venal do veículo automóvel do Demandante à data do sinistro como sendo de €3.000,00.
35) Para esta conclusão, o Tribunal a quo, no que diz respeito ao valor da reparação refere ter-se fundamentado na consulta do relatório de peritagem patrimonial da empresa “B...” emitido em 06-05-2024, junto ao Formulário de Reclamação de 28-10-2024.
36) Já quanto ao valor venal do veículo à data do sinistro, formou a sua convicção socorrendo-se da consulta dos portais na internet de empresas de compra e venda, mas não esclareceu se os veículos que viu tinham o mesmo número de quilómetros que o do Demandante/Recorrente e se estava em boas condições.
37) O Recorrente nem sequer exerceu o direito de pronúncia sobre o uso do método de consulta de portais de empresas de compra e venda de automóveis para fixar o valor do veículo automóvel do Demandante à data do sinistro.
38) Nem sequer foi concedido ao Recorrente a possibilidade de exercer o seu direito de contraditório sobre os resultados da consulta dos portais de empresas de compra e venda de automóveis que permitiram o Tribunal a quo fixar o valor venal do veículo automóvel do Demandante à data do sinistro como sendo de €3.000,00.
39) O mais estranho é que a Demandada fixou o mesmo valor venal de €3.000,00 no seu formulário de Contestação e na sua comunicação datada de 13 de maio de 2024 dirigida ao Demandante, valor esse que o Demandante não aceitou, conforme os pontos 7 e 12 dos factos provados.
40) Não poderá, pois, deixar de se manifestar injusta a valoração pelo Tribunal a quo do valor venal do veículo automóvel do Demandante à data do sinistro como sendo de €3.000,00, desprovido de quaisquer ilações tirados dos resultados da consulta dos portais de empresas de compra e venda de automóveis.
41) Em boa verdade, desconhece-se quais os portais na internet de empresas de compra e venda que foram consultados, como também não se sabe quais as características qualitativas do veículo que serviram de base para fixar esse valor de €3.000,00.
42) Face à total ausência de existência de factos que pudesse determinar os critérios objetivos de modo que qualquer operador económico/empresa de compra e venda pudesse conhecer a sua pontuação à data do sinistro, e situar-se a nível da sua escala de pontuação, e assim proceder a avaliação do veículo.
43) Deste modo, impugna-se quer o facto dado como provado no ponto 6 dos factos provados por não ter os elementos objetivos para concretizar e formar a decisão tomada, quer o valor venal do veículo à data do sinistro fixado pelo Tribunal a quo em €3.000,00, por se considerar discricionário e injusto.
44) De facto, sobre essa factualidade, o Tribunal a quo dispunha das declarações de parte do Recorrente e do Depoimento da testemunha DD que ficaram gravadas em ficheiro de áudio com referência A-2024-1490-EP GMT 20250228-102923_Recording, que impunham uma decisão diferente, daquela que foi tomada.
45) Destas declarações de parte do Recorrente supra descritos e com interesse para a decisão deste ponto 14 dos factos provados, pode-se concluir nos minutos [00:34:37 a 00:34:40] [00:35:02 a 00:35:18] [00:36:22 a 00:36:33] e [00:36:37 a 00:36:55] que o veículo do Demandante se encontrava em bom estado de conservação interior e exterior, nunca pensou em vender o veículo, mas se tivesse de vender nunca poderia ser inferior a €6.000.00/€7.000,00. Nos minutos [00:27:44 a 00:27:55] e [00:34:53 a 00:34:57] aclara que os valores pesquisados na internet entre os €3.500,00 a €4.000,00 não tem em consideração o estado de conservação do veículo. Apurou-se nos minutos [00:01:00 a 00:01:07] [00:01:08 a 00:01:10] [00:28:04 a 00:28:34] e [00:28:40 a 00:29:27] acima descritos que o Demandante ainda não reparou a viatura, mas tendo estima pela mesma por ter sido a sua primeira viatura, vem a este Tribunal pedir o valor da reparação de €8.162,37 para poder repará-la.
46) Apurou-se ainda com relevância para decisão desta causa arbitral nos minutos [00:01:31 a 00:01:39] que após o acidente, os primeiros três meses passou a ter de ir e vir do trabalho à boleia com os seus colegas, por não haver meios de transporte. Nos minutos [00:30:12 a 00:30:28] [00:33:32] com a demora do processo, sem resposta concreta por parte do seguro sobre o SEAT ... e sem saber o que fazer, precisou urgentemente de um transporte. Nos minutos [00:02:24 a 00:02:33] [00:02:36 a 00:02:36] Após os três meses que andou à boleia, não gastou os €8.162,37 na reparação da viatura, optou por adquirir um veículo da marca SEAT ... pelo valor de €11.000,00.
47) Já a Testemunha DD nos minutos [00:55:09] [00:55:15 a 00:55:18] [00:55:22] corroborou as declarações de parte prestadas pelo Demandante/Recorrente e esclareceu ainda nos minutos [00:55:58 a 00:56:03] supra descritos que o Demandante optou por não reparar a viatura, tendo sido difícil por ter de comprar a viatura com financiamento e depender da ajuda de familiares. Frisou ainda nos minutos [00:55:35 a 00:55:41] e [00:56:03] acima descritos que com o decorrer deste processo o Demandante sofreu de ansiedade e passou a ter uma situação financeira incerta.
48) Pois, resulta das Declarações de Parte do Recorrente/Demandante supra descritas que o valor do veículo automóvel à data do sinistro nunca poderia ser fixado em €3.000,00.
49) Efetivamente, deveriam ter sido tomadas em consideração a factualidade acima descrita e dar como provado os elementos característicos do estado de conservação do veículo o valor venal do veículo à data do sinistro.
50) Pois, perante os pontos 7 e 12 dos factos provados, é do conhecimento do Tribunal a quo que o Demandante não aceitou o valor venal do veículo fixado pela Recorrida em €3.000,00.
51) O Tribunal a quo ao desconsiderar toda a matéria declarada nas declarações de parte do Demandante supra descrita que informou que o carro estava em bom estado de conservação e baseando-se única e exclusivamente na consulta dos portais na internet de empresas de compra e venda, fixando o valor venal do veículo automóvel do Demandante à data do sinistro em €3.000,00, sem ter produzido qualquer documento em sede de audiência de julgamento que corrobora esse valor e sem fundamentar na Douta Sentença recorrida quais os critérios de avaliação que foram tidos em consideração para formar a sua convicção, violou o princípio do contraditório, daí não se aceitar a utilização de tal meio.
52) Efetivamente, importa ainda referir que a Demandada ao ter declinado a responsabilidade pelo sinistro, o Demandante ficou sem veículo de substituição, ficou bem claro nas suas declarações de parte que não pretendia vender o seu veículo danificado, não tendo disponibilidade financeira para o reparar, teve de recorrer ao financiamento para adquirir novo veículo no valor de €11.000,00, por necessidade urgente de um transporte para ir e vir ao trabalho, não obstante a ponderação da compra de um novo veículo ter sido difícil por depender de apoio de familiares, passou a ter uma situação financeira incerta, tal situação confirmada pelo depoimento da Testemunha DD nos minutos [00:55:09] [00:55:15 a 00:55:18] [00:55:35 a 00:55:41] e [00:56:03], supra descritos.
53) Além disso, o Tribunal a quo nunca poderia dar como provado o facto constante no ponto 6 dos factos provados, uma vez que era a Demandada/Recorrida que cabia provar de que o montante da reparação do veículo do Demandante orçado em €8.162,37 era excessivamente oneroso para si própria em relação ao valor do veículo à data do sinistro, o que não fez, tudo ao abrigo dos princípios atinentes à responsabilidade civil, consagrados nos artigos 562 e 566º do Código Civil, e não pela aplicação do conceito jurídico de “Perda total” e o seu regime jurídico consagrados no artigo 41º, do Decreto-Lei 291/2007, de 21 de agosto.
54) Como tal, salvo melhor opinião, o Tribunal a quo quando formou a sua conclusão e fixou o facto vertido no ponto 6 dos factos provados, errou ao ter aplicado o regime do sistema do seguro obrigatório de responsabilidade civil automóvel regulado no artigo 41º, do Decreto-Lei nº 291/2007, 21/08, em detrimento das regras da responsabilidade civil nas quais o Tribunal a quo se encontrava vinculado por não ter havido acordo entre o Demandante7Recorrente e a Demandada/Recorrida e que impunham uma decisão diferente, da daquela que foi tomada.
55) Também aqui, se decidiu em absoluto arrepio com produzida nos autos e em sede de audiência e discussão de julgamento, devendo assim dar como NÃO PROVADOS os factos descritos nos pontos 6 e 14 dos factos provados.
56) Da indemnização pela perda total do veículo automóvel do Demandante, o Tribunal a quo entendeu no ponto 6 dos factos provados que não se justificava, técnica e economicamente, a reparação do veículo atendendo que o custo estimado para a sua reparação orçada em €8.162,37 com Iva incluído à taxa legal em vigor, de acordo com o do relatório de peritagem patrimonial da empresa “B...” emitido em 06-05-2024, era superior ao valor do veículo à data do sinistro, fixando o valor da indemnização por perda total do veículo do Demandante no valor em €2.750,00, aplicando o conceito jurídico de “Perda total” e o seu regime jurídico consagrados no artigo 41º, do Decreto-Lei 291/2007, de 21 de agosto.
57) Para efeito de cálculos da indemnização, o Tribunal a quo tomou em consideração quer o valor do salvado à data do sinistro de €250,00 constante no ponto 15 dos factos provados, quer o valor venal do veículo à data do sinistro de €3.000,00, fixado no ponto 14 dos factos provados, já impugnado anteriormente pelo Recorrente.
58) Ora, o artigo 41º, do Decreto-Lei nº 291/2007, de 21.8, como as restantes disposições do capítulo respetivo, visam apenas reduzir a conflitualidade existente entre as seguradoras, segurados e terceiros e incentivar o acordo entre seguradoras e lesados mediante agilização e simplificação dos processos extrajudiciais relativos a sinistros automóveis.
59) Efetivamente, a posição maioritária perfilada na doutrina e na jurisprudência é que o procedimento regulado no Decreto-Lei nº 291/2007, 21/08 que estabelece o regime do sistema do seguro obrigatório de responsabilidade civil automóvel, só é aplicável em sede extrajudicial, pelo que uma vez frustrado o acordo das partes sobre o quantum indemnizatório, estas regras não são vinculativas no processo judicial, como entendeu o Tribunal a quo que deveria ter julgado de acordo com as regras dos artigos 562º e 566º, ambos do Código Civil e os princípios atinentes à responsabilidade civil.
60) Como resulta-se do princípio da reconstituição natural, deve optar-se pela reparação do veículo, caso seja viável, mesmo que o custo seja superior ao valor comercial do mesmo, na medida em que interessa, na reparação integral do dano, atender à utilização que era dada ao mesmo pelo lesado na satisfação das suas necessidades.
61) Neste mesmo sentido proferiu o Tribunal da Relação do Porto no seu Acórdão no âmbito do processo 2638/19.3T8AZ.P1, datado de 08-06-2022, consultado online em www.dgsi.pt.
62) Agora quanto ao valor de substituição, o critério orientador adotado pela jurisprudência é o valor patrimonial e não o valor comercial ou venal, foi este o entendimento do Acórdão do Tribunal da Relação do Porto no âmbito do processo 5816/21.1T8MAI.P1, proferido em 16-01-2024, consultado online em www.dgsi.pt, que nos diz:
“I- Em princípio deve optar-se pela reparação do veículo, caso seja viável, mesmo que o custo seja superior ao valor comercial do mesmo, na medida em que interessa, na reparação integral do dano, atender à utilização que era dada ao mesmo pelo lesado na satisfação das suas necessidades.
