AMPLIAÇÃO DO OBJECTO DO RECURSO
ADMISSIBILIDADE
CONTRATO DE AGÊNCIA
CLÁUSULA PENAL
REDUÇÃO EQUITATIVA
RESOLUÇÃO ILÍCITA
Sumário

Sumário: (Elaborado pelo relator e da sua inteira responsabilidade – artº 663º nº 7 do Código de Processo Civil)
I - A ampliação do objecto do recurso não constitui alternativa à necessidade de interposição de recurso (principal ou subordinado) por parte daquele que fique prejudicado com uma decisão judicial: havendo decaimento, ainda que apenas parcial, o mecanismo próprio e adequado à alteração da decisão de 1ª instância é a interposição de recurso.
II - O uso da faculdade de redução equitativa de cláusula penal contratual não é oficioso, dependendo de pedido expresso nesse sentido do devedor da indemnização, alegando e provando a factualidade pertinente.
III - Os temas de prova não se destinam a ser objecto de resposta por parte do Tribunal: os temas de prova consistem nisso mesmo, em temas, ou seja, assuntos gerais, ideias centrais, matérias, sobre cujos factos que os integram recairá a prova. Ao Tribunal cabe dar resposta aos factos como decorre do artº 607º nºs 3 e 4 CPC.
IV - Afirmar-se que um contrato é de distribuição comercial não o qualifica, porquanto a distribuição comercial apresenta-se como uma categoria de contratos cujo traço comum é a obrigação fundamental de o distribuidor promover os negócios da outra parte, contando-se entre as espécies mais frequentes de contratos de distribuição os contratos de agência, de concessão e de franquia, dos quais apenas a agência dispõe de regime jurídico próprio, consagrado no DL nº 178/86, de 03/07, com as alterações introduzidas pelo DL nº 118/93, de 13/04, definindo o seu artº 1º nº 1 a agência como o contrato pelo qual uma das partes se obriga a promover por conta da outra a celebração de contratos, de modo autónomo e estável e mediante retribuição, podendo ser-lhe atribuída certa zona ou determinado círculo de clientes.
V - Já o concessionário, ao contrário do agente, actua em seu nome e por conta própria.

Texto Integral

Acordam as Juízes na 8ª Secção do Tribunal da Relação de Lisboa

I – RELATÓRIO
“Yonest, True Yogurt, Lda”, sociedade por quotas com sede na Rua 5 de Outubro, 8 C, 2080-052 Almeirim, pessoa colectiva com o NIPC 510152430,
intentou a presente acção declarativa de condenação, sob a forma única de processo comum, contra
“F. L, S.A”, sociedade anónima com sede no Largo do Movimento das Forças Armadas nº 1, Alfragide, 2614-004 Amadora, pessoa colectiva com o NIPC 500222371,
peticionando a condenação da R. a pagar-lhe:
A) indemnização na quantia global de € 1.308.917,36, que inclui cláusula penal no valor de € 412.547,00;
B) juros de mora vencidos desde 13/03/2020, calculando em € 17.320,74 os vencidos até à data de interposição da acção em 20/05/2020, e os vincendos até efectivo e integral pagamento, à taxa comercial,
com fundamento em que a Ré não só incumpriu o contrato que celebraram em 31/12/2018 sob a denominação “Contrato de Agência e Representação Comercial”, como por carta datada de 15/11/2019 declarou resolver o contrato apresentando motivos que não são verdadeiros ou que constituem risco próprio do negócio, tratando-se, pois, de uma resolução injustificada.
Após a resolução por parte da Ré, as partes mantiveram conversações com vista à passagem de informações que permitissem à A. recuperar a sua estrutura comercial e dispor dos meios técnicos e humanos que permitissem a comercialização dos seus produtos e apresentaram comunicação conjunta aos clientes, parceiros comerciais e prestadores de serviços de que a partir de 03/02/2020 a A. passaria a gerir directamente a actividade comercial e de marketing da sua marca. Nessa sequência, a Ré emitiu as facturas relativas à sua comissão no período de Fevereiro de 2019 a Novembro de 2019 e a Autora, por sua vez, emitiu factura relativa à compensação prevista no ponto 6.2 da Clª 4ª do contrato, a qual a Ré não aceitou e devolveu, entendendo-a não devida.
Mais alega que por carta datada de 13/03/2020 comunicou à Ré a resolução do contrato ao abrigo das als. vi e vii do ponto 2 da Clª 10ª do contrato e a interpelou para proceder ao pagamento dos prejuízos por ela sofridos com o incumprimento e resolução ilícita do contrato na quantia global de € 980.746,63 ou, em alternativa, a quantia de € 945.195,93 mediante a comprovação da realização de investimentos de € 35.551,00 a titulo de publicidade, e que a Ré, por carta de 02/04/2020, insurgiu-se contra essa posição da A. invocando que o acordo alcançado após a resolução relativamente à transição do negócio e transferência da operação impediam a Autora de reclamar prejuízos, e por sua vez a Ré reclamou da A. o pagamento de € 860.000,00 por danos emergentes e lucros cessantes; os quais a A. entende não serem devidos.
Diz a Autora que a despeito de ter feito aquela interpelação à Ré com base numa interpretação imprecisa da disposição contratual que invocou, tal não põe em causa o seu direito a ser indemnizada nos termos expostos na dita carta; explicitando na parte final da petição inicial que o seu direito a ser indemnizada pelos danos sofridos com a conduta da R. emerge do artº 32º nº 1 da Lei do Contrato de Agência e ainda da cláusula penal contratual.
A R. contestou e reconveio.
Na sua defesa, além da impugnação, em essência invocou (i) a caducidade do direito de resolução do contrato por parte da A.; (ii) a caducidade do direito da A. a exigir a cláusula penal; (iii) através da acima dita carta de 15/11/2019 e ao abrigo da alínea b) do artº 30° do DL nº 178/96, de 03/07, resolveu fundadamente o contrato celebrado entre as partes com suporte na ocorrência de circunstâncias – as quais alegou – que comprometeram gravemente a realização do objecto/fim contratual, em termos de não lhe ser exigível que o contrato se mantivesse até ao final do seu prazo inicial; (iv) a resolução por si promovida não provocou qualquer dano/prejuízo no património/na esfera jurídica da A. passível de ser indemnizado; (v) a cláusula penal é inaplicável, além de que é manifestamente excessiva e, nessa medida, abusiva.
Por sua vez o pedido reconvencional foi deduzido com fundamento em que a recusa de renegociação do contrato por parte da Autora constitui uma violação do principio da boa fé na execução dos contratos, configurando um verdadeiro facto ilícito e culposo, peticionando o pagamento de uma indemnização no valor de € 77.886,88 correspondente aos custos e encargos que suportou e que vieram a revelar-se como perdas/prejuízos merecedores de reparação, e ainda a quantia a liquidar posteriormente relativamente aos custos de oportunidade e danos de imagem que sofreu.
Concluiu pela improcedência da acção e pela procedência do pedido reconvencional em conformidade com o acima exposto, acrescido de juros à taxa comercial.
A A. replicou pugnando pela improcedência do pedido reconvencional.
*
Os autos foram saneados com dispensa de realização de audiência prévia, tendo sido admitido o pedido reconvencional, definido o objecto do litígio e enunciados os temas da prova.
Seguindo os autos a sua tramitação, foi a final proferida sentença com o seguinte dispositivo:
«A) Julgo a presente ação parcialmente procedente, por parcialmente provada e consequentemente condeno a R. F. L, S.A., a pagar à A. YONEST, TRUE YOGURT, LDA. a quantia de 377.849,19€ (trezentos e setenta e sete mil oitocentos e quarenta e nove euros e dezanove cêntimos), acrescidos juros de mora contados desde 13/03/2020, à taxa aplicável às operações comerciais, sobre tal quantia, até efetivo e integral pagamento.
B) Absolvo a R. do mais peticionado.
C) Julgo a reconvenção totalmente improcedente, por totalmente não provada e consequentemente absolvo a A. do peticionado pela R.».
Inconformada, veio a Ré interpor o presente recurso de apelação, com pedido de reapreciação da prova, sustentando que a sentença sob recurso deve ser revogada e em seu lugar proferida outra que proceda à alteração do ponto 23 da matéria de facto provada e adite à decisão de facto um ponto 32, e que a absolva do pagamento da quantia de € 377.849,19, acrescida de juros de mora, ou, caso assim não se entenda, que aquele montante seja reduzido de acordo com critérios de equidade, em conformidade com o previsto no artº 812º do Código Civil.
Das suas alegações extraiu a Recorrente as seguintes
Conclusões
1.O Tribunal a quo lavra em evidente erro de julgamento da matéria de facto no que ao ponto 23 diz respeito, por deficiente apreciação da prova testemunhal (prova gravada); por errada interpretação/apreciação dos demais meios de prova produzidos nos autos; e por desconsideração de documentos que ao mesmo se encontram juntos;
2.Concretizando:
. No anexo 2 ao documento 17 junto com a Petição Inicial apenas se encontram contabilizadas as despesas suportadas pela RECORRENTE a título de publicidade de marketing e de vendas (e não as despesas com reposição fixa e com o Account);
. Do anexo 2 ao documento 17 junto com a Petição Inicial resulta de forma expressa que a RECORRENTE suportou um valor superior a € 27.296,00, designadamente € 35.551,00 (trinta e cinco mil quinhentos e cinquenta e um euros), apenas a título de publicidade de marketing e de vendas;
. A RECORRIDA admitiu e confessou no artigo 133.º da sua Petição Inicial que a RECORRENTE investiu a título de marketing e publicidade o montante de € 35.551.00 (trinta e cinco mil quinhentos e cinquenta e um euros);
. Foi produzida prova documental e testemunhal (cfr. depoimentos acima parcialmente transcritos das testemunhas TA e MD) que evidencia que para além do investimento em publicidade e marketing, a RECORRENTE deu cumprimento às outras duas obrigações de investimento constantes nas alíneas c) e d) do n. 2 da cláusula 6.ª do contrato e que durante o período de execução do contrato (9 meses), a RECORRENTE suportou em cumprimento de todas as obrigações de investimento um valor total muito superior a € 27.296,00 (vinte e sete mil duzentos e noventa e seis euros), designadamente € 59.776,03 (cinquenta e nove mil setecentos e setenta e seis euros e três cêntimos).
. A RECORRENTE impugnou o artigo 134. da Petição Inicial, no artigo 59.º da sua contestação;
3.Termos em que pelas razões acima expostas, impõe-se, ao abrigo do disposto no artigo 662.º n.º 1 do CPC que seja alterada a decisão do Tribunal a quo sobre a matéria de facto provada, no que concerne ao ponto 23, devendo no mesmo passar a constar o seguinte: “A R. despendeu em execução das obrigações constantes da cláusula 6a, ponto 2, als, a. a d. do acordo a quantia de € 59.776,03 (cinquenta e nove mil setecentos e setenta e seis euros e três cêntimos), durante os 9 (nove) meses em que o contrato vigorou.”
4.Na fase de instrução do processo e tendo por objeto os temas da prova enunciados, as partes procuraram, ao longo de 8 (oito) sessões de julgamento, aferir se a RECORRIDA havia sofrido algum prejuízo/dano decorrente da resolução do contrato levada a cabo pela RECORRENTE, tendo ficado suficientemente provado nos autos que esse prejuízo/dano não existiu, porquanto:
. Não existiu qualquer prejuízo decorrente de custos/investimentos suportados pela RECORRIDA, por conta do contrato celebrado com a RECORRENTE;
. Não existiu uma diminuição de vendas dos produtos da RECORRIDA subsequente à resolução do contrato (no final de 2019 e no início de 2020) e, consequentemente, nenhum prejuízo resultou deste inexistente decréscimo de vendas;
. Não existiu nenhum prejuízo/dano após a resolução do contrato, decorrente de dificuldades na comercialização dos produtos por parte da RECORRIDA, por a imagem dos mesmos ter saído prejudicada da parceria alcançada entre as partes;
. Não existiu nenhum prejuízo/dano por interrupção abrupta dos serviços por parte da RECORRENTE, tendo esta passado/devolvido o negócio para a RECORRIDA de forma gradual e segura.
5.Porém, o Tribunal a quo omitiu por completo na sua decisão de facto a pronúncia sobre esta questão de facto que foi objeto de instrução - (in)existência de prejuízos/danos na esfera jurídica da RECORRIDA —, sendo a resposta à mesma indispensável para a decisão da causa (porque o pagamento da indemnização prevista na cláusula penal (indemnizatória) a que foi condenada a RECORRENTE pressupunha a existência de prejuízos/danos efetivos), ficando, assim, comprometida a solução jurídica do litígio;
6.Pelo que, perante esta evidente deficiência da decisão de facto proferida pelo Tribunal a quo, impõe-se, consequentemente, a necessidade do Tribunal ad quem suprir o vício em causa, ao abrigo do disposto no artigo 662.º n.º 1 e n.º 2, do CPC, tendo por base os elementos probatórios que constam do processo e, na sequência da necessária apreciação da prova testemunhal acima transcrita (reapreciação de prova gravada: testemunhas MD e VC), proceder à ampliação da matéria de facto, mediante a introdução/aditamento á factualidade dada como provada na decisão de facto recorrida do seguinte ponto: “- 32. A A. não sofreu prejuízos/danos com a resolução do contrato promovida pela R.”,‘
7.O Tribunal a quo inicia a sua (escassa) fundamentação de direito com um evidente erro de qualificação do contrato celebrado entre as partes ao afirmar na sentença recorrida que “o contrato celebrado pelas partes consubstancia um contrato de distribuição comercial, contrato atípico (...).", (negrito e sublinhado nossos) e por causa desse erro de qualificação do contrato (já que estamos perante um clássico e inquestionável contrato de agência) o Tribunal a quo não recorre na Sentença ao regime jurídico da agência para apreciar se foi fundada ou infundada a resolução do contrato (questão prévia e central para a condenação da RECORRENTE numa indemnização), sendo que este erro de qualificação jurídica (erro de direito) afeta necessariamente o fundo da decisão recorrida (decisão de direito) porque não considera a norma específica da Lei da Agência precisamente na matéria de resolução do contrato de que nos ocupamos na presente ação;
8. A Recorrente resolveu, ao abrigo da alínea b) do artigo 30.º (DL. N.º 178/96 de 3 de julho, (fundadamente) o contrato celebrado entre as partes, através de carta datada de 15/11/2019, com fundamento na ocorrência de circunstâncias que comprometeram gravemente a realização do escopo contratual visado, em termos de não lhe ser exigível que o contrato se mantivesse até ao final do seu prazo inicial. Nesta carta de resolução, a Recorrente invocou expressamente a aplicação da alínea b) do artigo 30.º do DL. N.º 178/96 de 3 de julho como fundamento legal da resolução do contrato e não a recusa de alterar os termos do contrato, como, por manifesto erro, consta da sentença objeto do presente recurso (cfr. carta de resolução que constitui o doc. n.º 5 da contestação de fls. com a Ref.° CITIUS 27207701);
9.Essas circunstâncias [(i) a efetiva execução do contrato apenas se iniciou em 15/02/2019; (ii) Inúmeras queixas dos clientes da Recorrida, motivadas pelas condições comerciais que esta teimosamente imponha, sem qualquer margem de revisão; (iii) Perda de um dos maiores clientes - cadeias de lojas “Auchan"- da Recorrida] não são circunstâncias ad initio (como, por erro, se refere na Sentença objeto do presente recurso), mas são factualmente supervenientes à celebração do contrato (cfr. carta de resolução que constitui o doc. n.º 5 da contestação de fls. com a Ref.ª CITIUS 27207701);
10.É verdade que a Recorrente denunciou efetivamente, como factos a recusa da Recorrida em alterar os termos do contrato e o manifesto desequilíbrio contratual inicial do contrato, mas é evidente (e comprovável) que resolveu o contrato com fundamento na ocorrência, posterior à celebração do contrato, das circunstâncias descritas na conclusão anterior que vieram prejudicar seriamente o objetivo do mesmo, (para a compreensão desta relevante distinção, leia-se a carta de resolução que constitui o doc. n.º 5 da contestação de fls. com a Refª CITIUS 27207701).
