MAIOR ACOMPANHADO
MEDIDAS DE ACOMPANHAMENTO
PRINCÍPIO DA SUBSIDARIEDADE DAS MEDIDAS
NUMERO DE ACOMPANHANTES
Sumário

I - As medidas de acompanhamento regem-se por uma ideia de subsidiariedade, só tendo lugar se e na medida em que as suas finalidades não sejam garantidas pelos deveres gerais de cooperação e assistência, pelo que se o acompanhado dispõe de um bom apoio familiar, condições para viver com tranquilidade na sua própria casa, com o apoio dos filhos, demais familiares e uma cuidadora, não é necessário instituir a representação geral, sendo suficientes as representações especiais que o caso reclame.
II - A nomeação de mais que uma pessoa para o cargo de acompanhante protege melhor o acompanhado na medida em que a colegialidade permite que eles se substituam reciprocamente nas situações de impedimento, obriga-os a levar em conta a posição do outro sobre os actos a praticar e permite que as acções de um possam ser fiscalizada pelo outro, contribuindo para a adopção de melhores soluções.

Texto Integral

RECURSO DE APELAÇÃO
ECLI:PT:TRP:2025:97.25.0T8PVZ.P1

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SUMÁRIO:
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ACORDAM OS JUÍZES DA 3.ª SECÇÃO DO TRIBUNAL DA RELAÇÃO DO PORTO:

I. Relatório:
AA, contribuinte fiscal n.º ..., residente na Póvoa de Varzim, intentou a presente acção especial de acompanhamento de maior relativamente a BB, portador de documento de identificação civil n.º ..., nascida em ../../1941, residente na Póvoa de Varzim, sua mãe, pedindo o decretamento do acompanhamento da Requerida, sendo-lhe nomeado acompanhante a sua filha aqui Requerente, sendo o acompanhamento destinado à administração total dos bens da requerida, e ao acompanhamento dos seus cuidados de saúde.
Para tanto alegou, em resumo, que é filha da beneficiária, que esta sofre de anomalia psíquica que a torna incapaz de reger a sua pessoa e os seus bens, não sendo sequer capaz de prestar a autorização para a instauração da presente acção.
Não tendo sido possível citar a beneficiária por impossibilidade de ela a receber, foi nomeado curador provisório, o qual apresentou contestação, concluindo no sentido do consentimento para instauração da presente acção, do indeferimento do pedido de decretamento de medida cautelar e do deferimento do decretamento do acompanhamento, sendo nomeado acompanhante.
Foi suprido o consentimento da beneficiária para a propositura da acção.
A beneficiária não apresentou resposta.
O Ministério Público foi citado e também não apresentou resposta.
Foi realizada a audição pessoal da beneficiária, da requerente.
Foi realizado exame pericial e produzida prova.
Realizado julgamento, foi proferida sentença, com o seguinte dispositivo:
«Pelo exposto, decreta-se o acompanhamento de BB … e que esta passe a ser assistida por dois acompanhantes, os seus filhos AA … e CC …, e em benefício daquela, a aplicação das medidas de acompanhamento, nos seguintes termos:
- A AA … incumbe a representação especial da beneficiária perante as instituições de saúde, devendo assegurar a sua comparência a consultas médicas, a toma da medicação e a sua submissão a actos e tratamentos médicos;
- A CC … incumbe a representação especial da beneficiária perante as Finanças, a Segurança Social, o Centro Nacional de Pensões, as Conservatórias de Registo, os Correios e Lares;
- A ambos os acompanhantes … incumbe a representação especial da beneficiária perante os Tribunais e as entidades bancárias e administração dos seus bens, rendimentos e contas bancárias.
Deverá manter-se o contacto diário entre a acompanhante e a acompanhada, fixando-se este regime de visitas. […]».
