OBJECTO DO RECURSO
INDÍCIOS
PRISÃO PREVENTIVA
INTERNAMENTO PREVENTIVO
REGIME PENAL ESPECIAL PARA JOVENS
Sumário

Sumário (da responsabilidade da Relatora):
I. Os recursos são meios a usar para obter a reapreciação de uma decisão, mas não para obter decisão de questões novas, isto é, de questões que não tenham sido suscitadas pelas partes perante o Tribunal recorrido, salvo aquelas que sejam de conhecimento oficioso, como decorre dos art.ºs 399.º, 401.º, 402.º, n.º1 e 403.º, do CPP.
II. A Relação, enquanto Tribunal de recurso, não pode atender ao conteúdo de documentos juntos com o recurso, que não constavam dos autos aquando do despacho de aplicação das medidas de coacção sob recurso e que o tribunal recorrido não teve oportunidade de avaliar. Caso o recorrente pretenda obter a alteração/substituição da medida de coacção com base nesses documentos, o meio processual adequado é o requerimento de alteração do estatuto coactivo do arguido, nos termos dos art.ºs 212.º e 213.º, do CPP, dirigido ao Tribunal que aplicou a medida.
III. A conclusão da existência de “fortes indícios” ( alíneas a) a e) do nº 1 do art.º 202º do CPP (Código de Processo Penal) terá que corresponder a uma alta probabilidade de ao sujeito, por força deles, vir a ser aplicada uma pena, assentando numa base indiciária disponível no momento da aplicação da medida de coacção em que é possível formar a convicção sobre a maior probabilidade de condenação do que de absolvição, tratando-se de um juízo provisório, sujeito a alterações decorrentes da investigação subsequente.
IV. Os perigos (pericula libertatis) previstos no art.º 204º, do CPP (requisitos gerais de aplicação das medidas de coacção) que justificam e suportam a necessidade de aplicação de quaisquer medidas de coacção ao arguido, têm que se verificar “em concreto”, decorrendo da situação do caso e tem que se verificar “no momento da aplicação da medida”, com actualidade, portanto.
V. O perigo de perturbação do decurso do inquérito ou da instrução do processo, e, nomeadamente perigo para a aquisição, conservação ou veracidade da prova (al. b) do art.º 204.º, do CPP) decorre de um juízo de prognose baseado em indícios que permitem supor que o(s) arguido(s) poderá (ão) intervir ilicitamente no decurso do inquérito ou da instrução do processo, nomeadamente sabotando a investigação, alterarando ilicitamente a aquisição processual da prova, nomeadamente destruindo documentos, sonegando elementos ou produtos do crime, intimidando testemunhas, sendo maior nas fases preliminares do processo, diminuindo com o decurso do tempo e a realização das diligências probatórias mais importantes, sendo que a manutenção do perigo de perturbação da instrução probatória pode ser justificada pelo tipo de crime(s) imputado(s) e pela extrema complexidade da investigação.
VI. O perigo de continuação da actividade criminosa (al. c) do art.º 204.º, do CPP) traduzido no juízo de prognose de perigosidade social do arguido, decorre da natureza e circunstâncias do crime ou da personalidade do(s) arguido(s), respeita apenas à continuação da actividade criminosa que se mostra indiciada no processo, o que se verificará com a execução do mesmo ilícito e bem assim com outros análogos ou da mesma natureza, e não se analisa apenas em relação às vítimas nos autos, mas também em relação a quem venha a estar em situações semelhantes.
VII. O perigo de perturbação grave da ordem e da tranquilidade públicas (al. c) do art.º 204.º, do CPP) tem de resultar da natureza e circunstâncias do crime ou da personalidade do arguido, só sendo relevante o perigo baseado em factos capazes de revelar que a libertação do arguido poderá alterar negativamente a ordem e tranquilidade públicas, que prejudique ou cause dano grave à ordem pública e não apenas a mera alteração ou inquietação gerada no meio social.
VIII. As medidas de coacção devem obedecer aos requisitos e princípios enunciados nos art.º s 3.º e 9.º da Declaração Universal dos Direitos Humanos (DHDH), 5º, nº 1, alínea c) da Convenção Europeia dos Direitos Humanos (CEDH), e 13.º, 18.º, 29.º, n.º1, 27.º, n.º3, 28.º, n.º 2 e 32.º, n.º2 da Constituição da República Portuguesa (CRP), dos quais resulta que a lei processual penal sujeita a sua aplicação aos princípios da legalidade, necessidade, adequação e proporcionalidade, bem como da subsidiariedade e excepcionalidade, no caso da obrigação de permanência na habitação e da prisão preventiva.
IX. A aplicação de prisão preventiva encontra-se sujeita às condições gerais contidas nos artigos 191.º a 195.º, do CPP, em que se destacam os princípios da necessidade, da adequação, da proporcionalidade e da subsidiariedade, às quais se somam os requisitos gerais previstos no artigo 204.º e os requisitos específicos da medida de coacção prisão preventiva, previstos no artigo 202º, ambos do CPP em especial o da excepcionalidade.
X. Os princípios da legalidade, necessidade, adequação, proporcionalidade, subsidiariedade e excepcionalidade previstos no art.º191.º, 193º, 202.º, n.º 1 do CPP, devem considerar-se conceptualizados da seguinte forma:
a. Legalidade: (art.º 191.º, do CPP): A liberdade das pessoas só pode ser limitada, total ou parcialmente, em função de exigências processuais de natureza cautelar, pelas medidas de coacção e de garantia patrimonial previstas na lei.
b. Necessidade (art.º 193.º, n.º1 do CPP): consiste em que o fim visado pela concreta medida de coação decretada não pode ser obtido por outro meio menos oneroso para os direitos do arguido, estando essas medidas de coacção previstas, em harmonia, numa escala de crescente gravidade a partir do TIR, passando por outras não privativas da liberdade até às duas mais graves obrigação de permanência na habitação e a prisão preventiva (art.ºs 196.º a 202.º, do CPP).
c. Adequação (art.º 193.º, n.º1 do CPP): Consiste em que as medidas de coação devem ser adequadas às exigências cautelares que o caso requerer.
d. Proporcionalidade (art.º 193.º, n.º1 do CPP): Consiste em que as medidas de coação devem ser proporcionais à gravidade do crime e às sanções que previsivelmente venham a ser aplicadas.
e. Subsidiariedade(art.º 193.º, n.ºs 2 e 3 do CPP): Consiste em que a obrigação de permanência na habitação e a prisão preventiva só podem ser aplicadas quando se revelarem inadequadas ou insuficientes as outras medidas de coação, devendo ser dada preferência à obrigação de permanência na habitação sempre que ela se revele suficiente para satisfazer as exigências cautelares.
f. Excepcionalidade da prisão preventiva: Significa que só deve ser aplicada, se todas as restantes medidas se mostrarem inadequadas ou insuficientes para a salvaguarda das exigências processuais de natureza cautelar que o caso requeira.
XI. A prisão preventiva, no caso, é a única medida coactiva que se mostra apta a suprimir os já supracitados perigos, que é necessária e adequada às exigências cautelares que o caso requer e que se revela proporcional à gravidade dos factos fortemente indiciados e à sanção que previsivelmente será aplicada aos arguidos.
XII. A obrigação de permanência na habitação, prevista no art.º 201.º, do CPP, ainda que com meios técnicos de controlo à distância, não se revela, no presente caso, adequada e suficiente às exigências cautelares que o caso requer, a suprimir os perigos que se verificam, nomeadamente os continuação da actividade criminosa, e, em especial, de perturbação do inquérito, porquanto, é a sua insuficiência manifesta ao permitir que a partir de casa, os arguidos possam livremente, designadamente através de contactos telefónicos, sms, mail, redes sociais, etc. colocar em perigo a prova já adquirida, o mesmo acontecendo com as medidas de coacção contidas nos arts.º 197.º, 198.º e 200.º do CPP.
XIII. A aplicação do Regime Penal Especial para jovens com idade compreendida entre os 16 e os 21 anos (Decreto-Lei n.º 401/82 de 23/09) não é obrigatória nem automática, sendo necessário que se tenha estabelecido positivamente que há razões para crer que dessa atenuação especial resultem vantagens para a reinserção social do jovem, sem serem afectadas as exigências de prevenção geral, isto é, de protecção dos bens jurídicos e da validade das normas, tal como decorre do art.º 4.º da referida Lei.
XIV. No caso, não nos encontrando na fase de julgamento, considerando as circunstâncias indiciadas que rodearam a prática, em co-autoria, do ilícito mais grave de violação agravada, a personalidade dos arguidos manifestada nos factos e as razões de prevenção geral, não nos permitem concluir, neste momento, como impõe o art. 4.º do DL n.º 401/82 que haja «sérias razões para crer que da atenuação resultem vantagens para a reinserção social do jovem condenado»; apontando, mais para sérias dúvidas que venha a ser aplicado aos arguidos o regime especial para jovens adultos.
XV. Sendo um dos arguidos portador de perturbação do desenvolvimento cognitivo e marcado deficit do controlo dos impulsos, doença do capítulo X da Tabela Nacional de Incapacidades, grau IV, Perturbações funcionais importantes, com acentuada modificação dos padrões de actividade diária, não existe, para já, nos autos demonstração de que a doença de que é portador, se traduza numa anomalia psíquica que lhe cause inimputabilidade ou imputabilidade diminuída, com os efeitos previstos no art.º 20.º, do CP, que pudesse justificar fundados motivos para crer da existência de causa de isenção de responsabilidade, nomeadamente de exclusão da culpa (art.º 192.º, n.º6 do CPP), não havendo obstáculo legal à aplicação da prisão preventiva.
XVI. O internamento preventivo previsto no art.º 202.º, n.º2, do CPP, não é uma medida de coacção alternativa à prisão preventiva, ou dela substitutiva, mas sim uma específica forma de execução da medida de coacção de prisão preventiva, sob a forma de internamento preventivo, sendo certo que em reclusão é, por princípio, garantida ao arguido/recorrente a toma da medicação prescrita para a sua doença.
XVII. Vindo a ficar demonstrada a inimputabilidade, ou a imputabilidade diminuída, no relatório de perícia psiquiátrica já determinado pelo Tribunal recorrido, ou a verificar-se que a prisão preventiva em estabelecimento prisional não permite os tratamentos médicos de que precisa, o arguido poderá vir a ser colocado em internamento preventivo em hospital psiquiátrico ou outro estabelecimento análogo, ouvido o seu defensor, e sempre que possível, um familiar, nos termos do n.º2 do art.º 202.º, do CPP, sem prejuízo de o teor do relatório poder vir a determinar a alteração/substituição da medida de coacção nos termos do art.º 212.º ou do art.º 213.º, do CPP.

