PROPRIEDADE HORIZONTAL
DÍVIDAS AO CONDOMÍNIO
PRESCRIÇÃO
Sumário

A cobrança das quotizações dos condóminos fixadas com a finalidade de fazer face a obras não enquadráveis no mero uso e fruição das partes comuns do edifício encontra-se sujeita ao prazo ordinário de prescrição fixado no artigo 309º do Código Civil, não sendo aplicável a norma estabelecida na alínea g) do artigo 310º do mesmo diploma.

Texto Integral

Processo: 4497/23.2T8MAI-A.P1

Acordam os Juízes que integram a 3ª secção do Tribunal da Relação do Porto

Relatório:
O “Condomínio ...”, sito na rua ..., Trofa, representado pela sua administração, instaurou, perante o juízo de execução da Maia (J1), a presente acção executiva para pagamento de quantia certa, sob a forma sumária, contra AA, residente na rua ..., ..., Stº. Tirso; BB, residente na rua ..., Póvoa de Varzim; CC, residente na rua ..., ..., ..., Trofa; DD, residente na rua ..., Stº. Tirso; EE, residente na escola ..., nº ..., Stº. Tirso; FF, residente na rua ..., ..., Stº. Tirso; GG, residente na rua ..., ..., Stº. Tirso; e HH, residente na rua ..., ..., Stº. Tirso.
Afirmou o exequente, em súmula, no requerimento executivo, que os executados são os sucessores de II, falecido a 16 de Fevereiro de 2010, que era proprietário de ½ das fracções autónomas designadas pelas letras “EB” e “EC” do imóvel, constituído em regime de propriedade horizontal, sito na rua ..., Trofa.
Alega que os executados são, por isso, responsáveis pelas quotizações devidas ao condomínio relativamente aos anos de 2018 a 2023 [incluindo quotas de condomínio, fundo de reserva, seguro e quota extraordinária], referentes às ditas fracções, no total de € 5.635,64, a que acresce a pena pecuniária no valor de € 700,00 deliberada em assembleia de condóminos, bem como o acréscimo de 30%, nos termos do regulamento do condomínio.
Exige ainda o pagamento de juros moratórios desde a data de vencimento de cada um dos valores a até integral pagamento, que liquida em € 760,60.
Conclui exigindo o pagamento de € 8 786,93, quantia acrescida de juros moratórios vincendos.
Por despacho de 03 de Outubro de 2023 [referência nº 452316819] foi decidido indeferir liminarmente o requerimento executivo quanto às quantias de € 700,00 a título de pena pecuniária e de € 1.690,69 a título de penalização correspondente a 30% do valor em dívida, decisão de que não foi interposto recurso.
Feita a penhora e levada a cabo a citação, tendo sido deduzidos embargos pelos executados GG e HH [tramitado como apenso A], EE [tramitado como apenso B], AA [tramitado como apenso C] e DD deduzido embargos [tramitado como apenso D].
As executadas GG e HH, em súmula, nos seus embargos, reconhecem serem herdeiras de JJ, que foi beneficiado por testamento pelo também falecido II, mas através da constituição de um legado que nada tem que ver com as fracções autónomas identificadas no requerimento executivo.
Afirmam que o co-executado AA assume a qualidade de herdeiro legitimário do II, a ele cabendo o pagamento.
Negam serem responsáveis pelo pagamento do valor das quotizações exigidas, e afirmam serem parte processualmente ilegítima.
Concluem pedindo a procedência dos embargos.
A executada EE, em súmula, nos seus embargos, reconhece ter sido beneficiada com um legado testamentário pelo falecido II, mas afirma que tal legado nada tem que ver com as fracções autónomas em causa nos autos.
Alega que o falecido II instituiu como legatário do seu direito sobre tais fracções o co-executado BB, a quem cabe efectuar os pagamentos exigidos.
Invoca a sua ilegitimidade para ser demandada na presente execução.
Invoca, também a prescrição dos créditos reclamados, por decurso do prazo fixado na alínea g) do artigo 310º do Código Civil, constituídos para além dos 5 anos anteriores à citação da executada para os termos dos presentes autos.
Alega jamais lhe ter sido dado conhecimento, antes da instauração da presente acção, da existência de qualquer dívida ao exequente, considerando abusiva, por isso, a aplicação de qualquer penalidade.
Defende a aplicabilidade ao caso das normas consagradas no artigo 812º do Código Civil, com a consequente redução da penalidade aplicada a 10% do valor reclamado.
Simultaneamente deduz oposição à penhora, defendendo que a conta bancária titulada pelo II constitui bem cuja penhora é inadmissível, na medida em que é o co-executado BB o único responsável pela dívida cujo pagamento vem exigido nos autos, e por isso pede o seu levantamento ao abrigo do disposto nas alíneas a) e c) do nº 1 do artigo 784º do Código de Processo Civil.
Conclui pedindo a procedência dos embargos e da oposição.
O co-executado AA, em súmula, nos seus embargos, começa por reconhecer a sua qualidade de herdeiro legitimário de II.
Afirma que o falecido II outorgou testamento, pelo qual instituiu CC herdeiro da quota disponível da sua herança, e institui BB como legatário do seu direito sobre as fracções autónomas alegadamente geradoras dos créditos exequendos.
Invoca a sua ilegitimidade para ser demandado na presente execução.
Invoca, também a prescrição dos créditos reclamados, por decurso do prazo fixado na alínea g) do artigo 310º do Código Civil, constituídos para além dos 5 anos anteriores à citação da executada para os termos dos presentes autos.
Alega jamais lhe ter sido dado conhecimento, antes da instauração da presente acção, da existência de qualquer dívida ao exequente, considerando abusiva, por isso, a aplicação de qualquer penalidade.
Defende a aplicabilidade ao caso das normas consagradas no artigo 812º do Código Civil, com a consequente redução da penalidade aplicada a 10% do valor reclamado.
Simultaneamente deduz oposição à penhora, defendendo que a conta bancária titulada pelo II constitui bem cuja penhora é inadmissível, na medida em que é o co-executado BB o único responsável pela dívida cujo pagamento vem exigido nos autos, e por isso pede o seu levantamento ao abrigo do disposto nas alíneas a) e c) do nº 1 do artigo 784º do Código de Processo Civil.
Conclui pedindo a procedência dos embargos e da oposição.