Do assim decidido, veio o curador provisório e filho da beneficiária, em representação desta, interpor recurso de apelação, terminando as respectivas alegações com as seguintes conclusões:
i. O presente recurso tem por objecto a reapreciação da decisão proferida quanto à nomeação de acompanhante e atribuição das medidas de acompanhamento da beneficiária, de forma a que estas se adeqúem às suas reais necessidades, preservem a sua autonomia residual e garantam a sua dignidade.
ii. Discute-se, não a necessidade do acompanhamento – que efectivamente existe - mas sim os moldes concretos da sua execução, à luz da prova produzida e da realidade verificada no seio familiar, para que o resultado seja funcional, estável e centrado no interesse da beneficiária.
iii. A natureza de jurisdição voluntária do presente processo confere ao tribunal maior liberdade de conformação, mas não o autoriza a omitir a apreciação de factos essenciais para a decisão de nomeação de acompanhante e bem assim das medidas, quer de representação geral, quer de representação especial.
iv. O conflito grave entre os irmãos e a sua total incapacidade de manter uma comunicação funcional constituem factos relevantes para aferir da (in)viabilidade de um regime de acompanhamento partilhado.
v. Ao considerar essa realidade “irrelevante”, a sentença recorrida afastou-se da obrigação de valorar todos os elementos com potencial de influir no resultado prático da medida, comprometendo a sua adequação.
vi. Da prova gravada, nomeadamente dos depoimentos da requerente AA e do Curador Provisório CC, resultou de forma clara e reiterada, que a comunicação entre os dois irmãos é praticamente inexistente e, quando ocorre, é marcada por tensão e discordância.
vii. Atendendo ao facto de estarmos perante um processo de jurisdição voluntária, a existência de um conflito entre os irmãos, embora não expressamente alegado nem peticionado pelos articulados, mas que daí se depreende até pelos pedidos de nomeação exclusiva de acompanhante, formulados por cada um deles, corroborado pela prova produzida em julgamento, torna absolutamente imperiosa a sua análise e discussão porque essencial à decisão da causa.
viii. Nesta senda, deve ser consignado na factualidade dada como provada a existência de um conflito entre os irmãos que impeça a atribuição de funções de acompanhamento partilhado.
ix. A beneficiária, devido à patologia diagnosticada, necessita de apoio de terceiros para executar as tarefas mais elementares do quotidiano, incluindo alimentação, higiene, gestão de medicação, vestuário e acompanhamento constante fora de casa.
x. A ausência de medidas de representação geral, num contexto de conflito e bloqueio, deixa sem resposta célere questões básicas do dia a dia, mas absolutamente essenciais, tais como, entre outras: quem vai às compras, o que comprar, regime de férias das funcionárias, pernoitas com a beneficiária, gestão da casa onde a beneficiária reside, pagamento de despesas correntes, e organização doméstica.
xi. O superior interesse da beneficiária impõe que estas decisões sejam tomadas com rapidez e eficácia, evitando que impasses familiares se repercutam directamente no seu conforto, bem-estar e estabilidade emocional.
xii. A configuração da medida deve, por isso, neutralizar o risco de paralisia decisória, dotando o acompanhante de poderes adequados para actuar em todas as dimensões da vida prática da beneficiária.
xiii. O regime de partilha de funções pressupõe, no mínimo, uma base de comunicação e cooperação, que não se verifica no presente caso.
xiv. A prova produzida em sede de audiência de discussão e julgamento demonstrou que esta solução não é viável, origina bloqueios constantes e impede uma gestão coordenada e eficiente das necessidades da beneficiária, uma vez que, a tentativa de partilha de funções é uma realidade que antecede a prolação da sentença e que já no decurso do processo se mostrava nada produtiva.
xv. Dos depoimentos da Requerente AA, do seu marido DD e do Curador Provisório CC, resultou de forma incontornável que a relação entre os irmãos não permitiria a repartição dessas funções. Ao decidir como decidiu, foram violados o artigo 26º nº1 da Constituição da República Portuguesa, o artigo 3º alínea a) da Convenção de Nova Iorque, 140 nº 1, 143º 146º do Código Civil.
xvi. A prova produzida em julgamento revelou que o curador provisório CC assegura há anos os cuidados diários da beneficiária, garantindo que nada lhe falte, respondendo prontamente a situações urgentes e preservando as suas rotinas e o seu ambiente familiar.