Texto Integral

Acordam, em conferência, as Juízas Desembargadoras, na 9ª Secção Criminal da Relação de Lisboa:

I – Relatório
1.No âmbito do processo de inquérito n.º419/25.4PAMTJ, após a realização do primeiro interrogatório judicial (artigo 141.º, do CPP) foi aplicada aos arguidos AA, BB e CC - para além do TIR, a medida de coacção de prisão preventiva, por a Juíza de Instrução Criminal (JIC) entender fortemente verificados os perigos de perturbação do inquérito ou da instrução, de continuação da atividade criminosa e de perturbação grave da ordem e tranquilidade públicas (cfr. art. 204º, n.º1, alíneas b) e c) e 193º nº2 ambos do C.P.P.) considerando que os factos fortemente indiciados consubstanciam a prática, em concurso real e efetivo:
(I)- pelo arguido AA de:
– um crime de violação agravada, em coautoria p. e p. pelos arts. 164.º, n.º 2, als. a) e b), e 177.º, n.ºs 4 e 7, do Código Penal e 86.º, n.º 3, da Lei nº 5/2006, de 23 de fevereiro, por referência ao seu art. 2.º, n.º 1, al. az), e
– um crime de coação agravada tentada, em autoria material e p. e p. pelos arts. 154.º, n.º 1, e 155.º, n.º 1, als. a) e c), 22.º, 23.º, n.ºs 1 e 2, 72.º, n.º 1, 73.º, n.º 1, al. a), e 41.º, n.º 1, 1.ª parte, do Código Penal, por referência ao seu art. 131.º,
(ii)pelo arguido BB de:
– um crime de violação agravada, em coautoria e p. e p. pelos arts. 164.º, n.º 2, als. a) e b), e 177.º, n.ºs 4 e 7, do Código Penal e 86.º, n.º 3, da Lei nº 5/2006, de 23 de fevereiro, por referência ao seu art. 2.º, n.º 1, al. az),
– um crime de detenção de arma proibida, em autoria material e p. e p. pelo art. 86.º, n.º 1, c), da Lei nº 5/2006, de 23 de Fevereiro, por referência aos seus arts. 2.º, n.º 1, al. az), 3.º, n.ºs 1 e 4, al. a), e 6.º, e
– um crime de devassa da vida privada, em autoria material e p. e p. pelo art. 192.º, n.º 1 al. b), do Código Penal, e
(iii)pelo arguido CC de:
– um crime de violação agravada, em coautoria e p. e p. pelos arts. 164.º, n.º 2, als. a) e b), e 177.º, n.ºs 4 e 7, do Código Penal e 86.º, n.º 3, da Lei nº 5/2006, de 23 de fevereiro, por referência ao seu art. 2.º, n.º 1, al. az).
2.O arguido, CC (apenso A)), por não se conformar com esse despacho, vem interpor o presente recurso, extraindo da motivação as seguintes CONCLUSÕES (transcrição):
1 – O arguido CC está indiciado nos presentes autos da prática de um crime de violação agravada, em co- autoria e p. e p. pelos arts. 164.°, n.° 2, als. a) e b}, e 177.°, n.°s 4 e 7, do Código Penal e 86.°, n.° 3, da Lei n° 5/2006, de 23 de fevereiro, por referência ao seu art. 2.°, n.° 1, al. az)., 171.°, n.° 3, al. a), e 177.°, n.° 4, arts. 69.°-B, n.° 2, e 69.°-C, n.°s 2 e 4, do mesmo diploma legal, e art 190.”, n.” 1, todos do Código Penal,
2 - Presidem à aplicação das medidas de coação os princípios da legalidade, da necessidade, da adequação e da proporcionalidade, estatuídos nos artigos 191º e 193º do Código de Processo Penal;
3 - Assim, as medidas de coação a aplicar em concreto devem ser necessárias, adequadas e proporcionais às exigências cautelares que o caso requer e proporcionais à gravidade do crime e às sanções que, num juízo ex ante, previsivelmente venham a ser aplicadas-;
4 - Por outro lado, à exceção do TIR, nenhuma medida de coação pode ser aplicada sem que, em concreto, se verifique, no momento da aplicação da medida, algum dos perigos a que alude o artigo 204.° Código de Processo Penal, a saber: a) Fuga ou perigo de fuga, b )Perigo de perturbação do decurso do inquérito ou da instrução do processo e, nomeadamente, perigo para a aquisição, conservação ou veracidade da prova; ou c) - Perigo, em razão da natureza e das circunstâncias do crime ou da personalidade do arguido, de que este continue a atividade criminosa ou perturbe gravemente a ordem e a tranquilidade públicas.
5 - O arguido CC negou todos os factos contantes da indiciação quando presente ao 1º interrogatório Judicial, com excepção de ter tido relações sexuais com DD e por esta o ter convidado e ele ter aceitado, mediante o pagamento da quantia de 20,00 €, o que concretizaram;
6 -E, nessa medida, apresentou no Ministério Público queixa contra a mesma por prestado falso testemunho e se ter aproveitado da ingenuidade, fragilidade e vulnerabilidade do arguido (CC), que embora com 21 anos de idade tem mentalidade muito inferior à sua idade real.
7 - O arguido frequentou, até aos 18 anos, o ensino escolar, nomeadamente, EE e FF, ..., com grande dificuldade e, embora tenha o 10º ano de escolaridade, não sabe ler nem escrever mas tão só assinar o próprio nome.
8 - Foi a própria DD que não desconhecendo a situação pessoal e de doença daquele, mesmo assim, aproveitando-se intencionalmente da sua fragilidade mental não se coibiu de erradamente proceder como procedeu.
9 - No ..., toda a comunidade e vizinhança conhecem as limitações mentais deste mesmo arguido, tal como os clientes do café “GG” que este esporadicamente frequenta.
10 – O arguido aqui a sua primeira experiência sexual e que o Tribunal não acreditou.
11 - Logo a seguir ao acto sexual “sexo oral”, com vergonha, abandonou o local e refugiou-se em casa dos pais não mais saindo da mesma e desconhecendo em absoluto tudo aquilo que posteriormente se terá passado com DD e ou terceiras pessoas.
12 – O arguido CC relatou no 1º interrogatório de fls. ter sido abordado, no Café, por HH que lhe perguntou se queria um “broche” por ' 20, o que o arguido aceitou, pagou e dirigiu-se à residência daquela para aquele efeito, onde aquela lhe praticou sexo oral “um broche”, “bico” (sic) —, o que teve a duração de cerca de 30 minutos.
13 – E, mais afirmou que quando estava a vestir as calças, surgiram os arguidos AA e BB à porta da residência, a dizer que iam levar o colchão, e entraram em casa (o que ouviu, e não viu).
14 – O arguido vive e tem o apoio dos pais e irmão II. em comunhão de mesa e habitação e tem o apoio pessoal e económico da sua avó JJ, residente em Lisboa, que o CC visita com regularidade e é acarinhado;
15 - Em consequência da sua incapacidade, recebe uma prestação social, de cerca de 300,00 €/mês, atribuídos pela Segurança Social;
16 - Não tem quaisquer conflitos na família nem com vizinhos e tem sempre mantido um comportamento familiar e social discreto, sem quaisquer incidentes;
17 - É portador de deficiência, com um grau de 60% de incapacidade, conforme atestado médico de incapacidade, datado de .../.../2022 . – Doc. 1;
18 – É acompanhado em consulta de psiquiatria por défice cognitivo, alteração do comportamento e défice de aprendizagem desde a infância e habitualmente medicado com ... e ..., conforme atestado de doença, datado de .../.../2025. Doc. 2
19 - Sofre de perturbação do desenvolvimento cognitivo e marcado deficite do controlo dos impulsos sendo acompanhado medicamente e assistido, em Psiquiatria, desde ..., no ..., conforme relatório médico, datado de .../.../2025. – Doc.4
20 - Apresenta marcada dificuldade na realização de muitas das actividades de vida diária, para as quais necessita do auxílio de 3ª pessoa, conforme relatório médico, datado de .../.../2025. – Doc. 4
21 - Não apresenta, de forma permanente, condições para o adequado desempenho de actividades profissionais. - conforme relatório médico, datado de .../.../2025.- Doc. 4
22 - Seguindo tratamento regular e adequado conforme Boletim de Tratamento. – Doc. 3
23 - A situação pessoal e clínica do arguido conforme alegado e demonstrado documentalmente, exigem, a nosso ver, uma ponderação séria sobre a situação processual do ora arguido.
24 - É pertinente, ajustado e adequado a realização de uma perícia médico legal para efeito de determinar eventual inimputabilidade do arguido, nos termos do disposto no Artº 20º do Código Penal e Artºs 151º,159º, nºs 6, 7, do Código de Processo penal, com vista a apurar se o arguido sofre de alguma anomalia psíquica que possa justificar o juízo de inimputabilidade ou de imputabilidade diminuída, por se suscitar fundadamente, a inimputabilidade ou a imputabilidade diminuída do arguido, atendendo a toda a informação clínica dos autos. Doc.s 1 a 4.
25 - A medida de coacção de prisão preventiva aplicada ao arguido CC, deve, em nosso modesto entender, ser substituída por outra medida menos gravosa, sem privação de liberdade, nomeadamente, além do TIR já prestado, as previstas nos Artºs, 198º, 200º e 201º, do CPP.
26 – Foram, assim, violadas as normas dos Artºs arts. 164.°, n.° 2, als. a) e b}, e 177.°, n.°s 4 e 7, do Código Penal e 86.°, n.° 3, da Lei n° 5/2006, de 23 de fevereiro, por referência ao seu art. 2.°, n.° 1, al. az), todos do Código Penal, e, Artºs artigos 191º a 193º, 196º, 198º, 200º, 201º, 202”, n” 1, alíneas a) e b) e 204º, alíneas b) e c), todos do Código de Processo Penal.
TERMOS EM QUE, E NOS MELHORES DE DIREITO,
Deve, assim, ser dado provimento ao presente recurso, revogando- se a douta decisão do M. Juiz de Instrução que determinou a aplicação da medida de coacção de prisão preventiva ao arguido CC e em sua substituição seja determinada e aplicada outra medida menos gravosa, sem privação de liberdade, nomeadamente, além do TIR já prestado, as previstas nos Artºs, 198º, 200º e 201º, do CPP.
Com o que, se fará inteira e costumada JUSTIÇA
3.O arguido, BB (Apenso B), por não se conformar com esse despacho, vem interpor o presente recurso, extraindo da motivação as seguintes CONCLUSÕES (transcrição):
1. O Recorrente pretende reagir contra a decisão que o sujeitou a prisão preventiva numa dupla vertente;
2. Desde logo, entende que não estamos perante “fortes indícios” da prática dos crimes de violação agravada, detenção de arma proibida e devassa da vida privada;
3. A existência de “fortes indícios” terá, necessariamente, que corresponder a uma alta probabilidade de ao sujeito, por força deles, vir a ser aplicada uma pena;
4. Face aos elementos carreados para os autos, não pode deixar de se poder configurar uma tese alternativa à do Ministério Público quanto à dinâmica dos factos;
5. A vítima estará a contar toda a verdade? Se existiram contactos sexuais, eles foram consentidos? Tiveram uma contrapartida monetária?
6. As declarações da vítima, prestadas perante a PSP e perante a PJ apresentam divergências relevantes no que respeita à dinâmica inicial dos factos, designadamente, no que concerne à abordagem inicial;
7. Acresce que a dinâmica descrita pela vítima afronta, no ver do Recorrente, as regras da experiência, designadamente, na parte em que o Recorrente estava a introduzir um objecto de madeira com 21,5 x 6 centímetros na vagina da vítima, com recurso a óleo, com o objecto a escorregar porque gorduroso, mas, contudo, sempre a empunhar uma arma!
8. A testemunha menor apresenta, também ela, um depoimento hesitante, descrevendo uma dinâmica, após insistência, nem sempre coincidente com a vítima;
9. Contudo, trata-se de uma criança de 12 anos, que foi ouvida pela PJ em circunstâncias que o Recorrente desconhece, desacompanhada dos pais e de um psicólogo, garante da fiabilidade do relato;
10. Trata-se de crimes que, a terem sido cometidos, o foram no recato do lar;
11. Por essa razão, não pode cair-se na tentação de partir do axioma fundamental de que a vítima diz sempre a verdade,
12. Até porque o exame médico-legal não refere a existência de qualquer lesão genital, mesmo perante a introdução vaginal de um objecto de madeira de grandes dimensões, provocando “fortes dores”, o que não deixa de ser estranho, e contrário às regras da experiência;
13. Sobre o arguido recaem meras suspeitas de ter cometido os crimes, alicerçadas, essencialmente, em declarações da vítima que não possuem, nem de perto, a solidez que se impõe nesta fase processual;
14. Quanto ao crime de detenção de arma proibida, desconhecem os autos se a arma apreendida é a mesma que foi descrita pela vítima, pelo que, independentemente da tese do Recorrente quanto às declarações daquela e da testemunha menor, nunca poderemos saber se tal objecto seria uma arma para efeitos da Lei das Armas (Lei n.º 5/2006, de 23 de Fevereiro).