11.O Tribunal a quo fundamenta a sua Sentença exclusivamente no principio do cumprimento pontual dos contratos |pacta sunt servanda) e no princípio da liberdade contratual quando atualmente quer a jurisprudência, quer a doutrina, tem consistentemente defendido que esse principio não é intangível e sacro santo, existindo outros princípios jurídicos previstos na lei que concorrem com aqueles e que constituem verdadeiras limitações à liberdade contratual, pelo que o Tribunal ao quo ao recorrer, sem mais, àqueles dois princípios como única solução de direito para a resolução dos presentes autos, comete, simultaneamente, com a errada qualificação do contrato denunciada na conclusão número 1 e por causa desta, um erro de aplicação do direito (por omissão), passível de determinar a revogação da sentença recorrida;
12.Na fundamentação de direito que o Tribunal a quo apresentou para sustentar a sua decisão de declarar como ilícita a resolução do contrato promovida pela Recorrente refere que “O eventual desequilíbrio financeiro do contrato ad initio não é fundamento de resolução" e que “Por muito mau que um negócio seja, a parte fica obrigada ao seu cumprimento a não ser que logre provar um qualquer vício do contrato passível de afetar a sua validade ou uma alteração das circunstâncias após a celebração do mesmo, o que in caso não ocorreu”, cometendo com esta fundamentação, neste caso concreto, um manifesto erro de facto e de direito pela simples razão de que as circunstâncias discriminadas na conclusão número 9, em que a RECORRENTE efetivamente se fundamentou para resolver o contrato são comprovadamente supervenientes à sua celebração e porque a jurisprudência mais autorizada tem qualificado o desequilíbrio financeiro do contrato, provocado pela perda significativa de mercado por parte do Agente, precisamente como uma das circunstâncias que integra a previsão da alínea b) do artigo 30.º da Lei de Agência, a qual consubstancia uma vertente/variante do instituto da alteração da circunstâncias previsto no artigo 437.º do Código Civil;
13.O Tribunal a quo estava obrigado a verificar a modalidade da cláusula penal prevista na cláusula 10ª n.º 5 do contrato, qualificando-a antes da sua aplicação ao caso, mediante a aferição da finalidade prosseguida pelas partes com a estipulação da pena e estando, no caso concreto, essa cláusula factualmente associada à resolução do contrato pela RECORRENTE facilmente concluiria que estava na presença de uma clausula penal “indemnizatória” que se caracteriza e distingue (da compulsória e da strito sensu) precisamente por exigir a culpa do devedor e o prejuízo do credor para ser judicialmente exigível, pelo que, não tendo promovido essa classificação/qualificação da cláusula penal que pretendia aplicar, cometeu (irremediável e previsivelmente) o erro de direito de condenar a RECORRENTE no montante fixado na mesma quando se verifica, pela simples consulta do processo, uma situação de inexistência de prejuízo/dano causado à RECORRIDA pela resolução do contrato, bem como uma situação de ausência de culpa imputável a RECORRENTE que torna simplesmente inexigível essa cláusula penal indemnizatória;
14.A RECORRENTE enunciou e desenvolveu, em capítulo autónomo da sua Contestação, que a cláusula penal prevista no número 5 da cláusula 10ª do contrato era manifestamente excessiva no caso da sua previsão normativa de resolução infundada do contrato, pelo que tendo Tribunal a quo violado o dever de se pronunciar sobre esta excepção já que não dedicou uma única linha à sua apreciação),cometeu, com essa omissão, uma nulidade processual, devendo, consequentemente, a sentença recorrida ser declarada nula por omissão de pronúncia;
15.Ao ser a sentença recorrida declarada nula, por omissão de pronúncia, deverá o Tribunal ad quem conhecer das respetivas questões omitidas, tendo em consideração as presentes alegações da Recorrente sobre esta matéria que no essencial consideram objectivamente exagerada uma cláusula penal que atribui à RECORRIDA o montante de € 412.547,00 quando comparada com os resultados líquidos obtidos pela RECORRIDA nos 3 (três) anos anteriores à celebração do contrato com a RECORRENTE, o que legitima/habilita o Tribunal ad quem, em sede de correção dessa omissão do Tribunal a quo, a promover a redução equitativa da Cláusula penal, segundo critérios de equidade, nos termos previstos e permitidos no artigo 812.º n.º 1 do Código Civil, servindo a interpretação sistemática e corretiva desenvolvida no ponto III destas Alegações como contributo ou critério para este exercício.
16.Com efeito, a interpretação do número 5 da clausula 10ª do contrato é uma verdadeira questão de direito, estando, por isso, sujeita ao (posterior) controle do Tribunal ad quem, pelo que poderá este Tribunal apreciar perfeitamente esta questão efetuando, em substituição do Tribunal a quo, a correta interpretação e aplicação do Direito sobre a mesma, tendo a RECORRENTE, precisamente para essa função interpretativa, apresentado no ponto III destas Alegações um contributo em que demonstra o caracter absolutamente ilógico e totalmente irrazoável dessa cláusula penal quando integrada no contrato de agência em apreço, consistindo num erro material na sua redação, habilitando o Tribunal ad quem, em sede de interpretação sistemática e corretiva, a considerar como única interpretação correta e lógica, ao abrigo do artigo 237.º do Código Civil, o sentido que conduz ao maior equilíbrio das prestações que é o de entender que a cláusula penal estará relacionada com as vendas líquidas da Segunda Contraente/Recorrida e não da Primeira Contraente/Recorrente.
17.E o valor indemnizatório que resulta da cláusula penal corretamente interpretada e corrigida (€ 15.281,97) tem de ser conjugado/completado com o facto de a RECORRIDA ter transferido, por força do contrato de agência, diversos custos, despesas e encargos operacionais que suportava para a RECORRENTE (despesas com o Account, despesas de marketing e publicidade, despesas com reposição fixa e despesas pela comissão de serviços de suporte) no montante total de Euros: 90748,00 (€70748,00 + €20.000,00), (no 1.º ano) e que se traduziu, assim, por efeito dessa transferência, numa economia no mesmo montante para a RECORRIDA, pelo que é na soma destes dois valores que se tem que avaliar/ponderar a razoabilidade/justiça/equidade do montante que a RECORRIDA merece receber por 9 meses de contrato.»
E culminou com a seguinte:
«NOTA FINAL
Reservamos esta nota final para sinteticamente nos limitarmos ao óbvio, mas que não deixa de ser essencial e estruturante: - Os Tribunais cumprem a sua função soberana de administrar a justiça quando atribuem a cada um aquilo que ele merece -.
É com a simplicidade dessa fórmula que, no contexto desta ação judicial, perguntamos se a RECORRIDA YONEST que não trouxe aos autos nenhum facto do qual resulte a existência de qualquer prejuízo/dano sofrido na sua esfera jurídica, nos escassos 9 (nove) meses de contrato com a Recorrente F L merece, por ser justo, receber uma indemnização concedida por um Tribunal superior a 400 mil euros que é sempre um montante excessivo quando comparado com qualquer dos parâmetros disponibilizados neste processo (27 vezes o resultado líquido médio anual da YONEST que foi de cerca de 15 mil euros e cerca de 134% do volume total médio de vendas anual da YONEST que foi de 300 mil euros), quando ficou provado que foi a Recorrente F L que suportou despesas e encargos nesses mesmos 9 (nove) meses de mais de 90 mil euros e que para receber as suas comissões teve de intentar uma injunção em Tribunal.
A resposta dada pelo Tribunal a quo de que se está apenas a cumprir o contrato (e as suas Cláusulas penas) que “é lei entre as Partes”(como fundamenta a Sentença do tribunal a quo) pode, numa primeira aproximação, ser assertiva (e até convincente), mas — ternos de reconhecer reconduz os Tribunais ao papel menor (para não dizer insignificante) de se limitarem, nas suas decisões, à reprodução e aplicação das cláusulas previstas nos contratos quando a função de julgar, na sua plenitude e complexidade, convida e interpela-nos para um exercício mais exigente, mais difícil e, principalmente, bem mais interessante.».
A A. apresentou contra-alegações, com pedido subsidiário de ampliação do âmbito do recurso, formulando as seguintes
Conclusões
«CONTRA-ALEGAÇÕES DE RECURSO1
A. Nenhuma censura merece o ponto 23 dos factos provados na medida em que, com base nas próprias palavras da Apelante, a mesma despendeu em execução das obrigações constantes da cláusula 6ª, ponto 2, alíneas a) a d) do Contrato a quantia de €27.296,00, como bem decidido pelo Tribunal a quo – veja-se que no anexo 2 invocado para a alteração do ali decidido é a própria Apelante que assinala os valores pagos e ressalva os valores pelos quais aguarda resposta da Apelada.
C. Acresce que, os documentos 94 e 106 juntos à contestação, referentes a novembro de 2019, apenas podem ser considerados em 50% pelo facto de a resolução contratual ter tido efeitos imediatos, como determinado pela Apelante, e os documentos 95, 107 e 108, também juntos à contestação, não podem ser considerados por se referirem a dezembro de 2019 / janeiro de 2020, não podem ser considerados.
D. Acresce, ainda, que o documento 96 junto à contestação não faz prova de nada pois trata-se de uma mera tabela em excel, sem capacidade para sustentar a prova de valores pagos, cuja autoria não foi demonstrada ou identificada e os documentos 111 a 122 juntos à contestação, sem qualquer outra informação adicional, são manifestamente insuficientes para considerar os valores ali constantes, pois não demonstram que são referentes ao veículo de serviço do comercial MD.
E. Dos €70.748,00 anuais que a Apelante se obrigou a investir nos termos da citada Cláusula 6.ª, n.º 2 do Contrato, em 10 meses de execução do Contrato a mesma só investiu um total de 57% de tal montante, dos quais (i) €1.648,00 foram em maio de 2019 investiu e (ii) €9.770,00 em outubro de 2019, 15 dias antes de proceder à resolução do Contrato, o que necessariamente teve impacto no fracasso da captação de novos clientes.
F. A ampliação da matéria de facto provada requerida pela Apelante não pode ser atendida na medida em que a Apelante, nas conclusões do seu recurso, não cumpre o ónus de indicar os meios probatórios que impõem a referida alteração.
G. Mesmo que assim não fosse, tal ampliação carece de relevância em face, por um lado, do teor do Contrato celebrado entre as partes e, por outro, do pedido deduzido pela Apelada e da Sentença proferida e, como é entendimento pacífico na jurisprudência, se a impugnação da matéria de facto for irrelevante para a decisão a proferir, então torna-se inútil a actividade de reapreciar pois o resultado a alcançar seria juridicamente inócuo ou insuficiente.
H. Dos n.º 2 e 5 da Cláusula 10.ª do Contrato resulta que a resolução infundada do Contrato importa a aplicação de uma “multa igual a 5% (cinco por cento) do total de vendas líquidas da Primeira Contraente, conforme Base de Cálculo, registadas em balanço no último exercício social desta.”, e é desta condenação que a Apelante recorre - estamos perante uma verdadeira cláusula penal, conforme definida no n.º 1 do artigo 810.º do CC, ou seja, perante a estipulação de uma pena convencional, que o devedor tem de satisfazer face ao seu incumprimento, sendo irrelevante se a Apelada sofreu, ou não, danos decorrentes da conduta ilícita da Apelante que procedeu à resolução do Contrato de forma absolutamente leviana e infundada.
I. A Apelante não invocou, como facto impeditivo ou modificativo do direito reclamado pela Apelada, o carácter excessivo da referida cláusula penal, nem peticionou a sua redução, pelo que não pode, nesta sede, invocar a aplicação do disposto no artigo 812.º do CC, o que conduz à irrelevância o facto que pretende aditar à factualidade provada.
J. Caso assim não se entenda, defender que a Apelante não sofreu danos decorrentes da violação e consequente resolução do Contrato é, no mínimo, ofensivo.
K. Através do Contrato – cuja negociação ocorreu durante todo o ano de 2018 -, que tem por base o plano de negócios elaborado pela Apelante (e aceite pela Apelada), com base na sua expertise por se tratar de uma sociedade dedicada à comercialização de produtos, com décadas de experiência na área da distribuição e comercialização e com um volume de vendas líquidas de €8.250.939,28 registadas no exercícios de 2018, as partes assumiram uma parceria comercial estável e duradoura, pelo período de 5 anos, renováveis.
L. Por esse motivo, a Apelada aceitou a exclusividade exigida pela Apelante e, como consequência desta, ficou sem departamento comercial na sua estrutura por se ter tornado desnecessário, ficando os resultados da sua atividade (venda dos produtos por si produzidos) totalmente reféns do cumprimento pontual das obrigações assumidas por parte da Apelante.
M. O prejuízo sofrido pela Apelada foi confirmado pelo seu representante legal da Apelada, em sede de declarações de parte prestadas na sessão de julgamento de 11.12.2023 em especial, das passagens 00:01:17.5, 00:05:08.7, 00:06:13.8, 00:06:50.5, 00:25:45.4, 01:23:08.0, 01:23:47.4 a 01:27:02.3, 01:27:51.6, 01:29:51.8, 01:30:24.0, 01:33:27.9, e 01:33:37.8.
N. A par do prejuízo decorrente do facto de a Apelada, por via do Contrato, ter ficado sem capacidade e estrutura comercial para vender os seus produtos, a que acresceram os prejuízos decorrentes da falta de ações de publicidade e marketing – o que afeta negativamente qualquer marca que se pretenda manter no mercado – a Apelada fez um investimento em novos produtos para aumentar a capacidade e potencial de venda por parte da Apelante – cfr. depoimento de GD, Diretor Comercial da Apelada à data dos factos.
O. Acrescem, ainda, os lucros cessantes, isto é, os benefícios que a Apelada deixou de obter em consequência do incumprimento da Apelante, os quais, de acordo com o plano de negócios por esta apresentado, ascendiam a €1.270.000,00 em 2019 e a €2.220.000,00 em 2020 (expectativa média de vendas), ou, no mínimo, a €3.600.000,00 para a totalidade do Contrato.
P. O facto de a Sentença recorrida ser concisa na fundamentação jurídica não é sinónimo de gravemente insuficiente, em termos tais que não permitam ao respetivo destinatário a perceção das razões de facto e de direito da decisão judicial ou, no limite, inexistente.