A executada DD, em súmula, nos seus embargos, reconhece ter sido beneficiada com um legado testamentário pelo falecido II, mas afirma que tal legado nada tem que ver com as fracções autónomas em causa nos autos.
Alega que o falecido II instituiu como legatário do seu direito sobre tais fracções o co-executado BB, a quem cabe efectuar os pagamentos exigidos.
Invoca a sua ilegitimidade para ser demandada na presente execução.
Invoca, também a prescrição dos créditos reclamados, por decurso do prazo fixado na alínea g) do artigo 310º do Código Civil, constituídos para além dos 5 anos anteriores à citação da executada para os termos dos presentes autos.
Alega jamais lhe ter sido dado conhecimento, antes da instauração da presente acção, da existência de qualquer dívida ao exequente, considerando abusiva, por isso, a aplicação de qualquer penalidade.
Defende a aplicabilidade ao caso das normas consagradas no artigo 812º do Código Civil, com a consequente redução da penalidade aplicada a 10% do valor reclamado.
Simultaneamente deduz oposição à penhora, defendendo que a conta bancária titulada pelo II constitui bem cuja penhora é inadmissível, na medida em que é o co-executado BB o único responsável pela dívida cujo pagamento vem exigido nos autos, e por isso pede o seu levantamento ao abrigo do disposto nas alíneas a) e c) do nº 1 do artigo 784º do Código de Processo Civil.
Conclui pedindo a procedência dos embargos e da oposição.
Os embargos foram liminarmente recebidos, e determinada a notificação do exequente para contestar.
Em cada um dos apensos B, C e D foi proferido despacho que indeferiu liminarmente as oposições à penhora apresentadas, decisão de que apenas o co-executado AA apresentou recurso [no âmbito do apenso D], que foi julgado improcedente, por acórdão deste Tribunal da Relação do Porto proferido a 11 de Dezembro de 2024, no âmbito do apenso E.
Notificado, o exequente apresentou contestação no âmbito dos diversos apensos, na qual, em súmula, defende a improcedência das diversas excepções arguidas,
Defende a aplicabilidade ao caso da norma consagrada no artigo 54º do Código de Processo Civil.
Recorda a suspensão dos prazos de prescrição determinada pelas normas temporárias que vigoraram no período em que Portugal foi afectada pela epidemia do vírus Sars-Cov2.
Defende a aplicabilidade aos autos das normas consagradas no artigo 2068º do Código Civil [quanto aos herdeiros do II] e nos artigos 2070º, 2277º e 2278º, todos do Código Civil [quanto aos legatários instituídos pelo mesmo II].
Conclui pedindo a improcedência dos embargos.
Por despacho de 15 de Outubro de 2024 [referência nº 464449880] foi determinada a apensação aos presentes autos dos embargos tramitados como apensos B, C e D, decisão que não foi objecto de impugnação.
Foi então proferido despacho saneador que, conhecendo do mérito dos embargos, julgou-os parcialmente procedentes, determinando a redução da quantia exequenda para o montante de € 5 200,39, a que acrescem juros de mora à taxa legal, a contar desde a data da citação dos executados, até efectivo e integral pagamento, no mais julgando os embargos improcedentes.
Na sequência de requerimento do co-executado AA, foi decidida a rectificação do julgado [despacho de 14 de Maio de 2025, referência nº 471850397], determinando-se que «da sentença proferida, na fundamentação de direito e no dispositivo, onde consta a menção a “€ 5.200,39 (cinco mil e duzentos euros e trinta e nove cêntimos)”, passe a constar “€ 3.078,30 (três mil e setenta e oito euros e trinta cêntimos)”».
É da decisão de mérito proferida no despacho saneador que, inconformado, o exequente interpôs recurso, terminando as suas alegações com as seguintes conclusões:
1- Resulta do douto despacho com a referência 471850397 o seguinte: "Determino que da sentença proferida, na fundamentação de direito e no dispositivo, onde consta a menção a “€ 5.200,39 (cinco mil e duzentos euros e trinta e nove cêntimos)”, passe a constar “€ 3.078,30 (três mil e setenta e oito euros e trinta cêntimos)”";
2- A douta sentença retificada, todavia, contém erros de escrita e cálculo que resultam de lapso manifesto;
3- Como se verifica pela leitura do requerimento executivo, a quantia de EUR 4.284,15 – referida a págs. 13 da sentença – corresponde somente ao somatório das quotas extraordinárias peticionadas;
4- A este valor acrescem: as quotas ordinárias no montante de EUR 951,98; fundo comum de reserva no montante de EUR 95,20 e ainda o seguro no valor de EUR 304,31– cfr. requerimento executivo;
5- Este valor em falta, que se computa em EUR 1.351,46, somado à quantia das quotas extraordinárias, perfaz o quantitativo de EUR 5.635,64 (cinco mil seiscentos e trinta e cinco euros e sessenta e quatro cêntimos) – justamente a quantia peticionada a título de quotas de condomínio e demais encargos no ponto 17. do requerimento executivo;
6- E, com efeito, somente somando o montante de EUR 5.635,64 ao valor peticionado a título de penalizações (EUR 700,00 + EUR 1.690,69) e os juros de mora EUR 760,60, se alcança a quantia total exequenda de EUR 8.786,93 (oito mil e setecentos e oitenta e seis euros e noventa e três cêntimos) [EUR 5.635,64 + EUR 700,00 + EUR 1.690,69 + EUR 760,60] – tudo conforme requerimento executivo;
7- Ora, a douta sentença recorrida julgou procedente a invocada prescrição parcial da dívida exequente no valor de EUR 1.205,85 – cfr. página 30 da sentença;
8- Considerando que a sentença recorrida julgou não serem devidos os montantes peticionados a título de penalização, então o montante julgado prescrito deve ser subtraído ao valor de EUR 5.635,64 – que corresponde à soma das quotas e demais encargos;
9- Então a quantia exequenda passará a ser de EUR 4.429,79 (quatro mil quatrocentos e vinte e nove euros e setenta e nove cêntimos) [EUR 5.635,64 - EUR 1.205,85], e não a quantia de EUR 3.078,30, a qual resulta de um manifesto erro de cálculo;
