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MEDIAÇÃO IMOBILIÁRIA
DEVERES ACESSÓRIOS DO MEDIADOR
DIREITO À REMUNERAÇÃO
Sumário
I- O mediador imobiliário tem o dever de certificar-se, no momento da celebração do contrato de mediação, que os seus clientes têm capacidade e legitimidade para contratar nos negócios que irá promover (art.17.º n.º1 a) da Lei n.º15/2013 de 8.2), dever acessório ou de conduta que a lei erige como um dever para com os clientes e destinatários. II-Viola tal dever a empresa de mediação que celebra contrato de mediação tendo em vista a angariação de interessado na compra de um imóvel, vindo a constatar-se posteriormente que 1/10 do imóvel estava registado a favor de pessoa diferente do cliente, o que impediu celebração do contrato de compra e venda com o interessado angariado. III-Porque a constituição do direito à remuneração dependia da conclusão e perfeição do negócio visado, o contrato em causa, celebrado com quem não podia transmitir a propriedade, não tinha a virtualidade de vir a constituir na esfera jurídica da mediadora o direito à remuneração já que o cliente não podia – como não pôde – celebrar a venda, revelando-se a atividade de medição inidónea à conclusão e perfeição do negócio, logo incapaz de estabelecer o nexo causal, o que deve ser imputado à mediadora que violou o referido dever, e, nessa medida, justificativa da rescisão pelo réu do contrato sem a correlativa obrigação de remunerar a mediadora. IV- Vindo o imóvel a ser vendido, cerca de dois anos depois, ao mesmo interessado, daí não resulta qualquer restabelecimento do nexo causal antes inexistente, porque o substrato que agora permite a conclusão e perfeição do negócio radica na diferente situação jurídica do imóvel e é superveniente à atividade da mediadora.
Texto Integral
Acordam no Tribunal da Relação de Lisboa:
I-Relatório
1- Alanorte - Mediação Imobiliária Lda., intentou contra B…, ação pedindo que o ré fosse condenado no pagamento da quantia de € 7.380,00, acrescida de juros de mora vencidos e vincendos, relativa à remuneração pelos serviços de mediação imobiliária prestados pela autora ao réu.
2- O réu contestou admitindo a contratação da autora para venda de um imóvel; mais disse que, em outubro de 2021, tomou conhecimento que a A. teria angariado um comprador interessado, pelo valor de € 90.000,00; em finais de Janeiro de 2022, foi informado de que não poderia ser celebrada a escritura pública, porquanto a situação registral do prédio não permitia a conclusão do negócio; desconhecia que o pretenso comprador angariado pela A., tinha pago sinal, e em 05 de Fevereiro de 2022, exigiu que o sinal fosse devolvido; a conduta da A., levou a que denunciasse o contrato em Fevereiro de 2022; perdeu a confiança na A., porque, além de ter promovido a venda de um imóvel que não reunia as condições para ser vendido, infringiu a alínea a) do artigo 17º n.º 1 da Lei 15/2013 e era obrigação da A. antes de promover a venda informar o R. que este não tinha legitimidade para a venda do imóvel; contratou advogado para proceder à legalização da situação registral do imóvel em causa e realizou escritura de justificação notarial de 1/10 do prédio em causa, em … de fevereiro de 2023; só após essa escritura foi contactado por E.., no sentido de que estaria alguém interessado na aquisição do prédio urbano e após negociações diversas o R. e os compradores acertaram a venda dos imóveis nos seguintes termos:1 - prédio urbano pelo valor de € 87.500,00; 2 – prédio rústico descrito sob o art…. pelo valor de €2.500,00; 3 - prédio rústico descrito sob o art….pelo valor de € 2.500,00. Conclui que realizou uma negociação direta sem qualquer intervenção da A., inexistindo nexo causal entre a atuação do mediador e a conclusão do negócio.
3-No prosseguimento dos autos, após julgamento, foi proferida sentença com o seguinte dispositivo: “Por todo o supra exposto, julga-se a acção procedente, no essencial, e em conformidade: - Condena-se o Réu a pagar à Autora a quantia global de € 7.300,00 (€ 6.000,00 + € 1.380,00 de I.V.A. a 23%), acrescida de juros, desde a interpelação do Réu (19.10.2023) até integral e efectivo pagamento. - Condena-se a Autora e o Réu ao pagamento das custas da presente acção, na proporção de 2% e 98%, respectivamente.”
* 4 -É desta sentença que vem interposto o presente recurso, pelo réu, que termina com as seguintes conclusões: 1 - Está inconformado o Recorrente. 2 - O Tribunal, salvo melhor juízo, não pode condenar o Réu no pagamento de juros sobre o IVA, daí que, a sentença proferida, padeça de erro, na parte que condena o Réu a pagar €7.300,00 acrescida de juros, pois que, como é da lei, os juros são calculados sobre o capital, neste caso sobre € 6.000,00 desde a interpelação (19.10.2023) até efetivo e integral pagamento, pelo que deve ser corrigida a condenação, no sentido de serem devidos juros apenas sobre o capital e não sobre o IVA aplicável. 3 - Sem prescindir, da sentença proferida pelo Tribunal a quo, resulta que a motivação e matéria de facto dada como provada e não provada se encontra em manifesta contradição. 4- A matéria de facto dada como provada e que consta da aludida sentença, supramencionada, deveria conduzir a decisão diversa da proferida. 5- O contrato entre a A./Recorrida e o R./Recorrente, teve o s/ inicio em 01.07.2021, não fazendo a sentença proferida qualquer referência ao termo do contrato (Cfr. Ponto 4 supra); 6 - É nosso modesto entender, que a única referência a tal propósito, se encontra plasmada no ponto 15 da matéria fáctica dada como provada, pois dali se extrai que o Tribunal a quo, reconhece que o R. recorrente “rescindiu o contrato de mediação em fevereiro de 2022”, cfr. ponto 15, e fundamentação da matéria de direito. 7 - Ora, salvo o devido respeito, parece-nos que determinando o Tribunal que o contrato de mediação foi resolvido e que tal resolução foi aceite pela A., aqui recorrida, como pode vir determinar esse mesmo Tribunal pela condenação do R./ recorrente, 8 - A denúncia do contrato feita, é válida e devia ter produzido os seus efeitos, sendo a causa da interrupção do nexo de causalidade entre a atividade da Recorrida e do Recorrente. 9 - Considera o Tribunal a quo que a A./Recorrida divulgou o imóvel para venda, mas resulta claro, salvo devido respeito, que a única venda que aquela promotora deveria ter promovido era os 9/10 de que o R./Recorrente era à data proprietário, 10 - O R./Recorrente no dia da outorga do contrato de mediação (ponto 4) em 01.07.2021, entregou à A./Recorrida a caderneta predial e a certidão registral do imóvel, como melhor resulta do Ponto 21 da matéria de facto dada como provada, 11- A A. aqui recorrida só após ter promovido a venda da totalidade do imóvel durante cerca de 6 meses, e só após ter celebrado um alegado contrato de reserva, onde rececionou €5.000,00, (cfr. ponto 10, e cfr. doc. 4 junto com a p.i), é que terá alegadamente procedido à sua obrigação de verificar a documentação que lhe havia sido entregue em Julho de 2021, 12 - Porém, salvo melhor juízo, o Tribunal a quo não pode concluir como conclui, que é devida a retribuição à A, pois a verdade é que o imóvel não reunia as condições para ser vendido, infringindo a A., com tal conduta os seus deveres para os quais foi contratada em violação do disposto na alínea a) do artigo 17º n.º1 da Lei 15/2013. 13 - Mas o Tribunal a quo vai mais longe, pois, considera que o direito de propriedade parcial do R./Recorrente (os 9/10), se trata apenas de uma mera “incongruência”, cfr. ponto 12, não estando como tal impossibilitada a perfeição do negócio, referindo-se ainda a tal factualidade como “um erro”. 14 - Esquece o Tribunal cuja decisão está ora em crise, que, cfr. ponto 17 e 18 transcritos supra, que o R./Recorrente celebrou escritura de compra e venda e mútuo com hipoteca pelo valor de €87.500,00, com C… e esposa, no dia ….09.2023, a qual incidiu não só sobre o imóvel objeto do contrato de mediação (ponto 4) mas também sobre os prédios Rústicos …e…, cada um pelo valor de € 2.500,00, após a denúncia do contrato de mediação imobiliária, que ocorreu em Fevereiro de 2022, 15 - O R/Recorrente e os compradores acertaram a venda, com novas condições e cláusulas a qual, como se disse já, incidiu, não só no imóvel objeto do contrato de mediação, como, também, na venda de dois prédios rústicos, 16 - E na sequência deste novo contrato é que foi celebrado o contrato definitivo, isto é, a escritura pública de compra e venda e sem qualquer intervenção da A./Recorrida, nestas negociações, pelo que não se compreende como é que possa ser devida à mesma qualquer retribuição e ou renumeração – Pontos 17, 18 e 27. 17 - Considerando aquele Tribunal que o comprador afirmou que o negócio ficou por ali, ou seja, terminou, e havendo como houve a denúncia/rescisão do contrato de mediação em Fevereiro de 2022, bem como um novo negócio que também foi dado como provado pelo Tribunal, como pode o mesmo Tribunal entender que é devida qualquer remuneração à A., entendimento com o qual não nos podemos conformar 18 - O R./recorrente, perante a violação do dever da A./Recorrida na análise dos documentos que lhe foram entregues aquando da celebração do contrato de mediação, desistiu do negócio, e igual atitude tiveram os compradores, dai que o Tribunal a quo também tenha dado como não provado o ínsito na alínea a) constante da matéria dada como não provada. 19 - Tivesse a A./Recorrida atuado com zelo e diligência na análise dos documentos, e nunca teria sido outorgado o referido contrato de mediação, e caso o R./recorrente estivesse satisfeito com a atuação da A./Recorrida, não resolveria, como resolveu o contrato de mediação. 