Q. O juiz não tem que esgotar a análise da argumentação das partes, mas apenas que apreciar todas as questões que devam ser conhecidas, ponderando os argumentos na medida do necessário e suficiente – foi isto que o Tribunal a quo fez: pronunciou-se especificamente e de forma clara, rigorosa e explícita sobre todos os pedidos formulados, aplicando as regras contratuais acordadas pelas partes face à sua validade, suficiência e prevalência, sem necessidade de análise e aplicação da Lei da Agência.
R. A celebração do Contrato identificado no ponto 7 dos factos provados respeitou integralmente o princípio da liberdade contratual, expresso no artigo 405.º do CC – a decisão de contratar da Apelante foi absolutamente livre e esclarecida, não só pela forma como decorreram as negociações durante todo o ano de 2018, em que a Apelante teve acesso a todas as informações que considerou pertinente solicitar(com base na sua experiência de décadas na área da distribuição e comercialização),como ainda pelo facto de ter sido representada por toda a sua Administração, da qual, inclusivamente, fazia parte um elemento com conhecimentos jurídicos (Senhor Dr. JS), co-autor do Contrato em conjunto com o mandatário da Apelada.
S. Da factualidade provada nos autos não resulta a existência de qualquer circunstância superveniente e exterior à vontade e conduta das partes, por estas não prevista nem previsível, que fuja ao risco próprio do contrato e imponha uma alteração do firmado entre as partes – por esse motivo, a Apelada não violou o dever de renegociar o Contrato, muito menos o dever de boa-fé que sempre adotou nas negociações e execução do mesmo.
T. O princípio do equilíbrio contratual não impõe que todas prestações contratuais sejam necessariamente, e de modo absoluto, equilibradas, sobretudo quando as perturbações que surgem são decorrentes do risco do negócio - os riscos próprios de um contrato de agência é, necessariamente, o de não conseguir celebrar contratos com A, B ou C, na medida em que estamos num mercado de livre concorrência.
U. A resolução contratual promovida pela Apelante não cumpre os requisitos exigidos pela alínea b) do artigo 30.º da Lei da Agência – que exige, entre outros, que o contrato esteja a ser regularmente cumprido - tendo em conta os factos provados nos pontos 20, 21 e 10, uma vez que:
(i) a Apelante apenas deu início à execução do Contrato em 15.02.2019 pois “A existência de diferentes processos comerciais e distintos exigiu, da parte da R., um período de adaptação para obtenção de know-how, conhecimento dos produtos e identificação de oportunidades de expansão.”;
(ii) em 28.06.2019 a Apelante confessou necessitar de tempo para “uma mais correcta avaliação e negociação das condições com o mercado”, cujas conclusões apenas poderia apresentar em setembro;
(iii) confessou, ainda que apenas tinha iniciado as atividades de promoção da marca a que estava obrigada contratualmente no mês de maio de 2019.
V. Os pontos 9, 12 e 13 dos factos provados são factos isolados que, mesmo em conjunto, são manifestamente insuficientes para sustentar qualquer “desequilíbrio contratual”, que constitua “ocorrência posterior à celebração do contrato”.
W. Da prova produzida resultou com clareza que as condições comerciais / preço / características do produto / opções de comercialização da Apelada não sofreram qualquer alteração em 2019, face a 2018.
X. Não se sabe, porque nada foi alegado ou demonstrado, qual o peso dos clientes Supermercados Bolama e Malaquias, Auchan e Sonae na carteira de clientes existente / qual o montante das perdas decorrentes da não angariação dos Supermercados Bolama e Malaquias / quantas lojas Auchan comercializavam os produtos da Apelada / qual o impacto que a perda da Auchan teve no cumprimento dos objetivos de vendas fixados contratualmente / quais os preços praticados pela concorrência da Apelada / qual a razão de quebra registada pela Sonae / qual o peso e relevância da Sonae no volume de negócios delineado pela Apelante.
Y. As três circunstâncias invocadas pela Apelante para sustentar a resolução contratual não estão sustentadas na matéria de facto provada e, como tal, não se mostram demonstradas, ónus que incumbia à Apelante, nos termos e ao abrigo do disposto no artigo 342.º, n.º 1, do CC.
Z. O dever de renegociação previsto na alínea e) do n.º 6.2. da Cláusula 5.ª do Contrato não era exigível pois a Apelante nunca invocou “alterações de mercado, decorrentes de novas estratégias de clientes”.
AA. Em todo o caso, a Apelada, apesar de não aceitar a suspensão da penalidade pelo incumprimento do valor mínimo de vendas, aceitou o renegociar o Contrato nos termos da carta junta como 14 à petição inicial -ponto 11 dos factos provados –à qual a Apelante não respondeu.
BB. O Tribunal a quo não estava obrigado a conhecer do carácter excessivo imputado pela Apelante à cláusula penal prevista na Cláusula 10.ª, n.º 5 do Contrato porque tal argumento não foi invocado de forma autónoma e identificado como matéria de exceção, nos termos exigidos pelo artigo 572.º, alínea c),do CPC, não existindo assim a imputada nulidade processual, por omissão de pronúncia.
CC. A referida cláusula penal, intitulada pelas partes de “multa” (ou seja, castigo, pena, sanção, coima), tem natureza compulsória, atento o seu caráter sancionatório e em face do previsto na Cláusula 14.ª do Contrato.
DD. A mesma visava compelir ao cumprimento e/ou sancionar o incumprimento de um Contrato, in casu, a resolução do mesmo de forma infundada, sem necessidade de verificação de qualquer prejuízo.
EE. Face a tal natureza, para que a referida cláusula penal se torne exigível não é necessário o preenchimento dos pressupostos da responsabilidade civil contratual, pelo que, a Apelante se encontra vinculada à prestação da totalidade da “multa” acordada por via do n.º 5 da Cláusula 10.ª do Contrato.
FF. A Apelante, em momento algum da sua defesa, invocou qualquer erro na declaração ou vício na vontade, pelo que o Tribunal a quo não estava obrigado a aferir a vontade real das partes para interpretar o n.º 5 da Cláusula 10.ª do Contrato.
GG. Por o alegado erro, agora invocado sob a forma encapotada de interpretação do contrato, não ter sido invocado atempadamente na contestação, estamos perante uma questão nova, cujo conhecimento está vedado ao Tribunal ad quem.
HH. Mas mesmo que assim não se considere, sem conceder, a “interpretação” que a Apelante agora defende, para suprir, de forma encapotada, a falta de invocação de erro na declaração, não procede tendo em conta que:
(i) as partes foram assessoradas por advogado, na negociação e elaboração do Contrato, onde ficou expresso que a Apelada pretendia expandir e “acelerar exponencialmente a sua presença e crescimento” nos mercados de retalho Portugueses e Angolanos a partir de 01.01.2019;
(ii) a Apelante assegurou dispor de infraestruturas técnicas e humanas, em especial, estrutura comercial própria vocacionada para o efeito;
(iii) o Contrato tinha a duração inicial de 5 anos;
(iv) a comercialização dos produtos fabricados pela Apelada era feita exclusivamente pela Apelante, o que fazia com os resultados daquele estivessem totalmente reféns da atuação desta última; e
(v) por esse motivo, a Apelada alterou a sua estrutura, ficando sem departamento comercial, pois a partir da celebração do Contrato a sua atividade passaria a centrar-se na produção.
II. Fazer incidir a multa prevista na Cláusula 10.ª, n.º 5 do Contrato sobre o total de vendas líquidas da Apelada, quando estas vendas dependiam em exclusivo da Apelante, isso sim, seria ilógico e irracional, afetando o equilíbrio das prestações contratuais, pois a Apelante ficaria com total domínio sobre a penalidade que lhe seria aplicada perante o seu próprio incumprimento.
JJ. A expressão “Base de Cálculo” identificada na Cláusula 5.ª, n.º 1 do Contrato, não consta do leque de expressões interpretativas previsto na Cláusula 1.ª, sendo que a sua fixação está direta e exclusivamente relacionada com a forma de cálculo da comissão de vendas devida à Apelante no âmbito do Contrato.
KK. Não existe qualquer erro ou lapso no apuramento do valor devido com base no total das vendas líquidas registadas pela Apelante/Primeira Contraente em balanço no último exercício social, caso contrário, ficaria por explicar o teor da Cláusula 7.ª do Contrato, onde as partes optaram por não especificar.
LL. A interpretação que só agora, nesta sede, a Apelante vem defender, para escamotear a circunstância de não ter cumprido o disposto no artigo 573.º do CPC, imputando ao Contrato um erro ou vício, é claramente improcedente, por não ter qualquer apoio literal na Cláusula 10.ª, n.º 5 do Contrato e por carecer de lógica, racionalidade e, utilizando as próprias palavras da Apelante, conduzir a um total desequilíbrio das prestações e das garantias contratuais e esvaziar por completo a penalidade que as partes acordaram livremente e de forma esclarecida.
MM. A redução de cláusula penal por manifestamente excessiva, nos termos do art. 812º do CC, não pode ser decretada oficiosamente e a Apelante, em sede de contestação, apesar de defender o caráter excessivo da cláusula penal prevista na Cláusula 10.ª, n.º 5, do Contrato, fê-lo no âmbito da sua defesa por impugnação, como resulta do capítulo 5.5. da sua contestação, e não enquanto facto que “servindo de causa impeditiva, modificativa ou extintiva do direito invocado pelo autor, determinam a improcedência total ou parcial do pedido”, como definido no artigo 571.º do CPC.
NN. A par disso, a Apelante também não formulou nenhum pedido autónomo a este respeito, no sentido de ver reduzida a referida cláusula penal.
OO. Assim, a pretensão agora deduzida, em sede de recurso, não pode ser apreciada por, mais uma vez, estarmos perante uma questão nova, que só foi suscitada em fase de recurso, cujo conhecimento está vedado ao Tribunal ad quem.
PP. Caso assim não se entenda, sem conceder, em face dos factos provados e, bem assim, atendendo aos factos cuja adição à factualidade provada se requer em sede de ampliação do âmbito do recurso, será forçoso concluir que não estamos perante uma cláusula manifestamente excessiva, cujo montante é desmesurado e evidente, patente, substancial e extraordinário.
QQ. Pelos motivos já expostos a respeito da ampliação da matéria de facto propugnada pela Apelante, é ofensivo considerar que os danos do incumprimento de um contrato com o descrito nos autos e perante a conduta assumida pela Apelante apenas se poderiam reconduzir a investimentos em “inox” a e a tempo despendido.
RR. O exercício do direito à pena, por parte da Apelada, decorre exclusivamente da conduta da Apelante: foi a Apelante quem incumpriu o Contrato e, apesar disso, procedeu à resolução infundada do mesmo, pelo que, tendo a cláusula penal em causa sido acordada livre e expressamente pelas partes, não se afigura, em face dos valores envolvidos no Contrato e o comportamento da Apelada, manifestamente excessiva, não estando reunidos os requisitos legais para a sua redução ou eliminação.
SS. Entendimento contrário seria premiar comportamentos incumpridores, colocando em causa a certeza e a segurança contratual.
AMPLIAÇÃO DO ÂMBITO DO RECURSO
TT. Por ser inequívoco que todo o conteúdo do Contrato celebrado entre as partes é aceite pelas mesmas e devendo o mesmo ser analisado como um todo, o ponto 7 dos factos provados deve ser alterado para “7. Em 31-12-2018, por escrito que denominaram “CONTRATO DE AGÊNCIA E REPRESENTAÇÃO COMERCIAL”, com o teor que consta no documento 7 junto à petição inicial, a R., como primeira outorgante, e a A., como segunda outorgante, declararam: (…)”.
UU. Dos docs. 2, 5 e 6 juntos à petição inicial e dos docs. 14 a 26 da contestação, bem como dos depoimentos, entre outras, da testemunha MGC, RD, GD e, ainda, das declarações de parte do representante legal da Apelante, RML, deve ser aditada à matéria de facto provada:
(i) 7-A. O Contrato identificado no ponto 7. foi antecedido de conversações e negociações entre as partes durante todo o ano de 2018, tendo a R. determinado e solicitado as informações que considerou necessárias para a elaboração do plano de negócios que está na base do Contrato, as quais foram disponibilizadas pela A..
(ii) 7-B. A R. elaborou o plano de negócio junto como doc. 6 à petição inicial, o qual foi aceite pela A. e está na base do Contrato.
VV. O refletido no ponto 21 dos factos provados decorre do artigo 59.º da PI, aceite pela Apelante, devendo ser alterado o ali constante de acordo com a seguinte redação:
“21. Após a assinatura do Contrato identificado em 7, a existência de diferentes processos comerciais e distintos exigiu, da parte da R., um período de adaptação para obtenção de know-how, conhecimento dos produtos e identificação de oportunidades de expansão.”.
WW. Deve ser aditado à factualidade provada um novo ponto, 9-A, onde fique expresso que “9-A. Antes da celebração do Contrato identificado no ponto 7 a R. tinha conhecimento de que a A. tinha como regra a política de não aceitação de devoluções, por parte dos clientes, de produtos com prazo de validade expirado.”, cuja prova decorreu do depoimento das testemunhas MD, RD e GD.
XX. O ponto 11 dos factos provados deve ser alterado de modo a que fique inequívoco que o teor integral da carta remetida pela Apelada à Apelante em 11.07.2019 resulta provado, devendo a sua redação passar para ”11. Em 11-07-2019, a A. respondeu à R. nos termos da carta com o teor que consta no documento 14 junto à petição inicial, salientando “informamos que não estamos de acordo com a proposta apresentada por V. Exa. acerca da suspensão de efeitos do número 6.2 da cláusula 5ªdo Contrato de Agência e Representação Comercial (“Contrato”), de modo que consideramos as disposições estabelecidas na disposição contratual em comento válidas e vigentes para todos os efeitos.”.
YY. Deve ser adicionado à factualidade provada um novo ponto, 8-A, com a seguinte redacção: “8-A. Com a epígrafe “Fecho Planos Comercial/Marketing e Acompanhamento Parceria”, a A. e a R. trocaram entre si os emails com o teor que consta no documento 10 junto à petição inicial, tendo a R. enviado à A., em 28.05.2019, o email que consta no documento 11 junto à petição inicial.”, cuja prova resulta dos docs. 10 e 11 juntos à petição inicial e do doc. 31 junto à contestação.
BBB. Por último, o ponto 15 dos factos provados deve ser completado, de modo a refletir todo o conteúdo do doc. 17 junto à petição inicial, i.e., a carta de resolução do Contrato remetida pela Apelante à Apelada e datada de 15.11.2019, passando a ter a seguinte redacção: “15. Por carta datada de 15/11/2019, recebida pela A. no dia 19/11/2019, a R. declarou à A. que resolvia o contrato nos termos e com os fundamentos constantes do Doc. 17 junto com a petição inicial.”.
NESTES TERMOS, DEVE SER NEGADO PROVIMENTO AO RECURSO INTERPOSTO PELA APELANTE E CONFIRMADA A DOUTA SENTENÇA RECORRIDA, MANTENDO-SE A CONDENAÇÃO DA APELANTE NO PAGAMENTO À APELADA NOS EXATOS TERMOS ALI CONSTANTES.