xvii. Da impugnação da decisão relativa à matéria de facto, nos termos do art. 640º do CPC, a Mmª Juiz a quo deveria ter incluído nos factos dados como provados os seguintes factos alegados em sede de contestação:
i. “19. Na realidade, a Requerida sempre viveu naquela casa, a sua casa, e apenas se consegue orientar na mesma, embora hoje, com um pouco mais de dificuldades.” - Este facto alegado em sede de contestação resultou provado através do depoimento da testemunha EE, Dr.ª FF e do Curador Provisório CC.
ii. “20. Mas ainda assim, é absolutamente essencial para a Requerida preservar a sua, ainda que parca, capacidade de orientação e estabilidade emocional.” Este facto alegado em sede de contestação resultou provado através do depoimento da testemunha EE e do Curador Provisório CC.
iii. “33. Porque é o filho mais velho quem reside com a requerida, é este que, desde há vários anos, a acompanha no dia-a-dia, fazendo-lhe companhia, ajudando-a, gerindo as suas necessidades, as suas rotinas, a sua dieta, a deslocação a consultas, a toma dos seus medicamentos assim como também os horários e tarefas das suas cuidadoras.” Este facto alegado em sede de contestação resultou provado através dos depoimentos da Requerente AA, do marido da Requerente DD, da testemunha EE e ainda do Curador Provisório.
iv. “34. Sempre foi vontade da Requerida permanecer a residir na sua casa, a qual se encontra hoje totalmente adaptada às suas necessidades.” Este facto alegado em sede de contestação resultou provado através do depoimento do Curador Provisório CC.
v. “35. A Requerida tem apoio constante e permanente, encontrando-se estável e adaptada às novas rotinas, vive com o seu filho mais velho, o aqui curador, e tem convivência regular com a Requerente e demais familiares que a visitam em sua casa.” - Este facto alegado em sede de contestação resultou provado através dos depoimentos da testemunha EE e ainda do Curador Provisório CC.
xviii. E face a esta factualidade provada, apoiada na circunstância de impossibilidade acima demonstrada de repartição das funções e responsabilidades por ambos os filhos da beneficiaria, o Tribunal a quo, na ponderação sobre qual dos filhos deveria assumir a função de acompanhante, só poderia concluir que o filho mais velho é quem melhor condição tinha (e tem) para assumir, em exclusivo tais funções.
xix. No que se refere à falta de fixação de uma medida de acompanhamento que acautele a representação geral da beneficiária, tendo decidido como decidiu, a Mmª Juiz a quo ocorreu em erro na apreciação da prova quando julgou desnecessário a fixação de medidas de acompanhamento que acautelassem a representação geral da beneficiária, uma vez que resultou dos depoimentos da Requerente AA e Curador Provisório CC que esta representação não está assegurada.
xx. Foram assim violados o artigo 26º nº 1 da Constituição da República Portuguesa, o artigo 3º alínea a) da Convenção de Nova Iorque, 140º nº 1 e seguintes do Código Civil.
xxi. No que se refere à fixação das medidas de acompanhamento que concernem a representação especial da beneficiária, a Mmª Juiz a quo ocorreu em erro na apreciação da prova quando decidiu pelo decretamento do acompanhamento da beneficiária com repartição de funções entre a Requerente e o Curador Provisório, olvidando-se do conflito existente entre ambos em detrimento do bem-estar e estabilidade da beneficiária.
Nestes termos e nos demais de Direito, com o douto suprimento de V. Exas. deve o presente recurso ser julgado completamente procedente e consequentemente deve ser decretado o acompanhamento da beneficiária BB, com o decretamento das medidas de representação geral e especial necessárias, devendo ser nomeado como acompanhante, em funções exclusivas, o filho mais velho da beneficiária, CC.
O Ministério Público e a requerente responderam a estas alegações defendendo a falta de razão dos fundamentos do recurso e pugnando pela manutenção do julgado.
Após os vistos legais, cumpre decidir.

II. Questões a decidir:
As conclusões das alegações de recurso demandam desta Relação que decida se deve ser decretada a medida de representação geral e especial, sendo nomeado único acompanhante o filho da beneficiária.