15. Quanto ao crime de devassa da vida privada, inexistindo nos autos qualquer cópia do alegado vídeo, nunca poderemos ter certezas seguras de que foi, efectivamente, extraído um vídeo e divulgado o mesmo nas redes sociais, pelo que, também este crime não poderá ter-se por fortemente indiciado.
16. Em face do exposto, tem o Recorrente que concluir que não existem “fortes indícios” da prática de nenhum dos crimes que lhe são imputados,
17. Pelo que a prisão preventiva terá que ser imediatamente revogada, e substituída por medida ou medidas não detentivas que se julguem mais adequadas a esta fase processual;
Sem conceder,
18. Caberá, por fim, ver se a prisão preventiva, acima de tudo, é uma medida proporcional.
19. A decisão recorrida não concretiza em que medida a OPHVE não se afigura eficaz para acautelar os perigos que enunciou, limitando-se, através de uma forma vaga e conclusiva, a afastar a medida em causa.
20. A OPHVE restringe a liberdade de locomoção do arguido, na medida em que este fica confinado ao espaço da sua residência,
21. Ficando, deste modo, bastante limitado na sua capacidade de ação, mormente no que concerne à mobilidade que, no caso concreto, se mostra essencial para prevenir a execução de novos factos;
22. É certo que a OPHVE não tem a virtualidade de impedir as saídas da residência, mas sinaliza o incumprimento das restrições decorrentes da medida e permite, deste modo, desencadear a intervenção das entidades de controlo, bem como das forças de segurança, para captura e condução ao local de vigilância eletrónica do arguido e, se for caso disso, a revogação da medida e imposição de medida mais gravosa;
23. Na verdade, permanecendo o arguido na sua residência estará impedido de praticar novos factos relacionados com a atividade ilícita em investigação nos presentes autos.
24. Acresce que a morada que o Recorrente apresentou para execução da medida fica localizada em ..., a mais de 100km da cidade do ..., onde reside a vítima;
25. O arguido tem 17 anos de idade, é pouco mais do que uma criança, e poderá, com elevada probabilidade, beneficiar, mesmo que venha a ser condenado, do Regime Especial para Jovens (DL n.º 401/82, de 23 de Setembro);
26. A prisão preventiva é uma medida de ultima ratio,
27. Pelo que se impõe a revogação, nesta parte, do despacho recorrido e a aplicação ao arguido da medida de OPHVE, ao abrigo do preceituado nos artigos 191º, nº 1, 193º e 201º, nºs 1 e 3, todos do CPP e artigos 1º, al. a), 7º, 8º e 16º da Lei n.º 33/2010, de 2 de Setembro;
Termos em que requer a V/ Exas. se dignem conceder provimento ao presente Recurso, revogando a Douta Decisão proferida, devendo a prisão preventiva ser substituída por medida ou medidas não detentivas, em face da inexistência de fortes indícios da prática dos crimes que são imputados ao Recorrente.
Sem conceder, deverá a prisão preventiva ser substituída pela medida de OPHVE;
Assim se fazendo a habitual JUSTIÇA.
4.O arguido, AA, (Apenso C)) por não se conformar com esse despacho, vem interpor o presente recurso, extraindo da motivação as seguintes CONCLUSÕES (transcrição):
1. O Recorrente pretende reagir contra a decisão que o sujeitou a prisão preventiva numa dupla vertente;
2. Desde logo, entende que não estamos perante “fortes indícios” da prática dos crimes de violação agravada, detenção de arma proibida e devassa da vida privada;
3. A existência de “fortes indícios” terá, necessariamente, que corresponder a uma alta probabilidade de ao sujeito, por força deles, vir a ser aplicada uma pena;
4. Face aos elementos carreados para os autos, não pode deixar de se poder configurar uma tese alternativa à do Ministério Público quanto à dinâmica dos factos;
5. A vítima estará a contar toda a verdade? Se existiram contactos sexuais, eles foram consentidos? Tiveram uma contrapartida monetária?
6. As declarações da vítima, prestadas perante a PSP e perante a PJ apresentam divergências relevantes no que respeita à dinâmica inicial dos factos, designadamente, no que concerne à abordagem inicial;
7. Acresce que a dinâmica descrita pela vítima afronta, no ver do Recorrente, as regras da experiência, designadamente, na parte em que o Recorrente estava a introduzir um objecto de madeira com 21,5 x 6 centímetros na vagina da vítima, com recurso a óleo, com o objecto a escorregar porque gorduroso, mas, contudo, sempre a empunhar uma arma!
8. A testemunha menor apresenta, também ela, um depoimento hesitante, descrevendo uma dinâmica, após insistência, nem sempre coincidente com a vítima;
9. Contudo, trata-se de uma criança de 12 anos, que foi ouvida pela PJ em circunstâncias que o Recorrente desconhece, desacompanhada dos pais e de um psicólogo, garante da fiabilidade do relato;
10. Trata-se de crimes que, a terem sido cometidos, o foram no recato do lar;
11. Por essa razão, não pode cair-se na tentação de partir do axioma fundamental de que a vítima diz sempre a verdade,
12. Até porque o exame médico-legal não refere a existência de qualquer lesão genital, mesmo perante a introdução vaginal de um objecto de madeira de grandes dimensões, provocando “fortes dores”, o que não deixa de ser estranho, e contrário às regras da experiência;
13. Sobre o arguido recaem meras suspeitas de ter cometido os crimes, alicerçadas, essencialmente, em declarações da vítima que não possuem, nem de perto, a solidez que se impõe nesta fase processual;
14. O mesmo se dirá, mutatis mutandis, quanto ao crime de coação agravada na forma tentada, cuja prova radica exclusivamente nas declarações da vítima;
15. Em face do exposto, tem o Recorrente que concluir que não existem “fortes indícios” da prática de nenhum dos crimes que lhe são imputados,
16. Pelo que a prisão preventiva terá que ser imediatamente revogada, e substituída por medida ou medidas não detentivas que se julguem mais adequadas a esta fase processual;
Sem conceder,
17. Caberá, por fim, ver se a prisão preventiva, acima de tudo, é uma medida proporcional.
18. A decisão recorrida não concretiza em que medida a OPHVE não se afigura eficaz para acautelar os perigos que enunciou, limitando-se,através de uma forma vaga e conclusiva, a afastar a medida em causa.
19. A OPHVE restringe a liberdade de locomoção do arguido, na medida em que este fica confinado ao espaço da sua residência,
20. Ficando, deste modo, bastante limitado na sua capacidade de ação, mormente no que concerne à mobilidade que, no caso concreto, se mostra essencial para prevenir a execução de novos factos;
21. É certo que a OPHVE não tem a virtualidade de impedir as saídas da residência, mas sinaliza o incumprimento das restrições decorrentes da medida e permite, deste modo, desencadear a intervenção das entidades de controlo, bem como das forças de segurança, para captura e condução ao local de vigilância eletrónica do arguido e, se for caso disso, a revogação da medida e imposição de medida mais gravosa;
22. Na verdade, permanecendo o arguido na sua residência estará impedido de praticar novos factos relacionados com a atividade ilícita em investigação nos presentes autos.
23. O arguido tem 21 anos de idade, é pouco mais do que uma criança, e poderá, com elevada probabilidade, beneficiar, mesmo que venha a ser condenado, do Regime Especial para Jovens (DL n.º 401/82, de 23 de Setembro);
24. A prisão preventiva é uma medida de ultima ratio,
25. Pelo que se impõe a revogação, nesta parte, do despacho recorrido e a aplicação ao arguido da medida de OPHVE, ao abrigo do preceituado nos artigos 191º, nº 1, 193º e 201º, nºs 1 e 3, todos do CPP e artigos 1º, al. a), 7º, 8º e 16º da Lei n.º 33/2010, de 2 de Setembro;
Termos em que requer a V/ Exas. se dignem conceder provimento ao presente Recurso, revogando a Douta Decisão proferida, devendo a prisão preventiva ser substituída por medida ou medidas não detentivas, em face da inexistência de fortes indícios da prática dos crimes que são imputados ao Recorrente.
Sem conceder, deverá a prisão preventiva ser substituída pela medida de OPHVE;
Assim se fazendo a habitual JUSTIÇA.
5. Os recursos foram admitido com subida imediata, em separado e com efeito meramente devolutivo (artigos 399.º, 401.º, n.º 1, alínea b), 406.º, n.º 2, 407.º, n.º 2, alínea c), 408.º, n.º 1, “a contrario”, 411.º, n.º 1, e 414.º, nº 1, todos do Código de Processo Penal).
6.O Ministério Público veio responder aos recursos pugnando pela sua improcedência, mantendo-se a decisão recorrida, extraindo da resposta as seguintes conclusões (transcrição):
No apenso A):
1. Realizado primeiro interrogatório judicial de arguido detido foi aí considerada fortemente indiciada a prática pelo arguido/recorrente CC de um crime de violação agravada, em coautoria e p. e p. pelos arts. 164.º, n.º 2, als. a) e b), e 177.º, n.ºs 4 e 7, do Código Penal e 86.º, n.º 3, da Lei nº 5/2006, de 23 de fevereiro, por referência ao seu art. 2.º, n.º 1, al. az).
2. Conforme se alcança da leitura da decisão recorrida, os factos em causa foram considerados indiciados tendo por base a análise crítica dos meios de prova ali apresentados, devidamente conjugados entre si, com observância do estatuído no artigo 127º do Código de Processo Penal.
3. A factualidade que o arguido considera ter sido indevidamente considerada, em seu desfavor, resultou de ponderada análise efetuada pelo Mm Juiz de Instrução Criminal, que, obviamente, do confronto entre os factos e meios de prova apresentados e a versão dos factos apresentada pelo arguido, concluiu pela que lhe pareceu mais coerente e credível.
4. A flagrante falta de postura crítica perante os factos fortemente indiciados, alicerçados nos elementos de prova devidamente analisados e ponderados, sem que estejam verificadas quaisquer circunstancias que pudessem por em causa a sua imputabilidade, levam a reiterar a forte necessidade de acautelar perigo de continuação de atividade criminosa.
5. As circunstâncias pessoais do arguido existentes à data da prolação do despacho, que este vem invocar, em nada abalam os fundamentos do mesmo, cujos pressupostos de aplicação assentam na moldura penal abstrata e nos perigos que, em concreto, urge remover, os quais não seriam salvaguardados de forma adequada com a aplicação de medida de coação diferente da prisão preventiva.
6. Nem sequer seria viável a aplicação de medida de coação de Obrigação de Permanência na Habitação com Vigilância Eletrónica uma vez que é evidente da postura do arguido a existência de um forte perigo de que pudesse voltar a adotar conduta semelhante.
7. As medidas de coação levam, pela sua natureza, à limitação de direitos, nomeadamente, direitos constitucionalmente garantidos, em situações onde tais direitos cedem face à necessidade de salvaguardar a eficácia das normas penais.
8. Verificando-se estarem reunidas as condições gerais e os pressupostos necessários para aplicar ao arguido uma medida de coação, deve ser fixada àquele a medida que se revelar mais adequada e suficiente para salvaguardar as finalidades da sua aplicação e se mostrar proporcional à gravidade do crime e às sanções que previsivelmente venham a ser aplicadas (art. 193º, n.º 1 do Código de Processo Penal, e 18.º, n.º 2, 2ª parte, da Constituição da República Portuguesa).
9. Atenta a sua gravidade, a lei consagra o princípio da subsidiariedade da aplicação da prisão da prisão preventiva, o que significa que o juiz só pode impor ao arguido esta medida quando se revelarem inadequadas ou insuficientes todas as outras medidas (art. 193º, n.º 2 e 202º, n.º 1 do Código de Processo Penal).
10. No despacho recorrido explicitaram-se as razões de facto, em concreto, que conduziam à indiciação dos factos, à conclusão da existência do perigo evidente de continuação da atividade criminosa, o percurso lógico trilhado para aí se chegar e a referência às normas jurídicas aplicáveis.