CASO ASSIM NÃO SE CONSIDERE, O QUE POR MERO DEVER DE PATROCÍNIO SE PONDERA, SEM CONCEDER, DEVE SER JULGADA TOTALMENTE PROCEDENTE A IMPUGNAÇÃO DA MATÉRIA DE FACTO REQUERIDA PELA APELADA, A TÍTULO SUBSIDIÁRIO, AO ABRIGO DO DISPOSTO NO N.º 2 DO ARTIGO 636.º DO CÓDIGO DO PROCESSO CIVIL, E, DESTA FORMA, CONFIRMADA A DOUTA SENTENÇA RECORRIDA, MANTENDO-SE A CONDENAÇÃO DA APELANTE NO PAGAMENTO À APELADA NOS EXATOS TERMOS ALI CONSTANTES.
ASSIM DECIDINDO FARÃO V. EXAS, VENERANDOS DESEMBARGADORES DO TRIBUNAL DA RELAÇÃO DE LISBOA, O QUE É DE INTEIRA JUSTIÇA.».
*
Relativamente à ampliação do âmbito do recurso requerida pela A. Recorrida, veio a Ré Recorrente, em requerimento de 21/02/2025, defender a sua inadmissibilidade e, cautelarmente, pugnar pela rejeição da reapreciação da matéria de facto que constitui objecto dessa pretendida ampliação por entender ser a mesma inútil para a decisão final da causa.
Subsequentemente, em 24/02/2025 apresentou a A. Recorrida requerimento em que concluiu que “…deve ser julgada improcedente a imputada inadmissibilidade da ampliação do objecto do recurso, a qual deverá ser conhecida, a título subsidiário, ao abrigo e no contexto do disposto no n.º 2 do artigo 636.º do Código do Processo Civil.”.
Nessa sequência de requerimentos na 1ª instância concluiu-se “(…) pela legalidade da ampliação do âmbito do recurso, atenta ao vertido no artigo 636.º, n.º 2 do Cód. Proc. Civil, razão pela qual vai admitido.”
Desse modo suscitada a questão da (in)admissibilidade da ampliação do objecto do recurso pretendida pela Recorrida e tendo na 1ª instância havido expressa admissão dessa ampliação, cabendo no Tribunal da Relação ao relator a direcção do processo mediante a prolação de despachos preparatórios ou interlocutórios (cfr. artº 652º nº 1 proémio), a Relatora proferiu despacho sobre aquela questão não admitindo a ampliação do âmbito do recurso subsidiariamente peticionada pela Recorrida.
Desse despacho a Recorrida apresentou reclamação para o Supremo Tribunal de Justiça, que foi pela Relatora convolada oficiosamente para reclamação para a conferência, devendo tal reclamação ser decidida no acórdão que julga o recurso (cfr. artº 652º nº 4 CPC).
*-*
Colhidos os vistos, importa apreciar e decidir.
DA RECLAMAÇÃO
Como dito, a Recorrida apresentou reclamação do despacho da Relatora que não admitiu a ampliação do âmbito do recurso por ela subsidiariamente peticionada.
A Recorrente, no que respeita à essência da reclamação, pronunciou-se no sentido de que a decisão da Relatora não merece reparo por ser conforme à legislação aplicável e à jurisprudência maioritária dos Tribunais Superiores.
Nos termos previstos no artº 652º nº 3 do CPC, a parte que se considere prejudicada por qualquer despacho do relator, que não seja de mero expediente, pode reclamar para a conferência que, como acima referido, decide da reclamação no acórdão que julga o recurso (cfr. artº 652º nº 4 CPC).
A única questão que se coloca na reclamação consiste em saber se o despacho da Relatora deve ser alterado e consequentemente admitida a ampliação do objecto do recurso pretendida pela Recorrida, ora reclamante.
Não obstante na reclamação não tenha sido aduzido nenhum argumento/fundamento novo quanto à admissibilidade da peticionada ampliação do objecto do recurso, a Reclamante reputa o despacho reclamado de nulo em termos que nos artºs 53º a 55º da sua reclamação assim sintetiza:
«53.º Em face do exposto, a norma do artigo 636.º, n.ºs 1 e 2, do CPC, interpretada no sentido de vedar à parte parcialmente vencedora a possibilidade de impugnar pontos de facto que não poderiam sustentar um recurso subordinado, mas que servem para consolidar a decisão favorável já proferida, é materialmente inconstitucional, por violação do direito de acesso ao direito e aos tribunais garantido pelo artigo 20.º da CRP, conjugado com o princípio da proporcionalidade, decorrente dos artigos 2.º e 18.º, n.º 2, segunda parte, da mesma Lei Fundamental.
54.º Tal inconstitucionalidade é, desde já, invocada para os efeitos do disposto no artigo 280.º, n.º 1, alínea b), da CRP e artigo 70.º, n.º 2, alínea b), da Lei n.º 28/82, de 15 de novembro, que aprovou a Lei Orgânica do Tribunal Constitucional.
55.º Consequentemente, conclui-se que o despacho ora reclamado padece de nulidade, por violação dos referidos preceitos constitucionais, devendo ser revogado com todas as consequências legais.».
Vejamos então.
As nulidades da decisão encontram-se taxativamente enumeradas no artº 615º nº 1 do CPC, o qual estabelece que :
“É nula a sentença quando:
a) Não contenha a assinatura do juiz;
b) Não especifique os fundamentos de facto e de direito que justificam a decisão;
c) Os fundamentos estejam em oposição com a decisão ou ocorra alguma ambiguidade ou obscuridade que torne a decisão ininteligível.
d) O juiz deixe de pronunciar-se sobre questões que devesse apreciar ou conheça de questões de que não podia tomar conhecimento.
e) O juiz condene em quantidade superior ou em objeto diverso do pedido.”
Como do preceito se alcança, as nulidades da decisão – revista ela a forma de despacho, sentença ou acórdão – prendem-se com vícios estruturais ou intrínsecos da mesma, decorrem do conteúdo desses actos do Tribunal ocorrendo quando as decisões não têm o conteúdo que deviam ter ou têm um conteúdo que não poderiam ter nos termos do artigo 615º nº 1 CPC [e também dos artºs 666º nº 1 e 685º do CPC, que ao caso não importam].
São erros de actividade ou de construção da própria decisão, que não se confundem com eventual erro de julgamento de facto e/ou de direito (veja-se, por todos e a título de exemplo, Acórdão do STJ de 11/10/2022, no proc. 602/15.0T8AGH.L1-A.S1 - disponível in www.dgsi.pt); não se prendem com o mérito da decisão ou com erro no julgamento (de facto ou de Direito), mas antes com o cumprimento ou a violação de regras de estrutura, de conteúdo ou dos limites do poder à sombra do qual as decisões são decretadas, tratando-se, como dito, de defeitos de actividade ou de construção da própria decisão, ou seja, de vícios formais da mesma ou relativos à extensão do poder jurisdicional por referência ao caso submetido à apreciação do Tribunal.
Segundo Abílio Neto, Novo Código de Processo Civil Anotado, 2ª ed., Janeiro/2014, pág. 734, são vícios que “afetam formalmente a sentença e provocam a dúvida sobre a sua autenticidade, como é o caso da falta de assinatura do juiz, ou a ininteligibilidade do discurso decisório por ausência total de explicação da razão por que se decide de determinada maneira (falta de fundamentação), quer porque essa explicação conduzir logicamente a resultado oposto do adotado (contradição entre os fundamentos e a decisão), ou uso ilegítimo do poder jurisdicional em virtude de pretender resolver questões de que não podia conhecer (excesso de pronúncia) ou não tratar de questões que deveria conhecer (omissão de pronúncia)”.
Ora, o vício vislumbrado pela Reclamante não é enquadrável naquele normativo o qual, como dito, prevê taxativamente as causas de nulidade da decisão, pelo que há que concluir pela inverificação da apontada nulidade.
Todavia, vindo propugnada a revogação do despacho reclamado por, alegadamente, o mesmo violar preceitos constitucionais é oportuno citar o Acórdão do Tribunal Constitucional nº 494/2023, de 07/07/2023, que, por sua vez citando o Acórdão nº 633/08 daquele mesmo Tribunal, ensina o seguinte: “«[sendo] o objeto do recurso de fiscalização concreta de constitucionalidade constituído por normas jurídicas, que violem preceitos ou princípios constitucionais, não pode sindicar-se, no recurso de constitucionalidade, a decisão judicial em si própria, mesmo quando esta faça aplicação direta de preceitos ou princípios constitucionais, quer no que importa à correção, no plano do direito infraconstitucional, da interpretação normativa a que a mesma chegou, quer no que tange à forma como o critério normativo previamente determinado foi aplicado às circunstâncias específicas do caso concreto (correção do juízo subsuntivo). Deste modo, é sempre forçoso que, no âmbito dos recursos interpostos para o Tribunal Constitucional, se questione a (in)constitucionalidade de normas, não sendo, assim, admissíveis os recursos que, ao jeito da Verfassungsbeschwerde alemã ou do recurso de amparo espanhol, sindiquem, sub species constitutionis, a concreta aplicação do direito efetuada pelos demais tribunais, em termos de se assacar ao ato judicial de «aplicação» a violação (direta) dos parâmetros jurídico-constitucionais. Ou seja, não cabe a este Tribunal apurar e sindicar a bondade e o mérito do julgamento efetuado in concreto pelo tribunal a quo. A intervenção do Tribunal Constitucional não incide sobre a correção jurídica do concreto julgamento, mas apenas sobre a conformidade constitucional das normas aplicadas pela decisão [recorrida]». É, pois, transparente que não está colocada no recurso a sindicância da compaginação das normas legais perante as normas constitucionais, mas, apenas e somente, impulso impugnatório que aborda o Tribunal Constitucional como se de uma instância de controlo e de revisão das decisões jurisdicionais adotadas se tratasse. Temos por isso que o recurso interposto é inidóneo face à ausência de carácter normativo do seu objeto”.
Ainda a propósito, há que dar nota de que um Tribunal comum pode recusar a aplicação de uma norma se dela fizer um juízo de não constitucionalidade, ou seja se a entender desconforme ao padrão jusconstitucional - do que cabe recurso obrigatório pelo Ministério Público para o Tribunal Constitucional - mas apenas a esse Tribunal compete declarar a inconstitucionalidade de uma norma.
Pelo que nada mais há a decidir quanto ao vício imputado ao despacho reclamado, o qual, pelas razões supra, não enferma da nulidade invocada.
*
Além da arguição do vício acabado de apreciar e decidir, nenhum argumento/fundamento novo foi aduzido na reclamação quanto à admissibilidade da peticionada ampliação do objecto do recurso, e em nosso entender o despacho reclamado deve ser mantido pelos exactos fundamentos e argumentos nele já expendidos, pelo que, por razões de economia processual e a fim de evitar repetições desnecessárias, aderimos e reiteramos os seus termos que aqui passamos a transcrever:
«(…).
Seguindo os autos a sua tramitação, foi a final proferida sentença com o seguinte dispositivo:
«A) Julgo a presente ação parcialmente procedente, por parcialmente provada e consequentemente condeno a R. F. L, S.A., a pagar à A. YONEST, TRUE YOGURT, LDA. a quantia de 377.849,19€ (trezentos e setenta e sete mil oitocentos e quarenta e nove euros e dezanove cêntimos), acrescidos juros de mora contados desde 13/03/2020, à taxa aplicável às operações comerciais, sobre tal quantia, até efetivo e integral pagamento.
B) Absolvo a R. do mais peticionado.
C) Julgo a reconvenção totalmente improcedente, por totalmente não provada e consequentemente absolvo a A. do peticionado pela R.».
Da sentença proferida veio a Ré interpor recurso de apelação, com pedido de reapreciação da prova, pretendendo a alteração de um dos factos provados e o aditamento de um novo facto à matéria de facto provada, e ainda a revogação da sentença e sua substituição por outra que a absolva do pagamento da quantia em que foi condenada, de € 377.849,19 acrescida de juros de mora, ou, caso assim não se entenda e sem conceder, que aquele montante seja reduzido de acordo com critérios de equidade, em conformidade com o previsto no artº 812º do Código Civil.
Por seu turno, a Autora em contra-alegações pugnou pela manutenção da sentença recorrida e subsidiariamente, sob invocação do artigo 636º do CPC, formulou pedido de ampliação do âmbito do recurso pretendendo que os factos provados 7 e 15 sejam objecto de aditamento, que sejam aditados novos factos sob os nºs 7-A, 7-B, 8-A e 9-A, e que seja alterada a redacção dos factos provados 11 e 21.
(…)
Acerca da ampliação do objecto do recurso a requerimento do Recorrido versa o artº 636º CPC, o qual dispõe que “1 - No caso de pluralidade de fundamentos da ação ou da defesa, o tribunal de recurso conhece do fundamento em que a parte vencedora decaiu, desde que esta o requeira, mesmo a título subsidiário, na respetiva alegação, prevenindo a necessidade da sua apreciação. 2 - Pode ainda o recorrido, na respetiva alegação e a título subsidiário, arguir a nulidade da sentença ou impugnar a decisão proferida sobre pontos determinados da matéria de facto, não impugnados pelo recorrente, prevenindo a hipótese de procedência das questões por este suscitadas. 3 - (…)”.
Como se alcança da redacção do preceito, a ampliação do objecto do recurso constitui meio processual apenas facultado à parte vencedora uma vez que lhe falece legitimidade para recorrer, porquanto não é prejudicada, nem formal nem materialmente, pela decisão (cfr. artº 631º nº 1 do CPC), destinando-se a permitir ao Recorrido a reabertura da discussão sobre determinado fundamento por si invocado no processo e que, a despeito do seu vencimento de causa, tenha sido julgado improcedente.
Isto é, a ampliação do âmbito do recurso destina-se apenas a permitir que o Tribunal de recurso possa conhecer de fundamento da acção (integrante da causa de pedir) ou da defesa (excepção) não considerado ou julgado desfavoravelmente na decisão recorrida que, apesar disso, com base em diverso fundamento, tenha julgado procedente a pretensão do Recorrido, prevenindo-se a possibilidade de, por força do recurso, vir a ser considerado improcedente o fundamento com base no qual este obteve ganho de causa no Tribunal a quo. O mesmo vale quanto à decisão sobre certas questões de facto: a parte vencedora, prevenindo a procedência do recurso do vencido, pode, a título subsidiário, impugnar a decisão sobre pontos determinados da matéria de facto.
A ampliação do objecto do recurso não constitui, portanto, alternativa à necessidade de interposição de recurso (principal ou subordinado) por parte daquele que fique prejudicado com uma decisão judicial : havendo decaimento o mecanismo próprio e adequado à alteração da decisão de 1ª instância é a interposição de recurso.
Se a parte não for vencedora, mas vencida, ainda que só parcialmente, a lei não lhe abre a faculdade da ampliação do objecto do recurso, o que se compreende dado que neste caso lhe é lícito interpor recurso autónomo independente ou só subordinado (cfr. Acs. do STJ de 29/05/2014 proc. 1092/10.OTBLSD-GP1.S1, e da Relação do Porto de 16/09/2013 proc. 312/12.OTBMAI.P1, e de 29/05/2014 proc. 1092/10.OTBLSD-G. P1. S1; e, ainda, Abrantes Geraldes in Recursos em Processo Civil, 7.ª edição actualizada, Almedina, Coimbra, 2022, págs. 145 e 149).