II - Assim, a jurisprudência tem, maioritariamente, entendido que o critério orientador optado quanto ao valor de substituição é o valor patrimonial e não o valor comercial ou venal.
III - Ao autor cabia a prova do quantum da reparação, restaurando in natura o veículo danificado
IV - À Ré cabia a prova de que tal montante era excessivamente oneroso – não apenas oneroso para si própria - mas que era flagrantemente desproporcionado o custo que ia suportar em relação ao interesse do lesado na reparação.
V - Esta excessividade há-de aferir-se, naturalmente, pela diferença entre dois pólos: um deles é o preço da reparação e o outro valor a ter em conta é aquele a que chamaremos o valor patrimonial, o valor que o veículo representa dentro do património do lesado.” (Sublinhado nosso)
63) Importa ainda salientar que o Acórdão do Supremo Tribunal de Justiça proferido no âmbito do processo 07B1849 em 05-07-2007, consultado online em www.dgsi.pt, refere: “Um veículo já com muito uso pode ter um valor comercial pouco significativo, mas, ainda assim, pode satisfazer as necessidades do dono, enquanto a quantia, muitas vezes irrisória, equivalente ao seu valor de mercado, pode não conduzir à satisfação dessas mesmas necessidades, por não lhe permitir a aquisição de uma viatura da mesma marca, com as mesmas características e com o mesmo uso” (Sublinhado nosso)
64) Cita-se também o Acórdão do Supremo Tribunal de Justiça proferido no âmbito do processo 06B4219 em 04-12-2007, podendo ser consultado o online em www.dgsi.pt que nos diz: “(…), a regra, é a restauração natural; a excepção é a indemnização por equivalente. Aplicando à situação as regras básicas do ónus da prova, ao Autor cabe a prova do princípio, à Ré cabe a prova da excepção.” (Sublinhado nosso)
65) Posto isto, contrariamente ao que refere o Tribunal a quo na sua fundamentação de direito, para efeitos de cálculo da indemnização à título de perda total do veículo do Recorrente/Demandante, o valor a ter em conta não é o valor venal do veículo, mas o valor patrimonial que corresponde ao valor que o veículo representa dentro do seu património.
66) E a esse respeito, como acima foi dito, das declarações de parte do Recorrente/Demandante com relevância para a decisão desta causa arbitral acima descritas nos minutos [00:34:37 a 00:34:40] [00:35:02 a 00:35:18] e [00:36:22 a 00:36:33] tece-se as seguintes considerações que o veículo do Demandante se encontrava em bom estado de conservação interior e exterior, nunca pensou em vender o veículo; já nos minutos [00:01:00 a 00:01:07] [00:01:08 a 00:01:10] [00:28:04 a 00:28:34] [00:28:40 a 00:29:27] [00:01:31 a 00:01:39] [00:30:12 a 00:30:28] [00:33:32] e [00:02:24 a 00:02:33] [00:02:36 a 00:02:36] apura-se que o Demandante ainda não reparou a viatura, mas tendo estima pela mesma por ter sido a sua primeira viatura, vem a este Tribunal pedir o valor da reparação de €8.162,37 para poder repará-la. Após o acidente, os primeiros três meses passou a ter de ir e vir do trabalho à boleia com os seus colegas, por não haver meios de transporte e com a demora do processo, sem resposta concreta por parte do seguro sobre o SEAT ... e sem saber o que fazer, precisou urgentemente de um transporte, não gastou os €8.162,37 na reparação da viatura, optou por adquirir um veículo da marca SEAT ... pelo valor de €11.000,00, e pelo depoimento da Testemunha DD nos minutos [00:55:09] [00:55:15 a 00:55:18] [00:55:35 a 00:55:41] e [00:56:03], supra descritos, resulta-se ainda que o Demandante não tinha disponibilidade financeira para o reparar, teve de recorrer ao financiamento para adquirir novo veículo, passando a ter uma situação financeira incerta.
67) Pois, cabia ao Demandante a prova do em quanto importava a reparação integral do dano, o que fez, juntando aos autos o relatório da peritagem, cuja reparação foi orçamentada em €8.162,37, já com Iva incluído à taxa legal em vigor, facto dado como provado no ponto 5 dos factos provados.
68) Por sua vez, à Demandada cabia a prova de que tal montante era excessivamente oneroso para si própria, pela diferença entre o preço da reparação de €8.162,37 e o valor patrimonial do veículo à data do sinistro, o que não fez.
69) Pois, a Demandada com a sua notificação dirigida ao Demandante em 13 maio de 2024, comunicando-lhe o valor venal de €3.000,00, junta aos autos, não fez prova da onerosidade excessiva, que é pressuposto da exceção da indemnização em dinheiro, nos termos do disposto no nº 1 do artigo 566º, do Código Civil.
70) Isto porque, nos termos do disposto do nº 2 do mesmo artigo, a Demandada “tem como medida a diferença entre a situação patrimonial do lesado, na data mais recente que puder ser atendida pelo tribunal, e a que teria nessa data se não existissem danos”.
71) Ora, como a Demandada não alegou o valor patrimonial do veículo tal como estava antes do sinistro e sem este valor não conseguiu provar a exceção da onerosidade excessiva para poder ser atendida pelo tribunal, fica então a regra de reparar, pagando ao Demandante a indemnização necessária à reparação integral do veículo, independentemente, que seja muito mais oneroso para ela.
72) Neste mesmo sentido, pronunciou-se o Supremo Tribunal de Justiça no processo acima citado com o nº 06B4219 proferido em 04-12-2007:
1 - Em matéria da obrigação de indemnização por danos o princípio, a regra, é a restauração natural; a excepção é a indemnização por equivalente.
2 - Aplicando à situação as regras básicas do ónus da prova, ao Autor cabe a prova do princípio, à Ré cabe a prova da excepção.
3 - Ao autor, que viu o seu automóvel danificado em acidente de viação, cabe a prova do em quanto importa a sua reparação, restaurando in natura o veículo danificado; à Ré seguradora, que acha essa reparação excessivamente onerosa, cabe a prova disso mesmo - que a reparação é não apenas onerosa, mas excessivamente onerosa.
4 - Um dos pólos da determinação da excessiva onerosidade é o preço da reparação; o outro não é o valor venal do veículo mas o seu valor patrimonial, o valor que o veículo representa dentro do património do lesado.
5 - Se a ré seguradora quer beneficiar da excepção não lhe basta «encostar-se» ao valor venal; antes precisa de alegar e provar que o autor podia adquirir no mercado, e por que preço, um outro veículo que igualmente lhe satisfizesse as suas necessidades «danificadas». (Sublinhado nosso)
73) O valor reclamado a título de danos patrimoniais de €8.162,37 correspondente ao valor da reparação do veículo está perfeitamente enquadrável em relação à matéria dada como provada e a Jurisprudência em vigor.
74) Entende o Demandante que o acidente em apreço ficou a dever-se, única exclusivamente, por culpa da condutora do veículo segurado pela Demandada.
75) Por todo o exposto, não tendo a Demandada provada a excessiva onerosidade, como lhe competia, deve proceder ao pagamento da reparação do veículo do Demandante no valor de €8.162,37.
76) Dos danos não patrimoniais, O Demandante ora aqui Recorrente no seu Formulário de Reclamação reclamou da Demandada a título de indemnização por danos não patrimoniais decorrentes da ocorrência do acidente o valor de €1.500,00.
77) O Tribunal a quo entendeu que não tinha sido provada a factualidade alegada pelo demandante a título de danos não patrimoniais sofridos pelo Demandante aquando da ocorrência do acidente, o que não se concede.
78) Antes mais, decorrem dos pressupostos indispensáveis da responsabilidade civil e da obrigação de indemnizar, consagrados nos artigos 483º e seguintes e 562º e seguintes, do Código Civil, o lesante ou a seguradora responsável, deve reparar o dano de modo a colocar o lesado na situação que existiria se não tivesse ocorrido a lesão.
79) Como diz o Acórdão do Supremo Tribunal de Justiça proferido em 29-11-2005, no âmbito do processo SJ200511290031227, podendo ser consultado online em www.dgsi.pt, a mera privação do uso do veículo que impossibilita o seu proprietário de dele livremente dispor como definido no artigo 1305º, do Código Civil, é suscetível de indemnização pelo recurso à equidade.
80) Como se refere também no acórdão do Supremo Tribunal de Justiça proferido em 04-12-2003, nº SJ200312040030307, podendo ser consultado online em www.dgsi.pt, tão só utilizado o veículo para passear, a impossibilidade de dele dispor para esse efeito constitui dano de lazer e, enquanto tal, dano suscetível, quando prolongada essa impossibilidade, de merecer a tutela do direito, devendo ser compensada.
81) Cita-se ainda o acórdão do Supremo Tribunal de Justiça proferido em 07-02-2008 [ 4], que nos diz: constitui “princípio assente em direito, que a privação ilícita do uso de qualquer bem constitui um ano de que o lesado deve ser compensado…, a mera indisponibilidade de um veículo, independentemente de, da mesma, terem resultado para o lesado prejuízos económicos quantificados, é passível de indemnização, a calcular nos termos prescritos no art.º 566°,nº 3, do Código Civil, como, aliás, vem sendo sufragado na doutrina”.
82) O Supremo Tribunal de Justiça sustentou autoridade a esta interpretação também no acórdão proferido em 08-05.2013, no âmbito do processo nº 3036/04.9TBVLG.P1.S1, podendo ser consultado online em www.dgsi.pt, escrevendo: “Entende-se que a privação do uso de um veículo é, em si mesma, um dano indemnizável, desde logo por impedir o proprietário (ou, eventualmente, o titular de outro direito, diferente do direito de propriedade, mas que confira o direito a utilizá-lo) de exercer os poderes correspondentes ao seu direito (assim, por exemplo, os acórdãos deste Supremo Tribunal de 5 de Julho de 2007, www.dgsi.pt, proc, nº 07B1849, ou de 10de Setembro de 2009, já citado); e que o cálculo da correspondente indemnização, tal como se decidiu no acórdão recorrido, há-de ser efectuado com base na equidade, por não ser possível avaliar “o valor exacto dos danos” (nº 3 do artigo 566º do Código Civil)”. [Sublinhado nosso]
83) Sobre esta questão, atente as declarações de parte do Recorrente e o depoimento da Testemunha DD produzidos em sede de Audiência de julgamento e gravados em ficheiro de áudio com referência A-2024-1490-EP GMT 20250228-102923_Recording, impunha-se uma decisão diferente, daquela que foi tomada pelo Tribunal a quo.
84) Efetivamente, reforça-se o que foi acima dito, nas declarações de parte do Recorrente/Demandante supra descritos e com interesse para a decisão da indemnização dos danos patrimoniais, resultam nos minutos [00:01:31 a 00:01:39] que após o acidente, os primeiros três meses passou a ter de ir e vir do trabalho à boleia com os seus colegas, por não haver meios de transporte; nos minutos [00:30:12 a 00:30:28] [00:33:32] com a demora do processo, sem resposta concreta por parte do seguro sobre o SEAT ... e sem saber o que fazer, precisou urgentemente de um transporte; nos minutos [00:02:24 a 00:02:33] [00:02:36 a 00:02:36] Após os três meses que andou à boleia, não gastou os €8.162,37 na reparação da viatura, optou por adquirir um veículo da marca SEAT ... pelo valor de €11.000,00.
85) Conclua-se ainda do depoimento da Testemunha DD acima descritos nos minutos [00:55:09] [00:55:15 a 00:55:18] [00:55:22] que de forma clara, consistente e coerente corroborou as declarações de parte prestadas pelo Demandante/Recorrente e esclareceu ainda nos minutos [00:55:58 a 00:56:03] que o Demandante optou por não reparar a viatura, tendo sido difícil por ter de comprar a viatura com financiamento e depender da ajuda de familiares; e nos minutos [00:55:35 a 00:55:41] e [00:56:03] acima descritos que com o decorrer deste processo o Demandante sofreu de ansiedade e passou a ter uma situação financeira incerta.