III. Do elenco da fundamentação de facto:
Nas alegações de recurso o recorrente afirma impugnar a decisão sobre a matéria de facto, reclamando que «a Mmª Juiz a quo deveria ter incluído nos factos dados como provados os […] factos alegados em sede de contestação» que de seguida enuncia, em número de cinco.
Salvo melhor opinião, esta asserção enferma de um equivoco.
A impugnação da decisão sobre a matéria de facto não se confunde com a ampliação da matéria de facto.
Aquela consiste no pedido para que a Relação modifique o modo como foram julgados pela 1.ª instância pontos concretos da matéria de facto, pedido que é apreciado pela Relação e cuja procedência determina a modificação daquela decisão. Tem, pois, como pressuposto que a 1.ª instância tenha julgado o facto de determinado modo e o recorrente entende que deve ser julgado diferentemente. Se a 1.ª instância não o julgou, não proferiu decisão sobre esse ponto da matéria de facto, logo, em boa lógica, não se pode impugnar o que não existe.
A ampliação da matéria de facto é outra coisa, é o mecanismo processual de que a Relação dispõe quando as partes alegaram factos com importância para a apreciação do mérito da acção ou das excepções deduzidas como meio de defesa, a 1.ª instância não procedeu ao julgamento dos mesmos, e para julgar as questões que são objecto do recurso a Relação necessita daqueles factos, o que obriga a que os mesmos sejam previamente objecto de prova e decisão.
À ampliação da matéria de facto refere-se a parte final da alínea c) do n.º 2 e a alínea c) do n.º 3 do artigo 662.º do Código de Processo Civil.
Se a Relação a decidir que a ampliação é necessária deve ordenar essa ampliação e para o efeito anula a decisão proferida na 1.ª instância e ordena a repetição do julgamento para que se produza prova sobre os factos da ampliação. Nessa situação não é consentido à Relação que julgue em primeira mão os novos factos, terá de ser a 1.ª instância a fazê-lo.
Serve isto para dizer que se os factos visados pelos requerentes da ampliação não tiverem sido julgados pela 1.ª instância, a Relação, reconhecendo o seu interesse, não pode pura e simplesmente, no Acórdão em que conhece do recurso, julgá-los provados (ou não provados) e aditá-los à fundamentação de facto. Isso só é possível em relação a factos que se encontram abrangidos por prova plena e que não obstante não tenham sido incluídos pela 1.ª instância na fundamentação de facto.
No caso, o tribunal a quo depois de não assinalar como «factos não provados» (rectius, factos julgados como não provados) nenhum facto, escreveu que «o demais alegado não obtém qualquer resposta a nível probatório», ou seja, que não proferiu julgamento (da prova) sobre qualquer outro facto para além dos que julgou provados. Logo, a pretensão do recorrente não pode constituir uma impugnação da decisão sobre a matéria de facto porque os factos a que se refere não foram sequer julgados. Tem de constituir um pedido de ampliação da matéria de facto, suportado no interesse dos factos para o conhecimento do mérito.
Por conseguinte, por ora basta dizer que inexiste impugnação da decisão sobre a matéria de facto que possa interferir com a fundamentação de facto fixada em 1.ª instância.
Se é necessária a ampliação dessa fundamentação é coisa que se analisará em sede de conhecimento das questões de direito suscitada porque é a (des)necessidade da ampliação para permitir esse conhecimento que ditará (ou não) a ampliação.

IV. Fundamentação de facto:
Encontram-se julgados provados em definitivo os seguintes factos:
1. […] BB nasceu a ../../1941, na freguesia ..., concelho de Vila do Conde, e é filha de GG e HH.
2. O casamento da beneficiária com II foi dissolvido por óbito do marido a 24 de Maio de 2006.
3. A requerente AA nasceu a ../../1972 e é filha de II e BB.
4. CC nasceu a ../../1970 e é filho de II e BB.
5. A beneficiária padece de síndrome demencial, com data de início estimada em Julho de 2019, sem cura à luz da medicina actual.