10- Por consubstanciar um claro erro de escrita, requer-se a sua retificação, devendo passar a constar da parte decisória da douta sentença o seguinte:"(…) Pelo exposto: - Julgo os presentes embargos de executado parcialmente procedentes e em consequência: a) Determino a redução da quantia exequenda para o montante de € 4.429,79 (quatro mil quatrocentos e vinte e nove euros e setenta e nove cêntimos), a que acrescem juros de mora à taxa legal, a contar desde a data da citação dos executados, até efectivo e integral pagamento; b) Improcedendo os embargos de executado no demais peticionado. (…)";
11- O douto Tribunal a quo julgou prescritas quotas peticionadas a título de quotas extraordinárias, vencidas entre outubro de 2016 e 30 de setembro de 2017 e outubro de 2017 e fevereiro de 2018, num valor total de EUR 1.205,85 (mil duzentos e cinco euros e oitenta e cinco cêntimos);
12- De acordo com a douta decisão recorrida, as quantias peticionadas a título de quotas extraordinárias constituem prestações periodicamente renováveis, pelo que se subsumem à previsão da alínea g) do artigo 310.º do Código Civil (CC), pelo que se encontram encontram-se prescritas – e bem assim os respetivos juros;
13- A quota extraordinária aprovada na ata n.º ... destinou-se a reforçar o fundo comum de reserva no valor global mensal de EUR 5.000,00 (cinco mil euros), com imputação de acordo com a permilagem de cada fração - cfr. facto provado d);
14- A aprovação da aludida quota extraordinária para reforço do fundo comum de reserva visou custear as obras de reabilitação integral das fachadas do bloco habitacional “E” – cfr. documento 6 junto ao requerimento executivo;
15- Não se trata, pois, de um encargo ordinário, que integra o orçamento e que se renova anualmente, pago periodicamente pelos condóminos enquanto durar o condomínio;
16- Assim sendo a quota extraordinária aprovada na ata n.º ..., destinada ao reforço do fundo comum de reserva não constitui uma prestação periodicamente renovável. Consequentemente, não está sujeita ao regime de prescrição de 5 anos previsto no artigo 310.º do CC, mas antes ao prazo ordinário de 20 anos – cfr. artigo 309.º do CC;
17- Donde, as quotas peticionadas a título de quotas extraordinárias deliberadas na ata n.º ..., vencidas entre outubro de 2016 de 30 de setembro de 2017, no valor de EUR 327,60 (trezentos e vinte e sete euros e sessenta cêntimos) peticionados em relação à fração “EB” e no valor de EUR 630,00 (seiscentos e trinta euros) em relação à fração “EC”, não estão prescritas;
18- Na assembleia de condóminos de 26-10-2017, de que resultou a ata n.º ..., foi aprovada uma quota extraordinária para obras, com imputação de acordo com a permilagem de cada fração – cfr. facto provado f);
19- A quota extraordinária aprovada tem uma finalidade bem determinada: a acumulação de dinheiro suficiente para pagar o preço das obras cuja execução foi deliberada em assembleia de condomínio. O fracionamento do preço através de quotas extraordinárias e a consequente duração no tempo deve-se exclusivamente à necessidade de liquidar o preço em prestações, não sobrecarregando os condóminos de modo incomportável;
20- A este propósito, pela clareza e rigor na exposição, é de muito valor atentar no Acórdão da Relação de Lisboa, de 21-03-2024, Processo n.º 2158/21.6T8ALM-A.L1-2, Relator: ARLINDO CRUA;
21- Donde, as quotas extraordinárias vencidas entre outubro de 2017 e fevereiro de 2018, no valor de EUR 117,00 (cento e dezassete euros) peticionadas em relação à fração “EB” (5 x EUR 23,40) e no valor de EUR 131,25 (cento e trinta e um euros e vinte e cinco cêntimos) peticionadas em relação à fração “EC” (5 x EUR 26,25) não estão prescritas;
22- O montante total de EUR 1.205,85 (mil duzentos e cinco euros e oitenta e cinco cêntimos) deve, pois, ser julgado como não prescrito;
23- II faleceu a 16-02-2010 – cfr. facto provado o);
24- Todas as dívidas peticionadas em sede executiva, a título de quotas ordinárias e demais encargos com os imóveis, bem como as quantias reclamadas a título de quotas extraordinárias foram aprovadas, constituídas e venceram-se após o óbito do referido II – cfr. a requerimento executivo e factos provados c) a j);
25- Por outro lado, mas no mesmo sentido, antes da aceitação dos legados, os recorridos poderiam e deveriam ter-se informado sobre a existência de dívidas condominiais – até porque é do conhecimento de qualquer cidadão medianamente diligente e prudente que os proprietários de frações autónomas integradas num condomínio estão sujeitos ao pagamento de quotas destinadas a suportar as despesas com a conservação e fruição das partes comuns;
26- Acresce que os embargantes não tinham de aceitar os legados – poderiam recusá-los. A sua aceitação implicou – e implica – a aceitação das dívidas existentes respeitantes a quotas ordinárias e extraordinárias;
27- Assim, por igualdade de razão, do mesmo modo que não se julgou constituir abuso de direito por violação do princípio da boa fé a exigência aos recorridos/embargantes das quantias peticionadas a título de quotas ordinárias e demais encargos e quotas extraordinárias, então, há-de concluir-se que não constitui abuso de direito, por não haver violação do princípio da boa fé, impelir os executados a pagar as penalizações por incumprimento peticionadas em sede executiva;
28- Pelas razões expostas, não resulta demonstrado que a exigência de pagamento das penalizações por incumprimento exceda manifestamente as limitações impostas pela boa- fé, pelos bons costumes ou pelo fim social ou económico do direito;
29- Tal como não viola o princípio da boa fé a exigência do pagamento de quotas ordinárias e demais encargos nem o pagamento de quotas extraordinárias, nem tão pouco os juros de mora respeitantes a cada um dessas dívidas, inexiste qualquer abuso de direito por violação do aludido princípio a reclamação do pagamento das penalizações por incumprimento;
30- A douta decisão a quo violou os artigos 309.º, 334.º e 1434.º do CC e ainda o artigo 6.º do Decreto-Lei n.º 268/94, de 25 de outubro, com as alterações operadas pelo Lei n.º 8/2022, de 10 de janeiro.
Não foram apresentadas contra-alegações.
O recurso foi admitido [despacho de 30 de Junho de 2025, referência nº 473468006] como de apelação, a subir imediatamente e nos próprios autos, e com efeito meramente devolutivo.