20 - Considerou o Tribunal recorrida que, as negociações para a venda, tiveram lugar no ano de 2023, e incidiram sobre 3 prédios, Urbano … da Freguesia de …€87.500,00; Rústico ….da Freguesia de ….€ 2.500,00; Rústico … da Freguesia de …. €2.500,00, cfr. ponto 27. 21 - Não tendo resultado provado, como não resultou que o valor da compra e os bens imóveis não correspondem ao contratado com a intervenção da A., e que houve um novo contrato, estamos perante uma modificação do negócio, o que não foi levado em linha de conta pelo Tribunal a quo 22 - Ora, no presente caso, a não realização da escritura de compra e venda, aos compradores “angariados” pela A., no decurso do contrato de mediação foi por “culpa” da mesma, na medida em que, e como consta da sentença proferida,àquela foi entregue toda a documentação e não verificou, como era sua obrigação, que o imóvel que havia publicitado para venda, não reunia condições para tal, o que aliás só acabou por ser “descoberto” no decorrer da preparação da escritura – ponto 11 dos factos provados 23 - Pese embora o Tribunal a quo não dê como assente quem apurou essa desconformidade, nem tão pouco faça referência à data, como tal desconformidade foi apurada no “decorrer da preparação da escritura pública do imóvel” (cfr. ponto 11 da matéria dada como provada), tal desconformidade terá sido apurada ou pela instituição bancária, responsável pela plataforma de concessão de créditos ou pelo Cartório Notarial responsável pela elaboração da escritura pública. 24 - Foi nessa sequência, que em finais de janeiro de 2022 o R. foi informado que a situação registral do imóvel não permitia a conclusão no negócio jurídico. 25 - Ainda assim, entende o Tribunal a quo que a A./Recorrida não age em plena violação dos seus deveres contratuais, cfr. exigido pelo n.º 1 alínea a) do artigo 17º Lei 15/2013, entendimento com o qual não nos podemos conformar. 26 - Ora, no caso em apreço, o R. denunciou o contrato com a A., por carta registada de 07.02.2022, em virtude de a escritura não se poder realizar, e as consequências daí advindas e supra explanadas, celebrou novo contrato com novas condições, novas cláusulas e novo preço. 27 - Efetivamente, e atendendo à não realização da escritura pública, por facto imputável à A./Recorrida que descurou o dever de violação e fiscalização em como o imóvel reunia as necessárias condições para ser colocado à venda, houve, necessariamente, uma quebra da relação de confiança entre as partes. 28 - Certo é que, e entendendo-se por contrato de mediação aquele o contrato pelo qual uma das partes se obriga a promover, de modo imparcial, a aproximação de duas ou mais pessoas, com vista à celebração de certo negócio, mediante retribuição. 29 - Essa atividade assenta também, no princípio da boa-fé contratual que aponta no sentido de que a confiança que constitui a base imprescindível de todas as relações humanas não deve ser frustrada, como foi no caso dos autos. 30 - E a verdade é que, o R./Recorrente perdeu a confiança que depositara na A./Recorrida e denunciou o contrato de mediação imobiliária, faculdade que lhe assistia, e que foi ignorada pelo Tribunal a quo. 31 - Com efeito, nos termos do artigo 19 da Lei 15/2013 a renumeração só é devida com a conclusão e perfeição do negócio visado com a mediação, para o que, e em nada a Recorrida contribuiu. 32 - O negócio celebrado foi, não só após a denúncia, como também após o período de vigência do contrato, e, não foi o R. que impediu a concretização no decurso do período de vigência do contrato, pelo contrário 33 - Não resultou provado na sentença que o R. impediu a concretização durante o período de vigência do contrato de mediação para se eximir ao pagamento, antes pelo contrário, 34 - Além de se não entender o porquê desta afirmação, e ainda que tal não fosse necessário, pois que se provaram factos que mais força deram ao direito de denuncia do contrato por parte do comitente, pois que, a aprazada escritura apenas e só se não realizou por facto imputável à mediadora, qual seja, a não verificação da qualidade de proprietário na sua totalidade do réu, do bem imóvel objeto do contrato de mediação, apesar de os documentos que comprovavam precisamente o contrário lhe haverem sido entregues em 01.07.2021 – cfr. ponto 21. 35 - Não custa a acreditar que o réu se tenha sentido frustrado e com quebra de confiança na mediadora, factos que, naturalmente, encerram, objetivamente, dignidade para fundamentarem, ou, pelo menos, reforçarem, a sua vontade de denunciar o contrato. 36- A Recorrida omitiu um dever/obrigação fundamental que inviabilizou o negócio inicialmente contratado, pois, como se disse já, nos termos do art.17º, nº1 da Lei 15/2013, é obrigada, no momento da celebração do contrato de mediação, a certificar-se que os seus clientes têm capacidade e legitimidade para contratar nos negócios que irá promover (al.a) e da correspondência entre as características do imóvel objeto do contrato de mediação e as fornecidas pelos clientes (al.b), o que manifestamente não se verificou no caso dos autos. 37 - Por isso, competia à A. antes de iniciar a promoção do imóvel, não só exigir ao cliente os elementos de identificação do imóvel e a indicação dos respetivos ónus, mas também confirmar junto das entidades públicas as informações recebidas e não obstante ter-lhe sido entregue a documentação do prédio urbano sobre o qual incidiu o contrato de mediação, 38 - Não o fez, pelo que tal contrato de mediação sempre deveria ser considerado como inválido, o que determinaria a nulidade, esta que é imputável á A./recorrida, não lhe sendo como tal devida qualquer remuneração. 39 - Pelas expostas razões, entende o Recorrente que, na parte supra alegada, os fundamentos da matéria fáctica dada como provada encontram-se em oposição com a decisão, porquanto facultaria outra em sentido diverso, e em consequência, determinar que a Recorrida, não tem direito a qualquer comissão por inexistência de fundamento. A douta sentença, salvo devido respeito, viola direta e indiretamente o disposto, entre outros, nos artigos 615º nº1 alíneas c) e d) do C.P.C., bem como artigos 16º, 17º da Lei 15/2013, entre outros, art.º 1.054º, 1.154º entre outros do C. Civil, e seus basilares princípios.
5- Contra-alegou a ré/recorrida, concluindo da seguinte forma: 1. No que concerne aos factos provados e ou não provados, os mesmo estão perfeitamente elencados e não poderiam ter levado a outra decisão, pelo que a douta sentença não nos merece qualquer reparo; 2. O facto de se aceitar a rescisão contratual como facto provado, não determina que não persista a obrigação de pagamento da remuneração; 3. A recorrida não sustenta a sua pretensão compensatória na vigência do contrato, mas antes no cumprimento do mesmo e, depois, na extensão dos seus efeitos para além da vigência do contrato; 4. Na vigência do contrato, a Autora/recorrida cumpriu com as obrigações que lhe eram impostas contratualmente pelo contrato de mediação imobiliária assinado, e o réu, num ato de clara má-fé, aproveitou-se da impossibilidade de transmissão imediata do imóvel, por necessidade de correção de uma incongruência registral para, a seguir, rescindir o contrato de mediação imobiliária e, posteriormente, concluir, sozinho, o sobredito negócio; 5. A recorrida promoveu a venda da totalidade do imóvel e não 9/10 do mesmo, porque, na realidade, o recorrente era efetivamente proprietário da totalidade do imóvel, independentemente da incongruência registral que existia; 6. Aliás, tanto tinha legitimidade para vender a totalidade do imóvel, que vendeu, declarando-se proprietário em sede de escritura de justificação notarial do 1/10 em falta, desde por volta do mês de Abril de 1996; 7. É certo que a venda foi feita pelo valor de 87.500,00 €; 8. Como é certo que a redução operada foi proporcional à poupança que o vendedor, ora recorrente, teria com o afastamento da empresa de mediação imobiliária, a quem já não tinha intenção de pagar qualquer remuneração; 9. A recorrida cumpriu efetivamente a sua obrigação contratual de angariar comprador para o imóvel que, afinal, na vigência ou não do contrato de mediação imobiliária, acabou por o adquirir 10. Aceitar a produção de efeitos da denúncia do contrato de mediação imobiliária, conforme pretende a recorrente, para cortar o nexo causal que sustentaria a obrigação de pagamento da remuneração, seria premiar a chico-espertice do cidadão e aceitar que um comportamento em claro abuso de direito prejudicasse o labor da recorrida e o comercio jurídico em geral; 11. Ficou mais do que provada a relação causal entre a atuação do mediador e a conclusão do negócio, pois foi claro e assumido unanimemente que o comprador teve conhecimento de que o imóvel estava no mercado para venda pelo trabalho de divulgação operado pela Recorrida; 12. Motivo pelo qual a remuneração é mais do que devida! 13. Pelo que não nos parece haver qualquer erro de julgamento. A matéria que foi dada como provada e/ou não provada não poderia ter levado a outra decisão que não aquela tomada pelo tribunal a quo.
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Colhidos os vistos, cumpre apreciar e decidir
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Objeto do recurso/questões a decidir:
Sendo o objeto do recurso balizado pelas conclusões apresentadas, nos termos conjugados dos arts.635.º n.º4 e 639.º n.º1 do CPC, sem prejuízo das questões de que o tribunal possa conhecer oficiosamente (art.608.º, n.º 2, in fine, em conjugação com o art. 663.º, n.º 2, parte final, ambos do CPC), prefiguram-se no presente caso as seguintes questões a decidir:
-nulidade da sentença.
-erro de julgamento quanto aos pressupostos de que depende o pagamento da retribuição ao mediador imobiliário.