6. Em virtude da patologia de que padece, a beneficiária necessita de apoio de terceiros para a alimentação, a higiene, o vestuário, a toma de medicação e a comparência em consultas médicas.
7. A beneficiária lê parte de um texto com dificuldade e não consegue explicar o conteúdo do mesmo.
8. A beneficiária não consegue escrever uma frase.
9. A beneficiária consegue realizar alguns cálculos matemáticos.
10. A beneficiária não reconhece o valor do dinheiro.
11. A beneficiária está desorientada no tempo e no espaço.
12. A beneficiária não sai de casa sozinha.
13. A beneficiária é licenciada em Engenharia.
14. A beneficiária é interessada na herança aberta por óbito do seu marido.
15. A beneficiária reside na Rua ..., ... Póvoa de Varzim.
16. Os filhos da beneficiária dormem na casa desta alternadamente.
17. A beneficiária tem uma empregada doméstica durante a manhã e uma cuidadora durante a tarde.
18. O filho almoça em casa da beneficiária.
19. A requerente é médica dentista e CC é administrativo.
20. A aquisição do prédio descrito na Conservatória do Registo Predial de Vila do Conde sob o n.º ..., da freguesia ... encontra-se inscrita a favor da beneficiária, através da Ap. ... de 08-02-2007.
21. A aquisição do prédio descrito na Conservatória do Registo Predial de Vila do Conde sob o n.º ..., da freguesia ... encontra-se inscrita a favor da beneficiária, através da Ap. ... de 23-11-2006.
22. A aquisição do prédio descrito na Conservatória do Registo Predial da Póvoa de Varzim sob o n.º ..., da freguesia ... encontra-se inscrita a favor da beneficiária, de CC e de AA, através da Ap. ... de 23-11-2006.
23. A beneficiária é interessada na herança aberta por óbito do seu marido.
24. A beneficiária é co-titular de contas bancárias com os seus filhos, no Banco 1...., S.A. e no Banco 2..., S.A..
25. A beneficiária recebe pensão de sobrevivência.
26. Não há registo de que a beneficiária haja outorgado testamento vital ou procuração para cuidados de saúde.
27. Os filhos da beneficiária encontram-se disponíveis para desempenhar o cargo de acompanhante da sua mãe.

V. Matéria de Direito:
São duas as questões colocadas no recurso: se deve ser decretada uma medida de representação geral em vez das representações especiais assinaladas na decisão recorrida; se deve ser nomeado um único acompanhante e, nesse caso, optar pelo filho, em vez de dois acompanhantes, ambos os filhos nomeados naquela decisão.
A Lei n.º 49/2018, de 14 de Agosto, criou o regime jurídico do maior acompanhado, eliminando os institutos da interdição e inabilitação previstos no Código Civil.
O acompanhamento destina-se a assegurar o bem-estar, a recuperação, o pleno exercício de todos os direitos do maior necessitado e o cumprimento dos seus deveres nos termos do n.º 1 do artigo 140.º do Código Civil. Ele não é decretado se o seu objectivo se mostrar garantido através dos deveres gerais de cooperação e assistência que no caso caibam, conforme a regra da supletividade do n.º 2 do artigo 140.º do Código Civil.
Acerca deste regime, Mafalda Miranda Barbosa, in Maiores Acompanhados: da Incapacidade à Capacidade?, ROA, 78º, vol. I-II, págs. 231 a 258, escreve que o novo regime, que representa uma mudança de paradigma em relação aos institutos da incapacidade por interdição ou inabilitação, parte «de uma ideia de capacidade, para dotar a pessoa dos instrumentos necessários para a sua tutela nos casos pontuais - e sempre tendo em conta as particularidades de cada actuação ou domínio de actuação - em que dela careça. A solução já não é generalizante, procurando, pelo contrário, preservar até ao limite a possibilidade de actuação autónoma do sujeito».