11. O ilícito fortemente indiciado e imputado ao arguido são suscetíveis de justificar a aplicação da prisão preventiva, em virtude de serem punidos com uma pena de prisão de limite máximo superior a 5 anos.
12. A prisão preventiva é a única medida coativa que se mostra apta a afastar o supracitado perigo, que é necessária e adequada às exigências cautelares que o caso requer e que se revela proporcional à gravidade do crime e às sanções que previsivelmente serão aplicadas (arts. 193.°, 204.°, alínea a) a c) e 202.°,n.° 1, alíneas a), do Código de Processo Penal).
13. Os pressupostos de aplicação de qualquer medida de coação assentam na moldura penal abstrata dos crimes imputados aos arguidos e nos perigos que urge remover, os quais, neste caso concreto, não seriam salvaguardados de forma adequada com a aplicação de medida de coação diferente da prisão preventiva.
14. A decisão recorrida não ignorou a preferência legal que é conferida à medida de obrigação de permanência na habitação, considerando-a, contudo, insuficiente para remover os perigos que urge acautelar face à natureza e gravidade dos crimes indiciados.
15. O tribunal recorrido justificou, por forma cabal, baseada na conjugação crítica e analisada, de acordo com as regras da experiência comum, dos inúmeros meios de prova recolhidos, durante a investigação, os factos considerados fortemente indiciados, os respetivos elementos de prova que os sustentam, a qualificação jurídica dos factos imputados e, bem assim, a indicação dos factos concretos que preenchem os pressupostos de aplicação da decretada medida de coação de prisão preventiva, pela existência do concreto perigo de continuação da atividade criminosa.
16. Conclui-se, pois, que decidiu bem a Mm. º Juiz de Instrução ao considerar indiciados os factos constantes da sua decisão e ao aplicar as medidas de coação ora postas em crise, não tendo o referido despacho judicial violado qualquer norma jurídica ou omitido qualquer dever legal de fundamentação.
17. Ao contrário do recorrente, entendemos que a medida de coação de prisão preventiva é a única, adequada a salvaguardar as necessidades de prevenção que o caso requer, sendo proporcional à gravidade do crime indiciado e às sanções que se perspetiva que venha a ser aplicadas, não tendo sido, por qualquer forma, violados os princípios da necessidade, proporcionalidade e adequação.
18. O despacho recorrido não violou qualquer princípio ou norma legal designadamente, os princípios da legalidade, adequação e proporcionalidade das medidas de coação, ou o princípio da subsidiariedade da prisão preventiva, ou ainda as normas constitucionais constantes dos arts. 13° e 28, nº 2, ambos da Constituição da República Portuguesa.
19. O douto despacho recorrido não violou qualquer uma das normas invocadas pelos recorrentes ou outras, que cumpra conhecer, sendo válido e legal.
Pelo exposto, Deverá o presente recurso ser julgado improcedente, mantendo-se integralmente a decisão recorrida, assim se fazendo a costumada Justiça.
No apenso B):
1. Vem o presente recurso interposto da decisão judicial, proferida a ........2025 que, em sede de primeiro interrogatório judicial de arguido detido, aplicou ao mesmo a medida coactiva de prisão preventiva, nos termos conjugados dos arts. 191.º a 193.º, 196.º, 202.º, n.º 1, alíneas a) e b), e 204.º, alíneas a), b) e c), todos do CPP.
2. O Recorrente motivou as suas alegações de recurso, alegando que a medida coactiva de prisão preventiva não só se mostra desproporcional, como inexistem fortes indícios da prática, por aquele, da factualidade que lhe é imputada, bem como que, ainda que se considerasse fortemente indiciada, seria de aplicar tão somente a medida de obrigação de permanência na habitação com vigilância electrónica.
3. Começa o Recorrente por afirmar que não praticou os factos que foram considerados fortemente indiciados, sendo que o que acaba por desenvolver nas alegações é somente no sentido de que inexistem, em seu entender, elementos probatórios que sustentem tal juízo de forte indiciação.
4. Não olvidando que os “fortes indícios” têm uma maior exigência probatória face aos “índicos suficientes” e este face às “fundadas suspeitas”, é precisamente por isso que se considerou fortemente indiciada a factualidade consubstanciadora dos crimes de violação agravada, detenção de arma proibida e de devassa da vida privada, pelo Recorrente, tal justificou a aplicação ao arguido de medida coactiva de prisão preventiva.
5. A manterem-se em sede de julgamento, os mesmos elementos probatórios já carreados para os autos, permitirão os mesmos, por si só, considerar provada toda a factualidade imputada ao Recorrente, condenando-o pela sua prática.
6. Admite o Recorrente tão somente ter estado na residência da ofendida, na data dos factos, mas coloca como hipóteses que os actos sexuais possam ter sido consentidos, até por contrapartida monetária.
7. A verdade é que tal não se mostra consentâneo com elementos probatórios já constantes nos autos e que, para além das declarações da ofendida, se consubstanciam, igualmente, nas próprias declarações de todos os arguidos e da testemunha KK, todas concatenadas entre si.
8. O Recorrente limita-se a afirmar que as declarações prestadas pela mesma no auto de denúncia não são totalmente coincidentes com as prestadas junto da PJ, mas sempre será de ter em consideração que, no momento da queixa, a factualidade, profundamente traumatizante, teria acabado de ocorrer, mas quando inquirida pela PJ pôde a ofendida pormenorizar todas as circunstâncias em que a factualidade terá ocorrido.
9. No que respeita à alegada impossibilidade do Recorrente empunhar uma arma de fogo, ao mesmo tempo que introduzia o objecto em forma de ave na vagina da ofendida, sempre diremos que as regras da experiência comum de que aquele se pretende socorrer não permitem um raciocínio impeditivo de tal factualidade.
10. A perícia médica mostra-se bastante esclarecedora ao concluir no sentido de que a ausência de lesões traumáticas na região vulvar “não invalida a possibilidade de ocorrência dos factos alegados, tendo em conta o tipo de práticas sexuais referidas e o tempo decorrido entre o evento em apreço e a realização do (…) exame médico legal”, não sendo de menor importância o facto de tal perícia médica ter verificado, como ressalvou a própria decisão sub judice, múltiplas equimoses na face anterior da coxa esquerda da ofendida que “terão resultado de traumatismo de natureza contundente, o que é compatível com a informação”.
11. De acordo com as declarações prestadas pela ofendida, tratar-se-ia de “pistoleca 6,35mm, prateada e com umas coisas pretas, uns efeitos no punho”, em tudo coincidente com a arma apreendida ao arguido CC, como resulta evidente das fotografias juntas aos autos aquando da respectiva apreensão.
12. Por último, limita-se o Recorrente a referir que não constando dos autos cópia do vídeo, não poderão existir certezas do mesmo existir ou ter sido divulgado nas redes sociais, sendo que, salvo o devido respeito, não vislumbramos em que momento fora considerado indiciado que algum dos arguidos tenha divulgado o vídeo que admitem ter sido gravado, nas redes sociais, mas tão somente, que foi gravado e que o viram, em momento posterior a abandonarem a residência da queixosa, o que, por si só, já preenche todos os elementos objectivos e subjectivos do crime de devassa da vida privada.
13. Nada mais o Recorrente coloca em causa relativamente à factualidade que lhe é imputada, limitando-se a tecer afirmações sobre a circunstância de tudo ter ocorrido no interior de um imóvel.
14. A privacidade e isolamento de uma residência para local dos factos são intencionais para a prática dos mesmos, por não serem facilmente praticáveis em locais públicos.
15. Não poderá, pelo simples facto de terem sido praticados em local privado, desvalorizar-se, sem mais, a versão apresentada pela ofendida, concatenada com o depoimento de uma das pessoas que acompanhava o Recorrente, a testemunha KK.
16. Inolvidável é que, face à fundamentação da decisão em apreço, é indefensável que a mesma se tenha sustentado em meras suspeitas como afirma o Recorrente, sendo óbvias, aliás, as considerações e explicitações feitas pelo Tribunal a quo, na análise dos vários elementos probatórios já existentes nos autos, que servem de sustentação à conclusão judicial que não podia deixar, portanto, de ser a de considerar estarem já fortemente indiciada toda a factualidade imputada ao Recorrente.
17. Pugnando pela substituição da medida de prisão preventiva por outra medida coactiva não privativa da liberdade, constata-se, no entanto, que o Recorrente não fundamenta nem minimamente a adequação e proporcionalidade de qualquer outra medida não detentiva.
18. Defende o Recorrente a aplicação de obrigação de permanência na habitação, para constatar que se mostra, por demais evidente, que não poderá ser outra a justificação para a sua preterição se não a da sua insuficiência, como bem refere o Tribunal a quo. 19. Para além da extrema danosidade social do crime de violação, a elevada censura penal que lhe corresponde, a sua repercussão social, para além do clima de insegurança e intenso medo aos cidadãos face à liberdade de autores de tal crime, considerou (e bem) o Tribunal a quo que existe um real, efetivo e forte perigo de perturbação grave da ordem e a tranquilidade públicas.
20. Existindo ainda “intenso o perigo que os arguidos reincidam na prática de novos factos criminosos dolosos e violentos, contra a liberdade e autodeterminação sexual, em particular de mulheres, dada a personalidade manifestamente violenta destes sujeitos e revelada nos factos aqui em investigação, indiferentes às consequências dos seus comportamentos, ao sofrimento físico e emocional causado praticando tais atos no interior da residência da vítima (onde esta se deveria sentir segura), em superioridade numérica e munidos de arma de fogo (colocando-a em absoluta posição de incapacidade de oferecer resistência e solicitar ajuda”.
21. Há ainda a ressaltar o evidente “perigo de perturbação do decurso do inquérito, designadamente, através do contacto com a ofendida e testemunha menor nos presentes autos, fazendo perigar não só a aquisição de nova prova como pôr em causa a prova já adquirida”, dado que o Recorrente conhece, perfeitamente, o domicílio e as rotinas da ofendida e daquela testemunha.
22. A verdade é que a questão da proximidade entre a sua residência e a da ofendida faz, de facto, perigar, que aquele contacte a mesma, mesmo em situação de obrigação de permanência na habitação com vigilância electrónica, pois não se mostraria viável que, qualquer incumprimento ou tentativa de contacto fosse, sequer atempadamente detectada pela DGRSP, ao ponto de o evitar, tal a proximidade de residências.
23. Em face de todos os perigos acima enunciados, tal como decidido pelo Tribunal a quo, a única medida coactiva que se mostra adequada e proporcional a acautelá-los é, indubitavelmente, é a de prisão preventiva.
No apenso C:
1.Vem o presente recurso interposto da decisão judicial, proferida a ........2025 que, em sede de primeiro interrogatório judicial de arguido detido, aplicou ao mesmo a medida coactiva de prisão preventiva, nos termos conjugados dos arts. 191.º a 193.º, 196.º, 202.º, n.º 1, alíneas a) e b), e 204.º, alíneas a), b) e c), todos do CPP.
2. O Recorrente motivou as suas alegações de recurso, alegando que a medida coactiva de prisão preventiva não só se mostra desproporcional, como inexistem fortes indícios da prática, por aquele, da factualidade que lhe é imputada, bem como que, ainda que se considerasse fortemente indiciada, seria de aplicar tão somente a medida de obrigação de permanência na habitação com vigilância electrónica.
3. Começa o Recorrente por afirmar que não praticou os factos que foram considerados fortemente indiciados, sendo que o que acaba por desenvolver nas alegações é somente no sentido de que inexistem, em seu entender, elementos probatórios que sustentem tal juízo de forte indiciação.
4. Não olvidando que os “fortes indícios” têm uma maior exigência probatória face aos “índicos suficientes” e este face às “fundadas suspeitas”, é precisamente por isso que se considerou fortemente indiciada a factualidade consubstanciadora dos crimes de violação agravada e coacção agravada tentada, pelo Recorrente, tal justificou a aplicação ao arguido de medida coactiva de prisão preventiva.