-saber se os juros devem incidir sobre o valor total da fatura com Iva;
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II- Fundamentação
2.1- Fundamentação de facto:
2.1.1- Na sentença objeto de recurso constam como provados os seguintes factos: 1. A Autora é uma sociedade comercial por quotas que se dedica à “mediação imobiliária e outras actividades auxiliares de serviços financeiros, designadamente a actividade de intermediação de crédito e prestação de serviços de consultadoria, excepto seguros e fundos pensões”; 2. A Autora é titular da licença AMI …, emitida pelo Instituto dos Mercados Públicos, do Imobiliário e da Construção, I.P.; 3. O Réu, em meados do ano 2021, contactou os serviços da Autora, com o objectivo de vender um imóvel sua propriedade; 4. Em 1 de Julho de 2021, a Autora e o Réu outorgaram escrito denominado de “Contrato de Mediação Imobiliária”, com o seguinte teor: …. 5. A Autora divulgou o imóvel, afixando uma placa naquele publicitando a venda, e divulgando-o na imprensa local, bem como nas suas instalações, plataformas digitais próprias, e através dos seus comerciais; 6. Em data não concretamente apurada, mas no decorrer do mês de Setembro de 2021, uma das comerciais da Autora, a senhora J…, foi contactada pelo senhor C… que, desde logo, demonstrou ter interesse na aquisição do aludido bem imóvel; 7. Aquando do contacto com a comercial, o cliente referiu-lhe que já conhecia o imóvel, uma vez que já lá tinha andado a trabalhar, mais especificamente na realização de serviços de construção civil e que teve conhecimento que o mesmo estaria para venda, pelo que tinha interesse em fazer uma proposta; 8. E foi nesse seguimento que o cliente apresentou uma proposta para a aquisição do imóvel, pelo valor de 90.000,00 € (noventa mil euros); 9. Proposta essa que, comunicada ao vendedor, foi aceite; 10. Tendo, nesse seguimento, o cliente pago o valor de 5.000,00 € (cinco mil euros), a título de reserva do sobredito imóvel, por transferência bancária, para uma conta bancária em nome da Autora; 11. Sucede que, no decorrer da preparação da escritura pública para transmissão do imóvel, apurou-se que o registo predial do imóvel não estava conforme, pois uma das suas partes estava registado a favor de outro interveniente; 12. Pelo que era necessário resolver, primeiro, essa incongruência, para que, posteriormente, se pudesse avançar com a desejada transmissão do imóvel; 13. Na altura, o cliente vendedor, ora Réu, bem como os compradores, manifestaram à Autora a sua vontade em concluir o negócio mas, como não sabiam o tempo que tardaria a regularização da situação registral do imóvel, solicitaram à Autora a devolução do montante pago a título de reserva; 14. Ao que aquela acedeu, por forma a não criar quaisquer constrangimentos na vida dos clientes compradores; 15. Em Fevereiro de 2022, a Autora recebeu uma comunicação do Réu com o seguinte teor:
Eu…. venho por este meio comunicar que pretendo rescindir o contrato n.º….que tenho com a vossa agencia …. 16. A Autora prosseguiu com a sua actividade. 17. Porém, em data não concretamente apurada, mas no ano de 2023, a Autora teve conhecimento de que o imóvel tinha sido vendido aos compradores por si angariados, por contrato de compra e venda e mútuo com hipoteca por documento particular autenticado, outorgado em …/09/2023, onde se declarou que as partes não recorreram a mediação imobiliária; 18. A venda foi feita pelo valor de 87.500,00 € (oitenta e sete mil e quinhentos euros); 19. Através de missiva datada de 12.10.2023, a ilustre Mandatária da A. comunicou ao Réu o seguinte:
…. 20. O Réu nada pagou; 21. Aquando da outorga do escrito referido em 4., o Réu entregou toda a documentação que lhe foi solicitada, designadamente, caderneta predial urbana e certidão permanente do imóvel em causa; 22. Em finais de Janeiro de 2022, o Réu foi informado via telefone, de que não poderia ser celebrada a escritura pública de compra e venda, porquanto a situação registral do prédio em causa não permitia a conclusão do negócio jurídico; 23. Foi assim agendada uma reunião entre Autora e o Réu, que teve lugar no dia 05 de Fevereiro de 2022, onde a primeira informa o segundo de que 1/10 do prédio urbano em causa estaria registado a favor de outro titular; 24. Pelo que a A. informou o R. que deveria contactar com os herdeiros do titular que tinha inscrito a seu favor 1/10 do prédio para poderem celebrar a escritura pública em causa; 25. Após a comunicação referida em 22., o R. contratou os serviços de advogado para proceder à legalização da situação registral do imóvel em causa; 26. Em … de Fevereiro de 2023, o R. realizou escritura de justificação notarial de 1/10 do prédio urbano em causa nos autos, dando-se aqui como reproduzido o seu teor face á sua extensão; 27. Em data não concretamente apurada, mas no ano de 2023, o Réu e os compradores acertaram a venda dos imóveis nos seguintes termos: 1 - prédio urbano descrito sob o n.º…. da freguesia de ….na CRP de Chaves pelo valor de €87.500,00; 2 – prédio rústico descrito sob o …. da freguesia de ….na CRP de Chaves pelo valor de €2.500,00; 3 - prédio rústico descrito sob o …. da freguesia de ….na CRP de Chaves pelo valor de € 2.500,00;
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2.1.2- Na sentença objeto de recurso foram considerados não provados os seguintes factos: a) Quer o vendedor, quer os compradores, manifestaram à aqui Autora que, resolvida a situação pendente, voltariam ao contacto com esta para a conclusão do negócio, sendo paga a competente comissão; b) O Réu ficou muito desagradado com a situação relatada em 11., pois é pessoa simples e de pouca instrução, razão pela qual contratou com a A., para que esta tratasse de tudo quanto necessário fosse para tratar da venda do imóvel; c) O R. desconhecia inclusive que o pretenso comprador angariado pela A., tinha pago um qualquer valor a título de sinal; d) Apenas tendo tomado conhecimento de tal factualidade aquando da reunião supra em 05 de Fevereiro de 2022; e) Tendo naquela reunião e após contactos diversos com a A., exigido que a mesma procedesse à devolução do sinal em singelo perante o pretenso comprador, pois estando impedido de celebrar a escritura pública de compra e venda do imóvel em causa, não pretendia incorrer em custos e encargos desnecessários caso o pretenso comprador perdesse interesse no negócio; f) Só após realização da escritura de justificação notarial e devidas publicitações e registo, foi o R. contactado por E…, no sentido de que estaria alguém interessado na aquisição do prédio urbano em causa e se poderia fornecer o contacto telefónico do R.
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2.2-Fundamentação de direito:
2.2.1- Nulidade da sentença
O recorrente invoca no recurso, concretamente nas conclusões 3.ª e 4.ª, que a sentença padece de contradição entre a motivação e a matéria de facto provada e não provada, e que a matéria de facto devia conduzir a decisão diversa, concluindo, na parte final do recurso, que a sentença viola o disposto no artigo 615º nº1 alíneas c) e d) do C.P.C..
O art.615.º do CPC no seu n.º1 diz que é nula a sentença quando:
a) não contenha a assinatura do juiz;
b) não especifique os fundamentos de facto e de direito que justificam a decisão;
c) os fundamentos estejam em oposição com a decisão ou ocorra alguma ambiguidade que torne a decisão ininteligível;
d) o juiz deixe de pronunciar-se sobre questões que devesse apreciar ou conheça de questões de que não podia tomar conhecimento;
e) o juiz condene em quantidade superior ou em objeto diverso do pedido.
Por seu turno, o n.º4 desse artigo diz-nos que as nulidades mencionadas nas alíneas b) a e) do n.º1 só podem ser arguidas perante o tribunal que proferiu a sentença se esta não admitir recurso ordinário, podendo o recurso, no caso contrário, ter como fundamento qualquer dessas nulidades.
Importa distinguir as situações que configuram nulidade da sentença, daqueloutras que integram erro de julgamento, sendo que apenas as primeiras se reconduzem ao citado normativo legal. Tal como se escreve no sumário do Ac. STJ de 3.3.2021 (Leonor Cruz Rodrigues), “I. Há que distinguir as nulidades da decisão do erro de julgamento seja de facto seja de direito. As nulidades da decisão reconduzem-se a vícios formais decorrentes de erro de actividade ou de procedimento (error in procedendo) respeitante à disciplina legal; trata-se de vícios de formação ou actividade (referentes à inteligibilidade, à estrutura ou aos limites da decisão) que afectam a regularidade do silogismo judiciário, da peça processual que é a decisão e que se mostram obstativos de qualquer pronunciamento de mérito, enquanto o erro de julgamento (error in judicando) que resulta de uma distorção da realidade factual (error facti) ou na aplicação do direito (error juris), de forma a que o decidido não corresponda à realidade ontológica ou à normativa, traduzindo-se numa apreciação da questão em desconformidade com a lei, consiste num desvio à realidade factual - nada tendo a ver com o apuramento ou fixação da mesma - ou jurídica, por ignorância ou falsa representação da mesma. II. Só a absoluta falta de fundamentação – e não a errada, incompleta ou insuficiente fundamentação – integra a previsão da nulidade do artigo 615.º, n.º 1, al. b), do Código de Processo Civil.” (acessível em www.dgsi.pt).