No exame preliminar advertiu-se as partes para a possibilidade de oficioso aditamento à matéria de facto provada do teor das actas das assembleias de condóminos do “Condomínio ...” que tiveram lugar a 30 de Outubro de 2018, 29 de Outubro de 2019, 28 de Outubro de 2021 e 27 de Outubro de 2022 [juntas ao processo executivo através do requerimento de 01 de Setembro de 2023 (referência nº 36528101) como documentos nº 8, 9 e 10], na parte relativa à fixação de quotizações aí classificadas como extraordinárias, na sequência do que apenas o exequente se pronunciou, declarando nada ter a opor a tal aditamento.
Colhidos os vistos legais, cumpre decidir.

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II - Fundamentação
Como é sabido, o teor das conclusões que o recorrente extrai da motivação que apresenta, onde sintetiza as razões da sua discordância com o decidido e resume o pedido (nº 4 do artigo 635º e artigos 639º e 640º, todos do Código de Processo Civil), delimita o objecto do recurso e fixa os limites do horizonte cognitivo do Tribunal Superior, sem prejuízo das questões que devem ser conhecidas oficiosamente.
Assim, atentas as conclusões do recorrente, mostram-se colocadas à apreciação deste tribunal as seguintes questões, enunciadas por ordem de precedência lógico-jurídica:
A) A existência de lapso de cálculo na decisão recorrida;
B) O decurso do prazo de prescrição relativamente às quantias peticionadas a título de quotização extraordinária;
C) A exigibilidade aos embargantes, no âmbito do processo de execução, das penalidades pelo atraso no pagamento identificadas no requerimento executivo.
Como questão prévia oficiosamente suscitada, ao abrigo do disposto no artigo 662º do Código de Processo Civil, cumprirá ainda aferir da necessidade de ampliação da matéria de facto relevante à causa, em concreto para aditamento dos factos que resultam do teor das actas das deliberações das assembleias de condóminos que, entre 2018, 2019, 2021 e 2022, estabeleceram a obrigação de os condóminos pagarem quotizações extraordinárias.
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Delimitado o objecto do recurso, importa conhecer a factualidade em que assenta a decisão impugnada.
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Factos Provados (transcrição):
1- Da acta nº ... (onze) datada de 19 de Abril de 2010, da assembleia de condóminos do ... consta que foi aprovado o regulamento do condomínio que ficou a constar de anexo, constando de outro anexo que as fracções autónomas designadas pelas letras “EB” e “EC” tinham como condómino II (cfr. acta junta aos autos principais).
2- Constando do artigo 24º, do Regulamento de condomínio que “1. Constituindo-se o condómino em mora, não pagando as quotizações trimestrais, prémios de seguro, multas ou coimas ou outros recibos no prazo aludido no art. 9º do regulamento, o Administrador deverá exigir, além dos valores em atraso, uma indemnização igual a 30 % (trinta por cento) do que for devido, acrescido dos respectivos juros moratórios e compensatórios calculados à taxa legal.” (cfr. cópia de regulamento de condomínio junta aos autos principais).
3- Da acta nº ... (vinte) datada de 29 de Setembro de 2016, da assembleia de condóminos do ... consta que foram aprovadas as contas do condomínio e o orçamento para o respectivo período, constando de anexo que as fracções autónomas designadas pelas letras “EB” e “EC” tinham como condómino BB e que os valores a pagar por cada fracção fazem parte de documento em anexo de simulação de exercício, cabendo a título de quota ordinária, fundo comum de reserva e seguro, à fracção autónoma designada pelas letras “EB” o valor trimestral de € 57,74 (cinquenta e sete euros e setenta e quatro euros) e à fracção autónoma designada pelas letras “EC” o valor trimestral de € 64,76 (sessenta e quatro euros e setenta e seis cêntimos) (cfr. acta).
4- Da acta nº ... (vinte) datada de 29 de Setembro de 2016, da assembleia de condóminos do ... consta que foi aprovada uma quota extraordinária para reforço do fundo comum de reserva, no valor global mensal de € 5.000,00 (cinco mil euros), com imputação de acordo com a permilagem de cada fracção, iniciando-se a cobrança no mês de Outubro de 2016, cabendo à fracção autónoma designada pelas letras “EB” o valor mensal de € 46,80 (quarenta e seis euros e oitenta cêntimos) e à fracção autónoma designada pelas letras “EC” o valor mensal de € 52,50 (cinquenta e dois euros e cinquenta cêntimos) (cfr. acta).
5- Da acta nº ... (vinte e três) datada de 26 de Outubro de 2017, da assembleia de condóminos do ... consta que foram aprovadas as contas do condomínio e o orçamento para o respectivo período, constando de anexo que as fracções autónomas designadas pelas letras “EB” e “EC” tinham como condómino BB, e que os valores a pagar por cada fracção fazem parte de documento em anexo de simulação de exercício, cabendo a título de quota ordinária, fundo comum de reserva e seguro, à fracção autónoma designada pelas letras “EB” o valor mensal de € 12,11 (doze euros e onze cêntimos) e à fracção autónoma designada pelas letras “EC” o valor mensal de € 13,58 (treze euros e cinquenta e oito cêntimos) (cfr. acta).
6- Da acta nº ... (vinte e três) datada de 26 de Outubro de 2017, da assembleia de condóminos do ... consta que foi aprovada uma quota extraordinária para obras, com imputação de acordo com a permilagem de cada fracção, iniciando-se a cobrança no mês de Outubro de 2017, cabendo à fracção autónoma designada pelas letras “EB” o valor mensal de € 23,40 (vinte e três euros e quarenta cêntimos) e à fracção autónoma designada pelas letras “EC” o valor mensal de € 26,25 (vinte e seis euros e vinte e cinco cêntimos) (cfr. acta).
7- Da acta nº ... (vinte e quatro) datada de 30 de Outubro de 2018, da assembleia de condóminos do ... consta que foram aprovadas as contas do condomínio e o orçamento para o respectivo período, constando de anexo que as fracções autónomas designadas pelas letras “EB” e “EC” tinham como condómino BB, e que os valores a pagar por cada fracção fazem parte de documento em anexo de simulação de exercício, cabendo a título de quota ordinária, fundo comum de reserva e seguro, à fracção autónoma designada pelas letras “EB” o valor mensal de € 10,37 (dez euros e trinta e sete cêntimos), e à fracção autónoma designada pelas letras “EC” o valor mensal de € 11,63 (onze euros e sessenta e três cêntimos) (cfr. acta).