86) Posto isto, duvidas não restam que o Demandante/Recorrente sofreu um dano não patrimonial decorrente dos transtornos e preocupações provocados, quer pela demora do processo, quer pela privação do uso da sua viatura da marca SEAT ... com matrícula ..-..-XN, durante os três primeiros meses após a ocorrência do sinistro até à compra do novo veículo, era único meio de transporte que possuía nas suas deslocações profissionais, pessoais e de família.
87) Assim, recorrendo à equidade ao abrigo do disposto no nº 2, do artigo 566º, do Código Civil, e atendendo ao conjunto das circunstâncias relativas à privação do uso do veículo, designadamente a falta que fez e a forma como foi substituído, em situação semelhante ao relator no Acórdão do Tribunal da Relação do Porto, proferido em 28-05-20, no âmbito do processo nº 289/19.1T8MCN.P1 podendo ser consultado online www.dgsi.pt, considerou que “Provado apenas que a A. ficou impedida de utilizar o único veículo - marca Volkswagen, modelo …, com matrícula do ano de 1992 --- de que dispunha para as suas deslocações profissionais e de lazer, e para idas ao médico, ao Banco e ao mercado, é equitativa a fixação da quantia de €10,00 por dia a título de indemnização pelos danos emergentes da paralisação do automóvel”.
88) Em boa verdade, este prejuízo apresenta, por um lado, um aspeto patrimonial uma vez que visa ressarcir um dano efetivo decorrente da impossibilidade de utilização do veículo e, por outro lado, apresenta um cariz não patrimonial na medida em que visa ainda compensar o Demandante pelos transtornos, perturbações e limitações que lhe advieram de não poder utilizar a sua viatura como antes, dependente da disponibilidade dos colegas de trabalho, conforme o Demandante referiu.
89) Além disso, o Demandante/Recorrente com a demora do processo de sinistro e a necessidade de adquirir novo veículo recorrendo ao financiamento, sofreu ansiedade conforme o Depoimento da Testemunha DD.
90) Em face do exposto, o Recorrente entende que o valor reclamado por danos não patrimoniais de €1.500,00 são perfeitamente enquadráveis em relação à prova produzida em sede de audiência de julgamento pelas declarações de parte do Demandante, pelo Depoimento da DD e a Jurisprudência em vigor.
91) Devendo ser fixada a indemnização por danos não patrimoniais em valor não inferior ao peticionado de €1.500,00.
92) Assim sendo, nos termos do disposto na alínea c), do nº 1, do artigo 640º, do CPC, os factos provados nos pontos 6 e 14 da douta sentença recorrida devem passar a constar da matéria dada como NÃO PROVADA, o que se requer, e o ponto 2 dos factos provados deve ser alterado de modo a passar a constar o seguinte teor: “Nos presentes autos foi possível apurar que o veículo automóvel do demandante e veículo segurado pela demandada colidiram entre si e que as circunstâncias concretas de facto e de direito em que ocorreu essa colisão nas quais resultaram danos no veículo do demandante, deveu-se única exclusivamente à manobra realizada pela condutora do veículo ..-NX-.., sem se certificar de que podia atravessar a via esquerda onde circulava o veículo ..-..-XN, com a necessária segurança”.
93) Devendo ainda ser aditado à Douta Sentença recorrida os seguintes factos como provados, dando cumprimento o ónus de impugnação previsto no artigo 640º, nº 1, alíneas a), b) e c) e nº 2, alínea a), do Código de Processo Civil:
a) “O acidente ocorreu na EN ... no sentido de ... em direção de ...”;
b) “Os dois condutores circulavam no mesmo sentido”;
c) “A outra viatura ia à frente do Demandante”;
d) “Não havia sinalização luminosa, nem sinalética”;
e) “Quando se deu o sinistro o Demandante circulava na via de ultrapassagem à esquerda”;
f) “A estrada é uma reta larga e com boa visibilidade”;
g) “É uma estrada nacional fora da povoação”;
h) “O veículo do Demandante circulava a uma velocidade não concretamente apurada, mas inferior a 70 km/h”;
i) “Quando o Demandante invadiu a faixa esquerda, a via encontrava-se livre”;
j) “Quando o Demandante já se encontrava completamente na via do lado esquerdo a ultrapassar uma viatura, a condutora da viatura à frente daquela que o Demandante/Recorrente estava a ultrapassar com matrícula ..-NX-.., colocou o pisca e virou logo à esquerda, atravessando-se no meio da faixa do lado esquerdo onde o Demandante já se encontrava a circular e foi aí que ocorreu o acidente”;
k) “A condutora pretendia aceder à entrada para os passadiços que se encontra na berma do outro lado da estrada”;
l) “A condutora cortou completamente a estrada à frente do Demandante e este não conseguiu travar a tempo e evitar o acidente”;
m) “O veículo ..-NX-.. embateu com a sua frente lateral, na frente lateral direito da viatura do Demandante, projetando a viatura deste que veio a imobilizar-se na berma”;
n) “O embate deu-se na via esquerda”;
o) “o veículo do Demandante se encontrava em bom estado de conservação interior e exterior, nunca pensou em vender o veículo, mas se tivesse de vender nunca poderia ser inferior a €6.000.00/€7.000,0”;
p) “os valores pesquisados na internet entre os €3.500,00 a €4.000,00 não tem em consideração o estado de conservação do veículo”;
q) “O Demandante ainda não reparou a viatura, mas tendo estima pela mesma por ter sido a sua primeira viatura, vem a este Tribunal pedir o valor da reparação de €8.162,37 para poder repará-la”;
r) “Após o acidente, os primeiros três meses passou a ter de ir e vir do trabalho à boleia com os seus colegas, por não haver meios de transporte”;
s) “Com a demora do processo, sem resposta concreta por parte do seguro sobre o SEAT ... e sem saber o que fazer, precisou urgentemente de um transporte”;
t) “Após os três meses que andou à boleia, não gastou os €8.162,37 na reparação da viatura, optou por adquirir um veículo da marca SEAT ... pelo valor de €11.000,00”;
u) “O Demandante optou por não reparar a viatura, tendo sido difícil por ter de comprar a viatura com financiamento e depender da ajuda de familiares”;
v) “Com o decorrer deste processo o Demandante sofreu de ansiedade e passou a ter uma situação financeira incerta”.
Conclui, assim, pela procedência do recurso nos termos acima peticionados e, consequentemente, ser revogada a sentença arbitral recorrida.
*
A Apelada apresentou contra-alegações, pugnando pela improcedência do recurso.
*
O recurso foi admitido como de apelação, a subir de imediato, em separado e com efeito meramente devolutivo.
No exame preliminar considerou-se nada obstar ao conhecimento do objecto do recurso.
Colhidos os vistos legais, cumpre decidir.
***
II - OBJECTO DO RECURSO
O objecto do recurso é delimitado pelas conclusões da alegação dos recorrentes, não podendo este tribunal conhecer de questões nelas não incluídas, salvo se forem de conhecimento oficioso (cf. artigos 635.º, n.º 4, 637.º, n.º 2, 1.ª parte, e 639.º, nºs 1 e 2, todos do Código de Processo Civil (CPCivil).
Assim, partindo das conclusões das alegações apresentadas pelo Apelante, as questões a decidir no presente recurso, são as seguintes:
a) Se existem razões válidas para modificar a decisão da matéria de facto, por erro de julgamento, nos termos pretendidos pelo Recorrente;
b) Se se justifica a alteração da solução jurídica dada ao caso pela 1.ª instância, de modo a concluir-se pela alteração dos valores fixados na sentença arbitral recorrida, designadamente:
- Alteração do cálculo de indemnização da perda do veículo, devendo-se atender ao valor patrimonial dentro do património do Recorrente e não ao valor venal;
- Fixação de indemnização a título de danos não patrimoniais no valor de €1.500,00
***
III - FUNDAMENTAÇÃO
1. OS FACTOS
1.1. Factos provados
O tribunal arbitral de que vem o recurso julgou provados os seguintes factos;
1) No dia 25-04-2024, pelas 11:00, na estrada nacional ..., km 15,000, na União de Freguesias ... e ..., em ..., ocorreu um acidente de viação em que foram intervenientes os veículos ligeiros de passageiros de matrícula ..-..-XN, propriedade e conduzido pelo demandante, e o de matrícula ..-NX-.., propriedade de BB e conduzido por CC, com responsabilidade civil transferida para a demandada mediante contrato de seguro titulado pela apólice n.' ...;
2) Nos presentes autos apenas foi possível apurar que o veículo automóvel do demandante e veículo segurado pela demandada colidiram entre si não se tendo logrado apurar as circunstâncias concretas de facto e de direito em que ocorreu essa colisão, resultando danos no veículo do demandante;
3) As versões das partes acerca das circunstâncias concretas de facto e direito em que ocorreu a colisão são totalmente opostas;
4) O veículo do demandante foi peritado pela empresa "B...", por ordem da demandada, com o recurso à aplicação "eurotax";
5) Da peritagem resultaram danos cuja reparação foi orçamentada em €8.162,37 com Iva incluído à taxa legal em vigor;
6) Não se justificava, técnica e economicamente, a reparação do veículo dado que o custo estimado para a sua reparação era superior ao valor do veículo à data do sinistro;
7) A demandada fixou o valor venal do veículo do demandante em €3.000,00;
8) A melhor proposta para aquisição do salvado do veículo do demandante foi apresentada pela empresa "C..., Lda." e no valor de €250,00;
9) A demandada notificou a demandante em 13-05-2024 da perda total do veículo em virtude de o custo estimado da reparação ultrapassar o seu valor venal e do valor da melhor proposta para aquisição do salvado;
10) A demandada declinou a responsabilidade pelo sinistro e comunicou por escrito a sua decisão ao demandante;
11) O demandante não aceitou a declaração de perda total do seu veículo;
12) O demandante não aceitou o valor venal fixado pela demandada ao seu veículo;
13) O demandante conservou o salvado na sua posse;
14) O valor venal do veículo automóvel do demandante à data do sinistro era de €3.000,00;
15) O valor do salvado à data do sinistro era de €250,00.
*
Não resultaram provados, com relevância para a decisão desta causa arbitral, os factos seguintes:
1) O sinistro provocou perturbação emocional e desgosto no demandante que se traduziu e ainda se traduz num sono inquieto e nervosismo.
2) Não existem outros factos, provados ou não provados, com relevância para esta sentença arbitrai.
*
1.2 - O Apelante pretende que este Tribunal reaprecie a decisão em relação a certos pontos da factualidade julgada provada (pontos 6 e 14, e a 2ª parte do ponto 2, da matéria de facto provada), tendo por base meios de prova que indica.
Dispõe o art. 662.º, n.º 1, do C. P. Civil, “a Relação deve alterar a decisão proferida sobre a matéria de facto, se os factos dados como assentes, a prova produzida ou um documento superveniente impuserem decisão diversa”.
À luz deste preceito, “fica claro que a Relação tem autonomia decisória, competindo-lhe formar e formular a sua própria convicção, mediante a reapreciação dos meios de prova indicados pelas partes ou daqueles que se mostrem acessíveis e com observância do princípio do dispositivo no que concerne à identificação dos pontos de discórdia”.
O Tribunal da Relação usa do princípio da livre apreciação da prova com a mesma amplitude de poderes da 1.ª instância, nos termos consagrados pelo art. 607.º, n.º 5, do C. P. Civil, sem olvidar, porém, os princípios da oralidade e da imediação.
A modificabilidade da decisão de facto é ainda susceptível de operar nas situações previstas nas diversas alíneas do n.º 2, do art. 662.º, do C. P. Civil.
*
1.3 - Do invocado erro de julgamento.
Pretende o Apelante que os factos provados de 6 e 14, e a parte final do ponto 2, da matéria de facto provada, sejam dados por não provados, tendo por base a prova que indica.
Pretende ainda que sejam aditados os seguintes factos como provados.
Aferida a transcrição da prova testemunhal e declarações de parte e restante prova no seu conjunto, pode-se dizer o seguinte:

Os factos em causa são:
2) Nos presentes autos apenas foi possível apurar que o veículo automóvel do demandante e veículo segurado pela demandada colidiram entre si não se tendo logrado apurar as circunstâncias concretas de facto e de direito em que ocorreu essa colisão, resultando danos no veículo do demandante.
Pretendendo o Recorrente que este ponto 2 dos factos provados deve ser alterado de modo a passar a constar o seguinte teor:
“Nos presentes autos foi possível apurar que o veículo automóvel do demandante e veículo segurado pela demandada colidiram entre si e que as circunstâncias concretas de facto e de direito em que ocorreu essa colisão nas quais resultaram danos no veículo do demandante, deveu-se única exclusivamente à manobra realizada pela condutora do veículo ..-NX-.., sem se certificar de que podia atravessar a via esquerda onde circulava o veículo ..-..-XN, com a necessária segurança”.

6) Não se justificava, técnica e economicamente, a reparação do veículo dado que o custo estimado para a sua reparação era superior ao valor do veículo à data do sinistro;
14) O valor venal do veículo automóvel do demandante à data do sinistro era de €3.000,00;

Pretende ainda que sejam aditados como provados os seguintes factos.
a) “O acidente ocorreu na EN ... no sentido de ... em direção de ...”;
b) “Os dois condutores circulavam no mesmo sentido”;
c) “A outra viatura ia à frente do Demandante”;
d) “Não havia sinalização luminosa, nem sinalética”;
e) “Quando se deu o sinistro o Demandante circulava na via de ultrapassagem à esquer-da”;
f) “A estrada é uma reta larga e com boa visibilidade”;
g) “É uma estrada nacional fora da povoação”;
h) “O veículo do Demandante circulava a uma velocidade não concretamente apurada, mas inferior a 70 km/h”;
i) “Quando o Demandante invadiu a faixa esquerda, a via encontrava-se livre”;
j) “Quando o Demandante já se encontrava completamente na via do lado esquerdo a ultrapassar uma viatura, a condutora da viatura à frente daquela que o Demandante/Recorrente estava a ultrapassar com matrícula ..-NX-.., colocou o pisca e virou logo à esquerda, atraves-sando-se no meio da faixa do lado esquerdo onde o Demandante já se encontrava a circular e foi aí que ocorreu o acidente”;
k) “A condutora pretendia aceder à entrada para os passadiços que se encontra na ber-ma do outro lado da estrada”;
l) “A condutora cortou completamente a estrada à frente do Demandante e este não conseguiu travar a tempo e evitar o acidente”;
m) “O veículo ..-NX-.. embateu com a sua frente lateral, na frente lateral direito da viatu-ra do Demandante, projetando a viatura deste que veio a imobilizar-se na berma”;
n) “O embate deu-se na via esquerda”;
o) “o veículo do Demandante se encontrava em bom estado de conservação interior e exterior, nunca pensou em vender o veículo, mas se tivesse de vender nunca poderia ser inferior a €6.000.00/€7.000,00”;
p) “os valores pesquisados na internet entre os €3.500,00 a €4.000,00 não tem em con-sideração o estado de conservação do veículo”;
q) “O Demandante ainda não reparou a viatura, mas tendo estima pela mesma por ter sido a sua primeira viatura, vem a este Tribunal pedir o valor da reparação de €8.162,37 para poder repará-la”;
r) “Após o acidente, os primeiros três meses passou a ter de ir e vir do trabalho à boleia com os seus colegas, por não haver meios de transporte”;
s) “Com a demora do processo, sem resposta concreta por parte do seguro sobre o SEAT ... e sem saber o que fazer, precisou urgentemente de um transporte”;
t) “Após os três meses que andou à boleia, não gastou os €8.162,37 na reparação da via-tura, optou por adquirir um veículo da marca SEAT ... pelo valor de €11.000,00”;
u) “O Demandante optou por não reparar a viatura, tendo sido difícil por ter de comprar a viatura com financiamento e depender da ajuda de familiares”;
v) “Com o decorrer deste processo o Demandante sofreu de ansiedade e passou a ter uma situação financeira incerta”.