5. A manterem-se em sede de julgamento, os mesmos elementos probatórios já carreados para os autos, permitirão os mesmos, por si só, considerar provada toda a factualidade imputada ao Recorrente, condenando-o pela sua prática.
6. Admite o Recorrente tão somente ter estado na residência da ofendida, na data dos factos, mas coloca como hipóteses que os actos sexuais possam ter sido consentidos, até por contrapartida monetária.
7. A verdade é que tal não se mostra consentâneo com elementos probatórios já constantes nos autos e que, para além das declarações da ofendida, se consubstanciam, igualmente, nas próprias declarações de todos os arguidos e da testemunha KK, todas concatenadas entre si.
8. O Recorrente limita-se a afirmar que as declarações prestadas pela mesma no auto de denúncia não são totalmente coincidentes com as prestadas junto da PJ, mas sempre será de ter em consideração que, no momento da queixa, a factualidade, profundamente traumatizante, teria acabado de ocorrer, mas quando inquirida pela PJ pôde a ofendida pormenorizar todas as circunstâncias em que a factualidade terá ocorrido.
9. No que respeita à alegada impossibilidade do arguido BB empunhar uma arma de fogo, ao mesmo tempo que introduzia o objecto em forma de ave na vagina da ofendida, sempre diremos que as regras da experiência comum de que aquele se pretende socorrer não permitem um raciocínio impeditivo de tal factualidade.
10. A perícia médica mostra-se bastante esclarecedora ao concluir no sentido de que a ausência de lesões traumáticas na região vulvar “não invalida a possibilidade de ocorrência dos factos alegados, tendo em conta o tipo de práticas sexuais referidas e o tempo decorrido entre o evento em apreço e a realização do (…) exame médicolegal”, não sendo de menor importância o facto de tal perícia médica ter verificado, como ressalvou a própria decisão sub judice, múltiplas equimoses na face anterior da coxa esquerda da ofendida que “terão resultado de traumatismo de natureza contundente, o que é compatível com a informação”.
11. De acordo com as declarações prestadas pela ofendida, tratar-se-ia de “pistoleca 6,35mm, prateada e com umas coisas pretas, uns efeitos no punho”, em tudo coincidente com a arma apreendida ao arguido CC, como resulta evidente das fotografias juntas aos autos aquando da respectiva apreensão.
12. Por último, limita-se o Recorrente a referir que não constando dos autos cópia do vídeo, não poderão existir certezas do mesmo existir ou ter sido divulgado nas redes sociais, sendo que, salvo o devido respeito, não vislumbramos em que momento fora considerado indiciado que algum dos arguidos tenha divulgado o vídeo que admitem ter sido gravado, nas redes sociais, mas tão somente, que foi gravado e que o viram, em momento posterior a abandonarem a residência da queixosa, o que, por si só, já preenche todos os elementos objectivos e subjectivos do crime de devassa da vida privada.
13. Nada mais o Recorrente coloca em causa relativamente à factualidade que lhe é imputada, limitando-se a tecer afirmações sobre a circunstância de tudo ter ocorrido no interior de um imóvel.
14. A privacidade e isolamento de uma residência para local dos factos são intencionais para a prática dos mesmos, por não serem facilmente praticáveis em locais públicos.
15. Não poderá, pelo simples facto de terem sido praticados em local privado, desvalorizar-se, sem mais, a versão apresentada pela ofendida, concatenada com o depoimento de uma das pessoas que acompanhava o Recorrente, a testemunha KK.
16. Inolvidável é que, face à fundamentação da decisão em apreço, é indefensável que a mesma se tenha sustentado em meras suspeitas como afirma o Recorrente, sendo óbvias, aliás, as considerações e explicitações feitas pelo Tribunal a quo, na análise dos vários elementos probatórios já existentes nos autos, que servem de sustentação à conclusão judicial que não podia deixar, portanto, de ser a de considerar estarem já fortemente indiciada toda a factualidade imputada ao Recorrente.
17. Pugnando pela substituição da medida de prisão preventiva por outra medida coactiva não privativa da liberdade, constata-se, no entanto, que o Recorrente não fundamenta nem minimamente a adequação e proporcionalidade de qualquer outra medida não detentiva.
18. Defende o Recorrente a aplicação de obrigação de permanência na habitação, para constatar que se mostra, por demais evidente, que não poderá ser outra a justificação para a sua preterição se não a da sua insuficiência, como bem refere o Tribunal a quo. 19. Para além da extrema danosidade social do crime de violação, a elevada censura penal que lhe corresponde, a sua repercussão social, para além do clima de insegurança e intenso medo aos cidadãos face à liberdade de autores de tal crime, considerou (e bem) o Tribunal a quo que existe um real, efetivo e forte perigo de perturbação grave da ordem e a tranquilidade públicas.
20. Existindo ainda “intenso o perigo que os arguidos reincidam na prática de novos factos criminosos dolosos e violentos, contra a liberdade e autodeterminação sexual, em particular de mulheres, dada a personalidade manifestamente violenta destes sujeitos e revelada nos factos aqui em investigação, indiferentes às consequências dos seus comportamentos, ao sofrimento físico e emocional causado praticando tais atos no interior da residência da vítima (onde esta se deveria sentir segura), em superioridade numérica e munidos de arma de fogo (colocando-a em absoluta posição de incapacidade de oferecer resistência e solicitar ajuda”.
21. Há ainda a ressaltar o evidente “perigo de perturbação do decurso do inquérito, designadamente, através do contacto com a ofendida e testemunha menor nos presentes autos, fazendo perigar não só a aquisição de nova prova como pôr em causa a prova já adquirida”, dado que o Recorrente conhece, perfeitamente, o domicílio e as rotinas da ofendida e daquela testemunha.
22. A verdade é que a questão da proximidade entre a sua residência e a da ofendida faz, de facto, perigar, que aquele contacte a mesma, mesmo em situação de obrigação de permanência na habitação com vigilância electrónica, pois não se mostraria viável que, qualquer incumprimento ou tentativa de contacto fosse, sequer atempadamente detectada pela DGRSP, ao ponto de o evitar, tal a proximidade de residências.
23. Em face de todos os perigos acima enunciados, tal como decidido pelo Tribunal a quo, a única medida coactiva que se mostra adequada e proporcional a acautelá-los é, indubitavelmente, é a de prisão preventiva.
7.Remetidos os autos a este Tribunal da Relação de Lisboa, a Exma. Procuradora-Geral Adjunta do Ministério Público formulou parecer acompanhando, no essencial, a resposta do Ministério Público junto da 1.ª instância.
Quanto ao apenso A):
Como questão prévia, consigna-se que aos coarguidos AA e BB também lhes foram imputados a prática do suprarreferido crime de violação agravada (e outros) e aplicada a medida de coação: prisão preventiva. Também o arguido AA, interpôs igual recurso, distribuído sob o nº 419/25.4PAMTJ-C.L1, 9ª Secção e o arguido BB interpôs idêntico recurso do douto despacho judicial, distribuído sobre o nº 419/25.4PAMTJ-B.L1, 3ª Secção. Processo: 419/25.4PAMTJ-A.L1
Analisados os fundamentos do recurso, acompanhamos a resposta apresentada pela Magistrada do Ministério Público junto do tribunal recorrido e, também, consideramos que a decisão impugnada não merece as críticas que lhe são assacadas.
Com vista à não repetição das argumentações aí expendidas apenas reforçaremos alguns aspetos.
A) O arguido nega os factos, à exceção de “ter tido relações sexuais com DD e por esta o ter convidado e ele ter aceitado, mediante o pagamento de 20 €, o que concretizaram”. Não deixa de causar espanto que o arguido negue os factos indiciados, e a existência da prova indiciária convocada pelo Tribunal e, simultaneamente, procure desqualificá-la ao longo do seu recurso, mostrando a sua outra realidade.
B) Tal como faz o despacho judicial recorrido haverá que tomar a prova e valorá-la em função do que, neste momento, ela seja suscetível de fornecer em termos indiciários, sem prejuízo do que o decurso da investigação vá esclarecendo, sendo certo que os indícios são fortes e não se nos antolha suscetíveis de virem a ser abalados.
C) É exatamente disso que se trata no que à avaliação dos indícios diz respeito: determinar se, do seu conjunto, é, ou não, possível retirar a força (probabilidade) indiciária bastante para legitimar a possibilidade de aplicação da prisão preventiva, tal como imposto pela a), do nº 1, do artº 202º, do Código de Processo Penal (CPP).
D) A sem razão do Recorrente resulta claramente demonstrada da extensa e bem elaborada fundamentação judicial, constante do douto despacho judicial onde a opção tomada foi, largamente, fundamentada e que nos escusamos de repetir, assim como fundamentada foi a opção – com a qual concordamos em absoluto – de não aplicação de OPHVE.
E) E não se nos levantam dúvidas quanto à proporcionalidade da medida de prisão preventiva, quando aplicada aos casos como os dos autos.
F) O(s) arguido(s) recorrente(s) mostram, através da ação que os autos indiciam, um temperamento violento e descontrolado.
G) O(s) arguido(s) não deram mostras de qualquer sentido crítico ou contrição relativamente à ação indiciada.
H) E os crimes dos autos, que assumem especial gravidade no nosso ordenamento jurídico, são geradores de sentimentos comunitários de insegurança e desproteção, pelo que, pelo menos nessa medida, e atendendo-se às circunstâncias dos crimes e à personalidade do(s) arguido(s), tanto quanto os factos no-la demonstram, há os referidos perigos mencionados no douto despacho judicial.
I) E nenhuma outra medida, sem ser a prisão preventiva, permite, nos crimes indiciados restaurar a tranquilidade a confiança pública no sistema jurídico.
Quanto aos apensos B) e C):
Analisados os fundamentos do recurso, acompanhamos a resposta apresentada pela Magistrada do Ministério Público junto do tribunal recorrido e, também, consideramos que a decisão impugnada não merece as críticas que lhe são assacadas. Com vista à não repetição das argumentações aí expendidas apenas reforçaremos alguns aspetos.
A) Não deixa de causar espanto que o arguido negue os factos indiciados e a existência da prova indiciária convocada pelo Tribunal e, simultaneamente, procure desqualificá-la ao longo do seu recurso, mostrando a sua outra realidade.
B) Tal como faz o despacho judicial recorrido haverá que tomar a prova e valorá-la em função do que, neste momento, ela seja suscetível de fornecer em termos indiciários, sem prejuízo do que o decurso da investigação vá esclarecendo, sendo certo que os indícios são fortes e não se nos antolha suscetíveis de virem a ser abalados.
C) É exatamente disso que se trata no que à avaliação dos indícios diz respeito: determinar se, do seu conjunto, é, ou não, possível retirar a força (probabilidade) indiciária bastante para legitimar a possibilidade de aplicação da prisão preventiva, tal como imposto pela a), do nº 1, do artº 202º, do Código de Processo Penal (CPP).
D) A sem razão do Recorrente resulta claramente demonstrada da extensa e bem elaborada fundamentação judicial, constante do douto despacho judicial onde a opção tomada foi, largamente, fundamentada e que nos escusamos de repetir, assim como fundamentada foi a opção – com a qual concordamos em absoluto – de não aplicação de OPHVE.
E) E não se nos levantam dúvidas quanto à proporcionalidade da medida de prisão preventiva, quando aplicada aos casos como os dos autos.
F) O(s) arguido(s) recorrente(s) mostram, através da ação que os autos indiciam, um temperamento violento e descontrolado.
G) O(s) arguido(s) não deram mostras de qualquer sentido crítico ou contrição relativamente à ação indiciada.
H) E os crimes dos autos, que assumem especial gravidade no nosso ordenamento jurídico, são geradores de sentimentos comunitários de insegurança e desproteção, pelo que, pelo menos nessa medida, e atendendo-se às circunstâncias dos crimes e à personalidade do(s) arguido(s), tanto quanto os factos no-la demonstram, há os referidos perigos mencionados no douto despacho judicial.