8- Da acta nº ... (vinte e seis) datada de 29 de Outubro de 2019, da assembleia de condóminos do ... consta que foram aprovadas as contas do condomínio e o orçamento para o respectivo período, constando de anexo que as fracções autónomas designadas pelas letras “EB” e “EC” tinham como condómino BB, e que os valores a pagar por cada fracção fazem parte de documento em anexo de simulação de exercício, cabendo a título de quota ordinária, fundo comum de reserva e seguro, à fracção autónoma designada pelas letras “EB” o valor mensal na proporção de 50 % de € 10,12 (dez euros e doze cêntimos), e à fracção autónoma designada pelas letras “EC” o valor mensal na proporção de 50 % de € 11,34 (onze euros e trinta e quatro cêntimos) (cfr. acta).
9- Da acta nº ... (vinte e sete) datada de 28 de Outubro de 2021, da assembleia de condóminos do ... consta que foram aprovadas as contas do condomínio e o orçamento para o respectivo período, constando de anexo que as fracções autónomas designadas pelas letras “EB” e “EC” tinham como condómino BB, e que os valores a pagar por cada fracção fazem parte de documento em anexo de simulação de exercício, cabendo a título de quota ordinária, fundo comum de reserva e seguro, à fracção autónoma designada pelas letras “EB” o valor mensal na proporção de 50 % de € 11,20 (onze euros e vinte cêntimos), e à fracção autónoma designada pelas letras “EC” o valor mensal na proporção de 50 % de € 12,57 (doze euros e cinquenta e sete cêntimos) (cfr. acta).
10- Da acta nº ... (vinte e oito) datada de 27 de Outubro de 2022, da assembleia de condóminos do ... consta que foram aprovadas as contas do condomínio e o orçamento para o respectivo período, constando de anexo que as fracções autónomas designadas pelas letras “EB” e “EC” tinham como condómino BB, e que os valores a pagar por cada fracção fazem parte de documento em anexo de simulação de exercício, cabendo a título de quota ordinária, fundo comum de reserva e seguro, à fracção autónoma designada pelas letras “EB” o valor mensal de € 12,30 (doze euros e trinta cêntimos) e à fracção autónoma designada pelas letras “EC” o valor mensal de € 13,80 (treze euros e oitenta cêntimos) (cfr. acta).
11- Da acta nº ... (vinte e oito) datada de 27 de Outubro de 2022, da assembleia de condóminos do ... consta que foi aprovada a aplicação de uma pena pecuniária no montante de € 700,00 (setecentos euros), a ser aplicada a cada condómino que o condomínio se veja obrigado a acionar judicialmente, ficando a administração mandatada para intentar as acções executivas necessárias à cobrança dos débitos (cfr. acta).
12- As frações autónomas designadas pelas letras “EB” e “EC”, fazem parte do prédio constituído em regime de propriedade horizontal sito na rua ..., da união de freguesias ... (... e ...), concelho da Trofa (cfr. actas).
13- II consta como proprietário das fracções autónomas designadas pelas letras “EB” e “EC”, na proporção de ½ (um meio) em relação a cada fracção, nas cadernetas prediais urbanas (cfr. cadernetas prediais urbanas juntas aos autos principais).
14- O II faleceu no dia 16 de Fevereiro de 2010, no estado de solteiro (cfr. assento de óbito junto aos autos principais).
15- O II outorgou escritura pública de testamento no dia 4 de Novembro de 2009, no Cartório Notarial de KK, através do qual, para além do mais, declarou legar a DD, JJ, FF e EE, um prédio urbano destinado a habitação, casa e quintal, sito na Rua ..., freguesia e concelho de Santo Tirso, inscrito na matriz sob o artigo ... e declarou legar a BB as fracções autónomas designadas pelas letras “EB” e “EC” do prédio urbano sito na freguesia ..., concelho da Trofa, inscrito na matriz sob o nº ..., tendo instituído como universal herdeiro do remanescente da herança CC (cfr. certidão de testamento).
16- Na escritura de habilitação de herdeiros outorgada no dia 30 de Março de 2010, consta que no dia 16 de Fevereiro de 2010 faleceu II, no estado de solteiro, tendo-lhe sucedido como único herdeiro CC e ainda como legatários, BB, DD, JJ, FF e EE (cfr. cópia digitalizada de escritura junta aos autos principais).
17- No processo de inventário instaurado por óbito de II, que corre termos no Cartório Notarial de LL, o ora executado embargante AA prestou declarações de cabeça-de-casal no dia 11 de Novembro de 2016, tendo declarado que o inventariado deixou como seu único filho legitimário o próprio declarante AA, e como legatários DD, FF, EE e BB, e como herdeiro testamenteiro CC, e que ainda foi nomeado como legatário JJ, mas que este faleceu no dia 11 de Janeiro de 2016, tendo-lhe sucedido como únicos herdeiros legitimários a sua mulher GG e a filha HH (cfr. cópia digitalizada de auto de declarações).
18- No processo de inventário instaurado por óbito de II, que corre termos no Cartório Notarial de LL, foi apresentada relação de bens da qual consta que por testamento celebrado em 4 de Novembro de 2019, foram legadas a BB as metades indivisas das fracções autónomas designadas pelas “EB” e “EC”, compostas por rés-do-chão para comércio, que fazem parte do prédio urbano em regime de propriedade horizontal sito na Rua ..., Edifícios ..., da união de freguesias ... (... e ...), da cidade da Trofa (cfr. relação de bens junta a este apenso).
19- A execução de que os presentes embargos de executado são apenso, deu entrada em juízo no dia 24 de Agosto de 2023 (cfr. certificação electrónica do requerimento executivo).
20- Os executados foram citados para a execução nos seguintes dias: AA e EE no dia 11 de Abril de 2024; GG e HH no dia 15 de Abril de 2024 e DD no dia 16 de Abril de 2024 (cfr. avisos de recepção juntos aos autos principais).
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Factos Não Provados:
Nenhum.