O Tribunal recorrido sobre a convicção referiu o seguinte:
“Quanto aos factos n.°s 2-3 pela declaração amigável de acidente automóvel junta com a reclamação inicial, pelas declarações de parte prestadas pelo demandante, pelo depoimento da testemunha DD e pela participação de acidente de viação da GNR;
O depoimento da testemunha DD, companheira do demandante, limitou-se a depor quanto aos danos que alega ter sofrido, remetendo, inclusivamente, para os documentos que lhe dizem respeito que se encontram nos autos. Situação que este tribunal arbitral considera inusitada na medida em que é testemunha e não parte na ação arbitral.”

Quanto ao facto 2 parte final que o Recorrente pretende ver alterado, bem como os factos de a) a n) que pretende sejam aditados aos factos provados, os mesmos serão apreciados em conjunto, atento o facto de dizerem respeito às circunstâncias em que ocorreu o acidente.
Compulsada a participação do acidente, designadamente as declarações de ambos os condutores dos veículos, constata-se que ambos têm uma versão oposta do mesmo quanto à questão da sinalização com o pisca.
Com efeito, o aqui recorrente refere “Vinha a ultrapassar um veículo, quando o veículo interveniente começou a ultrapassar um outro veículo não reparando pelo retrovisor que eu já vinha a ultrapassar dando-se o acidente.”
Por sua vez a condutora do outro veículo segurado na Apelada, refere “logo após os semáforos fiz o pisca para virar para os passadiços de ..., olhei para virar, ninguém vinha a ultrapassar, virei para onde queria e ir e um senhor a ultrapassar a viatura que vinha atrás de mim e bateu na minha viatura.”
Na declaração amigável de acidente automóvel junta com a reclamação inicial o Recorrente diz:
“Iniciei uma ultrapassagem. Ao ultrapassar um 1º veículo, deparei-me com um 2º veículo (B) com sinal pisca para a esquerda, do qual mudou repentinamente de faixa da direita para a esquerda, sem se certificar previamente da segurança de tal manobra. Tentei escapar para a berma da faixa esquerda, sem sucesso, dado que ela pretendia estacionar nessa mesma berma, junto aos passadiços.”

Por sua vez Recorrente em declarações de parte em audiência de julgamento refere:
[00:07:03] AA: Portanto quando eu estava a realizar a ultrapassagem e já estava na via do lado esquerdo, ou seja, estava a ultrapassar uma viatura que estava à minha frente e quando eu estava já na faixa para ultrapassar da esquerda no sentido oposto, estava a ultrapassar e já estava exatamente completamente na via da esquerda, que era o sentido oposto exatamente isso... e aí foi aí que a viatura tivemos o acidente, que estava à frente, ou seja, eu ia ultrapassar uma viatura que reparei que a viatura à frente da viatura que eu estava a ultrapassar meteu um pisca aquilo é tudo muito rápido e virou à esquerda atravessou-se no meio da minha faixa, no meio da faixa do lado esquerdo.
[00:08:20] Advogada: Portanto quando ela ligou o pisca o senhor já se encontrava a circular nessa mesma via da ultrapassagem a esquerda.
[00:08:28] AA: Sim.
[00:08:30] Advogada: Neste momento quando ela ligou o sinal luminoso, portanto, como está a dizer o pisca à esquerda, portanto foi súbito naquele momento não se apercebeu antes? Foi só naquele momento que ela ligou o pisca?
[00:08:50] AA: Isso eu não posso dar, porque quando eu estava atrás e iniciei a ultrapassagem pronto eu reparei pronto que o pisca estava ligado já quando eu estava na, a fazer a ultrapassagem. Pronto, depois daí ao estar na via do lado esquerdo são décimos de segundo, milésimos e deu-se o acidente.
Por sua vez a testemunha DD refere em audiência de julgamento:
[00:41:35] Meritíssimo Juiz: Mas a senhora viu o outro veículo a dar o pisca?
[00:41:38] DD: No momento em que ele estava a ultrapassar o primeiro veículo.
[00:41:42] Meritíssimo Juiz: Então a manobra de viragem do carro onde o senhor AA embateu, ou o carro do senhor AA embateu a senhora viu que o carro já estava com o sinal de pisca a funcionar? Ou seja já era visível?
[00:42:02] DD: Eu estava a ultrapassar o primeiro veículo foi quando eu vi o pisca do veículo... e foi aí que a condutora subitamente virou para a faixa do lado esquerdo o AA fez o movimento de desvio mas infelizmente o embate deu-se e projetou o Seat ... para a berma da faixa de rodagem do lado esquerdo
[00:49:40] Advogada: Quando a pessoa diz não viu é porque estava distraída ou não viu porque não havia pisca? É essa situação que eu quero esclarecer o não viu como está a ser interpretado.
[00:49:55] DD: Não vi quando estávamos atrás para ir ultrapassar não vi o pisca.
[00:49:59] Advogada: Não viu porquê? Porque estava distraída ou porque não havia?
[00:50:02] DD: Não vi. Não vi.
[00:50:08] Advogada: Portanto não sabe se havia já o pisca?
[00:50:10] DD: Não, não vi. Só vi no momento da ultrapassagem o pisca do lado esquerdo.
[00:50:25] Meritíssimo Juiz: D. DD mas não sabe dizer se sabe ou não sabe se o pisca já estava ativado?
[00:50:26] DD: Eu não vi antes o pisca.
[00:50:34] Meritíssimo Juiz: Dra. CC permita-me. D. DD a senhora vai do lado do passageiro, a senhora não sabe antes do início da ultrapassagem se o carro com quem colidiram já tinha o pisca acionado correto?
[00:50:55] DD: Correto, eu não vi o pisca acionado.
Das declarações prestadas pelos intervenientes no acidente decorre que ambos reconhecem ter sido dado sinal de pisca de mudança de direcção pelo veículo segurado na Ré, só que o recorrente invoca que tal sinal de mudança de direcção foi dado já quando ele se encontrava na via da esquerda e a ultrapassar o outro veículo que seguia o veículo ..-NX-.. segurado na Ré, referindo o Recorrente na declaração amigável “Ao ultrapassar um 1º veículo, deparei-me com um 2º veículo (B) com sinal pisca para a esquerda, do qual mudou repentinamente de faixa da direita para a esquerda”.
Ora, pese a condutora do veículo ..-NX-.. referir “logo após os semáforos fiz o pisca para virar para os passadiços de ..., olhei para virar, ninguém vinha a ultrapassar, virei para onde queria e ir e um senhor a ultrapassar a viatura que vinha atrás de mim e bateu na minha viatura”, afigura-se ao Tribunal, face ao conjunto de toda a prova produzida, que a versão trazida aos autos pelo Recorrente será a mais correcta e mais aproximada da verdade dos factos.
Como sabemos, movemo-nos no domínio do que a doutrina considera como standard de prova ou critério da suficiência da prova, que se traduz numa regra de decisão indicadora do nível mínimo de corroboração de uma hipótese para que esta possa considerar-se provada, ou seja, possa ser aceite como verdadeira, vide LUÍS FILIPE PIRES DE SOUSA, O Standard de Prova no Processo Civil e no Processo Penal, janeiro de 2017, acessível em http://www.trl.mj.pt/PDF/O%20standard%20de%20prova%202017.pdf.
O standard que opera no processo civil é o da probabilidade prevalecente ou “mais provável que não”. Este standard consubstancia-se em duas regras fundamentais:
(i) Entre as várias hipóteses de facto deve preferir-se e considerar-se como verdadeira aquela que conte com um grau de confirmação relativamente maior face às demais;
(ii) Deve preferir-se aquela hipótese que seja “mais provável que não”, ou seja, aquela hipótese que é mais provável que seja verdadeira do que seja falsa.
Em primeiro lugar, este critério da probabilidade lógica prevalecente – insiste-se – não se reporta à probabilidade como frequência estatística, mas sim como grau de confirmação lógica que um enunciado obtém a partir das provas disponíveis.
Em segundo lugar, o que o standard preconiza é que, quando sobre um facto existam provas contraditórias, o julgador deve sopesar as probabilidades das diferentes versões para eleger o enunciado que pareça ser relativamente “mais provável”, tendo em conta os meios de prova disponíveis. Dito de outra forma, deve escolher-se a hipótese que receba apoio relativa-mente maior dos elementos de prova conjuntamente disponíveis.
In casu, temos que o Recorrente quando iniciou a manobra da ultrapassagem não havia nenhum veículo a ocupar a faixa da esquerda e quando já se encontrava a ultrapassar o veículo que seguia o segurado na recorrida é que é confrontado pelo accionamento do pisca desta viatura e mudança repentina de direcção, não sendo despiciendo o embate dar-se com a frente esquerda do veículo ..-NX-.., ou seja, não foi no meio, mas sim com a frente esquerda.
Assim somos levados a concluir ser de alterar o ponto 2 dos factos provados, o qual fica a constar com os factos que o Recorrente pretende dever aditados, ou seja:
a) “O acidente ocorreu na EN ... no sentido de ... em direção de ...”;
b) “Os dois condutores circulavam no mesmo sentido”;
c) “A outra viatura ia à frente do Demandante”;
d) “Não havia sinalização luminosa, nem sinalética”;
e) “Quando se deu o sinistro o Demandante circulava na via de ultrapassagem à esquer-da”;
f) “A estrada é uma reta larga e com boa visibilidade”;
g) “É uma estrada nacional fora da povoação”;
h) “O veículo do Demandante circulava a uma velocidade não concretamente apurada, mas inferior a 70 km/h”;
i) “Quando o Demandante invadiu a faixa esquerda, a via encontrava-se livre”;
j) “Quando o Demandante já se encontrava completamente na via do lado esquerdo a ultrapassar uma viatura, a condutora da viatura à frente daquela que o Demandante/Recorrente estava a ultrapassar com matrícula ..-NX-.., colocou o pisca e virou logo à esquerda, atraves-sando-se no meio da faixa do lado esquerdo onde o Demandante já se encontrava a circular e foi aí que ocorreu o acidente”;
k) “A condutora pretendia aceder à entrada para os passadiços que se encontra na ber-ma do outro lado da estrada”;
l) “A condutora cortou completamente a estrada à frente do Demandante e este não conseguiu travar a tempo e evitar o acidente”;
m) “O veículo ..-NX-.. embateu com a sua frente lateral, na frente lateral direito da viatu-ra do Demandante, projetando a viatura deste que veio a imobilizar-se na berma”;
n) “O embate deu-se na via esquerda”;