No caso, a A. foi absolvida da reconvenção e teve parcial vencimento na acção : ela é, portanto, também parte vencida porquanto decaiu parcialmente no seu pedido.
Assim, não lhe é legalmente facultada a ampliação do objecto do recurso.
Termos em que não se admite a ampliação do âmbito do recurso, subsidiariamente peticionada pela Recorrida.»
Assim, por estes precisos fundamentos, aos quais aderimos e que reiteramos, concluímos pela inadmissibilidade da ampliação do objecto do recurso pela Recorrida e entendemos ser de confirmar o despacho da Relatora.
*-*
DO RECURSO
Nos termos dos artºs 635º nº 4 e 639º nº 1 do Código de Processo Civil são as conclusões que definem o objecto e delimitam o âmbito do recurso, seja quanto à pretensão dos recorrentes, seja quanto às questões de facto e de Direito que colocam, exercendo as mesmas função equivalente à do pedido (neste sentido cfr. Abrantes Geraldes, “Recursos no Novo Código de Processo Civil” 5ª Ed., Almedina, 2018, pp. 114-117), certo que esta limitação dos poderes de cognição do Tribunal da Relação não se verifica quanto à qualificação jurídica dos factos ou relativamente a questões de conhecimento oficioso desde que o processo contenha os elementos suficientes a tal conhecimento (cfr. art. 5º nº 3 do CPC).
Ressalvadas matérias que sejam de conhecimento oficioso, não pode, no entanto, este Tribunal conhecer de questões, muito embora suscitadas no recurso, que não tenham sido postas à apreciação do Tribunal a quo e que não tenham sido objecto da decisão recorrida (cfr. resulta das disposições conjugadas dos artºs 627º nº 1, 635º nºs 2 e 4 e 608º nº 2 do CPC; na jurisprudência cfr., a titulo de exemplo, Acórdãos do STJ de 08/10/2020 (Rel. Ilídio Sacarrão Martins) de 18/03/2021 (Rel. Oliveira Abreu), de 23/02/2021 (Rel. José Raínho) e de 15/12/2023 (Rel. Maria da Graça Trigo); e, por outra banda, o Tribunal de recurso deve desatender as conclusões que não encontrem correspondência com a motivação (cfr. Abrantes Geraldes, “Recursos no Novo Código de Processo Civil”, 1ª ed., Almedina, 2013,, pág. 85).
Por outro lado, dentre as questões que lhe caiba conhecer, o Tribunal apenas apreciará aquelas cujo conhecimento não fique prejudicado por outras precedentemente conhecidas, o que importa que as questões suscitadas pelo recorrente sejam apreciadas de acordo com a sua ordem de precedência lógica
Assim, as questões a decidir, atenta a sua ordem de precedência lógica, consistem em saber :
- se a sentença enferma de omissão de pronúncia;
- se a decisão sobre a matéria de facto deve ser alterada;
- se a decisão de mérito deve ser revogada e a R. absolvida do pagamento da quantia de € 377.849,19 e juros em que foi condenada ou, subsidiariamente, reduzido aquele montante, por manifestamente excessivo, de acordo com critérios de equidade.
II – FUNDAMENTAÇÃO
A) DE FACTO
Na sentença sob recurso foi considerada a seguinte a factualidade:
Factos Provados
«1. A A. é uma sociedade que se dedica à “produção e comércio de produtos alimentares ou relacionados, bem como as atividades de restauração, distribuição, catering e serviços associados”.
2. A A. iniciou a comercialização dos seus produtos em dezembro de 2013, sob a marca registada YONEST, marca nacional registada sob o nº 477482.
3. A R. é uma sociedade que tem por objeto social a “Indústria e comércio de cosmética, produtos de beleza e higiene, farmacêuticos, alimentares e afins, incluindo a comercialização de cosméticos e alimentos para animais, e em geral importações e exportações, representação de sociedades e distribuição dos seus produtos e marcas.”.
4. No âmbito da sua atividade, a R. dedica-se ao desenvolvimento, produção e comercialização de produtos alimentares, importações e exportações e representação de sociedades e distribuição dos seus produtos e marcas.
5. A Ré apresenta-se ao mercado como tendo décadas de experiência na área da distribuição e comercialização de produtos e uma “forte presença na grande distribuição, vulgarmente conhecida como hipermercados, supermercados, minimercados, lojas discount, Cash & Carry, etc.” e, ainda, noutros canais como HoReCa, farmácia, retalho especializado e exportação.
6. A R. representava e representa em Portugal, dentre outras, as marcas Diese, Savora, Novicera, Splendor e Bio Kill.
7. Em 31-12-2018, por escrito que denominaram “CONTRATO DE AGÊNCIA E REPRESENTAÇÃO COMERCIAL” a R., como primeira outorgante, e a A., como segunda outorgante, declararam:
“É livremente estabelecido e mutuamente aceite, nos termos e condições aqui estabelecidas, o presente CONTRATO DE AGÊNCIA E REPRESENTAÇÃO COMERCIAL (O "Contrato"), que se rege pelos Considerandos e pelas cláusulas seguintes:
CLÁUSULA 1ª (DEFINIÇÕES)
No âmbito do presente Contrato, as expressões infra terão o seguinte significado:
(…)
h. "Plano de Negócios": O plano de negócios "base case" indicado nos considerandos deste Contrato, preparado conjuntamente pelas Partes, com base nos seguintes pressupostos fornecidos pela Yonest, aceitos sem ressalva e trabalhados pela F L de acordo com os seus próprios conhecimentos dos clientes e dos mercados: (a) rotação média por lojas selecionadas, (b) nível de atividade promocional, (c) número de lojas já presentes e número de lojas estimadas, anexo ao presente Contrato
(Anexo II); (…)
CLÁUSULA 2ª (OBJECTO)
1 Nos termos do presente Contrato, a PRIMEIRA CONTRAENTE realizará a promoção de mercado nos Territórios, através do agenciamento comercial da SEGUNDA CONTRAENTE, para oferta e venda das Referências, por conta e ordem da SEGUNDA CONTRAENTE, em conformidade com as condições estipuladas no presente Contrato, em regime de exclusividade e mediante pagamento de uma comissão sobre vendas líquidas, conforme Cláusula 5ª.
2 Para além do objeto acima descrito, a PRIMEIRA CONTRAENTE também prestará, serviços de gestão comercial e marketing, com atuação pré e pós-venda, em conformidade com as diretrizes e instruções a serem acordadas e estabelecidas pela SEGUNDA CONTRAENTE. Tais atividades contemplam: (i) promover as ordens de compra junto aos clientes, (ii) o acompanhamento das Referências junto às lojas e estabelecimentos onde estejam disponíveis para venda em retalho, (iii) gestão da reposição de tais Referências nos pontos de venda; (iv) apoio nos esforços de cobranças das vendas realizadas, e (iv) gestão do plano de trade marketing previamente negociado e aprovado pela SEGUNDA CONTRAENTE. (…)
CLÁUSULA 3ª (OBRIGAÇÕES DA F L)
1. A PRIMEIRA CONTRAENTE obriga-se a:
a) Desenvolver a atividade de agenciamento comercial de modo diligente, ético e adequado, no sentido de assegurar a comercialização e o fornecimento das Referências nos Territórios, em todas as redes de retalho e canais compatíveis com tais Referências;
b) Desenvolver nos Territórios a divulgação ampla das Referências da SEGUNDA CONTRAENTE, com vistas ao aumento de suas vendas, associada a campanhas e medidas de marketing a serem negociadas e aprovadas pela SEGUNDA CONTRAENTE;
c) Assegurar a comercialização das Referências através da sua rede, por conta e ordem da SEGUNDA CONTRAENTE, assumindo todas as responsabilidades inerentes à sua atividade, inclusive, mas não limitada, ao apoio aos esforços de cobrança de valores faturados pela SEGUNDA CONTRAENTE,
(…)
g) Execução das atividades e medidas de publicidade, tanto de marketing como de vendas, acordadas e aprovadas pela SEGUNDA CONTRAENTE, com investimentos próprios, conforme regulado em plano de publicidade a ser acordado e aprovado pela SEGUNDA CONTRAENTE;
h) Acompanhar as vendas em conformidade com o Plano de Negócios, devendo assegurar a todo tempo que as suas atividades comerciais estejam compatíveis com as expectativas de crescimento das vendas, conforme estabelecido no Plano de Negócios; ou as suas subsequentes revisões devidamente aprovadas por ambas as partes, caso ocorra;
i) Envidar seus melhores esforços para cumprir com os volumes de vendas estimados estabelecidos neste Contrato e no Plano de Negócios;
j) Cumprir com o volume de vendas mínimas estabelecido neste Contrato e no Plano de Negócios e as suas respetivas revisões de acordo com a alínea h; (…)
CLÁUSULA 4ª (OBRIGAÇÕES DA YONEST)
1 A SEGUNDA CONTRAENTE obriga-se a:
(…)
e) pagar as comissões devidas conforme Cláusula 5ª abaixo;
(…)
CLÁUSULA 5ª (CONDIÇÕES COMERCIAIS)
1 A PRIMEIRA CONTRAENTE fará jus a uma comissão cuja base de cálculo deverá ser considerada como o volume de vendas de faturação da Segunda Contraente para clientes agenciados sob amparo deste Contrato e após início efetivo dos trabalhos de agenciamento da Primeira Contraente, deduzido dos valores fixados em função de acordos contratuais e extracontratuais mantidos entre tais clientes e a Segunda Contraente, com base na fórmula abaixo:
B = V - (C + CEx)
Onde:
"B" significa base de cálculo ("Base de Cálculo");
"V" significa os valores de vendas faturados pela Segunda Contraente contra clientes agenciados pela Primeira Contraente;
"C" significa valores (débitos) fixados em função de acordos contratuais mantidos entre tais clientes e a Segunda Contraente; e
"CEx" significa valores (débitos) fixados em função de acordos extracontratuais mantidos entre tais clientes e a Segunda Contraente.
2 Sobre a Base de Cálculo acima, deverá incidir o percentual de comissão correspondente ao volume total de vendas anuais acumuladas conforme a tabela abaixo:
Base de Cálculo (B) acumulada no ano Percentual da Comissão
Até EUR 999.999 13%
Entre EUR 1.000.000 e EUR 1.499.999 14%
Entre EUR 1.500.000 e EUR 1.999.999 15%
Entre EUR 2.000.000 e EUR 2.999.999 16€
Acima de EUR 3.000.000 17%
3 A comissão acima engloba toda a remuneração devida à PRIMEIRA CONTRAENTE no âmbito da presente contratação.
4 Forma de Pagamento.
4.1. A SEGUNDA CONTRAENTE deverá informar, no mínimo mensalmente, à PRIMEIRA CONTRAENTE acerca das faturas efetivamente emitidas em decorrência das vendas promovidas pela PRIMEIRA CONTRAENTE. (…)
(…)
6 Expectativas de vendas anuais. Com base nas premissas estabelecidas entre as Partes, a PRIMEIRA CONTRAENTE compromete-se a envidar seus melhores esforços para cumprir com as metas de venda do Plano de Negócios, indicadas abaixo:
a. Ano de 2019: a Base de Cálculo igual ou superior a EUR 1.270.000,00 (um milhão duzentos e setenta mil Euros).
b. Ano de 2020: Base de Cálculo igual ou superior a EUR 2.220.000,00 (dois milhões e duzentos e vinte mil euros).
(…)
6.2. Compromisso de vendas mínimas. Com base nas premissas estabelecidas entre as Partes, a PRIMEIRA CONTRAENTE assume a obrigação de promover, minimamente, um volume de vendas líquidas de, ao menos:
a) EUR 720.000,00 (setecentos e vinte mil euros) a cada ano de vigência deste Contrato;
b. Caso a PRIMEIRA CONTRAENTE não cumpra com o volume mínimo de vendas estabelecido nesta disposição, deverá arcar com uma multa compensatória de 50% (cinquenta por cento) da diferença entre o valor de vendas mínimas estimadas e o valor de vendas realizado.
c. Em qualquer hipótese, o valor da multa indicado no item 7(a) acima não poderá ser superior a EUR 50.000,00 (cinquenta mil Euros);
d. A penalização não será devida caso o incumprimento das vendas mínimas decorra de caso fortuito elou força maior, hipóteses em que a PRIMEIRA CONTRAENTE deverá comunicar tal circunstância a SEGUNDA CONTRAENTE, detalhando qual a circunstância que gerou o incumprimento autorizador da presente excludente;
(…)
CLÁUSULA 6ª (CONDIÇÕES ESPECÍFICAS DE PUBLICIDADE)
1 PRIMEIRA CONTRAENTE desenvolverá as atividades de publicidade abaixo listadas, mediante prévia aprovação da SEGUNDA CONTRAENTE e em estrita observância às suas instruções e aos termos do plano de marketing elaborado e aprovado pela SEGUNDA CONTRAENTE:
a. Reposição dos Produtos nas lojas e estabelecimentos;
b. Condução de atividades promocionais nos pontos de venda;
c. Promoção de atividades de food service e de lojas de tal especialidade;
d. Implementação de todas as atividades de marketing e trade marketing aprovadas pela SEGUNDA CONTRAENTE;
e. Planeamento e implementação das ações de degustação com promotoras de vendas;
f. Implementação do plano de comunicação dirigido a nutricionistas;
g. Planeamento e implementação de atividades de mailing; e
h. Planeamento e implementação das arcas frigoríficas em pontos de venda.
2 Os investimentos em marketing necessários para execução das atividades acima pela PRIMEIRA CONTRAENTE serão de responsabilidade desta, de modo que a PRIMEIRA CONTRAENTE se obriga com os seguintes investimentos mínimos em publicidade:
a. Para despesas de publicidade de marketing, de acordo com plano aprovado pela Segunda Contraente, serão investidos EUR 5.480.00 (cinco mil quatrocentos e oitenta Euros) no primeiro ano de operação e EUR 5.380,00 (cinco mil trezentos e oitenta Euros) no segundo ano de operação;
b. Para despesas de publicidade de vendas, de acordo com plano aprovado pela SEGUNDA CONTRAENTE, serão investidos EUR 29.620,00 (vinte e nove mil seiscentos e vinte Euros) no primeiro ano de operação, e EUR 45.640,00 (quarenta e cinco mil seiscentos e quarenta Euros) no segundo ano de operação;
c. Para despesas com reposição fixa, serão investidos EUR 11.699,00 (onze mil seiscentos e noventa e nove Euros) no primeiro ano de operação, e EUR 20.255,00 (vinte mil duzentos e cinquenta e cinco Euros) no segundo ano de operação;
d. Para despesas com account, serão investidos EUR 23.949,00 (vinte e três mil novecentos e quarenta e nove Euros), no primeiro e EUR 23.949,00(vinte e três mil novecentos e quarenta e nove Euros) no segundo ano de operação.
(…)
CLÁUSULA 7ª (EXCLUSIVIDADE, NÃO-CONCORRÊNCIA E NÃO-SOLICITAÇÃO)
1 O presente Contrato é celebrado em regime de mútua exclusividade para os Territórios acima definidos, relativamente às Referências, de modo que a PRIMEIRA CONTRAENTE deverá abster-se de comercializar quaisquer outros produtos lácteos ou relacionados, nomeadamente iogurtes, seus derivados, relacionados e complementos, leite, queijo, manteiga e soro de leite, incluindo produtos de leites do tipo vegetal da sua produção própria ou através da representação de outras marcas de terceiros ("Produtos Exclusivos"). Idêntica obrigação correspondente recai sobre a Segunda Contraente que fica vedada de comercializar fora do âmbito deste Contrato produtos semelhantes às Referências sob outra marca, em relação às marcas e referências de que a primeira outorgante é titular ou comercializa.