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Questão Prévia
Um dos pontos da discordância do recorrente emerge da caracterização da natureza das obrigações de pagamento fixadas nas actas das assembleias de condóminos que tiveram lugar a 29 de Setembro de 2016 e 26 de Outubro de 2017 – entende não se enquadrarem no conceito de prestações periodicamente renováveis, designadamente para efeito da aplicação da alínea g) do artigo 310º do Código Civil, antes constituindo obrigações que transcendem o necessário ao corriqueiro uso e fruição do edifício, motivadas por pontual necessidade de realização de obras de conservação.
Salvo melhor opinião, tendo o exequente invocado, no seu requerimento executivo [artigo 12º], que nas «nas Assembleias de Condóminos, realizadas em 29/09/2016, 26/10/2017, 30/10/2018, 29/10/2019, 28/10/2021 e 27/10/2022 foi deliberado e aprovado, por maioria, o processamento e a continuidade do processamento de uma quota extraordinária para reforço do fundo comum de reserva, no valor de cinco mil euros mensais, a ser imputada a todas as fracções de acordo com a respectiva permilagem e tendo como data limite de pagamento o dia oito do respetivo mês», afigura-se necessário, por forma a compreender o sentido e alcance do deliberado [designadamente em 2016 e 2017], que a matéria de facto espelhe, também, o teor das deliberações condominiais a esse propósito tomadas após 26 de Outubro de 2017.
Tanto mais que os embargantes em momento algum colocaram em causa o teor das actas da assembleia de condóminos juntas aos autos pelo exequente [em concreto, os documentos 8, 9 e 10 juntas ao processo executivo, que se reportam às assembleias de condóminos do edifício em questão que tiveram lugar a 30 de Outubro de 2018, 29 de Outubro de 2019 e 28 de Outubro de 2021 – o exequente faz ainda menção à acta da assembleia de condóminos que terá tido lugar a 27 de Outubro de 2022, mas não a documentou no processo].
Assim, face ao acordo entre as partes quanto à realização e conteúdo das assembleias de condóminos do ...”, documentadas nas actas certificadas juntas ao processo executivo como documentos 8, 9 e 10 [apresentadas com o requerimento de 01 de Setembro de 2023 (referência nº 36528101)], e ao abrigo do disposto no n 1 do artigo 662º do Código de Processo Civil, determina-se o aditamento à matéria de facto provada dos seguintes pontos:
7-A Da acta referida em 7- consta ainda ter sido submetida a apreciação e votação, como ponto 5., a «informação sobre os trabalhos realizados no âmbito da reabilitação do bloco ..., e análise e votação quanto à continuidade da reabilitação do edifício, bem como quanto aos moldes do respectivo processamento extraordinário», tendo a esse propósito a assembleia aprovado por unanimidade dos presentes «a continuidade do processamento extraordinário para reforço do fundo comum de reserva, no valor de cinco mil euros mensais», e «ficando a administração responsável pela convocação de assembleia extraordinária (…) para apresentação, análise e votação de propostas referentes à reabilitação das restantes fachadas do bloco ...;
8-A – Da acta referida em 8- consta ainda ter sido submetida a apreciação e votação, como ponto 7., a «análise, discussão e aprovação de processamento extraordinário para fazer face aos custos das obras decorrentes da reabilitação do edifício», tendo a esse propósito a assembleia aprovado por unanimidade dos presentes «a continuidade do processamento extraordinário» «para reforço do fundo comum de reserva, no valor de cinco mil euros mensais, a ser imputado a todas as fracções integrantes da propriedade horizontal, de acordo com a respectiva permilagem»;
9-A – Da acta referida em 9- consta ainda ter sido submetida a apreciação e votação, como ponto 5., a «informação e análise do plano de reabilitação do edifício em custo e votação da continuidade do processamento extraordinário, a título de reforço do fundo comum de reserva, para fazer face às próximas intervenções», tendo a esse propósito a assembleia aprovado por unanimidade dos presentes «a continuidade do processamento extraordinário», destinado ao «reforço do fundo comum de reserva, no valor de cinco mil euros, a ser imputado a todas as fracções integrantes da propriedade horizontal, de acordo com a respectiva permilagem, para fazer face ao valor que se encontra por regularizar com o construtor, que totaliza à data cento e trinta mil euros».

A)
Nas suas alegações de recurso defende o recorrente que o tribunal a quo, no despacho que determinou a rectificação do julgado, incorreu em lapso de cálculo.
Isto porque, tendo no requerimento executivo sido peticionado, entre o mais, o pagamento de € 4 284,15 a título de quotas extraordinárias em dívida, 951,98 a título de quotas ordinárias, € 95,20 a título de fundo de reserva e € 304,31 a título de seguro, num total de € 5 635,64, a decisão recorrida, na sua fundamentação, declarou a prescrição dos valores exigidos a título de penalizações, no valor de € 1205,85, que se reportam a outra parcela do peticionado.
E por isso requer nova rectificação da decisão, por forma a que a redução da quantia exequenda se opere para € 4 429,79, e não apenas € 3 078,30.
Vejamos.
Em primeiro lugar convirá recordar o que pelo exequente em concreto foi pedido no requerimento inicial, bem como os diversos segmentos em que a fundamentação da decisão recorrida se divide.
Analisando o requerimento executivo, vemos que o exequente reclamou o pagamento de dívidas inerentes à propriedade das fracções autónomas designadas pelas letras “EB” e “EC”, emergentes dos seguintes factos:
i) quotizações regulares ao condomínio, referentes aos anos de 2018 a 2023, no total de € 951,98;
ii) contribuições para o fundo de reserva do condomínio, referentes aos anos de 2018 a 2023, no total de € 95,20;
iii) quota parte no prémio do seguro do edifício, referente aos anos de 2018 a 2023, no total de € 304,31;
iv) quotizações extraordinárias, aprovadas nos anos de 2016 a 2023, no total de € 4.284,15;
v) pena pecuniária aprovada em assembleia de condóminos, no valor de € 700,00;
vi) penalidade resultante da aplicação do regulamento do condomínio, no valor de € 1.690,69;
vii) juros vencidos sobre todas as quantias referidas em i) a vi), cujo valor, à data da propositura da acção, liquida em € 760,00, e vincendos.
Logo no despacho liminar do processo executivo [recorde-se, decisão de 03 de Outubro de 2023, referência nº 452316819] foi decidido excluir da execução as quantias de € 700,00 a título de pena pecuniária e de € 1.690,69 a título de penalização correspondente a 30% do valor em dívida [ou seja, as quantias acima indicadas em v) e vi)], decisão de que não foi interposto recurso – ou seja, o processo executivo, muito antes de deduzidos os embargos, prosseguiu apenas para pagamento do valor global de [951,98 + 95,20 + 304,31 + 4 284,15 =] € 5.623, 64, a título de capital somente.