Quanto aos factos provados 6 e 14, cabe dizer o seguinte.
O Tribunal recorrido considerou:
- “Quanto aos factos n.°s 4-6 pelo relatório de peritagem patrimonial da empresa "B...";
- “Quanto ao facto n.° 14 pela consulta dos portais na internet de empresas de compra e venda de automóveis.”

Os factos em causa devem ser objecto de apreciação em conjunto, porquanto se encontram interrelacionados, atenta a sua redacção:
Facto 6 “Não se justificava, técnica e economicamente, a reparação do veículo dado que o custo estimado para a sua reparação era superior ao valor do veículo à data do sinistro”.
Facto 14) “O valor venal do veículo automóvel do demandante à data do sinistro era de €3.000,00”

Relativamente ao facto 6 considera-se que o mesmo é conclusivo, cuja matéria deve ser aferida na análise jurídica perante os factos apurado.
Com efeito, segue-se o entendimento “não obstante subscrevermos uma maior liberdade introduzida pelo legislador no novo (atual) Código de Processo Civil, entendemos que não constituem factos a considerar provados na sentença nos termos do disposto nos n.ºs 3 e 4 do artigo 607º do Código de Processo Civil os que contenham apenas formulações absolutamente genéricas e conclusivas, não devendo também constituir “factos provados” para esse efeito as afirmações que “numa pura petição de princípio assimile a causa de pedir e o pedido”…
De facto, se a opção legislativa tem subjacente a possibilidade de com maior maleabilidade se fazer o cruzamento entre a matéria de facto e a matéria de direito, tanto mais que agora ambos (decisão da matéria de facto e da matéria de direito) se agregam no mesmo momento, a elaboração da sentença, tal não pode significar que seja admissível a “assimilação entre o julgamento da matéria de facto e o da matéria de direito ou que seja possível, através de uma afirmação de pendor estritamente jurídico, superar os aspetos que dependem da decisão da matéria de facto”. Acórdão da Relação de Guimarães de 11.11.2021 (671/20.1T8BGC.G1), relatado por Raquel Batista Tavares, in www.dgsi.pt.
Assim, é de eliminar tal facto.
*
Relativamente ao facto 14), compulsado o documento da empresa B... do mesmo decorre que o valor da reparação é do veículo seria no valor de €8.162,37 e quanto a esta parte não está posta em causa que outro fosse o valor da reparação.
E nas declarações de parte o próprio Recorrente reconhece:
[00:26:47] AA: A frente sim ficou assim um bocadinho destruída. E os airbags também saíram.”
[00:26:58] Advogado: O senhor levou o carro a uma oficina para saber quanto é que era a reparação e o que é que eles disseram na oficina? Não lhe disseram a si ao senhor que era uma perda total? Que aquele carro não era economicamente viável fazer a reparação do veículo? Não lhe disseram isso?
[00:27:28] AA: Sim, pelo preço pronto pelo valor comercial digamos assim do carro e com a idade que ele tem sim o arranjo é capaz de sair um bocadinho acima do valor comercial dele.
[00:27:44] Meritíssimo Juiz: O que é um bocadinho Sr. AA? Quanto é que vale o seu carro para si o seu carro se não tivesse tido o embate quanto é que valeria para si o carro?
[00:27:55] AA: É assim numa pesquisa devem estar aí nos 3.500, 4.000 euros talvez.
[00:28:04] Meritíssimo Juiz: Então repare o senhor considera que o seu carro vale 3.500 euros, ou 4.000 euros certo, a reparação são 8.162,37€ ou seja é mais do dobro daquilo que o senhor me está a dizer e o senhor considera que é economicamente viável um carro que vale 3500 ou 4000€ ser reparado? Pelo dobro do valor de mercado?
[00:28:34] AA: É assim eu tenho um bocado de estima pelo carro. Foi o meu primeiro carro.”
[00:28:40] Meritíssimo Juiz: Não lhe perguntei a questão da estima porque a questão da estima nem sequer foi alegada aqui. O senhor o que pede neste tribunal é o valor da reparação. E eu tenho que decidir se a reparação é viável ou não, primeiro tenho de decidir a questão da responsabilidade depois tenho de decidir a questão da reparação mas quanto à reparação o senhor pede, inicialmente pedia o valor de 3.500 euros, depois o senhor desiste desse pedido e vem pedir o valor da reparação que são 8.162,37€ e que lhe pergunto em consciência é se para si um carro que vale 3500 ou 4000 euros porque é que o senhor vem a este tribunal pedir o valor da reparação de 8.162,37€?
[00:29:27] AA: Para ver se o arranjava.
Do exposto decorre que o próprio recorrente reconhece que o veículo valia entre €3.500,00 e €4.000,00, sendo que no formulário de reclamação reclamava o valor de reparação de €3.500,00 por corresponder “valor correspondente ao valor venal do veículo antes do acidente”, muito longe dos €8.162,37 necessários para a reparação, tenho o Tribunal arbitral fixado o valor em €3.000,00 com base no recurso à consulta dos portais na internet de empresas de compra e venda de automóveis.
O recorrente insurge-se pelo facto da decisão recorrida ter recorrido aos portais da internet, o que não permitiu ao Recorrente a possibilidade o seu direito de contraditório, mas não lhe assiste razão.
Com efeito, nos termos do artº 411º do CPC cabe ao juiz realizar ou ordenar, mesmo oficiosamente, todas as diligências necessárias ao apuramento da verdade e à justa composição do litígio, pelo que tendo recorrido a portais da internet para fixar o valor venal do veículo encontra-se dentro dos seus poderes de apuramento da verdade, tanto mais que as partes já se tinham pronunciado sobre o valor do veículo.
O veículo do Recorrente é um veículo ligeiro, Seat ..., a gasóleo, de cilindrada de 1.422cm3, sendo a matrícula de 2004, conforme livrete do veículo junto aos autos com o formulário de reclamação.
Ora, fazendo apelo aos portais da internet sobre o valor do veículo em causa, designadamente D... e E..., o valor varia entre €1.800,00 e €3.200,00, pelo que se tem de considerar por acertado o valor de €3.000,00 fixado, sendo certo que o mesmo não difere do valor venal fixado pela R. e estando próximo dos €3.500,00 que o Recorrente inicialmente indicou e referiu nas suas declarações de parte.
Assim, tem de se considerar que a decisão recorrida fixou o valor com equilíbrio de interesses em jogo, com critério de objectividade suficiente e com uma relação equidistância e imparcialidade.
Assim, improcede a impugnação de tal facto

Pretende ainda o Recorrente que se dê por provados os factos relativos a danos patrimoniais e não patrimoniais e identificados de o) a u).
Começando pelos danos não patrimoniais, constata-se que a matéria sob as alíneas u) e v) que o Recorrente pretende aditar e dar por provada não foi alegada pelo Recorrente no formulário de reclamação, pelo que sendo matéria nova não pode ser nesta sede ser dada por provada.
Com efeito, o que foi alegado no formulário de reclamação junto do tribunal arbitral foi a matéria o constante do facto 1) dado por não provado, facto este que não foi impugnado em sede de recurso, pelo que nada há a alterar nesta parte.
Assim sendo, improcede a impugnação para aditar os factos sob as alíneas u) e v).