(…)
CLÁUSULA 10ª (PRAZO, RENOVAÇÃO E RESOLUÇÃO)
1 O presente contrato será válido pelo período de 5 (cinco) anos contado da data da respetiva assinatura, renovando-se automaticamente caso não seja denunciado por uma das partes com a antecedência de 2 (dois) anos relativamente à data do seu termo inicial ou, no caso da sua renovação, da data em relação à qual se pretenda pôr-lhe termo.
2 Qualquer das Partes poderá resolver o presente Contrato através de comunicação escrita dirigida à Parte faltosa, por carta registada com aviso de receção, especificando os respetivos fundamentos, em caso de incumprimento grave das suas obrigações contratuais, designadamente:
(i) incumprimento pela PRIMEIRA CONTRAENTE do compromisso mínimo de vendas estabelecido no item 6.1 da Cláusula 5;
(ii) violação das obrigações de não concorrência, confidencialidade, não solicitação e exclusividade;
(iii) incumprimento dos investimentos mínimos em publicidade, conforme Cláusula 6 acima, ou a não-comprovação de efetiva publicidade da Marca, por parte da PRIMEIRA CONTRAENTE;
(…)
(vi) rescisão não fundamentada por quaisquer das Partes;
(…)
3 Sempre que o incumprimento for sanável, a Parte não faltosa só poderá exercer o direito de resolução se a outra Parte, tendo sido notificada para o sanar no prazo adicional de 60 (sessenta) dias fixado, não proceder à sanação da situação de incumprimento em causa.
(…)
5 As hipóteses de violação do contrato indicadas no item 2 (vi) e (v) acima, importarão, para além da rescisão imediata deste Contrato, a aplicação de multa igual a 5% (cinco por cento) do total de vendas líquidas da Primeira Contraente, conforme Base de Cálculo, registadas em balanço no último exercício social desta. (…)
CLAUSULA 12ª (FORÇA MAIOR)
1 A ocorrência de uma situação de Força Maior terá como efeito desonerar a Parte afetada da responsabilidade pelo não cumprimento das obrigações emergentes do Contrato, cujo cumprimento pontual e atempado tenha sido impedido em virtude dos factos que a integrem.
2 A suspensão da execução do presente do Contrato em virtude da ocorrência de uma situação de Força Maior não exime as Partes do cumprimento das obrigações a que estavam vinculadas antes do surgimento da situação de Força Maior.
3 A parte afetada por uma situação de Força Maior deverá:
a. Logo que seja razoavelmente praticável, fornecer informação, tão detalhada quanto possível, relativamente às circunstâncias da situação de Força Maior, incluindo a natureza e alcance das obrigações cujo cumprimento seja ou possa ser afetado, atrasado ou impedido por tais circunstâncias, as medidas e prazo julgados necessários para mitigar e remediar tal situação de Força Maior e as suas consequências;
b. Complementar e atualizar essa informação sempre que tenha conhecimento de dados novos que sejam relevantes para a análise ou resolução da situação de Força Maior; e
c. Tomar diligentemente as medidas adequadas para mitigar e remediar qualquer incumprimento das suas obrigações emergentes deste Contrato.
4 Para efeitos deste contrato, considera-se equiparada a situação de força maior, qualquer situação ou acontecimento imprevisíveis que escape ao controlo ou à vontade das Partes, tais como causas naturais ou atos de Deus que impossibilitem a normal atividade da Partes.
(…)
CLÁUSULA 14ª (INDEMNIZAÇÃO)
1 Em caso de cessação do presente contrato, qualquer que seja a sua causa, a qualquer das partes é reconhecido o direito a ser indemnizada nos termos gerais de direito, pelo valor dos prejuízos efetivamente sofridos.
2 Sem prejuízo do disposto no número anterior, o facto de qualquer das Partes exigir, ou deixar de exigir, o cumprimento de qualquer uma das obrigações previstas no presente Contrato ou de exercer, ou deixar de exercer, qualquer direito ou opção, não deverá ser interpretada como renúncia ou como renúncia para o futuro de tal previsão, direito ou opção, continuando os mesmos em vigor, com a produção dos respetivos efeitos durante a vigência do presente Contrato. Nenhuma renúncia por qualquer das Partes produzirá os seus efeitos a não ser que seja formulada expressamente, por escrito, e assinada pelos legais representantes com poderes para tal, sem prejuízo dos direitos consagrados na legislação especial porque se rege o presente contrato e a que se refere o nº 2, da sua Cláusula 20ª.
CLÁUSULA 15ª (VALIDADE)
1 A invalidade, inaplicabilidade ou ineficácia de qualquer cláusula do presente contrato, ou parte dela, não determinará a invalidade, inaplicabilidade ou ineficácia das restantes ou parte restante, nem da essência, objeto e fins do presente contrato.
2 Caso qualquer das partes não exerça qualquer dos direitos que lhe assiste no âmbito do presente Contrato, tal facto não será considerado como renúncia ao exercício de tal direito e não impedirá a parte em questão de, mais tarde, exercer tal direito.
CLÁUSULA 16ª (DISPOSIÇÕES FINAIS)
(…)
2 Qualquer alteração ou aditamento ao presente contrato apenas serão válidos e eficazes se efetuados por escrito e assinados por ambas as partes. (…)
CLÁUSULA 20ª (ALTERAÇÕES AO CONTRATO, LEGISLAÇÃO E FORO)
1 Qualquer alteração ao presente contrato deverá revestir a forma de documento escrito assinado pelas respetivas partes.
(…)
3 No caso de qualquer obrigação emergente do presente compromisso ser considerada, total ou parcialmente, e independentemente do motivo, ineficaz ou ilegal, deixará, na totalidade ou na parte afetada, de integrar este compromisso. Porém, a eficácia das demais obrigações decorrentes do mesmo não será afetada.”.
8. Em 05-03-2019, em comunicação email, a A. declarou à R.:
“Como podem ver na informação enviada, as vendas de Fevereiro, que é um mês muito curto, foram de cerca de EUR 22.000, em linha com o mês de Fevereiro de 2018. São vendas muito aquém dos nossos objetivos conjuntos para 2019, que se justificam porque na prática as vendas da F L ainda não arrancaram no terreno. É fundamental que a equipa comercial da F L e os investimentos de marketing comecem a entrar em ação para que as vendas façam a explosão que todos esperamos e que o produto merece. Aguardamos que coloquem online a versão final da ferramenta de encomendas. Da nossa parte estamos prontos para produzir.”. Relevou o teor dos doc. nº 9, juntos pela A. com a PI, não impugnado pela R..
9. Em 06-06-2019 a R. comunicou à A. que não logrou angariar os clientes Supermercados Bolamas e Malaquias por a A. não aceitar a devolução, sem custos, dos produtos fora de prazo.
10. Em 28-06-2019, a R. enviou à A. comunicação com o seguinte teor:

11. Em 11-07-2019, a A. respondeu à R. nos seguintes termos: “informamos que não estamos de acordo com a proposta apresenta por V. Exa. acerca da suspensão de efeitos do número 6.2 da cláusula 5ª do Contrato de Agência e Representação Comercial (“Contrato”), de modo que consideramos as disposições estabelecidas na disposição contratual em comento válidas e vigentes para todos os efeitos.”.
12. Em 16-07-2019, a Auchan comunicou à R. que deixaria de comprar produtos da A. por considerar que os mesmos tinham um preço demasiado alto para os seus clientes.
13. Em 23-10-2019, a R. informou a A. de que a Sonae tinha uma quebra nos produtos da mesma de 11% enquanto tinha 5% para os concorrentes da A..
14. Em 23-10-2019, a R. solicitou, por escrito, à A.:



15. Por carta datada de 15/11/2019, recebida pela A. no dia 19/11/2019, a R. declarou à A. que resolvia o contrato, invocando a existência de desequilíbrio financeiro do mesmo por não lograr a R. aumentar as vendas e angariar novos clientes por: baixa rotação dos Produtos nos pontos de venda (clientes); fraca atratividade do consumidor pelos produtos da marca; e não aceitação pela A. de devoluções de iogurtes que perderam o prazo de validade nas prateleiras dos pequenos clientes.
16. Em 2016 o total de vendas e serviços prestados pela A. foi de 293.578,53€, e os resultados líquidos do ano ascenderam a 13.403,11€.
17. Em 2017 o total de vendas e serviços prestados pela A. foi de 292.824,17€, e os resultados líquidos do ano ascenderam a 9.736,68€. doc. 13 junto com a contestação que consta da demonstração de resultados a A. em tal ano, que não foi impugnado pela A..
18. Em 2018 o total de vendas e serviços prestados pela A. foi de 305.639,42€, e os resultados líquidos do ano ascenderam a 16.327,54€.
19. O valor da compensação a que se refere a cláusula 7º, 6.2., a) e b) foi fixado tendo em conta um volume de carteira de clientes “transmitido” pela A. à R. no valor de 300.000,00€ no ano de 2018, como constava das informações prestadas pela A. à R..
20. A R. deu início à execução do contrato na primeira quinzena de fevereiro de 2019.
21. A existência de diferentes processos comerciais e distintos exigiu, da parte da R., um período de adaptação para obtenção de know-how, conhecimento dos produtos e identificação de oportunidades de expansão. Acordo das partes.
22. Nos meses de fevereiro a outubro de 2019, a R. vendeu produtos da A. no valor de 266.187,60€.
23. A R. despendeu em execução das obrigações constantes da cláusula 6ª, ponto 2, als. a. a d. do acordo a quantia de 27.296,00€.
24. Após a resolução do contrato por parte da Ré, as partes iniciaram um período de conversações com vista a assegurar a passagem de informações que permitisse à A. recuperar a sua estrutura comercial e, consequentemente, dispor dos meios técnicos e humanos que permitissem a comercialização dos seus produtos.
25. No final de janeiro de 2020, as partes informaram os clientes de produtos YONEST que a A. passaria, a partir de 03-02-2020, a efetuar directivamente a atividade comercial e de marketing da sua marca.
26. A R. emitiu as faturas relativas à comissão correspondente às vendas efetuadas pela A. do período de fevereiro de 2019 a novembro de 2019, pelo valor total de 34.697,56€ (IVA incluído) que remeteu à A. que não pagou o seu valor.
27. A A. emitiu à R. a fatura nº FAZ FS/3, de 09-12-2019, relativa à compensação prevista no contrato, no valor de 50.000,00€, acrescido de IVA.
28. A R. não aceitou a referida fatura, tendo procedido à devolução da mesma à A., em 10/12/2019, por considerar que o valor não era devido. Acordo das partes expresso nos arts. 149º da PI e 58º da contestação.
29. Em 13/03/2020, a A. remeteu comunicação à R. declarando:
30. Na mesma comunicação a A. interpela a R. para, em
31. No exercício de 2018 a R. teve vendas líquidas no valor de 8.250.939,38€ (oito milhões duzentos e cinquenta mil novecentos e trinta e nove euros e trinta e oito cêntimos).»
Factos Não Provados
«a. A R. não vendeu produtos da A. no valor de EUR 720.000,00 (setecentos e vinte mil euros) em 2019, como definido na cláusula 5ª, 6.2., al. a) por não ter feito esforço comercial de venda, publicitário e de divulgação dos produtos da A..
b. As vendas da A., após o termo do acordo, foram:
a. Em dezembro de 2019 de 25.453,00€;
b. Em janeiro de 2020 de 20.425,00€; e
c. Em fevereiro de 2020 de 16.521,00€.
c. Até 19-11-2020, a R. contactou telefonicamente, por duas vezes, a trabalhadora da A. VMRC, a quem apresentou uma oferta de trabalho.».
d. A R. não angariou o cliente “C… das A…” por causa do acordo celebrado com a A..
B) DE DIREITO
- Da omissão de pronúncia
Observando as conclusões 5 e 6 das alegações parecem as mesmas sugerir que a Recorrente imputaria à sentença omissão de pronúncia na vertente factual.
Contudo, o contexto em que vem referida a dita omissão respeita à impugnação da decisão sobre a matéria de facto com o objectivo de ver aditado à mesma um novo facto sob o nº 32, ficando evidente que o que está em causa, do ponto de vista da Recorrente, será um erro de julgamento de facto.
Ora, a omissão de pronúncia como causa geradora de nulidade da decisão consiste, como as demais causas geradoras desse vício, num erro de actividade ou de construção da própria decisão, não confundível com eventual erro de julgamento de facto e/ou de direito: não se prende com o mérito da decisão ou com erro no julgamento de facto ou de Direito.
Por isso podemos com segurança afirmar que, a ter a Recorrente pretendido arguir a nulidade da sentença por omissão de pronúncia do plano dos factos, tal vício não se verifica.
Por outro lado, será no segmento relativo à impugnação da decisão de facto que esse aspecto do recurso deverá ser analisado.
Nas suas conclusões 14 e 15 a Recorrente reputa a sentença de nula por omissão de pronúncia quanto à excessividade da cláusula penal.
Como acima tivemos oportunidade de mencionar a outro propósito, as nulidades da decisão encontram-se taxativamente enumeradas no artº 615º nº 1 do CPC do qual resulta que as mesmas se prendem com vícios estruturais ou intrínsecos da decisão, decorrem do conteúdo do acto do Tribunal ocorrendo quando as decisões não têm o conteúdo que deviam ter ou têm um conteúdo que não poderiam ter nos termos do artigo 615º nº 1 CPC [e também dos artºs 666º nº 1 e 685º do CPC, que ao caso não importam].
Não se confundem com eventual erro de julgamento de facto e/ou de direito, não se prendem com o mérito da decisão ou com erro no julgamento (de facto ou de Direito), mas antes com o cumprimento ou a violação de regras de estrutura, de conteúdo ou dos limites do poder à sombra do qual as decisões são decretadas, tratando-se de defeitos de actividade ou de construção da própria sentença, ou seja, de vícios formais da sentença ou relativos à extensão do poder jurisdicional por referência ao caso submetido à apreciação do Tribunal.
A causa de nulidade invocada pela Recorrente mostra-se prevista na primeira parte da alínea d) do nº 1 do citado artigo 615º CPC - “É nula a sentença quando (…) d) O juiz deixe de pronunciar-se sobre questões que devesse apreciar (…)” - o qual tem correspondência directa com o artigo 608º nº 2 do mesmo Código, segundo o qual o juiz deve resolver todas as questões que as partes tenham submetido à sua apreciação, exceptuadas aquelas cuja decisão esteja prejudicada pela solução dada a outras, não podendo ocupar-se senão das questões suscitadas pelas partes, salvo se a lei lhe permitir ou impuser o conhecimento oficioso de outras.
As questões submetidas à apreciação do Tribunal identificam-se com os pedidos formulados, com a causa de pedir ou com as excepções invocadas, desde que não prejudicadas pela solução de mérito encontrada para o litígio.