Assim, o que ora importa - embora sobressaia à evidência das conclusões de recurso que o recorrente discorda da decisão - é saber se a decisão recorrida enferma das nulidades que lhe são assacadas, estando em causa, em face das normas cuja violação vem invocada, as nulidades da alínea “c) os fundamentos estejam em oposição com a decisão ou ocorra alguma ambiguidade que torne a decisão ininteligível;” e “d) o juiz deixe de pronunciar-se sobre questões que devesse apreciar ou conheça de questões de que não podia tomar conhecimento;”
Quanto à primeira, invoca o recorrente contradição entre os fundamentos e a decisão e que os factos provados deviam levar a decisão diferente. Mas cremos que não lhe assiste razão, enfatizando-se mais uma vez, que não cabe em sede de apreciação da nulidade ajuizar sobre eventual erro de julgamento. O que há, então, que verificar é se a conclusão a que o tribunal chegou, e decisão respetiva, qual seja a de condenar o réu no pagamento da remuneração está em oposição com os fundamentos da sentença, ocorrendo por tal via uma desarmonia entre as premissas em que o tribunal se sustentou e o resultado a que chegou, com a quebra do silogismo judiciário, não podendo os fundamentos usados conduzir aquela decisão. Embora o recorrente na conclusão 3.ª pareça aí incluir a existência de contradição entre a própria matéria de facto provada e não provada, tal contradição não se verifica nem vem densificada, dispensando maiores considerações. No que respeita, então, à contradição entre os fundamentos e a decisão a mesma também não se patenteia porque o tribunal recorrido considerou – bem ou mal, irreleva nesta sede – que as partes celebraram um contrato de mediação, que a autora/recorrida apresentou, na vigência do contrato, interessado na compra do imóvel o qual apresentou uma proposta de compra do mesmo imóvel e a venda feita pelo réu foi a tal interessado. Donde, considerou-se na sentença que foi a atividade da autora que permitiu encontrar o interessado, o que ocorreu na vigência do contrato, e que a compra e venda o foi entre o réu e esse interessado, concluindo o tribunal recorrido que havia nexo causal entre a atividade da autora/recorrida e o negócio que veio a ser realizado. Embora seja certo que a decisão recorrida apenas se refere ao facto do interessado a quem veio a ser feita a venda ter sido encontrado e apresentado pela autora ainda na vigência do contrato de mediação, sem abordar nem aprofundar a questão da eventual cessação do contrato, daí não resulta nenhuma contradição entre os fundamentos e a decisão pois a atividade desenvolvida pela autora e da qual o tribunal recorrido extraiu o nexo causal com a celebração do negócio é reportada ao período de vigência desse contrato, tendo considerado, também, que o tempo decorrido entre essa atividade e a celebração do negócio não afastava o nexo causal. Pode discordar-se do assim decidido mas não há contradição no raciocínio empreendido e, por isso, não se verifica a nulidade. E esta nulidade da sentença, também, não decorre de qualquer contradição no que concerne à questão da violação dos deveres pela recorrida que lhe eram impostos pelo contrato de mediação, pois o tribunal recorrido afastou existir essa violação e, por isso, não a relevou para afastar o direito à remuneração. Em síntese, os fundamentos/razões usados pelo tribunal recorrido conduzem à decisão, saber se tais fundamentos estão corretos e se deviam ser aplicados no caso concreto, é questão que é já do âmbito do mérito, ou seja, atinente a eventual erro de julgamento e a esta sede se reconduz, também, a questão de saber se os factos provados deviam ter conduzido a outro resultado. Improcede a nulidade em apreço.
E quanto à nulidade atinente à omissão ou excesso de pronuncia prevista na al. d) acima mencionada, percorridas as alegações de recurso não se descortina qual a questão que o tribunal devia ter apreciado e não apreciou ou qual a questão que apreciou e não devia ter apreciado.
É pacífico que a nulidade só se verifica quando o juiz não aprecie “questões”, não correspondendo estas a toda e qualquer argumento das partes ou a toda ou qualquer razão apresentada em sustentação da pretensão deduzida. Como se escreve no sumário do AC. TRL de 6.6.2024 (José Manuel Monteiro Correia) “A nulidade em apreço está conexionada com o disposto no n.º 2 do art.º 608.º do CPC, segundo o qual deve o juiz, na sentença, resolver todas as questões que as partes tenham submetido à sua apreciação, excetuadas aquelas cuja decisão esteja prejudicada pela solução dada a outras. Do que se trata aqui é, como decorre dos normativos legais supra transcritos, de uma ‘omissão de pronúncia’ do tribunal relativamente a “questões” de que devesse conhecer, o que afasta, por conseguinte, a não consideração de simples argumentos, razões ou juízos valor aduzidos pelas partes em suporte da solução que preconizam para a concreta questão em litígio. Como referia José Alberto dos Reis, “[s]ão, na verdade, coisas diferentes: deixar de conhecer de questão de que devia conhecer-se e deixar de apreciar qualquer consideração, argumento ou razão produzida pela parte”. (acessível em www.dgsi.pt). Em conformidade o tribunal recorrido só tinha que apreciar as questões, no sentido técnico-jurídico evidenciado, e não já que apreciar todo e qualquer fundamento invocado pelas partes ou razão a favor ou contra a procedência ou improcedência da pretensão. A questão que o tribunal tinha que resolver em face do pedido e da causa de pedir invocada na ação era a de saber se a recorrida tinha direito à remuneração pela atividade de mediação imobiliária que invocava, e esta questão foi resolvida na sentença. É certo que, para tanto, não podia deixar de apreciar também qualquer questão que fosse suscitada ao nível de eventuais exceções invocadas pelo réu, mas, no caso concreto, as mesmas foram refletidas na verificação do nexo de causalidade entre a atividade da recorrida a celebração do negócio e nessa sede foram consideradas, tendo o tribunal recorrido pugnado pela presença do nexo de causalidade, afastando a relevância do invocado pelo réu. Tudo o mais é do âmbito do mérito da decisão. Improcede também a nulidade invocada com base nesta alínea d).
2.2.2- Mérito da decisão quanto à remuneração devida à autora/recorrida em virtude do contrato de mediação
O recorrente propugna no recurso pela não verificação dos pressupostos de que depende o pagamento da remuneração à recorrida por causa do contrato celebrado, concretamente a existência de nexo causal entre a atividade da recorrida a celebração futura da venda, sustentando-se, no essencial, no seguinte: i) o contrato de mediação havia cessado; ii) a recorrida violou o dever de proceder à verificação da legitimidade do recorrente para celebrar o contrato objecto do negócio visado pela mediação, não podendo tal este contrato ser celebrado porque parte do prédio estava registado a favor de terceiro; iii) o contrato que veio a ser realizado pelo recorrente tem novas condições e cláusulas, havendo uma modificação do negócio; o recorrente desistiu do negócio projetado no contrato de mediação porque o imóvel não reunia as condições para ser vendido.
De tudo extrai-se que o recorrente discorda da conclusão tirada na sentença recorrida de que existiu nexo de causalidade entre a atividade de mediação desenvolvida pela recorrida e a compra e venda que veio a ser celebrada entre o recorrente e o interessado, mormente porque a “denúncia” do contrato interrompeu o nexo causal, havendo razão pata ter rescindido o contrato.
Vejamos:
A recorrida, autora na ação, pediu a condenação do réu no pagamento da remuneração, invocando a celebração com este de um contrato de mediação imobiliária; divulgou e publicitou o imóvel para venda, logrando encontrar interessado que fez uma proposta que foi aceite, tendo sido paga a quantia de 5 mil euros para reserva do imóvel; veio a apurar-se que parte do imóvel estava registado a favor de outra pessoa, pelo que era preciso resolver tal incongruência; que vendedor e comprador manifestaram o propósito de voltar ao contacto resolvida que fosse a dita incongruência e celebrarem o contrato e pagarem a comissão; posteriormente recebeu comunicação do réu a rescindir o contrato mas tomou conhecimento que o réu vendeu o imóvel ao interessado encontrado pela autora. Conclui que cumpriu as obrigações que o contrato lhe impunha e o réu aproveitou-se da impossibilidade de transmissão imediata do imóvel para rescindir o contrato e concluir o negócio sozinho.
As partes não põem em causa que tenham celebrado um contrato de mediação imobiliária, não discutindo no recurso essa celebração nem a natureza jurídica do contrato, nem, também, a existência de cláusula contratual que prevê que o contrato é feito em regime de exclusividade.
E em face do que resulta provado, concretamente nos pontos 3 e 4 dos factos provados, é de concluir que as partes celebraram um contrato que deve ser qualificado como de mediação imobiliária e à luz do respetivo legal devem ser resolvidas as questões que se prefiguram no recurso.
Resulta do art.19.º da Lei 15/2013, de 8 de Fevereiro, que: “1 - A remuneração da empresa é devida com a conclusão e perfeição do negócio visado pelo exercício da mediação ou, se tiver sido celebrado contrato-promessa e no contrato de mediação imobiliária estiver prevista uma remuneração à empresa nessa fase, é a mesma devida logo que tal celebração ocorra. 2 - É igualmente devida à empresa a remuneração acordada nos casos em que o negócio visado no contrato de mediação tenha sido celebrado em regime de exclusividade e não se concretize por causa imputável ao cliente proprietário ou arrendatário trespassante do bem imóvel.”.
Ou seja, nos termos da lei, a remuneração é devida ao mediador imobiliário, com a conclusão do negócio visado pelo exercício da mediação e, tal remuneração é ainda devida, em caso de não conclusão do negócio, desde que tal não concretização do negócio seja imputável ao cliente e estejamos em presença de um contrato de medição celebrado em regime de exclusividade.