Igualmente se constata que no formulário de reclamação não consta a matéria que o Recorrente pretende agora aditar sob as alíneas o) a t) do recurso da matéria de facto, pelo que constituindo matéria nova nada há aditar.
Com efeito, o que foi alegado foi que “Seja ressarcido do valor da reparação da viatura modelo SEAT ... com matrícula ..-..-XN indicado no orçamento emitido pela Auto EurotaxGLASS´s em 06-05-2024 de €8.162,37, correspondente ao fornecimento de peças e mão de obra a título de danos patrimoniais…”
A propósito atente-se que nos termos do artº Artigo 33.º, nº 2, da 63/2011, de 14 de dezembro– Lei da Arbitragem Voluntária, “Nos prazos convencionados pelas partes ou fixados pelo tribunal arbitral, o demandante apresenta a sua petição, em que enuncia o seu pedido e os factos em que este se baseia, e o demandado apresenta a sua contestação, em que explana a sua defesa relativamente àqueles, salvo se tiver sido outra a convenção das partes quanto aos elementos a figurar naquelas peças escritas. As partes podem fazer acompanhar as referidas peças escritas de quaisquer documentos que julguem pertinentes e mencionar nelas documentos ou outros meios de prova que venham a apresentar.”
E nos termos do Artigo 35.º, nº 1 da citada Lei - Omissões e faltas de qualquer das partes “Se o demandante não apresentar a sua petição em conformidade com o n.º 2 do artigo 33.º, o tribunal arbitral põe termo ao processo arbitral.”
Ora, o Recorrente não alegou quaisquer dos factos na petição inicial que agora pretende serem aditados, pelo que é de indeferir a pretensão ora formulada em sede de recurso quando não alegou tais factos em sede do tribunal arbitral, constituindo os mesmos factos novos a não apreciar em sede de recurso.
Assim, como sobre a apreciação do valor do veículo, já acima, na análise do ponto 14 dos factos provados, se expendeu as considerações necessárias e pertinentes sobre tal matéria, nada mais há a acrescentar.
Assim sendo, improcede o pedido de aditamento aos factos provados dos pontos o) a t) da impugnação da matéria de facto.

1.4 - Síntese conclusiva:
Elimina-se o ponto 6 dos factos provados por conclusivo.
Altera-se o ponto 2 dos factos provados, o qual fica a constar com a seguinte redacção:
a) “O acidente ocorreu na EN ... no sentido de ... em direção de ...”;
b) “Os dois condutores circulavam no mesmo sentido”;
c) “A outra viatura ia à frente do Demandante”;
d) “Não havia sinalização luminosa, nem sinalética”;
e) “Quando se deu o sinistro o Demandante circulava na via de ultrapassagem à esquerda”;
f) “A estrada é uma reta larga e com boa visibilidade”;
g) “É uma estrada nacional fora da povoação”;
h) “O veículo do Demandante circulava a uma velocidade não concretamente apurada, mas inferior a 70 km/h”;
i) “Quando o Demandante invadiu a faixa esquerda, a via encontrava-se livre”;
j) “Quando o Demandante já se encontrava completamente na via do lado esquerdo a ultrapassar uma viatura, a condutora da viatura à frente daquela que o Demandante/Recorrente estava a ultrapassar com matrícula ..-NX-.., colocou o pisca e virou logo à esquerda, atravessando-se no meio da faixa do lado esquerdo onde o Demandante já se encontrava a circular e foi aí que ocorreu o acidente”;
k) “A condutora pretendia aceder à entrada para os passadiços que se encontra na berma do outro lado da estrada”;
l) “A condutora cortou completamente a estrada à frente do Demandante e este não conseguiu travar a tempo e evitar o acidente”;
m) “O veículo ..-NX-.. embateu com a sua frente lateral, na frente lateral direito da viatura do Demandante, projetando a viatura deste que veio a imobilizar-se na berma”;
n) “O embate deu-se na via esquerda”;
***
2 - OS FACTOS E O DIREITO.

Da culpa do acidente:

Aquele que com dolo ou mera culpa, violar ilicitamente o direito de outrem ou qualquer disposição legal destinada a proteger interesses alheios fica obrigado a indemnizar o lesado pelos danos resultantes da violação - artº 483º, nº 1, do C. Civil, diploma referido sempre que não haja alusão a outro -.
São, destarte, pressupostos do dever indemnizatório:
a) Violação de um direito ou interesse alheio;
b) Ilicitude;
c) Vínculo de imputação do facto ao agente;
d) Dano;
e) Nexo de causalidade entre o facto e o dano - Cfr. Prof. A. Varela, apud., Obrigações, 356.
Que houve violação do direito da A. é apodíctico, pelo que tal não merecerá análise mais detalhada.
Nesta rubrica, curaremos, assim e apenas, da ilicitude e do nexo de imputação do facto ao agente, ou seja, da infracção e da culpa, reservando para o espaço seguinte, o dano e o nexo de causalidade entre o facto e o dano.

A ilicitude é sempre algo contrário ao direito - Cfr. Prof. Pessoa Jorge - apud, Pressupostos, 61. Integram-na, por isso, todos e quaisquer actos ou omissões, que violem disposições da lei, do interesse e ordens públicas, ou normativos destinados a proteger interesses de terceiros.
Ilícito é o acto que contraria o disposto na lei, traduzindo-se no incumprimento de um dever por ela imposto ou consubstanciando uma prática por ela proibida, vide Ana Prata, in - Dicionário Jurídico, 2ª edição, Almedina, pág. 299.
*
E quanto à culpa? É ao lesado que incumbe provar a culpa do autor da lesão, salvo havendo presunção legal de culpa, artº 487º, nº 1.
A culpa consiste na omissão reprovável de um dever de diligência que é de aferir em abstracto pela diligência de um bom pai de família, como dispõe o artº 487º, nº 2.
Não interessa a diligência que o lesante costuma usar. Interessa, sim, compará-la com a diligência do homem médio, do ponto de vista deontológico que é um padrão ideal, isento de defeitos de actuação tão frequentes no homem comum - cfr. neste sentido, entre outros, Oliveira Matos, apud, Acidentes de Viação, pág. 339. Por outras palavras, é o nexo de imputação ético-jurídico que liga o facto jurídico ilícito à vontade do agente, ou seja, a actuação deficiente, censurável, reprovável, abstraindo da pessoa do destinatário do dever violado - cfr. entre outros Prof. A. Varela, Rev. Legislação e Jurisprudência ano 102º/60.
Ora, na condução de veículos automóveis deve o agente usar o cuidado, a serenidade e presença de espírito de um condutor hábil.

Nos autos está em causa uma manobra de ultrapassagem do veículo do Recorrente e uma mudança de direcção do veículo seguro na Recorrida.
Sobre a ultrapassagem dispõe o artº Artigo 38.º do C. Estrada.
Realização da manobra
1 - O condutor de veículo não deve iniciar a ultrapassagem sem se certificar de que a pode realizar sem perigo de colidir com veículo que transite no mesmo sentido ou em sentido contrário.
2 - O condutor deve, especialmente, certificar-se de que:
a) A faixa de rodagem se encontra livre na extensão e largura necessárias à realização da manobra com segurança;
b) Pode retomar a direita sem perigo para aqueles que aí transitam;
c) Nenhum condutor que siga na mesma via ou na que se situa imediatamente à esquerda iniciou manobra para o ultrapassar;
d) O condutor que o antecede na mesma via não assinalou a intenção de ultrapassar um terceiro veículo ou de contornar um obstáculo;
e) Na ultrapassagem de velocípedes ou à passagem de peões que circulem ou se encontrem na berma, guarda a distância lateral mínima de 1,5 m e abranda a velocidade.
3 - Para a realização da manobra, o condutor deve ocupar o lado da faixa de rodagem destinado à circulação em sentido contrário ou, se existir mais que uma via de trânsito no mesmo sentido, a via de trânsito à esquerda daquela em que circula o veículo ultrapassado.
4 - O condutor deve retomar a direita logo que conclua a manobra e o possa fazer sem perigo.
5 - Quem infringir o disposto nos números anteriores é sancionado com coima de (euro) 120 a (euro) 600.

Sobre a sinalização de manobras, dispõe o Artigo 21.º do C. da Estrada:
1 - Quando o condutor pretender reduzir a velocidade, parar, estacionar, mudar de direção ou de via de trânsito, iniciar uma ultrapassagem ou inverter o sentido de marcha, deve assinalar com a necessária antecedência a sua intenção.
2 - O sinal deve manter-se enquanto se efetua a manobra e cessar logo que ela esteja concluída.

E estatui o Artº 44º do C. Estrada - Mudança de direção para a esquerda
1 - O condutor que pretenda mudar de direção para a esquerda deve aproximar-se, com a necessária antecedência e o mais possível, do limite esquerdo da faixa de rodagem ou do eixo desta, consoante a via esteja afeta a um ou a ambos os sentidos de trânsito, e efetuar a manobra de modo a entrar na via que pretende tomar pelo lado destinado ao seu sentido de circulação.
2 - Se tanto na via que vai abandonar como naquela em que vai entrar o trânsito se processa nos dois sentidos, o condutor deve efetuar a manobra de modo a dar a esquerda ao centro de intersecção das duas vias.

No caso sub-judice foi dado por provado, ente outros, que:
- Quando se deu o sinistro o Demandante circulava na via de ultrapassagem à esquerda;
- Quando o Demandante invadiu a faixa esquerda, a via encontrava-se livre;
- Quando o Demandante já se encontrava completamente na via do lado esquerdo a ultrapassar uma viatura, a condutora da viatura à frente daquela que o Demandante/Recorrente estava a ultrapassar com matrícula ..-NX-.., colocou o pisca e virou logo à esquerda, atravessando-se no meio da faixa do lado esquerdo onde o Demandante já se encontrava a circular e foi aí que ocorreu o acidente;
- A condutora cortou completamente a estrada à frente do Demandante e este não conseguiu travar a tempo e evitar o acidente;
- O embate deu-se na via esquerda.