Nos três pareceres refere ainda a Exma. Procuradora Geral Adjunta que:
Por fim, queremos apenas sublinhar que, continuamos a entender, e apesar de poder ser considerado fora da atual corrente dominante, e logo, fora de moda, o arguido (e cada um dos arguidos) mostra-se, indiciariamente, incurso em quatro crimes de violação, por quatro terem sido os seus perpetradores (aqui se incluindo o menor de 14 anos KK que teve um papel relevante e protagonizou os factos com intensidade); dada a unidade de ação e execução e a coautoria dos factos, não esquecendo o bem jurídico violado. Recordemos apenas, muito resumidamente, alguma matéria de facto, dada como fortemente indiciada (art. 10, 11 e seguintes): BB mostrou à vítima a pistola. AA disse à vítima que tinha que fazer o que KK dissesse, tendo este dito que queria ver a DD com a “esfregona na cona”. DD recuou e KK disse “então metes a vassoura”. KK mandou AA buscar outro objeto para o mencionado efeito, o que ele fez, trazendo um pau de formato irregular com 21,5 centímetros …etc. BB empurrou DD para cima do colchão, onde ela caiu de costas, puxou para baixo as cuecas da vítima e forçou-a a manter as pernas abertas, etc. AA colocou um líquido lubrificante na vagina de DD e BB introduziu o referido pau na vagina da vítima… … e disseram ao arguido CC que baixasse as calças e os bóxeres que envergava, o que o mesmo fez, tendo então LL dito a HH “chupa ele”, aludindo ao arguido CC, o que foi concretizado. Segue-se a cena da filmagem, etc. Antes de saírem do apartamento, o arguido AA disse a DD “isto agora fica aqui, senão sabes o que ele tem”, etc. Também pela natureza dos concretos factos, das concretas pessoas, bem pode concluir-se que se os arguidos aguardassem o julgamento sujeitos a outra medida que não a prisão preventiva, seria seriamente de prever que as pressões dos arguidos sobre a vítima seriam insuportáveis e a justiça, enquanto fim do próprio sistema, poderia converter-se num sonho onírico.
Pelo que somos de parecer que o recurso interposto pelo arguido deve ser julgado improcedente, confirmando-se o despacho recorrido.
*
8.Foi cumprido o n.º2 do art.º 417.º, do CPP e não houve resposta.
***
Colhidos os vistos legais e realizada a conferência a que alude o artigo 419º do Código de Processo Penal, cumpre decidir.
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II-Questões a decidir no recurso:
Constitui jurisprudência assente que o objecto do recurso, que circunscreve os poderes de cognição do tribunal de recurso, delimita-se pelas conclusões da motivação dos recorrentes (artigos 402.º, 403.º, 412.º e 417º do CPP), sem prejuízo dos poderes de conhecimento oficioso do tribunal ad quem quanto a vícios da decisão recorrida, a que se refere o artigo 410.º, n.º 2, do CPP, os quais devem resultar directamente do texto desta, por si só ou em conjugação com as regras da experiência comum, a nulidades não sanadas (n.º 3 do mesmo preceito), ou quanto a nulidades da sentença (artigo 379.º, n.º 2, do CPP).(cfr. artigos 410º, nº 3 e 119º, nº 1, do Código de Processo Penal; a este propósito v.g. ainda o Acórdão de Fixação de Jurisprudência do Supremo Tribunal de Justiça nº 7/95, de 19.10.1995, publicado no D.R. I-A Série, de 28.12.1995 e, entre muitos outros, os Acórdãos do Supremo Tribunal de Justiça de 25.06.1998, in B.M.J. nº 478, pág. 242, de 03.02.1999, in B.M.J. nº 484, pág. 271 e de 12.09.2007, proferido no processo nº 07P2583, acessível em www.dgsi.pt)
Na Doutrina, por todos, Paulo Pinto de Albuquerque, Comentário do Código de Processo penal à luz da Constituição da República e da Convenção Europeia dos Direitos Humanos, Volume II, 5.ª Edição atualizada, pág. 590, “As conclusões do recorrente delimitam o âmbito do poder de cognição do tribunal de recurso. Nelas o recorrente condensa os motivos da sua discordância com a decisão recorrida e com elas o recorrente fixa o objecto da discussão no tribunal de recurso… A delimitação do âmbito do recurso pelo recorrente não prejudica o dever de o tribunal conhecer oficiosamente das nulidades insanáveis que afetem o recorrente… não prejudica o dever de o tribunal conhecer oficiosamente dos vícios do artigo 410.º, n.º2 que afetem o recorrente” e bem assim Simas Santos e Leal-Henriques, em “Recursos em Processo Penal”, Rei dos Livros, 7ª edição, pág. 71 a 82).
Assim, atentas as conclusões, por referência à motivação, formuladas pelos recorrentes, as questões a decidir, (considerando as conclusões dos três recursos na sua globalidade) são as seguintes:
1.ª Da (in) verificação de forte indiciação da prática pelos 3 arguidos, em coautoria, do crime de violação agravada p. e p. pelos arts. 164.º, n.º 2, als. a) e b), e 177.º, n.ºs 4 e 7, do Código Penal e 86.º, n.º 3, da Lei nº 5/2006, de 23 de fevereiro, por referência ao seu art. 2.º, n.º 1, al. az); da prática pelo arguido AA, em autoria material, e concurso real e efectivo do crime de coação agravada tentada, p. e p. pelos arts. 154.º, n.º 1, e 155.º, n.º 1, als. a) e c), 22.º, 23.º, n.ºs 1 e 2, 72.º, n.º 1, 73.º, n.º 1, al. a), e 41.º, n.º 1, 1.ª parte, do Código Penal, por referência ao seu art. 131.º e da prática pelo arguido BB, em concurso real e efectivo, do crime de detenção de arma proibida p. e p. pelo art. 86.º, n.º 1, c), da Lei nº 5/2006, de 23 de Fevereiro, por referência aos seus arts. 2.º, n.º 1, al. az), 3.º, n.ºs 1 e 4, al. a), e 6.º e do crime de devassa da vida privada p. e p. pelo art. 192.º, n.º 1 al. b), do Código Penal e que determinaram a aplicação da medida de coacção de prisão preventiva;
2.ª Da (in) verificação, em concreto, do perigo de perturbação do decurso do inquérito ou da instrução do processo, nomeadamente, para a aquisição, conservação ou veracidade da prova; do perigo, em razão da natureza e das circunstâncias dos crimes ou da personalidade dos arguidos, de que estes continuem a actividade criminosa e perturbem gravemente a ordem e a tranquilidade públicas e que fundaram a aplicação aos arguidos da medida de coacção de prisão preventiva (art.204º nº1 do C.P.P.);
3.ª Se a medida aplicada aos arguidos de prisão preventiva é desproporcional e desadequada; em especial em relação ao arguido CC, atenta a doença de que padece, se se prevê a aplicação do regime especial jovem constante do DL 401/82, se deve ser revogada e substituída por medida de coação não privativa da liberdade.
***
III – Fundamentação
III.1- No dia .../.../2025 foram os arguido recorrente sujeitos a interrogatório judicial conforme auto de interrogatório que, nas partes relevantes, a seguir se transcreve:
AUTO DE INTERROGATÓRIO DE ARGUIDOS
(1º Interrogatório Judicial de arguidos detidos – Art.º 141º C. P. Penal)
(com gravação)
Data: ... de ... de 2025
Horas: 11: 35
Juiz de Direito: Dra. MM
Procuradora República: Dra. NN
Oficial de Justiça: OO
*
Mandatários dos arguidos AA, BB e CC, Dr PP e QQ, os quais juntaram procurações, que depois de analisadas foram rubricadas e mandadas juntar aos autos.--
*
Iniciado o presente ato, apenas a esta hora em virtude dos Ilustres Mandatários terem estado a comunicar com os arguidos, após lhes ter sido entregue cópias dos factos imputados e elementos de prova (constantes na Referência ...), pela Mmª Juiz de Direito, Dr. MM, que preside aos interrogatórios, foi ordenado que se procedesse à gravação áudio das declarações, uma vez que o Tribunal dispões de meios técnicos idóneos para assegurar a sua reprodução integral.
*
De seguida, a Mmª Juiz de Direito advertiu os arguidos de que a falta de resposta às perguntas que lhes vão ser feitas sobre a sua identidade, ou a falsidade das mesmas, os podem fazer incorrer em responsabilidade penal, tendo respondido da seguinte forma:
Chamar-se: AA
Filho: de AA e RR
natural de: ...
nacional de ....-
nascido ...-...-2003-
estado civil: Solteiro.-
profissão: Não Trabalha.-
Documento(s) de identificação:….-
Domicílio e para receber notificações: ... Frente, ...
*
Chamar-se: BB
Filho: BB e de SS
natural de: ....-
nacional de ...
nascido em....-...-2007-
estado civil: Casado.-
profissão: Desempregado.-
Documento(s) de identificação: …..-
Domicílio e para receber notificações: ... ...354- R/C Esqº., ...
*
Chamar-se: CC
Filho: de TT e de UU. -
natural de: ... .-
nacional: de ...
nascido em ...-...-2004.-
estado civil: Solteiro.-
profissão: Desempregado.-
Documento(s) de identificação: ….-
Domicílio e para receber notificações: ... Dtº. , ...
*
Em seguida, nos termos do disposto no artº 141º, nº 4, al. a), do C. P. Penal, a Mmª Juiz de Direito informou os arguidos dos direitos referidos no art.º 61.º, n.º 1, do referido diploma legal, explicando-lhes os mesmos.-
*
Após a Mmª. Juiz de Direito informou-os ainda, nos termos das alíneas c) e d) e e) do nº 4 do citado artº 141º do C. P. Penal, dos motivos da detenção, dos factos que lhe são concretamente imputados e dos elementos do processo que indiciam os factos imputados, que se passam a transcrever e que os arguidos prescindiram da leitura por já terem conhecimento dos mesmos (tendo sido previamente facultada cópias da apresentação à defesa e aos arguidos, bem como o tempo necessário para conferenciar com os arguidos, a saber:
***
1.º
O AA, também conhecido como ...”, e HH conhecem-se desde data não concretamente apurada, mas há largos anos, por residirem ambos no ....
2.º
O AA (...”) e a sua companheira VV ocuparam, em período e de forma não apurados em concreto, mas anterior a ...-...-2025 e posterior ao nascimento do filho de ambos WW, ocorrido a ...-...-2024, o apartamento onde vive HH, correspondente ao R/C Dto. Frente do prédio sito no n.º … da ..., habitação social do ..., visando, ainda que contra a vontade desta, que o recusou em circunstâncias não concretamente apuradas, passar a viver os três nesse apartamento.
3.º
Nessa sequência, HH, compelida de forma não apurada em concreto pelo AA (...”) e por familiares do mesmo com o apontado propósito, entregou, contra a sua vontade, no dia ...-...-2025 um requerimento na ..., por ela assinado, indicando que XX e YY faziam parte do seu agregado familiar, pedindo a correspondente alteração, vindo posteriormente HH a informar os serviços competentes dessa ... de que essa declaração não era verdadeira e do contexto em que fora produzida.
4.º
Tal requerimento foi indeferido, do que HH foi notificada através de ofício datado de ...-...-2025, tendo tal recusa chegado ao conhecimento do AA (...”) de modo e em data não concretamente apurados, mas antes de ...-...-2025.
5.º
No dia ...-...-2025, pelas 19h00m, o AA (...”), bateu à porta do antedito apartamento onde vive HH, dizendo-lhe que abrisse porque “a ZZ” queria falar com ela.
6.º
Como reconhecesse a voz do AA (...”) e por ter uma vizinha chamada ZZ, HH abriu a porta e deparou-se apenas com aquele, acompanhado de KK, nascido a ...-...-2012, tendo-lhe o AA (...”) respondido apenas, quando HH que perguntou onde estava “a ZZ”, que queria entrar para ir buscar um colchão que era dele.