Para esta autora, «as medidas de acompanhamento visam, assim, assegurar o bem-estar e a recuperação do maior, garantir o pleno exercício dos seus direitos e o cumprimento dos seus deveres. Nessa medida, regem-se por uma ideia de subsidiariedade. A medida de acompanhamento só tem lugar quando as finalidades que com ela se prosseguem não sejam garantidas através dos deveres gerais de cooperação e assistência. Alem disso, procura-se salvaguardar a vontade do sujeito, em sintonia com as orientações internacionais, de tal modo que, consoante prescreve o art. 141º/1, CC, o acompanhamento tem de ser requerido pelo próprio maior carecido de protecção ou, mediante autorização deste, pelo cônjuge, pelo unido dc facto ou por qualquer parente sucessível. Prescinde-se, contudo, da autorização do beneficiário, quando este não possa livre e conscientemente prestá-la ou quando se considere existir um fundamento atendível. Nessas hipóteses, o tribunal pode suprir a referida autorização. (…) Por outro lado, na procura do respeito pela autonomia da pessoa, o acompanhante, sendo designado judicialmente, é escolhido pelo acompanhado ou pelo seu representante legal, e, só na falta dc escolha, é que passa a ser deferido à pessoa que melhor salvaguarde o interesse do beneficiário, designadamente uma das previstas nas diversas alíneas do n.º 2 do art. 143.º, CC. (…) Para além dc uma ideia de subsidiariedade, o acompanhamento dc maiores rege-se por um princípio de necessidade. Nos termos do art. 145º/1, CC, o acompanhamento limita-se ao necessário. Entre os diversos poderes que podem ser atribuídos ao acompanhante, contam-se: o exercício das responsabilidades parentais ou dos meios de as suprir; a representação geral ou especial, com indicação expressa das categorias das categorias de actos para que seja necessária; administração total ou parcial de bens; autorização prévia para a prática de determinados actos ou categorias de actos. O acompanhamento pode, assim, conduzir à representação legal, aplicando-se o regime da tutela, com uma diferença não despicienda relativamente à interdição: é que enquanto esta era decretada dc forma generalizante, a representação subjacente ao regime do acompanhamento é determinada em função das necessidades concretamente constatadas do beneficiário, podendo ser geral ou especial».
Segundo Mariana Fontes da Costa, in O reconhecimento da proibição do excesso como critério delimitador das medidas de acompanhamento das pessoas com deficiência, pág. 101, nas Actas do Seminário Autonomia e Capacitação: os Desafios dos Cidadãos Portadores de Deficiência, Centro de Investigação Jurídico Económica, Biblioteca da RED, ISBN 978-989-746-200-9, o princípio da proibição do excesso «é constituído por três subprincípios: princípio da conformidade (também designado princípio da adequação de meios, idoneidade ou aptidão); princípio da necessidade (também designado princípio da exigibilidade ou da indispensabilidade); e princípio da proporcionalidade em sentido estrito (também designado princípio da racionalidade). Da aplicação do subprincípio da conformidade à delimitação das medidas relacionadas com o exercício da capacidade jurídica das pessoas com deficiência (…) resulta que as medidas adoptadas devem ser apropriadas à prossecução do fim ou fins a elas subjacentes, ou seja, devem ser aptas a alcançar os fins que fundamentam a sua adoçam ... Ora, a identificação dos fins subjacentes à adoçam das medidas de acompanhamento é operada pela própria Convenção, sendo de especial relevância para o efeito o texto dos artigos 1.º, 3.º e 12.º. Da conjugação destas disposições normativas resulta que as medidas de acompanhamento serão adequadas aos fins a que se destinam, entendemos, na medida em que sejam aptas a realizar ou contribuir para alcançar a superação das barreiras experimentadas por aquela pessoa concreta na sua interacção social, ao nível da tomada de decisões jurídicas e/ou ao nível da aptidão para executar as decisões tomadas. A idoneidade destas medidas dependerá de as mesmas se revelarem adequadas a promover e garantir uma efectiva liberdade de actuação jurídica da pessoa com deficiência, contribuindo para a plena realização da sua autonomia individual, em consonância com o que o ordenamento