No dizer de Lebre de Freitas, Montalvão Machado e Rui Pinto (in Código de Processo Civil Anotado, 2.º, 2.ª edição, pág. 704) o que constituem questões que o Tribunal deve resolver são “os pedidos deduzidos, todas as causas de pedir e exceções invocadas e todas as exceções de que oficiosamente lhe cabe conhecer”.
O conceito de questão deve ser aferido em função directa do pedido e da causa de pedir aduzidos pelas partes ou da matéria de excepção capaz de conduzir à inconcludência/improcedência da pretensão para a qual se visa obter tutela judicial (cfr. entre muitos outros, e a título de exemplo, Ac. Supremo Tribunal de Justiça de 11/10/2022, proc. 602/15.0T8AGH.L1-A.S1).
A Recorrente defende nas suas alegações que no contexto contratual a cláusula penal é excessiva e por isso abusiva, o que deve conduzir à sua redução segundo critérios de equidade nos termos do artº 812º nº 1 do CCivil.
Será inequívoco que tal invocação constitui causa modificativa do direito que a A. pretende fazer valer contra a R. com base em tal cláusula penal contratual, configurando-se, pois, como matéria exceptiva (cfr. artº 571º nº 2, 2ª parte, do CPC). E a sentença condenou a Ré a pagar à Autora a quantia de €377.849,19 que decorre da aplicação da cláusula penal em crise sem que tenha feito qualquer apreciação acerca do carácter excessivo/abusivo da mesma.
Acontece que lida a (longa) contestação verifica-se que a Ré, ora Recorrente, pese embora invoque a excessividade da cláusula penal ora em discussão e discorra argumentos nesse sentido, daí não extrai qualquer consequência, concretamente que a mesma deva ser reduzida por aplicação de critérios de equidade expressando essa concreta pretensão.
O conhecimento do carácter manifestamente excessivo de uma cláusula penal só se reveste de conteúdo útil perante a possibilidade de o Tribunal proceder à sua redução, e esta não pode ser efectuada oficiosamente, mostrando-se dependente de pedido formulado pelo devedor.
Na verdade, e como esclarecem António Pinto Monteiro in “Cláusula Penal e Indemnização” pág 734 e Calvão da Silva in “Cumprimento e Sanção Pecuniária Compulsória” (1987) pág. 275, nota 502, o uso da faculdade de redução equitativa da cláusula penal não é oficioso, dependendo, outrossim, de pedido expresso nesse sentido do devedor da indemnização, alegando e provando a factualidade pertinente.
Entendimento que de há muito é igualmente perfilhado pela jurisprudência, remetendo-se, a título meramente exemplificativo, para os Acórdãos do STJ de 17/04/2008 (Pº 08A630), de 23/02/2010 (Pº 589/06.0TVPRT.P1), de 22/02/2011 (Pº 4922/07.0TVLSB.L1.S1), de 24/04/2012 (Pº 605/06.6TBVRL.P1.S1), e, entre os mais recentes, do Tribunal da Relação de Lisboa de 21/05/2020 (Pº 28037/15.8T8LSB.L1-2) do Tribunal da Relação de Coimbra de 04/06/2024 (Pº 135/23.T8FIG.C1) e do Tribunal da Relação do Porto de 26/06/2025 (Pº 1879/23.3YIPRT.P1)2.
Portanto, na ausência de pedido da Ré nesse sentido – que aliás ao longo da sua contestação não alvitrou sequer a redução da cláusula penal, nem implicitamente por referência ao artº 812º CCivil, que tão pouco citou – a manifesta excessividade da cláusula penal não se prefigurou como questão imposta ao conhecimento do Tribunal a quo; o qual, por conseguinte, não omitiu pronúncia sobre essa questão, porque sobre ela não tinha de se pronunciar.
Não se encontra, pois, a sentença ferida do vício que lhe vem imputando, improcedendo este segmento recursório.
- Da alteração da decisão sobre a matéria de facto
É sabido ser ónus imposto ao Recorrente a apresentação de alegações, nas quais deve concluir, de forma sintética, pela indicação dos fundamentos por que pede a alteração ou anulação da decisão (cfr. artº 639º nº 1 CPC), sendo as conclusões que delimitam a área de intervenção do Tribunal ad quem (cfr. artº 635º nº 4 CPC), equivalendo as mesmas ao pedido.
Por outro lado, é igualmente sabido que o artº 640º CPC impõe ao Recorrente ónus próprios quando impugne a decisão da matéria de facto.
De acordo com o estipulado no seu nº 1 als. a), b) e c), quando seja impugnada a decisão sobre a matéria de facto deve o Recorrente, sob pena de rejeição, obrigatoriamente especificar na motivação da alegação os concretos pontos de facto considerados incorrectamente julgados, os concretos meios probatórios que impunham diversa decisão sobre os pontos da matéria de facto impugnados, e a decisão que no seu entender deve ser proferida sobre as questões de facto impugnadas; e quando os meios probatórios invocados como fundamento do erro na apreciação das provas tenham sido gravados, incumbe ao Recorrente, sob pena de imediata rejeição do recurso na respectiva parte, indicar com exactidão as passagens da gravação em que se funda o seu recurso, sem prejuízo de poder proceder à transcrição dos excertos que considere relevantes (nº 2 al. a) do citado artº 640º).
Já quanto às conclusões, atenta a sua essência sintética mas tendo em conta as suas funções delimitadora e definidora do âmbito do recurso, delas deve obrigatoriamente constar a especificação dos concretos pontos de facto considerados incorrectamente julgados, não sendo forçoso que delas conste – diversamente do defendido na conclusão F das contra-alegações – a especificação dos meios de prova, a indicação das passagens das gravações, nem a decisão alternativa pretendida (cfr. Acórdão do STJ de 12/07/2018, proc. 167/11.2TTTVD.L1.S1, in www.dgsi.pt e Acórdão Uniformizador nº 12/2023, de 17/10/2023 (proc. 8344/17.6T8STB.E1‑A.S1) publicado no Diário da República I série, de 14/11/2023).
A Recorrente satisfez esses ónus e propugna a alteração do facto provado 23 e o aditamento de um facto provado sob o nº 32.
O facto 23 reza assim “A R. despendeu em execução das obrigações constantes da cláusula 6ª, ponto 2, als. a. a d. do acordo a quantia de 27.296,00€”, e encontra-se motivado nos seguintes termos “Relevou o teor do anexo 2 ao doc. 17 junto com a PI, o alegado nos pontos 133º e 134º da PI e a não impugnação da R.”, além de uma consideração inicial genérica quanto a que “O tribunal fundou a sua convicção, quanto aos factos provados, com base nos depoimentos prestados pelas testemunhas, e bem assim das declarações das partes que foram absolutamente coincidentes quanto à celebração do contrato e suas circunstâncias e bem assim quanto às comunicações trocadas entre as partes.“
A Recorrente pretende que desse facto passe a constar que “A R. despendeu em execução das obrigações constantes da cláusula 6º, ponto 2, als. a. a d. do acordo a quantia de € 59.776,03 (cinquenta e nove mil setecentos e setenta e seis euros e três cêntimos), durante os 9 (nove) meses em que o contrato vigorou.”, para o que se funda nos mesmos elementos em que o Tribunal a quo sustentou a sua motivação, e ainda nos documentos nºs 89 a 122 juntos com a contestação e nos depoimentos de TA e de MD.
De acordo com o clausulado contratual e a sua parcial transcrição no facto provado 7, as obrigações constantes da cláusula 6ª – que versa sobre as “condições específicas de publicidade” – ponto 2 als. a. a d. respeitam a despesas de publicidade de marketing (a.), despesas de publicidade de vendas (b.), despesas com reposição fixa (c.), e despesas com account (d.).
No anexo 2 ao documento 17 junto com a petição inicial [apresentado em requerimento de 25/05/2020], considerado pelo Tribunal a quo na motivação do facto em apreço, mostram-se contabilizadas as despesas suportadas pela Recorrente em publicidade de marketing e de vendas, respeitantes, portanto, às obrigações previstas na Clª 6ª ponto 2 als. a. e b.. E essas, sim, perfazem a quantia de € 27.296,00 considerada pelo Tribunal, tendo em atenção que o próprio anexo contém a nota final de que os valores de € 1055 e € 7200, não integrados no quadro com o elenco dos investimentos efectuados, aguardavam resposta da Autora, não correspondendo, assim, a investimentos realizados.
Atente-se em que o valor total constante desse anexo, sem dedução daqueles valores de € 1055 e € 7200, apresenta-se como sendo de € 35.551.00; o documento 17 ao remeter para aquele anexo, que é sua parte integrante, refere € 35.000,00; a Ré no artº 148 da contestação, e no mesmo sentido também no artº 176º dessa peça, afirma que “contratou e assumiu os compromissos financeiros em matéria de investimentos de publicidade, tanto de trade marketing, como de vendas, nos termos acordados e previamente aprovados pela Autora, num total de EUROS: 32.193,25”.
Essas discrepâncias terão de resolver-se com recurso ao anexo 2 em causa que é parte integrante do doc. 17 da petição, que ademais para ele remete, e que constitui a carta de resolução da Ré de 15/11/2019, sendo de sua autoria e por ela aceite nos autos - tendo aliás junto um seu exemplar, que constitui o doc. 5 da contestação - sendo aos factos que dali resultam que se haverá de atender pois os factos contidos na declaração, natureza de que esse anexo se reveste, consideram-se provados nos termos do artº 376º nº 2 CCivil; sendo que do alegado nos artºs 133º e 134º da petição nenhuma valia probatória se pode extrair pois, diversamente do mencionado na motivação da decisão de facto, ambos foram expressamente impugnados no artº 59º da contestação.
Por isso, o facto 23 não mereceria crítica se se reportasse apenas às obrigações previstas na clª 6ª ponto 2 als. a) e b). Contudo, o mesmo diz respeito às obrigações estabelecidas nas als. a) a d) dessa previsão contratual.
Relativamente às despesas com reposição fixa (clª 6ª ponto 2 al. c.) e com account (clª 6ª ponto 2 als. d.) os documentos nºs 89 a 122 da contestação revelam que a Recorrente despendeu, respectivamente, € 10.059,22 e € 14.165,81; documentos esses não impugnados oportunamente pela Autora, pelo que se haverá de atender aos valores expressos nos mesmos, os quais, ademais, foram corroborados pelos depoimentos de TA, Director Financeiro da Recorrente, e de MD, Account que integrou os quadros da Ré provindo da Autora, e que precisamente em razão do exercício dessas funções apresentam razão de ciência bastante para conferir sustentabilidade e credibilidade aos documentos.
Somando aquelas parcelas obtém-se o valor total de € 51.521,03 despendido pela Ré na execução das obrigações constantes da cláusula 6º ponto 2, als. a) a d) do acordo. Pelo que a impugnação da Recorrente merece parcial provimento, devendo o facto 23 ser alterado em conformidade, passando a ter a seguinte redacção:
«23 - A R. despendeu em execução das obrigações constantes da cláusula 6ª ponto 2 als. a. a d. do acordo a quantia de € 51.521,03.»
Pretende ainda a Recorrente a ampliação da matéria de facto, com o aditamento de um novo facto sob o nº 32, com a seguinte redacção: A A. não sofreu prejuízos/danos com a resolução do contrato promovida pela R.”.
Para tanto argumenta que “…tendo por objeto os temas da prova enunciados, as partes procuraram, ao longo de 8 (oito) sessões de julgamento, aferir se a RECORRIDA havia sofrido algum prejuízo/dano decorrente da resolução do contrato levada a cabo pela RECORRENTE (…). …esta questão de facto que foi objeto de instrução - (in)existência de prejuízos/danos na esfera jurídica da RECORRIDA —, sendo a resposta à mesma indispensável para a decisão da causa (porque o pagamento da indemnização prevista na cláusula penal (indemnizatória) a que foi condenada a RECORRENTE pressupunha a existência de prejuízos/danos efetivos), ficando, assim, comprometida a solução jurídica do litígio” (cfr. conclusões 4 e 5).
A primeira observação que importa fazer é a de que os temas de prova não se destinam a ser objecto de resposta por parte do Tribunal : os temas de prova consistem nisso mesmo, em temas, ou seja, assuntos gerais, ideias centrais, matérias, sobre cujos factos que os integram recairá a prova. Ao Tribunal cabe dar resposta aos factos como decorre do artº 607º nºs 3 e 4 CPC.
Visto como facto, o proposto pela Recorrente apresenta-se conclusivo, consiste aliás numa conclusão jurídica. Isto porque o prejuízo/dano representa um conceito jurídico e a afirmação da sua existência ou inexistência é o resultado de um juízo analítico sobre os factos concretos susceptíveis de evidenciar a sua produção.
Por isso o proposto pela Recorrente é insusceptível de integrar o elenco factual.
Em acréscimo diga-se que a formulação negativa sugerida não poderia ser acolhida. Os factos relativos aos prejuízos – isto é, os susceptíveis de revelar a produção de danos, que, reiteramos, não é o caso por a pretensão se apresentar como conclusão jurídica – teriam de ser formulados numa redacção positiva e sobre eles recairia uma resposta de provado ou não provado.
Há, pois, que concluir pela improcedência deste segmento recursório.
*
Não obstante o acima decidido, o artº 662º nº 1 CPC estabelece que “A Relação deve alterar a decisão proferida sobre a matéria de facto, se os factos tidos como assentes, a prova produzida ou um documento superveniente impuserem decisão diversa.”
O artº 662º CPC tem o seu especial campo de aplicação nos erros de julgamento de facto e dele, juntamente com o nº 6 do artº 663º, decorre que, sem prejuízo da iniciativa das partes nos termos do artº 640º e independentemente do êxito de tal iniciativa, o Tribunal da Relação, dentro dos seus poderes de livre apreciação dos meios de prova e quando encontre motivo para tal, deve introduzir na decisão de facto as modificações que se justificarem.
No caso vertente verifica-se deficiência da matéria de facto fixada no facto provado 15, porquanto não expressa total e cabalmente os fundamentos invocados para a resolução contratual por parte da Ré na carta a que o facto alude, tratando-se de factualidade que releva para a decisão da causa e o documento aludido no facto é pacificamente aceite pelas partes, tanto que ambas apresentaram exemplares do mesmo com os respectivos articulados.
Assim, e à semelhança da opção tomada noutros factos que versam sobre comunicações entre as partes, deve o conteúdo daquela carta de 15/11/2019 integrar o elenco dos factos provados para total apreensão e compreensão dos fundamentos de resolução invocados pela Ré.
Deste modo, decide-se aditar aos factos provados o facto 15-A, com a seguinte redacção: «15-A – Na carta referida no facto anterior, depois de sumariar os antecedentes da relação contratual – que se dão por reproduzidos – a Ré invoca




Nota : Por razões informáticas que não conseguimos ultrapassar, o ponto 13 da carta apresenta-se truncado. Consigna-se, por isso, que no documento junto aos autos na última linha do 1º§ desse ponto 13 a expressão truncada é a seguinte “não se vende”, e nas penúltima e última linhas do 2º§ desse ponto 13 a expressão truncada é a seguinte “esse resultado não nos é imputável”.