Apreciando os embargos deduzidos, a decisão recorrida:
a) declarou prescritas a dívida emergente das quotizações ao condomínio, regulares e extraordinárias, vencidas em data anterior a Fevereiro de 2018, que computou em € 1.205,85 [fls 27 a 30];
b) re-apreciou a questão da exigibilidade das quantias de € 700,00 a título de pena pecuniária e de € 1.690,69 a título de penalização correspondente a 30% do valor em dívida, novamente concluindo pela negativa [fls 30 a 36];
c) determinou que a cobrança de juros se fizesse apenas desde a citação dos executados para os termos da execução [fls 36].
Logo, simplesmente não corresponde à verdade que a decisão recorrida tenha declarado a prescrição das quantias devidas a título de penalizações.
Independentemente de a recusa da cobrança das quantias exigidas a título de penalizações ter sido já definitivamente decidida no despacho proferido a 03 de Outubro de 2023, transitando em julgado, a decisão recorrida limitou-se a repetir a sua exclusão do processo executivo.
O que a decisão recorrida declarou inexigível pelo decurso do prazo de prescrição foi a quantia de € 1.205,85, exigida a título de quotizações regulares e extraordinárias ao condomínio, vencidas antes de Fevereiro de 2018.
Logo, para encontrar a quantia que a decisão recorrida considera manter-se em dívida, a título de capital, ao valor que se manteve em cobrança após o despacho liminar de 03 de Outubro de 2023 [recorde-se € 5.623,64] deve ser deduzida a quantia declarada prescrita [€ 1.205,85], assim se obtendo [€ 5.623,64 - € 1.205,85 =] € 4.429,79.
Tem razão o recorrente, pelo que, ao abrigo do disposto no artigo 614º do Código de Processo Civil, por notório erro de cálculo deve rectificar-se o segmento decisório da decisão recorrida, passando a constar “€ 4.429,79” onde agora consta “€ 3.078,30”.

B)
Escusado seria recordá-lo, é de 20 anos o prazo prescricional ordinário [artigo 309º do Código Civil], e de apenas 5 anos o prazo de prescrição das prestações que periodicamente se renovam [alínea g) do artigo 310º do Código Civil].
Constitui doutrina e jurisprudência absolutamente pacíficas a que encara as prestações condominiais relativas às despesas necessárias à conservação e fruição das partes comuns do edifício constituído em regime de propriedade horizontal como prestações periodicamente renováveis para efeitos do que nos ocupa – isto porque são anualmente fixadas e repartidas entre os condóminos em função da permilagem da propriedade de cada um, normalmente em prestações mensais, representando a contrapartida pelo uso, utilização e fruição das partes comuns [a limpeza e segurança do edifício, o seguro, a aquisição de água e electricidade para as necessidades das zonas comuns, os contratos de manutenção relativos aos elevadores e aos equipamentos energéticos, etc - cfr, por todos, Aragão Seia in “Propriedade Horizontal”, Almedina, 2ª edição, página 131; na jurisprudência, veja-se, também por todos, o decidido pelo Tribunal da relação do Porto no seu acórdão de 08 de Setembro de 2020, processo nº 25411/18.1T8PRT-A.P1, disponível em www.dgsi.jtrp.pt/].
Naturalmente, entre essas despesas figura a obrigatória contribuição para o fundo de reserva comum, instituído pelo Decreto-Lei nº 268/94, de 25 de Outubro, que, como é sabido, possui um valor mínimo [10% da quota parte de cada condómino nas despesas do condomínio – nº 2 do artigo 4º do Decreto-Lei nº 268/94, de 25 de Outubro], mas não um limite máximo.
Claro que pode dar-se o caso de a assembleia de condóminos aprovar o valor de uma quotização determinada por uma despesa singular gerada por caso isolado, como, por exemplo, a necessidade de fazer face a uma obra extraordinária de conservação ou reparação do edifício.
Nessa hipótese, dir-se-ia obviamente, não estaremos perante uma prestação periodicamente renovável, mas antes face a uma prestação única cujo pagamento é fraccionado no tempo, fracionamento que ocorre em exclusivo para comodidade dos condóminos.
Ou seja, «as despesas de conservação, ainda que impostas legalmente com uma periodicidade mínima, não são necessariamente periódicas pois que, se podem ser fixadas a forfait, para serem cobradas anualmente, na veste das denominadas quotizações de condomínio, podem ter carácter pontual determinado em função do concreto custo das obras em causa e do momento em que se decide efectuar certa obra. Como é sabido, a amplitude das obras de conservação necessárias em cada imóvel varia de acordo com uma multiplicidade de factores…. Daí que, por vezes, as contribuições do condomínio anualmente fixadas e o respectivo fundo comum de reserva não sejam suficientes para custear as obras de conservação necessárias em certo momento. (…) quando as obras de conservação têm carácter pontual e são adrede custeadas pelos condóminos e não a forfait, não é o tempo, o seu decurso que determina o custo de tais obras, mas sim as diversas vicissitudes relevantes para a sua concreta valorização…» [acórdão do Tribunal da relação do Porto de 14 de Setembro de 2015, processo nº 388/11.8TJPRT-A.P1, disponível em www.dgsi.jtrp.pt/].
Tudo dependerá das concretas características da despesa a que se pretende fazer face com a imposição do pagamento aos condóminos.
«Resulta assim justificado que as prestações para pagamento das despesas comuns do condomínio podem ou não ser prestações periodicamente renováveis. Se o forem, em princípio estão sujeitas ao prazo de prescrição de cinco anos. Caso contrário, o prazo de prescrição da dívida é o prazo ordinário de vinte anos» [acórdão do Tribunal da relação do Porto de 04 de Fevereiro de 2016, processo nº 2648/13.4TBLLE-A.P1, disponível em www.dgsi.jtrp.pt/].

Retornando ao caso dos autos, vemos que, em 2016 [ponto 4- da matéria de facto provada] pela assembleia de condóminos foi aprovada uma quota extraordinária destinada ao reforço do fundo de reserva comum, reforço que, como decorre da simples consulta da acta da deliberação [documento 6 junto com o requerimento executivo], se destinou a angariar dinheiro com vista ao pagamento da obra de reabilitação integral das fachadas do bloco habitacional E, com o custo previsto de € 180.000,00.