Que o direito à remuneração apenas é devido com a conclusão do negócio visado pela mediação, já resultava dos regimes legais anteriores à lei que atualmente regula a atividade, posto que já assim estava previsto no art.19.º do DL 77/99 de 16 de março, do qual constava “1 - A remuneração só é devida com a conclusão e perfeição do negócio visado pelo exercício da mediação. 2 - Exceptuam-se do disposto no número anterior: a) Os casos em que o negócio visado, no âmbito de um contrato de mediação celebrado em regime de exclusividade, não se concretiza por causa imputável ao cliente da empresa mediadora, tendo esta direito a remuneração; b) Caso seja celebrado contrato-promessa relativo ao negócio visado pelo contrato de mediação, as partes podem prever o pagamento da remuneração após a sua celebração.”, pelo que, há muito que está sedimentado que o mediador imobiliário adquire o direito à remuneração com a conclusão do negócio visado. Como salienta Higina Castelo, “Contrato de Mediação – Estudo das Prestações Principais”, acessível em https://run.unl.pt/handle/10362/13121, pag.387 “Podemos dizer que a grande diferença entre o contrato de mediação simples e o contrato de mediação com cláusula de exclusividade reside neste particular: enquanto no contrato de mediação simples, a remuneração do mediador é condicionada pela celebração do contrato visado, evento que está na disponibilidade do cliente e de um terceiro; no contrato de mediação com cláusula de exclusividade, a remuneração do mediador, não se celebrando o contrato visado por causa imputável ao cliente, depende apenas do cumprimento bem sucedido da sua obrigação.”
Como se viu ao mencionar a causa de pedir nos termos em que a autora a alega, a mesma alicerça o seu direito à remuneração no facto do contrato visado pela atividade de mediação ter sido celebrado pelo réu com o interessado angariado pela autora, e não na não celebração do contrato visado com a mediação por facto imputável ao cliente, pelo que, convoca in casu a previsão do n.º1 do citado art.19.º.
Por outro lado, vem sendo entendido de forma consensualizada que o direito à remuneração da mediadora depende da afirmação e existência de um nexo causal entre a atividade desenvolvida e a celebração do negócio, este haverá de ter sido celebrado em virtude daquela atividade. Como se escreve no Ac. TRL de Lisboa de 10.10.2024 (rel. Vera Antunes) “- que o mediador, devido ao risco/álea inerente à actividade comercial da mediação, apenas tem direito a ser remunerado quando a sua actuação determine a conclusão e perfeição do negócio visado pelo exercício da mediação, o que significa que tem que existir um nexo de causalidade adequada entre a sua actividade e a realização do negócio pretendido, de modo a que possa afirmar-se que a concretização deste foi o corolário ou a consequência daquela actuação (cfr., quanto ao que se deixou dito, entre outros, o Acórdão do Supremo Tribunal de Justiça de 3/4/2008, processo n.º 07B4498, disponível em www.dgsi.pt e, ainda, Pedro Pais de Vasconcelos, in Direito Comercial, Volume I, 2011, Parte Geral, Contratos Mercantis, Almedina, pág. 197, Menezes Cordeiro, in Do Contrato de Mediação, O Direito, ano 139, III, págs. 516 e segs.).” (acessível em www.dgsi.pt)
Mas o caso dos autos assume feições muitos particulares, porquanto, a venda do imóvel - urbano identificado no contrato de mediação - não ocorreu ao tempo da apresentação da proposta pelo interessado angariado (setembro de 2021), veio a ocorrer apenas dois anos depois (setembro de 2023) e mais de um ano após o recorrente ter comunicado à autora que “rescindia” o contrato (cfr. ponto 15 dos factos), interpondo-se, ainda, na cronologia dos acontecimentos, a circunstância, desvalorizada pela recorrida, de ter sido detetado, aquando das diligências para formalização da compra e venda, que o recorrente não era titular da totalidade do imóvel a vender. A venda, como se extrai da factualidade provada, veio a ser feita pelo réu/recorrente ao interessado (apresentado pela autora) dois anos depois, como já se disse, e só após o réu ter celebrado escritura de justificação notarial para titular parte do imóvel que estava registada em nome de outra pessoa, ou seja, apenas depois do cliente da mediadora “adquirir” a propriedade sobre a totalidade da coisa a vender, que não tinha aquando da celebração do contrato de mediação. A nosso ver esta circunstância não pode ser inócua na solução a encontrar porque inócua não foi ao nível do desenrolar deste contrato e seu desfecho. E este contexto, em que se desenrola o contrato, foge ao quadro fáctico em que, no geral, se discute e se vem afirmando a subsistência do nexo causal entre a atividade da mediadora e a celebração posterior do contrato pelo cliente com o interessado angariado, posto que, nas situações tratadas na jurisprudência a esse respeito não se detetou nenhuma em que o contrato haja sido celebrado com cliente não titular do direito real cuja transmissão promove.
Assim, podemos concluir que no desenrolar da execução do contrato de mediação aqui em causa se interpuseram: uma primeira circunstância atinente à (não) titularidade do direito do vendedor sobre a totalidade do imóvel; uma segunda circunstância: a “rescisão” do contrato pelo réu invocando a circunstância anterior. Efetivamente, colhe-se claramente dos factos que se não tivesse sido detetado que o ora recorrente não tinha registada a seu favor a totalidade do imóvel, a venda far-se-ia ao interessado angariado pela autora pelo valor da proposta deste, posto que se provou que a proposta foi aceite e que se avançou para a preparação da escritura (ponto 11 dos factos), sendo, nesta fase, que se colocou a questão da titularidade do imóvel. Não fora tal facto ter-se-ia celebrado o negócio visado do qual decorria o direito à remuneração da mediadora. Não fora a vicissitude inicial do contrato de mediação ter-se-ia constituído sem sobressalto o direito da mediadora à remuneração, enquanto contraprestação da atividade de mediação por ela levada a cabo. Porém, o facto que se veio a detetar obstou indubitavelmente a que o negócio visado com a mediação se pudesse realizar. Não se desconhece que no contrato de mediação imobiliária a realização do negócio objeto da mediação ou visado pela atividade de mediação não faz parte das prestações típicas do contrato de mediação, pois parece não se poder afirmar que o resultado do contrato de mediação seja a celebração do negócio visado, negócio este está na disponibilidade do cliente e do eventual terceiro interessado, sendo, nessa perspetiva externo ao contrato. Porém, resulta evidente do acima transcrito art.19.º que a celebração do negócio é condição do direito à remuneração, e mesmo no caso de contrato sujeito ao regime de exclusividade, o direito à remuneração tem pressuposta a possibilidade de celebrar o negócio que apenas não ocorre por causa imputável ao cliente e não já à mediadora, “No contrato de mediação, para além da atividade suscetível de alcançar o resultado correspondente ao interesse do credor, existe um acontecimento final que desempenha um especial papel no contrato, na medida em que é condição necessária do nascimento do direito do mediador à remuneração. Este acontecimento não pode consubstanciar a obrigação do mediador uma vez que está fora da sua disponibilidade, dependendo do conjunto das vontades do cliente e do terceiro angariado.” (Higina Castelo, ob. cit. pag.360)
O que cumpre, então, analisar e apurar é se tais interpostas circunstâncias afastam o direito da autora/recorrida a receber a remuneração que seria devida pelo negócio objeto da mediação. Deixe-se notado de antemão que se nos afigura evidente que o dito art.19.º (e ademais, o contrato na sua configuração normal) está traçado para situações que não assumem a configuração da presente lide, posto que o cliente da mediadora (devedor da remuneração) haverá de ser o proprietário da coisa que, no caso de se visar uma venda, se visa transmitir. Foge, por isso, ao substrato normal da contratação de mediador imobiliário a falta, no cliente, daquela qualidade indispensável à visada constituição ou transmissão do direito real cuja promoção se visa com a atividade de mediação.
No que concerne à cessação do contrato de mediação, que o recorrente invoca e da qual faz eximir a obrigação de pagar a remuneração, afigura-se-nos que o contrato cessou com a manifestação de vontade do réu constante da comunicação plasmada no ponto 15 dos factos provados, podendo discutir-se se tal cessação ocorre nessa mesma data ou deve ser reportada apenas à data em que o prazo de um ano pelo qual o contrato foi celebrado, se renovaria se não fosse denunciado. Ou seja, no mínimo e se mais não houvesse, sempre se teria que ver nessa comunicação uma clara intenção de não deixar renovar o contrato mesmo que tivesse sido manifestada com maior antecedência do que a prevista no contrato, caso em que o contrato cessaria no termo do prazo de um ano pelo qual foi celebrado, estando cessado à data em que foi feita a venda – setembro de 2023. Ademais, a recorrida admite que o contrato cessou, posto que invoca no recurso que não sustenta o seu direito na manutenção do contrato. Mas vejamos melhor: Resulta do contrato de mediação que o mesmo tinha uma validade de 12 meses, (tendo sido celebrado em 1.7.2021), renovando-se automaticamente se não fosse denunciado por nenhuma das partes com a antecedência mínima de dez dias. O recorrente no recurso ora refere que o contrato foi denunciado ora menciona que foi resolvido, situações que, contudo, juridicamente, não se equivalem. No escrito do ponto 15 dos factos usa o termo rescindir. De todo o modo, contudo, o réu nessa comunicação dirigida à autora invoca um motivo para por termo ao contrato e esse motivo, como resulta provado, verifica-se, já que a venda da totalidade do imóvel não podia ser feita pelo réu que o não tinha registado a seu favor na totalidade. Parece-nos, assim, que a invocação dessa causa justificativa apela a outra figura que não a dita denúncia para o termo do prazo.
O contrato de mediação, na falta de norma especial, cessará nos termos gerais, pelo que, pode cessar por: denúncia, revogação, resolução (se se lograr configurar algum incumprimento ou fundamento legal), sem prejuízo de qualquer estipulação específica constante do contrato. A revogação do contrato, nos termos gerais, ocorre quando as partes de comum acordo lhe põem termo; a resolução exigirá, também, nos termos gerais, a invocação de motivo, por regra, de incumprimento da parte contrária (cfr. art.432.º do C.C.), podendo as partes convencionar os motivos em que a resolução do contrato pode operar. A resolução do contrato é admitida com fundamento na lei ou em convenção, pelo que, ocorre quando a parte fundadamente invoca uma razão com assento legal ou em estipulação contratual que lhe confere o direito de por termo ao contrato.