jurídico assegura para os restantes indivíduos maiores; nesta sua dimensão, o juízo de idoneidade das medidas de acompanhamento conflui — ainda que o anteceda logicamente — com o juízo de necessidade das mesmas... Por sua vez, o respeito pelo princípio da necessidade impõe que, de entre as possíveis medidas de acompanhamento idóneas, sejam adoptadas aquelas que constituem um meio menos restritivo e oneroso para o exercício livre, individual e autónomo da capacidade de gozo e de exercício pela pessoa com deficiência... Trata-se, no fundo, de comparar, de entre as diversas medidas de acompanhamento adequadas à superação das barreiras experienciadas pela pessoa com deficiência na sua interacção jurídica com outras pessoas, quais as que geram a “menor ingerência possível” .. no direito à autodeterminação do indivíduo. O artigo 12.º da Convenção sobre os Direitos das Pessoas com Deficiência reconhece a essencialidade deste controlo de necessidade sobre as medidas de acompanhamento, quer no seu número 3, ao estatuir que “[o]s Estados Partes tomam medidas apropriadas para providenciar acesso às pessoas com deficiência ao apoio que possam necessitar no exercício da sua capacidade jurídica” (..), quer no número 4, ao impor que os Estados Partes assegurem que essas medidas forneçam as “garantias apropriadas e efectivas para prevenir o abuso de acordo com o direito internacional dos direitos humanos” (..) e ao determinar que essas garantias terão como propósito, nomeadamente, assegurar que as medidas de acompanhamento serão “proporcionais e adaptadas às circunstâncias da pessoa” e se aplicarão “no período de tempo mais curto possível”, estando “sujeitas a um controlo periódico por autoridade ou órgão judicial competente, independente e imparcial” (..). De especial relevância nos parece sublinhar dois aspectos. O primeiro prende-se com a circunstância de este controlo de necessidade se confrontar, na prática, com o facto de dificilmente dois meios distintos equivalerem plenamente no grau de adequação à promoção dos fins, deste modo tornando o processo de comparação num juízo valorativo e ponderativo entre ganhos e perdas de idoneidade contra agravamentos e atenuações de ingerência... O segundo prende-se com a importância de este juízo ponderativo ter em atenção, sempre que possível, a sensibilidade específica da pessoa a quem será atribuída a medida de acompanhamento, devendo dar-se preferência, dentre as diversas opções idóneas, às medidas que a própria reporta como menos gravosas para a sua autodeterminação pessoal... Por fim, exige-se ainda que as medidas concretamente fixadas respeitem a proporcionalidade em sentido estrito. Por força desta dimensão do princípio da proibição do excesso, não basta que as medidas estipuladas sejam adequadas e necessárias à promoção dos fins a que se destinam; é ainda exigido que a restrição que as mesmas geram em termos de autonomia de actuação da pessoa em causa não seja desproporcional face ao benefício que geram na promoção de uma efectiva operacionalização da capacidade jurídica da mesma35. Uma das mais relevantes especificidades da aferição do respeito pelo princípio da proporcionalidade em sede de aplicação de medidas de acompanhamento reside no facto de a ponderação entre o desvalor dos meios e o benefício dos fins incidir, em regra, sobre a esfera da mesma pessoa.»
Aplicando esta interpretação das normas e a mencionada regra da subsidiariedade, afigura-se-nos que não é, de todo, necessário no caso instituir uma representação geral. A beneficiária dispõe de um bom apoio familiar, de condições para viver com tranquilidade na sua própria casa, com o apoio não apenas dos filhos e demais familiares como de uma empregada/cuidadora.
Logo, a necessidade de medidas de protecção e o estabelecimento de medidas de representação apenas se justifica no âmbito do seu relacionamento com entidades ou organizações externas para cuja prática a beneficiária já não dispõe de condições para formar com autonomia a respectiva vontade de forma livre e consciente e/ou actuar no sentido da sua concretização.
Nenhum dos factos novos referidos pelo recorrente interfere com esta ponderação, aliás, só a reforçariam, pelo que a ampliação não é necessária para resolver esta questão jurídica.