Do exposto resulta que o veículo ..-NX-.. violou o disposto nos artº 21º, nº 1 e artº 44º, nº 1, do C. da Estrada.
Assim, é fácil concluir, como, aliás, se conclui, que o condutor do veículo ..-NX-.. violou as citadas disposições legais e respectivas normas imperativas, preenchendo o requisito da ilicitude e da culpa, omitindo um dever de diligência e cuidado na mudança de direcção, tendo sido o causador exclusivo do acidente.
***
" Quantum " indemnizatório.
Quem estiver obrigado a reparar um dano deve reconstituir a situação que existiria se não se tivesse verificado o evento que obriga à reparação, artº 562º. É o que se designa pelo princípio da reparação "in pristinum".
A obrigação de indemnização só existe, no entanto, em relação aos danos que os lesados provavelmente não teriam sofrido se não fosse a lesão, artº 563º. É o que se chama de causalidade adequada. Quer dizer que o facto que actuou como condição do dano só deixará de ser considerado como causa adequada se, dada a sua natureza geral, se mostrar de todo em todo, indiferente para a verificação do dano, tendo-o provocado só por virtude de circunstâncias excepcionais, anormais, extraordinárias ou anómalas que, no caso concreto se registarem - Cfr. Prof. A. Varela, " Das Obrigações em Geral" 1ª ed., 651 e 659.
Dentro dos danos temos os não patrimoniais e os patrimoniais.

Danos não patrimoniais são aqueles cujos prejuízos são insusceptíveis de avaliação pecuniária, porque atingem bens que não integram o património do lesado (ex. a vida, a saúde, a liberdade, a beleza).
Aliás, pode-se dizer que estes danos não atingem o património do lesado, a obrigação de os ressarcir tem mais uma natureza compensatória do que indemnizatória.
Com efeito, em quanto, em termos de dinheiro, se pode avaliar a vida, as dores físicas, o desgosto, uma cicatriz que desfeia? O dano de cálculo não tem aqui aplicação, pelo que a lei (artº 496º, nº 1,) fez apelo a uma fórmula genérica, mandando atender só àqueles danos não patrimoniais que pela sua tutela mereçam a tutela do direito.
Segundo o prof. Antunes Varela, in - Das Obrigações em geral, 1º, pág. 628, 9ª edição - a gravidade deve ser apreciada objectivamente.
Quanto à fixação do montante indemnizatório por estes danos a lei remete para juízos de equidade, haja culpa ou dolo, cfr. artº 496º, nº 3, tendo em atenção os factores referidos no artº 494º (grau de culpabilidade do agente, situação económica deste e do lesado e quaisquer outras circunstâncias).
Entre “as quaisquer outras circunstâncias” referidas no artº 494º, costumam a doutrina e a jurisprudência apontar a idade e sexo da vítima, a natureza das suas actividades, as incidências financeiras reais, possibilidades de melhoramento, de reeducação e de reclassificação.

No que diz respeito aos danos não patrimoniais sofrido pelo Recorrente este não logrou provar os danos não patrimoniais sofridos, como decorre dos factos não provados em 1).
Assim sendo, improcede o recurso quanto a estes danos.
*
Relativamente aos restantes danos patrimoniais.
O dever de indemnizar compreende não só o prejuízo causado como os benefícios que o lesado deixou de obter na sequência da lesão, artº 564º. É o que se designa por danos emergentes e lucros cessantes.
A indemnização é fixada em dinheiro sempre que a reconstituição natural não seja possível, não repare integralmente os danos, ou seja excessivamente onerosa para o devedor, artº 566º, nº 1.
Tal indemnização pecuniária tem como medida a diferença entre a situação patrimonial do lesado na data mais recente que puder ser atendida pelo Tribunal e a que teria nessa data se não existissem danos, artº 566º, nº 2. Flui do exposto que este artigo prescreve uma avaliação concreta e não abstracta do dano - Cfr. Prof. A. Varela, apud, " Das Obrigações " 663.
Relativamente aos danos sofridos pelo Recorrente temos que o veículo automóvel sofreu danos no valor orçamentado de €8.162,37 com Iva incluído à taxa legal em vigor.
Sucede que o valor venal do veículo automóvel do demandante à data do sinistro era de €3.000,00, sendo o valor do salvado à data do sinistro de €250,00.
A decisão recorrida considerou estarmos perante uma situação de perda total do veículo, tal como pugnado pela Recorrida, estribando-se no artº 41, do Decreto-Lei n.°291/2007, de 21/08, ou seja, teve em atenção o valor de €3.000,00 com dedução dos €250,00.
O citado Artigo 41.º dispõe:
Perda total
1 - Entende-se que um veículo interveniente num acidente se considera em situação de perda total, na qual a obrigação de indemnização é cumprida em dinheiro e não através da reparação do veículo, quando se verifique uma das seguintes hipóteses:
a) Tenha ocorrido o seu desaparecimento ou a sua destruição total;
b) Se constate que a reparação é materialmente impossível ou tecnicamente não aconselhável, por terem sido gravemente afectadas as suas condições de segurança;
c) Se constate que o valor estimado para a reparação dos danos sofridos, adicionado do valor do salvado, ultrapassa 100 % ou 120 % do valor venal do veículo consoante se trate respectivamente de um veículo com menos ou mais de dois anos.
2 - O valor venal do veículo antes do sinistro corresponde ao seu valor de substituição no momento anterior ao acidente.
3 - O valor da indemnização por perda total corresponde ao valor venal do veículo antes do sinistro calculado nos termos do número anterior, deduzido do valor do respectivo salvado caso este permaneça na posse do seu proprietário, de forma a reconstituir a situação que existiria se não se tivesse verificado o evento que obriga à indemnização.
4 - Ao propor o pagamento de uma indemnização com base no conceito de perda total, a empresa de seguros está obrigada a prestar, cumulativamente, as seguintes informações ao lesado:
a) A identificação da entidade que efectuou a quantificação do valor estimado da reparação e a apreciação da sua exequibilidade;
b) O valor venal do veículo no momento anterior ao acidente;
c) A estimativa do valor do respectivo salvado e a identificação de quem se compromete a adquiri-lo com base nessa avaliação.
5 - Nos casos de perda total do veículo a matrícula é cancelada nos termos do artigo 119.º do Código da Estrada.

O Recorrente pugna que o valor atribuído foi baseado na citada norma que serve apenas para ser aplicável em sede extrajudicial, pelo que uma vez frustrado o acordo das partes sobre o quantum indemnizatório, estas regras não são vinculativas no processo judicial, como entendeu o Tribunal a quo que deveria ter julgado de acordo com as regras dos artigos 562º e 566º, ambos do Código Civil e os princípios atinentes à responsabilidade civil.
Tem sido entendimento da jurisprudência que “Para efeitos de definição de uma situação de perda total de um veículo e de negação da reconstituição natural, a excessiva onerosidade para o devedor, a que se refere o art.º 566º, nº 1, do Código Civil, ocorre quando há manifesta ou flagrante desproporção entre o interesse do lesado, que importa recompor, e o custo que a reparação natural envolve para o responsável” vide AC do TRP, de 28 de Maio de 2020, Processo 289/19.1T8MCN.P1, Relator Filipe Caroço, in www.dgsi.pt.
Assim, entende-se que o citado artº 41º do DL 291/2007, de 21/08, refere-se à fase extrajudicial de regularização do sinistro automóvel, não afastando ou impedindo, caso as partes não cheguem a acordo extrajudicial, que a indemnização seja fixada em valores distintos por força do disposto nos artºs 562º e 566º do CC.
Considera-se ainda que ao A. cabe a prova de que o automóvel é susceptível de reparação e o custo dessa reparação (art.º 342º, nº 1, do Código Civil), cabendo à R. seguradora demonstrar que esse valor seria excessivamente oneroso em função do valor venal do veículo (matéria de exceção - art.º 342º, nº 2, do Código Civil).
Assim, cabe ao A. provar que o seu veículo tem no seu património pessoal um valor superior ao do seu valor de mercado, na falta de tal prova será de fazer valer o valor venal do veículo.
No que ao presente caso diz respeito, apenas decorre da factualidade provada que o valor venal do veículo é de €3.000,00, pelo que será esse o valor a ter em consideração para efeitos de indemnização, havendo ainda a ter em atenção que o valor dos salvado é de €250,00.
Considerando que a culpa do acidente foi atribuída integralmente ao veículo segurado na R. ter-se-á de reconhecer ao Recorrente o valor de €2.750,00 (€3.000,00 - €250,00) a título de indemnização pelos danos patrimoniais sofridos com a perda do veículo.
Assim, será de dar provimento parcial ao recurso, fixando-se a indemnização a receber pelo Recorrente no montante de €2.750,00.
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IV – Dispositivo
Pelo exposto, acordam os Juízes que integram a 3ª secção deste Tribunal da Relação do Porto:
a) Na parcial procedência do recurso interposto pelo Autor/apelante, em alterar a decisão apelada, fixando em €2.750,00 (dois mil setecentos e cinquenta euros) a indemnização devida ao Apelante.
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Custas por Apelante e Apelada, na medida do respectivo decaimento – artigo 527º do Código de Processo Civil.

Notifique.

Porto, 23 de Outubro de 2025.
Álvaro Monteiro
Ana Luísa Loureiro
José Manuel Correia