No caso de contrato de mediação imobiliária vem-se discutindo a admissibilidade da revogação unilateral do mesmo, quando o contrato é celebrado em regime de exclusividade, questão que se coloca ainda aliada aqueloutra de saber se há lugar à remuneração do mediador em situações em que o mediado comunica unilateralmente à mediadora que pretende por termo ao contrato. Como se escreve no Ac. TRL de 5.6.2018 (luís Filipe Pires de Sousa), “Esta questão tem vindo a ser analisada sob a nomenclatura de possibilidade da rescisão unilateral antecipada do contrato de mediação imobiliária, existindo duas correntes, uma no sentido da sua admissibilidade e outra que a rejeita.
Dentro da primeira orientação, argumenta-se que, ainda que não resulte diretamente da lei ou não prevista no contrato, “é de admitir a revogação do contrato de mediação imobiliária por ato unilateral como consequência da natureza do próprio negócio, por ser de presumir que o cliente não quer privar-se, além do mais, do direito de desistir do propósito de concluir o negócio promovido” (Acórdão da Relação do Porto de 8.7.2010, Filipe Caroço, 156880/09). Invoca-se, ainda, o ensinamento de Vaz Serra, RLJ, Ano 100º, p. 340, quando afirmava a este propósito que «salvo estipulação em contrário, o contrato de mediação deve considerar-se revogável. Não se trata de uma aplicação analógica das regras do mandato e da comissão, mas de uma consequência da própria natureza do contrato, tal como ela é de presumir ser querida pelos contraentes (…)». Em sentido confluente, Maria de Fátima Ribeiro, “O contrato de mediação e o direito do mediador à remuneração”, in Scientia Jurídica, 2013, p.102. Dentro desta orientação, ocorrendo a revogação unilateral por parte dos Réus, a autora/mediadora só poderá ter direito a eventual indemnização pelos danos sofridos pela revogação ou denúncia antecipada do contrato mas nunca à remuneração pretendida (cf. Acórdãos da Relação de Coimbra de 25.6.2013, Jacinto Meca, 400/12 e de 3.11.2015, Jorge Arcanjo, 115257/04, Acórdão do Tribunal da Relação de Lisboa de 2.6.2016, Ondina Alves, 266/14). Os concretos prejuízos decorrentes da rescisão antecipada têm de ser alegados pela mediadora e formulado o correspondente pedido indemnizatório (Acórdão da Relação do Porto de 9.7.2014, Maria João Areias, 387/12). Desde já se adianta que a invocação do ensinamento de Vaz Serra é improfícua porquanto o mesmo escreveu numa altura em que não havia lei específica sobre o contrato de mediação imobiliária, tratando-se então de um contrato sem prazo, realidade totalmente distinta da atual. Em sentido oposto, afirma-se desde logo que: «(…) a norma do art.19, n.º 2, do RJAMI obriga o cliente a pagar a remuneração desde que, durante a vigência do contrato, o mediador lhe apresente um real interessado e o contrato não se concretize apenas por causa imputável ao cliente. Tanto significa que esta norma acopla às estipulações de exclusividade o efeito próprio de uma cláusula de irrevogabilidade. As cláusulas, embora conceitualmente divergentes, perante o regime jurídico português do contrato de mediação imobiliária convergem necessariamente» (Higina Castelo, Contrato de Mediação, Estudo das Prestações Principais, FDUNL, 2013, p. 389). Conforme afirma Higina Castelo, Regime Jurídico da Atividade de Mediação Imobiliária Anotado, 2015, pp. 132-133: «Provando a mediadora que efetuou com sucesso a sua prestação, poderá o cliente eximir-se à remuneração mediante a prova de que o contrato não se concretizou por causa que não lhe é imputável (porque, por exemplo, recebeu, entretanto e inesperadamente, uma ordem de expropriação, ou porque o terceiro não obteve o crédito necessário à realização do negócio). A estipulação de exclusividade significa, como já dito, que, durante o período de vigência do contrato, o cliente não pode socorrer-se de outros mediadores nem, eventualmente, celebrar o contrato visado diretamente. O contrato de mediação com uma tal cláusula tem de ser respeitado durante todo o seu prazo, sendo inadmissível a sua cessação por decisão unilateral do cliente, sob pena de total ineficácia da cláusula. Sempre que quisesse celebrar o contrato com interessado angariado por outro mediador (ou por si, no caso de exclusividade absoluta), bastaria ao cliente revogar o encargo do mediador exclusivo. Ao contrato de mediação exclusivo não pode, portanto, ser posto termo unilateralmente e sem causa justificativa.
Questão diferente é a de saber se, durante a vigência do contrato, o cliente está vinculado à celebração do contrato fixado com o interessado que o mediador exclusivo lhe encontre, ou se pode desistir do contrato inicialmente desejado. Sem prejuízo da eventual responsabilidade pré-contratual em que incorra, o cliente pode desistir de celebrar o contrato desejado, mas não pode deixar de remunerar o mediador, caso se verifiquem as circunstâncias descritas na previsão do art.19º, nº2» (bold nosso). Confluindo neste sentido, afirmou-se no Acórdão do Tribunal da Relação de Lisboa de 10.5.2016, Rosário Morgado, 2119/13, que o cliente pode livremente desistir da celebração do contrato visado, o que não pode, sem pagar a remuneração do mediador, é pôr fim ao contrato de mediação antes do seu aprazado termo, por declaração unilateral e imotivada.
Todavia, não basta à mediadora – na vigência do contrato – angariar um interessado nominal na celebração do contrato com as condições constantes do contrato de mediação para ter direito à remuneração nos termos do nº2 do artigo 19º. Conforme refere Higina Castelo, Contrato de Mediação, Estudo das Prestações Principais, FDUNL, 2013, pp. 387-388, «De enfatizar que a aplicação da norma contida no art.19, n.º 2, do RJAMI implica, mais que a prova do cumprimento da obrigação do mediador – diligências no sentido da obtenção de um interessado –, a prova do sucesso desse cumprimento que satisfaz o interesse do credor – efetiva obtenção de um interessado, genuinamente interessado e pronto a celebrar o contrato nos moldes em que foi concebido no âmbito do contrato de mediação» (bold nosso). E, mais adiante, p. 389, «Ora, a norma do art.19, n.º 2, do RJAMI obriga o cliente a pagar a remuneração desde que, durante a vigência do contrato, o mediador lhe apresente um real interessado e o contrato não se concretize apenas por causa imputável ao cliente.» Esta ideia é reiterada em Regime Jurídico da Atividade de Mediação Imobiliária Anotado, p. 131, quando aí se afirma que a prova do sucesso do cumprimento por parte da mediadora exige a «efetiva obtenção de um interessado, genuinamente interessado e pronto a celebrar o contrato nos moldes em que foi concebido no âmbito do contrato de mediação.»
Donde, podemos concluir que se perfilam duas posições relativamente à “revogação” unilateral do contrato, uma admitindo-a e da qual resultaria não ser devida a remuneração à mediadora sem prejuízo do direito desta a ser indemnizada pela cessação antecipada do contrato; outra excluindo a possibilidade de revogação imotivada.
Ora, no caso dos presentes autos, a nosso ver, não nos encontramos em presença de uma simples revogação unilateral imotivada, pois o réu informou a autora mediadora de que rescindia o contrato porque o imóvel não estava devidamente legalizado e não lhe permitia celebrar o negócio. E de facto assim era, como melhor se verá adiante.