A necessidade de continuar a recolha de dinheiro para fazer face a essa mesma concreta obra de reabilitação foi levada à assembleia de condóminos em 2017 [pontos 5- e 6- da matéria de facto provada; documento 7 junto com o requerimento executivo].
E das assembleias de condóminos que tiveram lugar nos anos subsequentes [pontos 7-A-, 8-A- e 9-A- da matéria de facto provada; documentos 8, 9 e 10 juntos ao processo executivo com o requerimento de 01 de Setembro de 2023] indiscutivelmente resulta que o reforço do fundo de reserva comum sucessivamente aprovado não se destinou a gerar disponibilidades para fazer face a eventual(ais) e futura(s) despesa(s) comum, mas antes a pagar as obras de reabilitação da fachada do bloco ... efectivamente realizadas, em Outubro de 2021 ascendendo a € 130 000,00 a concreta dívida do condomínio ao executor dessas obras [ponto 9-A da matéria de facto provada].
Ou seja, estamos perante quotizações motivadas pela necessidade de levar a cabo obras de grande vulto no edifício, notoriamente não representando mera contrapartida pelo normal uso e fruição das partes comuns.
Logo, não se tratando de prestações periodicamente renováveis, não cabe aqui aplicar a alínea g) do artigo 310º do Código Civil.
Também quanto a este ponto procede o recurso, devendo a execução continuar para pagamento, também, da quantia de € 1.205,85 a título de quotizações extraordinárias fixadas nas assembleias de condóminos de 29 de Setembro de 2016 e 26 de Outubro de 2017 imputáveis às fracções autónomas designadas pelas letras “EB” e “EC”.
Sobre esta quantia são obviamente devidos juros moratórios [artigos 805º e 806º, ambos do Código Civil].
O tribunal a quo expressamente entendeu que o momento relevante para o início da contagem dos juros de mora pelo atraso no pagamento por parte dos executados/condóminos reconduz-se à interpelação que resulta da citação.
Obviamente não se concorda, uma vez que indiscutivelmente nos encontramos perante obrigação para cujo pagamento foi fixado um prazo certo [alínea a) do nº 2 do artigo 805º do Código Civil].
Não obstante, esta constitui questão que notoriamente extravasa o âmbito do recurso interposto [nº 4 do artigo 635º do Código de Processo Civil] – pelo que nos autos mostra-se definitivamente decidido que os juros decorrentes do não pagamento atempado das quotizações devidas ao condomínio, ordinárias e extraordinárias, devem ser contados da citação.

C)
O recorrente insurge-se ainda pela procedência dos embargos quanto às penas pecuniárias [€ 700 + € 1690,69] que entende serem devidas pelos embargantes.
Mas a verdade é que, como acima já se referiu, esta matéria foi expressamente apreciada em sede de despacho liminar [proferido a 03 de Outubro de 2023, referência nº 452316819], que, com fundamento em falta de título executivo, excluiu do processo a cobrança de tais quantias, decisão de que não foi interposto recurso.
Ou seja, a decisão recorrida indevidamente re-apreciou uma questão que se mostrava já pacificada nos autos.
Pelo que apenas há que recordar a força obrigatória no processo que decorre do trânsito em julgado da decisão de indeferimento liminar parcial – nº 1 do artigo 620º do Código de Processo Civil.
Nesta parte improcede o recurso.
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Sumário – nº 7 do artigo 663º do Código de Processo Civil:
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Dispositivo:
Pelo exposto, acordam os Juízes que integram a 3ª secção deste Tribunal da Relação do Porto em:
I- determinar o aditamento dos seguintes pontos à matéria de facto provada:
7-A Da acta referida em 7- consta ainda ter sido submetida a apreciação e votação, como ponto 5., a «informação sobre os trabalhos realizados no âmbito da reabilitação do bloco ..., e análise e votação quanto à continuidade da reabilitação do edifício, bem como quanto aos moldes do respectivo processamento extraordinário», tendo a esse propósito a assembleia aprovado por unanimidade dos presentes «a continuidade do processamento extraordinário para reforço do fundo comum de reserva, no valor de cinco mil euros mensais», e «ficando a administração responsável pela convocação de assembleia extraordinária (…) para apresentação, análise e votação de propostas referentes à reabilitação das restantes fachadas do bloco ...;
8-A – Da acta referida em 8- consta ainda ter sido submetida a apreciação e votação, como ponto 7., a «análise, discussão e aprovação de processamento extraordinário para fazer face aos custos das obras decorrentes da reabilitação do edifício», tendo a esse propósito a assembleia aprovado por unanimidade dos presentes «a continuidade do processamento extraordinário» «para reforço do fundo comum de reserva, no valor de cinco mil euros mensais, a ser imputado a todas as fracções integrantes da propriedade horizontal, de acordo com a respectiva permilagem»;
9-A – Da acta referida em 9- consta ainda ter sido submetida a apreciação e votação, como ponto 5., a «informação e análise do plano de reabilitação do edifício em custo e votação da continuidade do processamento extraordinário, a título de reforço do fundo comum de reserva, para fazer face às próximas intervenções», tendo a esse propósito a assembleia aprovado por unanimidade dos presentes «a continuidade do processamento extraordinário», destinado ao «reforço do fundo comum de reserva, no valor de cinco mil euros, a ser imputado a todas as fracções integrantes da propriedade horizontal, de acordo com a respectiva permilagem, para fazer face ao valor que se encontra por regularizar com o construtor, que totaliza à data cento e trinta mil euros».
II- determinar a rectificação do segmento decisório da decisão recorrida, passando a constar “€ 4 429,79” onde agora consta “€ 3.078,30”;
III- conceder parcial provimento ao recurso, determinando o prosseguimento da execução, além do referido em II-, também para pagamento ao exequente da quantia de € 1 205,85, acrescida dos respectivos juros de mora contados desde a citação;
IV- no demais negar provimento ao recurso, nesse remanescente mantendo a sentença recorrida.
Mais se condenam recorrente e recorridos nas custas do processo, na medida do respectivo decaimento – artigo 527º do Código de Processo Civil.
Notifique.

Porto, 23/10/2025
António Carneiro da Silva
Álvaro Monteiro
Manuela Machado