No que concerne ao número de acompanhantes, deve dizer-se que o recorrente inverte as coisas. Os problemas de relacionamento com a irmã hão-de resolvê-los entre si. Se quiserem estar à altura do papel e da função de filhos da beneficiária, saberão, como adultos, encontrar formas de diálogo (o diálogo estritamente suficiente) para resolver o que importa à mãe e serve os respectivos interesses.
Aliás, basta ouvir a gravação dos respectivos depoimentos para perceber que para haver uma teima não basta um teimoso e que existe claramente uma tentativa de ambos de imporem ao outro a respectiva visão. Essa circunstância não pode colocar o tribunal, na sua decisão, perante um facto consumado: já que não nos damos bem, o tribunal tem de escolher e escolher um (considerando cada um dever ser o … eleito).
Não cabe no âmbito do presente processo nem é necessário para as respectivas finalidades apreciar se um dos filhos é mais razoável que o outro, é mais sensível que o outro ao que entende serem os interesses da mãe, tem mais razão que o outro nas posições que defende em relação à mãe e aos cuidados a prestar-lhe.
No tocante à nomeação do acompanhante havendo dois filhos e mostrando-se ambos igualmente capazes e com interesse na protecção da mãe, é adequado nomear ambos como acompanhantes não só para dessa forma os envolver a todos nessa tarefa, como para fazer com que todos estejam comprometidos com a protecção da beneficiária.
A nomeação de mais que uma pessoa para o exercício dessa função protege melhor a beneficiária porque permite que eles se substituam reciprocamente nas situações de impedimento, como os obriga a levar em conta a posição do outro sobre as medidas a adoptar, sendo certo que essa colegialidade, a necessidade de ponderarem outras opiniões e a possibilidade de as suas próprias serem fiscalizada pelo outro, contribuirá para a adopção de melhores soluções … assim os filhos queiram.
As dificuldades de diálogo entre os filhos não são impeditivas desse entendimento porque não está demonstrado que as mesmas vão ao ponto de os levar as descurar os interesses e a protecção da mãe, excepto na opinião egoísta e egocentrista daquele que entende que é … o único que tem razão.
Aliás, a questão da partilha dos bens por óbito do pai, que parece, pelo menos do exterior, ser o grande motivo de divergências entre eles, é totalmente irrelevante para o caso, pois qualquer dos herdeiros tem o direito de requerer a partilha, queiram os demais ou não, e não é a situação da beneficiária que pode servir de impedimento à partilha, caso algum dos herdeiros entenda requerê-la.
Por fim, diga-se que no caso concreto nem sequer se coloca a questão de prevenir eventuais situações de divergência que dificultem a prática de actos urgentes ou inadiáveis porque os actos de representação especial atribuídos a cada um dos filhos estão devidamente separados e a sua cooperação só é reclamada para os actos a praticar em tribunais e entidades bancárias e para os actos relativos à administração dos bens, rendimentos e contas bancárias da beneficiária, casos em que as já assinaladas colegialidade, necessidade de diálogo e concertação que deriva da nomeação de dois acompanhantes são, não apenas adequadas e suficientes, como mesmo absolutamente necessárias exactamente por causa das divergências entre os irmãos e do risco que elas encerram de estes decidirem, podendo, prosseguir os seus próprios interesses em vez dos interesses da beneficiária, afinal de contas, os interesses comuns da família.
Por tudo isso, sem necessidade de proceder a qualquer ampliação da matéria de facto, é de concluir que a decisão recorrida decidiu bem e com justa ponderação dos interesses em jogos, devendo por isso ser confirmada.
Improcede o recurso.

VI. Dispositivo:
Pelo exposto, acordam os juízes do Tribunal da Relação julgar o recurso improcedente e, em consequência, negando provimento à apelação, confirmam a decisão recorrida.
Sem custas por delas estar isento o processo (artigo 4.º, n.º 2, alínea h), do Regulamento das Custas Processuais).
*
Porto, 23 de Outubro de 2025.
*
Os Juízes Desembargadores
Aristides Rodrigues de Almeida (R.to 914)
Carlos Cunha Rodrigues Carvalho
António Carneiro da Silva

[a presente peça processual foi produzida pelo Relator com o uso de meios informáticos e tem assinaturas electrónicas qualificadas]