A sentença recorrida, sem particular acuidade na questão da “rescisão do contrato” pelo réu, efetivamente invocada por ele na contestação, faz uma apreciação genérica essencialmente reconduzida à verificação do direito da autora à remuneração, dizendo “…resultou ainda provado que os aludidos compradores já haviam apresentado uma proposta de aquisição do prédio urbano, junto da Autora, aquando da vigência do contrato de mediação imobiliária celebrado entre esta última e o Réu, sendo que o negócio não se chegou a concretizar, pois apurou-se que parte do imóvel estaria registado a favor de outro interveniente.”, e “Aqui chegados, e, não obstante apenas ser aflorada a questão, sempre se dirá que o Réu não era parte ilegítima para proceder à venda do prédio urbano dos autos, conforme aquele quis fazer crer. Mesmo tendo em atenção a situação registral apurada, aquele era proprietário do imóvel, só não o era na sua totalidade. Mais acresce que o mesmo logrou legalizar tal situação, tendo celebrado escritura de justificação notarial em ….02.2023. Aliás, conforme acima referido, o mesmo acabou por proceder à venda do aludido prédio urbano, donde se extrai a sua legitimidade para o efeito. A ser assim, verifica-se que a questão central dos presentes autos se prende com o facto de se apurar se deve ou não o Réu ser condenado no pagamento da quantia reclamada, a titulo de comissão, pelos serviços prestados pela Autora. (…). Acontece que, no decorrer da preparação da escritura publica para transmissão do imóvel, apurou-se que o registo predial daquele não estava conforme, por haver uma parte do imóvel que estava registado a favor de outro interveniente, o que foi transmitido ao Réu. Perante tal situação, e como não se sabia o tempo que tardaria a regularização da aludida situação registral do imóvel, a Autora devolveu a quantia de € 5.000,00 que o comprador lhe tinha entregue a titulo de reserva. No entanto, em ...09.2023, e após o Réu ter comunicado à Autora a “rescisão” do contrato outorgado, vendeu o aludido imóvel aos compradores que haviam contactado com a Autora. (…) Ora, perante a factualidade dada como provada dúvidas não podem restar que foi a Autora quem encontrou o (tanto que veio a celebrar o negócio) interessado com quem, a final, foi concretizada a venda. O que significa que a sua actividade contribuiu para a cadeia de factos que deram lugar ao negócio celebrado pelo Réu. (…) Ora, no caso dos autos, como resulta da factualidade provada, o Réu não cumpriu o ónus de prova de factos interruptivos do nexo causal entre a actividade da mediadora e a celebração do negócio, ou seja, não provou que a celebração do contrato com o terceiro nada teve a ver com a actividade desenvolvida pela Autora. Aliás, cumpre referir que o hiato temporal que decorreu entre a data da comunicação da “rescisão” do contrato por parte do Réu à Autora e a data da outorga da escritura pública de compra e venda, deveu-se exactamente ao facto de o primeiro ter tido que diligenciar no sentido de debelar a incongruência detectada quanto ao registo da propriedade do imóvel (e não ao facto dos clientes angariados pela Autora terem, em algum momento, perdido o interesse no negócio). É certo que o Réu alega na sua contestação que a Autora violou o disposto no artigo 17.º, n.º 1, al. a) da Lei n.º 15/2013. Vejamos. Dispõe tal preceito legal que “1 - A empresa de mediação é obrigada a: a) Certificar-se, no momento da celebração do contrato de mediação, que os seus clientes têm capacidade e legitimidade para contratar nos negócios que irá promover”. Ora, conforme já anteriormente referido, aquando da preparação da escritura pública para transmissão do imóvel, apurou-se que o registo predial desta não estava conforme, por haver uma parte do aludido prédio que estava registado a favor de outro interveniente. Porém, como é obvio, tal circunstancialismo não retira a qualidade de proprietário ao Réu. Aliás, tanto assim é que o mesmo acabou por proceder à alienação do prédio urbano em Setembro de 2023. Conforme admitido pelo próprio, estaríamos perante um equívoco, o que conduziu inclusive a que este tivesse realizado uma escritura de justificação notarial de 1/10 do prédio urbano em causa, onde declarou que “havia adquirido esse direito por volta do mês de Abril do ano de mil novecentos e noventa e seis, no estado de divorciado, por doação feita sob a forma meramente verbal dos seus pais, JA e M…, do dito lugar de B…, os quais, por sua vez, adquiriam tais direitos, em data que não consegue já precisar, mas que entre a aquisição e a transmissão dos mesmos decorreram também mais de vinte anos, por compras feitas sob a forma meramente verbal”. A ser assim, inexiste a violação de tal dever por parte da Autora, uma vez que estávamos apenas um erro em sede de registo predial, o qual foi devidamente corrigido, permitindo então ao Réu formalizar a venda daquele a terceiros.”. Pode-se concluir que a sentença recorrida não deu relevo à circunstância do réu ter comunicado à autora que rescindia o contrato nem ao motivo que era invocado, e considerou que apesar do réu não ser dono da totalidade do imóvel não havia nenhuma “ilegitimidade” para proceder à venda, tanto que a venda foi feita posteriormente. Não podemos aceitar essa abordagem do problema, nem a conclusão tirada quando à legitimidade (expressão que aqui é usada por ser aquela que a lei contempla no art.17.º n.º1 a) da Lei 15/2013) do réu para fazer o negócio na altura em que esse negócio se perspetivou. Desde logo a questão da “legitimidade” do cliente para contratar nos negócios que vai promover junto da mediadora não pode deixar de ser referenciada ao momento da celebração do contrato, como expressamente resulta da al. a) do n.º1 do art.17.º, pelo que, no caso concreto, não poderia ser ajuizada, como faz o tribunal recorrido, tendo em conta apenas que o réu mais de dois anos depois veio a realizar a venda antes projetada. Por outro lado, também, não se pode afirmar como faz o tribunal recorrido que “Mesmo tendo em atenção a situação registral apurada, aquele era proprietário do imóvel, só não o era na sua totalidade.”, posto que tal afirmação encerra uma contradição nos próprios termos,e não leva em devida conta o negócio que foi projetado com o contrato de mediação imobiliária. Se o negócio que se visa com a mediação imobiliária é a venda de um imóvel e não de qualquer direito sobre ele, essa venda é da totalidade do imóvel, pelo que, é indispensável que o vendedor seja titular do direito de propriedade sobre o imóvel; não sendo titular desse direito de propriedade não o pode transmitir, donde não é “parte legitima” - apelando novamente ao conceito constante da al. a) do art.17.º da Lei n.º15/2013 que regula a atividade de mediação - para promover a venda, como já acima se aflorou. No caso concreto o réu celebrou o contrato de mediação para venda do imóvel e não tinha título que lhe conferisse o direito de propriedade sobre a totalidade do imóvel e foi por isso que a venda não foi feita. E este último facto era o bastante para se concluir que o réu/recorrente não podia vender como se propunha; o concreto negócio – e não outro que não está em causa – objeto da mediação não podia ser realizado, não relevando o facto do réu ter registado a seu favor 9/10 do prédio porque não eram esses 9/10 que estavam a ser objeto da projetada venda mas sim o imóvel na totalidade. E, tanto assim é, que o réu/recorrente não tinha título que lhe permitisse registar a seu favor o 1/10 em falta, teve que se munir desse título através da celebração da escritura de justificação. Está, aliás, provado que esse 1/10 estava registado a favor de outra pessoa pelo que, tendo em conta a presunção do art.7.º do CRP, o titular de parte do prédio era um terceiro. Não se trata, ao contrário do entendido pelo tribunal recorrido, de uma mera desconformidade registral, mas sim de uma questão substantiva, parte do prédio estava registado a favor de outra pessoa presumindo-se, até prova em contrário, que pertencia a essa pessoa. É certo que o réu/recorrente até se podia considerar proprietário da totalidade do prédio, mas, como se vê, tal não lhe permitia vendê-lo naquela altura porque não lograva demonstrar a titularidade do direito para formalização do negócio. E não era uma questão de somenos, era uma essencialidade. Foi porque o réu não era titular do imóvel que a escritura não se fez. E foi porque a escritura não se fez que a recorrida, naturalmente, não lhe exigiu à época a remuneração, o que tem implícito não ter considerado que a não realização do negócio resulta de culpa do cliente. A remuneração é pedida como resulta da carta enviada pela recorrida mencionada nos factos provados quando tem conhecimento da venda e esta ocorre apenas após e porque, no entretanto, o cliente adquire uma qualidade que não tinha aquando da celebração do contrato e durante a vigência deste.
Isto visto, qual a repercussão que pode ter no contrato de mediação e, numa segunda linha – como é, aliás, pretensão do recorrente – no direito da mediadora à retribuição?
Em primeiro lugar entendemos que havia motivo justificado (causa justificativa), por parte do réu para por termo ao contrato de mediação. E temos por certo, também, que a recorrida mediadora não cumpriu o dever de certificar-se, no momento da celebração do contrato de mediação, que os seus clientes têm capacidade e legitimidade para contratar nos negócios que irá promover (art.17.º n.º1 a)), pois se o tivesse feito verificaria que o réu não tinha a titularidade do direito de propriedade sobre a totalidade do imóvel, pelo que, não podia promover a venda dele. O n.º2 do art.17.º diz-nos ainda que está expressamente vedado à empresa de mediação: c) Celebrar contratos de mediação imobiliária quando as circunstâncias do caso permitirem, razoavelmente, duvidar da licitude do negócio cuja promoção lhe for proposta, o que é particularmente elucidativo. O cliente deve ser proprietário do imóvel para cuja venda pretende que lhe seja conseguido um interessado, como é mister do contrato de mediação e se extrai do art.2.º n.º1 da Lei n.º13/2015. Na situação em causa a atividade da mediadora não podia levar à conclusão do negócio, objeto da mediação, como no caso concreto se viu não ter levado pois tanto o interessado em vender como o interessado em comprar projetavam um negócio de compra e venda de um imóvel e não de direitos sobre um imóvel. O negócio que é objeto da mediação naquelas circunstâncias e naquele tempo era impossível, porque o cliente da mediadora não era dono do prédio. A atividade da mediadora no âmbito do contrato e da sua vigência foi inconsequente; nessa perspetiva, que nos parece ser a relevante, e porque a constituição do direito à remuneração depende da conclusão e perfeição do negócio visado, o contrato em causa porque celebrado com quem não podia transmitir a propriedade não tinha a virtualidade de vir a constituir na esfera jurídica da mediadora o direito à remuneração porque o cliente não podia – como não pôde – celebrar a venda. Não será certamente por acaso que a lei impõe às empresas de mediação o dever ou a obrigação (se apelarmos à expressão legal “é obrigada”) de se certificarem – aquando da celebração do contrato – que os seus clientes tem legitimidade e capacidade para promoverem os negócios, o que a lei erige como um dever para com os clientes e destinatários. E é indispensável que assim seja sob pena de - como este caso é exemplificativo - se estar a publicitar negócios, angariar clientes e desenvolver atividade com base em falsos ou controvertidos pressupostos quanto à possibilidade real e “legal” de conclusão desses negócios. Ao impor tal dever às empresas imobiliárias a lei visa assegurar a transparência, credibilidade e segurança na atividade de mediação e afastar do mercado as nefastas consequências advenientes da circulação de projetados e publicitados negócios enganosos cujos promotores não reúnem condições para os promover porque os não podem realizar. Ou seja, exige-se que quem promove um negócio através de uma empresa de mediação imobiliária o possa efetivamente concretizar, conferindo-se aos potenciais interessados uma segurança que eventualmente não é certo que tenham quando a promoção não passa por tais entidades especializadas. Nesse enfoque a intervenção da mediadora imobiliária credibiliza o mercado e confere-lhe segurança. E, mais do que isso, no art.17.