7.º
HH deixou-os entrar, uma vez que ficara efectivamente num dos quartos ao antedito apartamento um colchão que para aí fora levado aquando da predita ocupação do mesmo, dirigindo-se o AA (...”) e KK a esse quarto, onde também estavam um balde com uma esfregona, e um conjunto de vassoura e pá do primeiro.
8.º
Passados poucos minutos, alguém bateu brevemente à porta do antedito apartamento e o AA (...”) foi abri-la de imediato, deixando, sem dizer nada a HH, entrar no apartamento os Arguidos BB, também conhecido como BB”, “AAA” e “BBB”, e CC, também conhecido como ...”, que vinham juntos, indo todos para o referido quarto, seguidos por HH, onde o BB (BB”, “AAA” ou “BBB”) empunhou uma pistola semi-automática de calibre 6.35 Prmm., de cor prateada, e começou sequencialmente a retirar e colocar as munições que a mesma no primeiro momento continha de forma que fosse visível a HH.
9.º
Nessa sequência, o AA (...”) disse a HH, em tom jocoso, que estavam ali porque queriam fazer “uma brincadeira” com ela, estando o BB (BB”, “AAA” ou “BBB”) disposto a dar-lhe um pouco de uma substância cuja natureza não se apurou que este trazia consigo e então lhe exibiu como sendo cocaína, ambos sabedores de que DD era consumidora deste produto estupefaciente, se fizesse o que “o gaiato” dissesse, aludindo a KK e sem concretizar o que poderia ser.
10.º
Como HH recusasse a oferta e pedisse que os quatro saíssem do apartamento, o BB (BB”, “AAA” ou “BBB”) mostrou-lhe a aludida pistola, que entretanto guardara num bolso das calças que vestia, e o AA (...”) disse-lhe, em tom grave e sério, que tinha que fazer o que KK dissesse, tendo este então dito, no mesmo tom, que queria ver HH com a “esfregona na cona”, aludindo à esfregona que estava junto deles.
11.º
HH recusou de imediato, diante do que KK lhe disse, no mesmo registo, “então metes a vassoura”, aludindo à vassoura que também se encontrava junto deles, o que HH também recusou prontamente.
12.º
KK disse nessora ao AA (...”) que fosse buscar outro objecto para o mencionado efeito por ele pretendido, tendo este então saído do quarto onde estavam e voltado pouco depois com um martelo e um pau de formato irregular com 21,5 cm. de comprimento pintado numa das extremidades com várias cores de molde a, pelo seu formato, se parecer com um papagaio (ave).
13.º
Após, o BB (BB”, “AAA” ou “BBB”), empurrou, com as suas mãos, HH para cima do colchão junto do qual ambos estavam de pé, fazendo-a cair de costas sobre o mesmo e, fazendo uso da sua força física, puxou para baixo as calças de pijama e as cuecas que HH então tinha vestidas e forçou-a a abrir e a manter abertas as pernas, não obstante a resistência física de HH e as que tentativas que esta, usando da sua força física, foi fazendo, sem sucesso, no sentido de fechar as pernas e de se libertar do BB (BB”, “AAA” ou “BBB”).
14.º
Acto contínuo, o AA (...”) colocou um líquido lubrificante cuja natureza não se apurou na vagina de HH e o BB (BB”, “AAA” ou “BBB”) introduziu repetidamente o predito pau, fazendo movimentos de vai e vem, na vagina de HH e esfregou-o na sua parte exterior, causando dores na região genital e peri-genital de HH, bem como múltiplas equimoses na face anterior da coxa esquerda ma mesma, a maior com 2 cm. de diâmetro e a menor infra-centimétrica, e sempre alheio aos gemidos de dor e pedidos repetidos de HH para que parasse.
15.º
O BB (BB”, “AAA” ou “BBB”) só parou tal comportamento, que adoptou sob o olhar directo dos AA (...”) e CC (...”) e de KK, quando este último disse que estava farto daquilo e que levassem HH para o outro quarto do apartamento, o que os Arguidos BB (BB” ou “AAA”) e AA (...”), fizeram, agarrando-a para esse efeito.
16.º
Chegados os cinco a esse quarto, os Arguidos BB (BB”, “AAA” ou “BBB”) e AA (...”) ordenaram, em tom grave e sério, a HH que se sentasse na cama aí existente, o que a mesma, receando pela sua integridade física e pela sua vida, fez, e disseram ao CC (...”) que baixasse as calças e os boxers que tinha vestidos, o que o mesmo fez, tendo então KK dito a HH, em tom grave e sério, “chupa ele”, aludindo ao CC (...”).
17.º
Diante disso, receando pela sua integridade física e pela sua vida, HH manuseou o pénis do CC (...”) colocou-o dentro da sua boca e chupou-o, fazendo movimentos de vai e vem, durante alguns minutos, até KK dizer aos Arguidos BB (BB”, “AAA” ou “BBB”) AA (...”) e CC (...”) “já chega, vamos embora”, abandonando nessa altura de imediato os quatro o apartamento, onde permaneceu HH.
18.º
Enquanto HH manuseava o pénis do CC (...”), o colocava dentro da sua boca e chupava, fazendo movimentos de vai e vem, os Arguidos BB (BB”, “AAA” ou “BBB”) e AA (...”) e KK observavam directamente a cena, alumiada pelo BB (BB”, “AAA” ou “BBB”) com a lanterna de um smartphone que o mesmo trazia consigo, que pertencia a KK, e o AA (...”) masturbava-se.
19.º
Em simultâneo, o BB (BB”, “AAA” ou “BBB”), filmou esta cena com o referido smartphone, sem a autorização e contra a vontade de HH, vendo-se a mesma, designadamente a sua cara, aí reconhecível, no ficheiro do tipo vídeo que resultou de tal gravação.
20.º
Nessa altura, o BB (BB”, “AAA” ou “BBB”) também empunhava e manuseava a antedita pistola, de forma a que fosse visível a HH.
21.º
Imediatamente antes de saírem os quatro do predito apartamento, o AA (...”) disse a HH, em tom grave e sério, “isto agora fica aqui, senão sabes bem o que ele tem”, aludindo ao BB (BB”, “AAA” ou “BBB”) e à antedita pistola e com tal significando que HH poderia ser baleada e consequentemente até morrer se contasse a alguém o que acabara de lhe suceder.
22.º
Após, quando os quatro já se encontravam na rua, o BB (BB”, “AAA” ou “BBB”), mostrou o aludido ficheiro do tipo vídeo a KK, sem o consentimento e contra a vontade de HH.
23.º
HH denunciou o episódio descrito em ...-...-2025 na ..., diante de agente dessa força de segurança no exercício das respectivas funções, manifestando desejar o correspondente procedimento criminal.
24.º
O BB (BB”, “AAA” ou “BBB”) não era titular de licença ou autorização que lhe permitisse deter e usar o mencionado revólver, nem das mesmas estava dispensado no dia ...-...-2025.
25.º
Os Arguidos BB (BB”, “AAA” ou “BBB”), AA (...”) e CC (...”) conheciam a natureza da antedita pistola e sabiam que KK era menor de 14 anos.
26.º
Os AA (...”), BB (BB”, “AAA” ou “BBB”) e CC (...”) agiram em execução de um plano comum que previamente haviam delineado, com propósito concretizado de, da forma descrita, satisfazer os seus desejos libidinosos, sabendo que o faziam contra a vontade de HH, manietando-a e impedindo-a de reagir com recurso à força física e compelindo-a, de tal forma e com a exibição da antedita pistola, a sujeitar-se ao que quisessem e a fazer o que lhe fosse ordenado nesse episódio, indiferentes à oposição de HH, o que quiseram e representaram.
27.º
Mais sabiam que KK estava a ver directamente tudo o que se passava no episódio descrito e que assim comprometiam o livre desenvolvimento da personalidade do mesmo, limitando a sua liberdade de autodeterminação sexual, o que quiseram e representaram.
28.º
O AA (...”), BB”, “AAA” ou “BBB”) e CC (...”) sabiam também que, no episódio descrito, não tinham o consentimento ou autorização de HH para permanecer no predito apartamento a partir do momento em que a mesma lhes pediu que dali saíssem, do que ficaram cientes, e sabiam tal apartamento se tratava do domicílio de HH, actuando a partir dessa altura com o propósito concretizado de permanecer nesse local contra a vontade de HH, o que quiseram e representaram.
29.º
O AA (...”) agiu ainda com o propósito de fazer com que HH receasse pela sua integridade física e pela sua vida, assim levando a que a mesma não relatasse a quem quer que fosse o que lhe sucedera no episódio descrito e/ou quem nele interviera, sabendo que a expressão usada era idónea a causar temor e insegurança na visada, condicionando a sua liberdade de acção e de determinação pessoal, bem como a sua paz individual, o que quis e representou, apenas não se verificando o resultado por ele almejado por motivos absolutamente alheios à sua vontade.
30.º
O BB (BB”, “AAA” ou “BBB”) sabia também que a detenção e o uso da antedita pistola não lhe era permitida, mas, não obstante, não se inibiu de tal posse, o que quis e representou.
31.º
Mais sabia que estava a filmar HH e subsequentemente divulgar o ficheiro do tipo vídeo que resultou de tal gravação sem a autorização e contra a vontade de HH, agindo com o propósito concretizado com intenção de devassar a vida, o que quis e representou.
32.º
Os AA (...”), BB (BB”, “AAA” ou “BBB”) e CC (...”) agiram sempre livre, deliberada e conscientemente, sabedores de que as suas condutas eram proibidas e punida por lei penal, o primeiro dos três motivado pelas ante mencionadas informação prestada por HH à ... e subsequente decisão de indeferimento desta entidade.
Pelo exposto, incorreram
(i) o AA na prática, em concurso real e efectivo, de :
– um crime de violação agravada, em co-autoria e p. e p. pelos arts. 164.º, n.º 2, als. a) e b), e 177.º, n.ºs 4 e 7, do Código Penal e 86.º, n.º 3, da Lei nº 5/2006, de 23 de Fevereiro, por referência ao seu art. 2.º, n.º 1, al. az),
– um crime de abuso sexual de crianças agravado, em co-autoria material e p. e p. pelos arts. 171.º, n.º 3, al. a), e 177.º, n.º 4, do Código Penal e pelos arts. 69.º-B, n.º 2, e 69.º-C, n.ºs 2 e 4, do mesmo diploma legal (na pessoa de KK, nascido em ...-...-2012),
– um crime de violação de domicílio, em autoria material e p. e p. p. e p. pelo art. 190.º, n.º 1, do Código Penal, e
– um crime de coacção agravada tentada, em autoria material e p. e p. pelos arts. 154.º, n.º 1, e 155.º, n.º 1, als. a) e c), 22.º, 23.º, n.ºs 1 e 2, 72.º, n.º 1, 73.º, n.º 1, al. a), e 41.º, n.º 1, 1.ª parte, do Código Penal, por referência ao seu art. 131.º,
(ii) o Arguido BB na prática, em concurso real e efectivo, de :
– um crime de violação agravada, em co-autoria e p. e p. pelos arts. 164.º, n.º 2, als. a) e b), e 177.º, n.ºs 4 e 7, do Código Penal e 86.º, n.º 3, da Lei nº 5/2006, de 23 de Fevereiro, por referência ao seu art. 2.º, n.º 1, al. az),
– um crime de abuso sexual de crianças agravado, em co-autoria material e p. e p. pelos arts. 171.º, n.º 3, al. a), e 177.º, n.º 4, do Código Penal e pelos arts. 69.º-B, n.º 2, e 69.º-C, n.ºs 2 e 4, do mesmo diploma legal (na pessoa de KK, nascido em ...-...-2012),
– um crime de violação de domicílio, em autoria material e p. e p. pelo art. 190.º, n.º 1, do Código Penal,
– um crime de detenção de arma proibida, em autoria material e p. e p. pelo art. 86.º, n.º 1, c), da Lei
nº 5/2006, de 23 de Fevereiro, por referência aos seus arts. 2.º, n.º 1, al. az), 3.º, n.ºs 1 e 4, al. a), e 6.º, e
– um crime de devassa da vida privada, em autoria material e p. e p. pelo art. 192.º, n.º 1 al. b), do Código Penal, e
(iii) o CC na prática, em concurso real e efectivo, de
– um crime de violação agravada, em co-autoria e p. e p. pelos arts. 164.º, n.º 2, als. a) e b), e 177.º, n.ºs 4 e 7, do Código Penal e 86.º, n.º 3, da Lei nº 5/2006, de 23 de Fevereiro, por referência ao seu art. 2.º, n.º 1, al. az),
– um crime de abuso sexual de crianças agravado, em co-autoria material e p. e p. pelos arts. 171.º, n.º 3, al. a), e 177.º, n.º 4, do Código Penal e pelos arts. 69.º-B, n.º 2, e 69.º-C, n.ºs 2 e 4, do mesmo diploma legal (na pessoa de KK, nascido em ...-...-2012), e
– um crime de violação de domicílio, em autoria material e p. e p. p. e p. pelo art. 190.º, n.º 1, do Código Penal.