Da revogação da decisão de mérito
Pugna a Recorrente pela revogação da sentença sob recurso com a sua absolvição do pagamento da quantia de € 377.849,19 e juros em que foi condenada ou, subsidiariamente, pela redução daquele montante, por manifestamente excessivo, de acordo com critérios de equidade.
A condenação da Ré Recorrente naquele montante assentou na aplicação da cláusula contratual 10ª nº 5 por referência ao seu nº 2 al. (vi), onde se dispõe “2 Qualquer das Partes poderá resolver o presente Contrato através de comunicação escrita dirigida à Parte faltosa, por carta registada com aviso de receção, especificando os respetivos fundamentos, em caso de incumprimento grave das suas obrigações contratuais, designadamente: … (vi) rescisão não fundamentada por quaisquer das Partes;
(…)
5 As hipóteses de violação do contrato indicadas no item 2 (vi) e (v) acima, importarão, para além da rescisão imediata deste Contrato, a aplicação de multa igual a 5% (cinco por cento) do total de vendas líquidas da Primeira Contraente, conforme Base de Cálculo, registadas em balanço no último exercício social desta. (…)”
Apesar da pouca escorreiteza da sua redacção [ao prever a possibilidade de resolução do contrato já terminado, embora por rescisão não fundamentada da outra parte], alcança-se da previsão contratual em causa que a aplicação da sanção ali prevista tem como pressuposto que a rescisão operada por qualquer das partes não tenha sido fundamentada, pelo que para se concluir pela respectiva aplicação haverá que aferir se a rescisão da Ré foi ou não fundamentada.
Diga-se, antes de mais, que apesar de as partes terem naquela cláusula contratual feito uso do termo rescisão, trata-se de uma utilização imprópria do termo e do conceito que o mesmo encerra.
Efectivamente rescisão era um termo polissémico na linguagem jurídica anterior ao actual Código Civil, sendo terminologia usada no Código de Seabra, e que, em rigor, corresponde hoje à resolução baseada na lei. O certo é que o termo rescisão manteve utilização, quer na linguagem jurídica quer na linguagem comum, para significar, de modo amplo e abrangente, qualquer modo de cessação de uma relação contratual.
Tenhamos presente que, além das situações de acordo das partes, as relações contratuais cessam :
- por denúncia, se estiver em causa pôr fim a um contrato celebrado por tempo indefinido, consistindo numa expressão do princípio de que não pode haver vínculos perpétuos por limitarem intoleravelmente a liberdade dos contraentes; por isso a denúncia, traduzindo-se num corolário da liberdade individual, é um acto livre, unilateral e discricionário, não carecendo, portanto, de invocação de justa causa, e materializa-se em declaração unilateral receptícia de uma das partes à outra, comunicando‑lhe que não quer a manutenção do contrato e por isso tem efeitos apenas para o futuro;
o que não está em causa na situação vertente, porquanto o contrato foi celebrado por prazo certo, de 5 anos, com renovação automática no caso de não oposição à renovação (cfr. clª 10ª nº 1 // cfr. facto 7)
- por caducidade, logo que decorra o prazo estipulado para a sua vigência ou, estando prevista a sua renovação automática, quando uma parte comunique à outra a vontade de o fazer cessar obstando à respectiva renovação, não estando, portanto, dependente de qualquer motivação, mas tão só do decurso do tempo;
o que igualmente não está em causa na situação vertente, porquanto não decorreu o prazo previsto para a vigência do contrato
- por resolução, nos casos em que um contraente falte ao cumprimento das suas obrigações e, pela sua gravidade ou reiteração, não seja exigível a subsistência do vínculo contratual ou, ainda, se ocorrerem circunstâncias que tornem impossível ou prejudiquem gravemente a realização do fim contratual em termos de não ser exigível que o contrato se mantenha até expirar o prazo convencionado (ou imposto em caso de denúncia), portanto a resolução necessita de ser motivada, porque assentando num poder vinculado impõe à parte que pretende exercer tal direito que invoque, nomeadamente na comunicação que dirige ao outro contraente, o fundamento que justifica a extinção do contrato, e materializa-se também numa declaração unilateral receptícia, carecendo, porém, de ser motivada e tem efeitos rectroactivos (cfr. a respeito destas figuras jurídicas Ac. STJ de 23/04/98 in BMJ 476º, pp. 379 ss.; Baptista Machado em parecer publicado na CJ ano XIV, T. II. pp. 22; Antunes Varela in "Das Obrigações em Geral", vol. lI, 4ª edição, Coimbra, 1990, págs. 269 e 170, e Menezes Cordeiro in "Direito das Obrigações", 2º vol., Lisboa 1990, pág. 166).
É esta precisamente a situação para que os autos remetem.
Como mencionámos supra, para se concluir pela aplicação da sanção prevista na clª contratual 10ª nº 5 por referência ao seu nº 2 al. (vi), teremos de aferir se a resolução que a Ré se propôs exercer pela carta datada de 15/11/2019 foi ou não fundamentada, aqui havendo de se incluir, por equivalentes em termos de ilicitude da resolução, a total ausência de indicação de fundamentos ou a inverificação ou inatendibilidade dos fundamentos invocados.
E essa aferição não prescinde da qualificação do contrato.
Na sentença sob recurso o contrato foi qualificado como de distribuição comercial, identificando-se o mesmo como um contrato atípico.
A Recorrente insurge-se contra essa qualificação, defendendo tratar-se de um típico contrato de agência, cujo regime invocou na sua carta de resolução.
Não deixando de se notar que as partes a ele se referem como contrato de agência nos respectivos articulados e o denominaram “CONTRATO DE AGÊNCIA E REPRESENTAÇÃO COMERCIAL”, a verdade é que o nome atribuído pelas partes ao contrato não vincula o Tribunal na sua qualificação jurídica, a qual resultará do seu conteúdo.
Salvo o devido respeito, afirmar-se que um contrato é de distribuição comercial não o qualifica, porquanto a distribuição comercial apresenta-se como uma categoria de contratos cujo traço comum é a “obrigação fundamental de o distribuidor promover os negócios da outra parte”3, e entre as espécies mais frequentes de contratos de distribuição contam-se os contratos de agência, de concessão e de franquia.
Destes, apenas a agência dispõe de regime jurídico próprio, consagrado no DL nº 178/86, de 03/07, com as alterações introduzidas pelo DL nº 118/93, de 13/04, definindo no seu artº 1º nº 1 que “Agência é o contrato pelo qual uma das partes se obriga a promover por conta da outra a celebração de contratos, de modo autónomo e estável e mediante retribuição, podendo ser-lhe atribuída certa zona ou determinado círculo de clientes.”, destacando Pinto Monteiro4 serem elementos essenciais deste tipo contratual, extraídos da definição legal, a obrigação de o agente promover a celebração de contratos, a actuação por conta do principal, com autonomia e estabilidade, mediante retribuição; dizendo que a actuação por conta da outra parte significa “fundamentalmente, que os efeitos dos actos que (o agente) pratica se destinam ao principal, se repercutem ou projectam na esfera jurídica deste”.5
Já o contrato de concessão, diz o mesmo autor, pode compreender-se como um contrato-quadro “que faz surgir entre as partes uma relação obrigacional complexa por força da qual uma delas, o concedente, se obriga a vender à outra, o concessionário, e esta a comprar-lhe, para revenda, determinada quota de bens, aceitando certas obrigações - mormente no tocante à sua organização, à política comercial e à assistência a prestar aos clientes - e sujeitando-se a um certo controlo e fiscalização do concedente”, dizendo ainda que “Pese embora as afinidades que, em aspectos fundamentais (v.g., no plano da colaboração, estabilidade e objectivo prosseguido), tem com a agência, e que levam a incluí-los a ambos na categoria dos contratos de distribuição, trata-se de contratos distintos pois o concessionário, ao contrário do agente, actua em seu nome e por conta própria, adquire a propriedade da mercadoria (em princípio, pelo menos), compra para revenda e assume os riscos da comercialização.”.6
Efectivamente, a actuação do concessionário em seu nome e por conta própria constitui a pedra de toque essencial na distinção entre o contrato de concessão e o de agência.7
No caso basta atentar na clª 2ª do contrato, que versa sobre o seu objecto, e na clª 3ª, que enuncia as obrigações da Ré ora Recorrente, para constatar que esta, ali na qualidade de primeira contraente, entre o mais obrigou-se a realizar a promoção de mercado nos territórios [tais como definidos no contrato], através do agenciamento comercial da segunda contraente, a Autora, para oferta e venda das referências [produtos da Autora], por conta e ordem da segunda contraente, em regime de exclusividade e mediante pagamento de uma comissão sobre vendas líquidas (sublinhado nosso).
É, portanto, indubitável a qualificação do contrato em presença como agência, sendo-lhe por isso aplicável o regime legal respectivo, estabelecido pelo DL nº 178/86, de 03/07, com as alterações introduzidas pelo DL nº 118/93, de 13/04.
Considerando que o nº 2 da Clª 10ª prevê que qualquer das partes pode resolver o contrato em caso de incumprimento grave das obrigações contratuais da parte faltosa, não adiantando contributos para definir o que seja incumprimento grave, e que exemplificadamente (mediante o uso do vocábulo designadamente) na discutida al. (vi) considera como tal a rescisão não fundamentada por quaisquer das Partes, não poderemos deixar de atender ao que a propósito da resolução dispõe o regime legal aplicável.
A tal respeito dispõe o artº 30º do citado DL nº 178/86, de 03/07, que “O contrato de agência pode ser resolvido por qualquer das partes: a) Se a outra parte faltar ao cumprimento das suas obrigações, quando, pela sua gravidade ou reiteração, não seja exigível a subsistência do vínculo contratual; b) Se ocorrerem circunstâncias que tornem impossível ou prejudiquem gravemente a realização do fim contratual, em termos de não ser exigível que o contrato se mantenha até expirar o prazo convencionado ou imposto em caso de denúncia.”, tendo sido a coberto desta al. b) do normativo que a Ré pretendeu operar a resolução contratual, como se encontra expresso na carta de 15/11/2019.
A previsão legal relativa à ocorrência de circunstâncias que tornem impossível ou prejudiquem gravemente a realização do fim contratual, em termos de não ser exigível que o contrato se mantenha tem de ser preenchida casuisticamente : hão-de ser as circunstâncias próprias de cada caso concreto, no contexto de um concreto contrato e nas concretas condições da sua execução, que permitirão ao Tribunal aferir se a realização do fim contratual se tornou impossível ou se encontra gravemente prejudicada de modo a tornar inexigível para a parte a manutenção do contrato. E essa avaliação por parte do Tribunal mostra-se, naturalmente, dependente de factos que indiscutivelmente o revelem e tem como inevitável ponto de partida os fundamentos que a parte tenha invocado para exercer o direito à resolução.
No caso vertente a Ré, na carta de resolução que enviou à Autora, apresentou um vasto elenco de razões com vista a demonstrar que estava em situação de não lhe ser exigível a manutenção do contrato; e esses fundamentos apresentam-se com substracto factual que não só consta do documento como foi alegado ao longo da contestação.
Acontece que desses factos apenas foram respigados para a decisão de facto, e sem o respectivo contexto, os que se encontram sob os nºs 9, 10, 12, 13, 14 e 21, os quais são manifestamente insuficientes para permitir abarcar na sua total e real dimensão os fundamentos invocados pela Ré para resolver o contrato e, consequentemente, para formular um juízo sobre a (i)licitude dessa resolução.
Na verdade, relevam para a posição resolutiva da Ré, expressa na carta de 15/11/2019, os factos por ela alegados nomeadamente em 81º a 85º, 93º, 95º, 96º, 101º, 102º, 109º, 111º, 113º, 114º, 115º, 116º, 123º, 157º, 163º, 165º (i)8, 167º, 168º, 169º, 172º, 173º, 200º, 227º, 233º, 234º, 235º, 290º parte final, 292º segunda parte, e 296º da sua contestação, sem prejuízo de outros que lhes sejam acessórios.
Estamos perante factos essenciais à decisão do mérito da causa porquanto determinantes para formular um juízo sobre a (i)licitude da resolução contratual por parte da Ré, de cuja decisão se mostra totalmente dependente a apreciação das questões relativas à cláusula penal e sua aplicação, uma vez que apenas no caso de se concluir ser tal resolução infundada será pertinente cogitar sobre a aplicabilidade da cláusula penal.
Não dispondo este Tribunal de recurso de elementos suficientes para suprir as deficiências da decisão de facto, não resta se não, nos termos do disposto no artº 662º nº 2 al. c), do CPC, anular a decisão proferida em 1ª instância por ser indispensável a ampliação da decisão sobre a matéria de facto.
Aqui chegados, e em síntese, há que julgar improcedente a reclamação apresentada pela Recorrida, mantendo-se o despacho da Relatora quanto à inadmissibilidade da ampliação do âmbito do recurso; julgar parcialmente procedente a impugnação da matéria de facto apresentada pela Recorrente, alterando a redacção do facto provado 23; aditar oficiosamente à matéria de facto um facto sob o nº 15-A; e anular a sentença de 1ª instância por ser indispensável a ampliação da decisão sobre a matéria de facto no tocante aos factos alegados como fundamento da resolução contratual pela Ré.

III – DECISÃO
Nestes termos e pelos fundamentos expostos, acorda-se em
- desatender a reclamação apresentada pela Recorrida, mantendo-se o despacho da Relatora quanto à inadmissibilidade da ampliação do âmbito do recurso;
- julgar parcialmente procedente a impugnação da matéria de facto apresentada pela Recorrente, alterando a redacção do facto provado 23 nos termos supra;
- aditar oficiosamente à matéria de facto o facto provado 15-A com a redacção acima consignada;
- anular, nos termos e ao abrigo do disposto no artº 662º nº 2 al. c), do CPC, a sentença recorrida e determinar a baixa dos autos à 1ª instância para produção de prova sobre a factualidade controvertida relativa aos fundamentos da resolução contratual pela Ré, designadamente os acima apontados e sem prejuízo de se atender a outros também controvertidos que se mostrem necessários à coerência material da decisão de facto, e, posteriormente, ser proferida nova sentença sobre o mérito da causa.
Custas da reclamação pela Reclamante.
Custas do recurso a fixar a final.
Notifique.

Lisboa, 23/10/2025
Amélia Puna Loupo
Cristina Pires Lourenço
Carla Matos
_______________________________________________________
1. Do elenco das conclusão não constam B, ZZ e AAA
2. Todos acessíveis em www.dgsi.pt.
3. António Pinto Monteiro, in “Contratos de Distribuição Comercial”, Almedina, 2002, pág. 73.
4. Mesma obra, págs. 86-89.
5. Mesmo autor in “Contrato de Agência”, 4ª Ed., Almedina, 2000, pág. 41.
6. in “Contratos de Distribuição Comercial”, Almedina, 2002, pág. 110
7. Vejam-se na doutrina, e apenas a título de exemplo, José A. Engrácia Antunes in “Direito dos Contratos Comerciais”, Almedina, 2011 (Reimpressão da edição de Setembro/2009), págs. 446 e 448, e António Menezes Cordeiro in “Manual de Direito Comercial”, 2ª ed., 2007. Almedina, pág. 677. E na jurisprudência, também meramente a titulo de exemplo, Acórdão do Tribunal da Relação de Coimbra de 14/12/2005, proc. 3524/05.
8. O ponto (ii) encontra expressão no facto 12