º, a lei impõe à empresa mediadora a dita obrigação erigindo-a, como ressalta da epigrafe do artigo, num dever para com o cliente e os destinatários. Por isso não se trata apenas de proteger os destinatários da atividade de mediação, trata-se de um dever para com os próprios clientes e, acrescentaríamos nós, um procedimento que vai ao encontro dos próprios interesses da mediadora sabido que apenas pode exigir a contraprestação se for concluído, por causa da atividade de mediação, um negócio perfeito (cfr. art.19.º n.º1). O direito à remuneração não se constitui com a celebração de negócios nulos v.g. porque o cliente vende coisa alheia. Mas se assim é exige-se que a empresa mediadora cumpra efetivamente os seus deveres legais, ainda que acessórios ou, de outro ponto vista, secundários (no sentido de não integrarem a prestação principal da mediadora para com o cliente). “Na execução de qualquer contrato, as partes estão também obrigadas a deveres acessórios de conduta (protecção, informação e lealdade) que surgem no âmbito das relações específicas, pelos quais tanto o devedor como o credor devem obedecer a princípios de correcção e colaboração recíprocas, por forma a permitir a plena satisfação do interesse do credor sem sacrifícios excessivos para qualquer das partes - princípio da boa fé, tal como plasmado no art.º 762º do Código Civil.”- (Ac. TRL de 10.10.2024, já acima citado). E tanto assim é que embora a lei não estabeleça nesse artigo 17.º, contrariamente ao que sucede no art.16.º, uma consequência legal sobre o contrato, v.g. nulidade do mesmo, consagra a ilicitude da conduta violadora da norma, na previsão da correspondente contra ordenação, no art.32.º n.º1 b) da Lei 15/2013, a que se alia, além da coima, a possibilidade de aplicação das sanções acessórias previstas no n.º3, ou seja, o encerramento de estabelecimento e interdição da atividade, pelo que, ao cumprimento do dever aqui em causa não é de todo alheio o interesse público em que a atividade de mediação se desenvolva em respeito pelas normas que a regem. A recorrida indubitavelmente não cumpriu esse dever legal, porque se o tivesse feito teria constatado aquilo que se veio a constar subsequentemente e, por imperativo legal, não poderia ter promovido aquele negócio, o que na derradeira linha leva à conclusão que o contrato de mediação não deveria ter sido celebrado, pelo menos nos termos em que o foi. Poder-se-ia discutir a consequência desse incumprimento ao nível da validade do contrato, mas crê-se que a questão que nos ocupa logra solução adequada ainda ao nível dos pressupostos ou falta deles de que depende a remuneração. É por isso que não se aceita que o presente caso se assuma apenas do ponto de vista do direito à remuneração tendo como ponto de partida a celebração do contrato de compra e venda que veio a ser feita pelo recorrente, ainda que ao interessado apresentado pela recorrida, sem dar a devida atenção ao facto, localizado a montante, do negócio visado pela mediação se ter revelado impossível de concretizar o que cabia à recorrida ter detetado em cumprimento dos deveres a que estava sujeita. É certo, dir-se-á, que o cliente, ora recorrente, também tinha o dever de saber se era ou não titular da propriedade que visava transmitir, mas do ponto de vista da lei a obrigação de fazer essa certificação era da recorrida, em prol, também, do cliente como já se concluiu, posto que o art.17.º nos diz que a empresa de mediação é obrigada a: a) Certificar-se, no momento da celebração do contrato de mediação, que os seus clientes têm capacidade e legitimidade para contratar nos negócios que irá promover. Assim, no rigor das coisas, contrariamente ao que defende neste recurso, a recorrida não cumpriu os seus deveres para com o cliente e, se vista apenas a sua obrigação contratual, como é suposto nesse entendimento da recorrida, do ponto de vista de ter desenvolvido uma atividade de promoção, publicitação e angariação de um cliente para o negócio visado pela mediação, o certo e decisivo é que a atividade que desenvolveu não podia levar à venda projetada e (mal ou indevidamente) anunciada e promovida, por facto a si imputável. E é-lhe imputável porque não se certificou que o seu cliente promovia um negócio que, encontrado interessado, podia contratar. Assim, a venda não foi feita em decorrência da atividade de mediação imobiliária desenvolvida durante a vigência do contrato por facto que não pode ser imputado, tendo em conta o que acima se disse, ao recorrente ou, no mínimo, a este imputado de forma prevalente. Simplesmente o negócio visado pela mediação não podia ser formalizado, tal como não foi. Note-se ainda que não resultou provado que após a constatação dessa impossibilidade, que “Quer o vendedor, quer os compradores, manifestaram à aqui Autora que, resolvida a situação pendente, voltariam ao contacto com esta para a conclusão do negócio, sendo paga a competente comissão;” (alínea a) dos factos não provados). Em decorrência, afigura-se-nos, que quer seja com apelo à figura da rescisão motivada, quer mesmo por via da figura da resolução contratual, o recorrente podia validamente por termo ao contrato de mediação, como veio a fazer e até com sustentação no incumprimento de deveres que impendiam sobre a recorrida aquando da celebração do contrato e cuja vicissitude apenas detetada posteriormente impedia a realização do interesse final do credor. Não tem, a nosso ver, sustentação a manutenção do vínculo contratual numa situação em que o negócio visado pela mediação não se revela possível, o que ocorre ab initio e ficaria dependente de uma atividade externa ao contrato, nada havendo aliás, nos factos provados que permita afirmar que, aquando da deteção do facto que inviabilizou a celebração da escritura, a sua sanação era evidente ou certa. Não se desconhece que veio a provar-se que o réu veio a celebrar escritura de justificação, já em 2023, cerca de um ano depois de ter comunicado que rescindia o contrato, assim se munido de titulo que, levado ao registo, permitia vender a totalidade do imóvel, mas este facto é estranho, exterior e autónomo à contratação com a recorrida e subsequente à cessação do contrato de mediação. Por outro lado, nada existe nos factos provados que permita concluir, como pretende a recorrida, que a situação que se vem analisando visou da parte do réu eximir-se ao pagamento da remuneração, ao invés, o recorrente só não celebrou a escritura porque a dita impossibilidade apenas foi detetada quando esse ato estava a ser preparado.
Nestas circunstâncias deve entender-se que a mediadora tem o direito a ser remunerada? Mantendo-se incólume (o que, aliás, pressupunha a afirmação de que o contrato foi idóneo a estabelecer esse nexo entre a atividade desenvolvida e o interesse final de conclusão do negócio) o nexo de causalidade entre a sua atividade e o negócio que o réu veio a formalizar depois de lograr obter título para vender o prédio? Uma resposta afirmativa, como veio a ser dada na sentença recorrida, tem que estabelecer o nexo causal entre a atividade da recorrida e a celebração do negócio partindo do pressuposto – que a nosso ver não se verifica – de que nada inquinava a realização do negócio visado pela mediação aquando da apresentação do interessado e que veio a ser celebrado posteriormente pelo réu/recorrente. Ora, pelo que antes se disse, já excluímos o direito à remuneração com assento no n.º2 do art.19.º, preceito legal que está, aliás, traçado para situações diferentes da sub judice e não para casos em que o cliente não tem legitimidade para contratar no negócio que a recorrida vai promover. Em conformidade, o direito à remuneração teria que ter sustentação no n.º1 do art.19.º, ou seja, com base na conclusão e perfeição do negócio visado pelo exercício da mediação. Mas há que afastar o direito à remuneração no caso concreto pelas seguintes razões que se extraem do que acima deixamos observado e analisado: a atividade de medição desenvolvida pela mediadora era inidónea à conclusão e perfeição do negócio visado, tal como se revelou na impossibilidade de celebrar a escritura, logo incapaz de estabelecer o nexo causal, o que deve ser imputado à recorrida mediadora, e, nessa medida, justificativa da rescisão pelo réu do contrato sem a correlativa obrigação de remunerar a mediadora; não se estabelecendo o nexo causal na vigência do contrato, não se antevê como afirmar a presença do mesmo posteriormente aquando da conclusão do negócio, esta apenas possível a partir de uma nova realidade (aquisição de título de propriedade), nem que esta circunstância seja constitutiva da referida causalidade. Não se ignora que o contrato veio a ser concluído com o interessado angariado pela mediadora, mas daí não resulta qualquer restabelecimento do nexo causal antes inexistente, porque o substrato que agora permite a conclusão e perfeição do negócio radica na diferente situação jurídica do imóvel e é superveniente à atividade da mediadora, não se concedendo sequer que haja uma identidade entre o negócio que foi realizado e aquele que o contrato de mediação - na sua aparência - visava mas não tinha a virtualidade, nas especificidades do caso, de materializar com a perfeição exigida e da qual depende o direito à remuneração. Ainda que se admita, em termos práticos, alguma conexão entre a atividade da mediadora e a conclusão do contrato, a mesma deve entender-se, no caso e nas especificidades dele, como fortuita ou resultante do risco – por si criado - de ter procurado destinatário para um negócio sem se certificar que o cliente o podia realizar. Ora é condição da remuneração a celebração do contrato visado mas este não pode deixar de ser o contrato que podia, por nada de substantivo a isso impedir, ser celebrado ao tempo da atividade da mediadora; esta atividade deve ser apta – e daí a relevância que o cumprimento do dever violado acaba por assumir neste caso concreto – à satisfação do interesse do cliente, aqui encarado para lá do mero cumprimento estrito da prestação típica do mediador, ou seja, no plano mais alargado desse interesse, ou melhor dito da finalidade da mediação - concluir, com perfeição, o negócio visado. Em decorrência, a nosso ver, falecem ab initio os pressupostos de que depende o direito à remuneração da mediadora, devendo proceder o recurso e, em decorrência, ser o réu, ora recorrente absolvido do pedido.
III- Decisão:
Pelo exposto, acordam as juízas da 8.ª Secção Cível, na procedência do recurso, em revogar a sentença recorrida e julgar improcedente a ação, absolvendo o réu do pedido.
Custas pela recorrida.
Lisboa, 23.10.2025
Fátima Viegas
Maria Teresa Lopes Catrola
Ana Paula Nunes Duarte Olivença