(iii) Documental: toda a dos autos, designadamente
– auto de denúncia de fls. 13-13v.,
– “COMUNICAÇÃO DE NOTÍCIA DE CRIME” de fls. 16;
– prints juntos a fls. 56-56v., 58-58v. e 59-59v.;
– auto de apreensão de fls. 61-61v.,
– relatório fotográfico de fls. 65-69,
– informações e elementos fornecidos pela ... de fls. 74-77,
– informação do ... de fls. 102-102v.,
– certidão de assento de nascimento de fls. 104-105v. e
– autos de busca e apreensão e respectivo relatório fotográfico de fls. 160-166.
PROVA
(i) Testemunhal:
– HH, devidamente id. a fls. 47, e
– KK, cabalmente id. a fls. 187.
(ii) Pericial:
– relatório de perícia médico-legal de fls. 37-38v. e
– auto de exame e correspondente relatório fotográfico de fls. 176-179.
(iii) Documental: toda a dos autos, designadamente
– auto de denúncia de fls. 13-13v.,
– “COMUNICAÇÃO DE NOTÍCIA DE CRIME” de fls. 16;
– prints juntos a fls. 56-56v., 58-58v. e 59-59v.;
– auto de apreensão de fls. 61-61v.,
– relatório fotográfico de fls. 65-69,
– informações e elementos fornecidos pela ... de fls. 74-77,
– informação do Núcleo de Armas e Explosivos do Comando Distrital de Setúbal Polícia de Segurança Pública de fls. 102-102v.,
– certidão de assento de nascimento de fls. 104-105v. e
– autos de busca e apreensão e respectivo relatório fotográfico de fls. 160-166.
**
De seguida, a Mmª. Juiz de Direito informou os arguidos de que não exercendo o direito ao silêncio as declarações que prestar poderão ser utilizadas no processo, mesmo que sejam julgados na ausência, ou não prestem declarações em audiência de julgamento, estando sujeito à livre apreciação da prova.
*
A identificação dos arguidos e a comunicação dos factos que lhe são imputados foram gravadas através do sistema integrado de gravação digital (Habilus Media Studio), disponível na aplicação informática em uso neste Tribunal, iniciadas às 11 horas e 38 minutos e terminadas às 11 horas e 42 minutos.
*
Pela ilustre mandatária dos arguidos foi requerida a consulta dos autos.
*
Foi concedida a palavra à Digna Magistrada do Ministério Público, pela mesma foi dito que nada tinha opor à consulta dos autos pelos ilustres mandatários.-
*
Pela Mma Juiz foi deferida a consulta dos autos pelos ilustres mandatários, quando eram 11 horas e 48 minutos.
*
Após a consulta dos autos, pela Mma. Juiz foi reiniciado o interrogatório, quando eram 12 horas e 41 minutos -
**
Pelo arguido AA, foi dito que desejava prestar declarações quanto aos factos, tendo as mesmas sido gravadas através do sistema integrado de gravação digital (Habilus Media Studio), disponível na aplicação informática em uso neste Tribunal, iniciadas às 12 horas e 42 minutos e terminadas às 13 horas 21 minutos.---(…)
*
Pelo arguido BB, foi dito que desejava prestar declarações quanto aos factos, tendo as mesmas sido gravadas através do sistema integrado de gravação digital (Habilus Media Studio), disponível na aplicação informática em uso neste Tribunal, iniciadas às 13 horas e 22 minutos e terminadas às 13 horas e 47 minutos.-
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Pelo arguido CC, foi dito que desejava prestar declarações quanto aos factos, tendo as mesmas sido gravadas através do sistema integrado de gravação digital (Habilus Media Studio), disponível na aplicação informática em uso neste Tribunal, iniciadas às 13 horas e 48 minutos e terminadas às 14 horas e 07 minutos.(…)
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Reiniciado os trabalhos, foi dada a palavra à Digna Magistrada do Ministério Público para se pronunciar quanto às medidas coactivas, o que fez no sentido de promover, a prisão preventiva aos arguidos AA, BB e CC, que ficou gravado através do sistema integral de gravação digital (Habilus Media Studio), disponível na aplicação informática em uso neste Tribunal, iniciadas às 15 horas e 20 minutos e terminadas às 15 horas e 26 minutos.-
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Seguidamente foi dada a palavra à ilustre Mandatária dos arguidos, Dra. CCC se pronunciar, disse que discorda com a promoção da Digna Magistrada do Ministério Público, a defesa apela à ponderação do Tribunal e aos arguidos devem ser aplicadas as medidas de OPHVE, em moradas distantes da residência dos arguidos e da residência da ofendida, que ficou gravado através do sistema integral de gravação digital (Habilus Media Studio), disponível na aplicação informática em uso neste Tribunal, iniciadas às 15 horas e 27 minutos e terminadas às 15 horas e 49 minutos.
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De seguida, a Mmº Juiz de Direito proferiu o seguinte:
= DESPACHO =
“Julgo válida a detenção dos arguidos, porque efetuada ao abrigo do disposto no artigo 257º, nº 2, do Código de Processo Penal, não tendo decorrido o prazo a que alude o artigo 254º, nº 1, al. a) do mesmo diploma legal.
Valido as buscas domiciliárias e consequentes apreensões, porque prévia e judicialmente autorizadas.
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Indiciam fortemente os presentes autos a factualidade descrita e imputada sob a referência Citius ..., supra descrita e dada a conhecer aos arguidos (nos termos do artigo 141º, nº 4, al. d) do Código de Processo Penal), a saber:
1. O AA, também conhecido como ...”, e HH conhecem-se desde data não concretamente apurada, mas há largos anos, por residirem ambos no ....
2. O AA (...”) e a sua companheira VV ocuparam, em período e de forma não apurados em concreto, mas anterior a ...-...-2025 e posterior ao nascimento do filho de ambos WW, ocorrido a ...-...-2024, o apartamento onde vive HH, correspondente ao R/C Dto. Frente do prédio sito no n.º … da ..., habitação social do ..., visando, ainda que contra a vontade desta, que o recusou em circunstâncias não concretamente apuradas, passar a viver os três nesse apartamento.
3. Nessa sequência, HH, compelida de forma não apurada em concreto pelo AA (...”) e por familiares do mesmo com o apontado propósito, entregou, contra a sua vontade, no dia ...-...-2025 um requerimento na ..., por ela assinado, indicando que XX e YY faziam parte do seu agregado familiar, pedindo a correspondente alteração, vindo posteriormente HH a informar os serviços competentes dessa ... de que essa declaração não era verdadeira e do contexto em que fora produzida.
4. Tal requerimento foi indeferido, do que HH foi notificada através de ofício datado de ...-...-2025, tendo tal recusa chegado ao conhecimento do AA (...”) de modo e em data não concretamente apurados, mas antes de ...-...-2025.
5. No dia ...-...-2025, pelas 19h00m, o AA (...”), bateu à porta do antedito apartamento onde vive HH, dizendo-lhe que abrisse porque “a ZZ” queria falar com ela.
6. Como reconhecesse a voz do AA (...”) e por ter uma vizinha chamada ZZ, HH abriu a porta e deparou-se apenas com aquele, acompanhado de KK, nascido a ...-...-2012, tendo-lhe o AA (...”) respondido apenas, quando HH que perguntou onde estava “a ZZ”, que queria entrar para ir buscar um colchão que era dele.
7. HH deixou-os entrar, uma vez que ficara efectivamente num dos quartos ao antedito apartamento um colchão que para aí fora levado aquando da predita ocupação do mesmo, dirigindo-se o AA (...”) e KK a esse quarto, onde também estavam um balde com uma esfregona, e um conjunto de vassoura e pá do primeiro.
8. Passados poucos minutos, alguém bateu brevemente à porta do antedito apartamento e o AA (...”) foi abri-la de imediato, deixando, sem dizer nada a HH, entrar no apartamento os Arguidos BB, também conhecido como BB”, “AAA” e “BBB”, e CC, também conhecido como ...”, que vinham juntos, indo todos para o referido quarto, seguidos por HH, onde o BB (BB”, “AAA” ou “BBB”) empunhou uma pistola semi-automática de calibre 6.35 mm., de cor prateada, e começou sequencialmente a retirar e colocar as munições que a mesma no primeiro momento continha de forma que fosse visível a HH.
9. Nessa sequência, o AA (...”) disse a HH, em tom jocoso, que estavam ali porque queriam fazer “uma brincadeira” com ela, estando o BB (BB”, “AAA” ou “BBB”) disposto a dar-lhe um pouco de uma substância cuja natureza não se apurou que este trazia consigo e então lhe exibiu como sendo cocaína, ambos sabedores de que DD era consumidora deste produto estupefaciente, se fizesse o que “o gaiato” dissesse, aludindo a KK e sem concretizar o que poderia ser.
10. Como HH recusasse a oferta e pedisse que os quatro saíssem do apartamento, o BB (BB”, “AAA” ou “BBB”) mostrou-lhe a aludida pistola, que entretanto guardara num bolso das calças que vestia, e o AA (...”) disse-lhe, em tom grave e sério, que tinha que fazer o que KK dissesse, tendo este então dito, no mesmo tom, que queria ver HH com a “esfregona na cona”, aludindo à esfregona que estava junto deles.
11. HH recusou de imediato, diante do que KK lhe disse, no mesmo registo, “então metes a vassoura”, aludindo à vassoura que também se encontrava junto deles, o que HH também recusou prontamente.
12. KK disse nessora ao AA (...”) que fosse buscar outro objecto para o mencionado efeito por ele pretendido, tendo este então saído do quarto onde estavam e voltado pouco depois com um martelo e um pau de formato irregular com 21,5 cm. de comprimento pintado numa das extremidades com várias cores de molde a, pelo seu formato, se parecer com um papagaio (ave).
13. Após, o BB (BB”, “AAA” ou “BBB”), empurrou, com as suas mãos, HH para cima do colchão junto do qual ambos estavam de pé, fazendo-a cair de costas sobre o mesmo e, fazendo uso da sua força física, puxou para baixo as calças de pijama e as cuecas que HH então tinha vestidas e forçou-a a abrir e a manter abertas as pernas, não obstante a resistência física de HH e as que tentativas que esta, usando da sua força física, foi fazendo, sem sucesso, no sentido de fechar as pernas e de se libertar do BB (BB”, “AAA” ou “BBB”).
14. Acto contínuo, o AA (...”) colocou um líquido lubrificante cuja natureza não se apurou na vagina de HH e o BB (BB”, “AAA” ou “BBB”) introduziu repetidamente o predito pau, fazendo movimentos de vai e vem, na vagina de HH e esfregou-o na sua parte exterior, causando dores na região genital e peri-genital de HH, bem como múltiplas equimoses na face anterior da coxa esquerda ma mesma, a maior com 2 cm. de diâmetro e a menor infra-centimétrica, e sempre alheio aos gemidos de dor e pedidos repetidos de HH para que parasse.
15. O BB (BB”, “AAA” ou “BBB”) só parou tal comportamento, que adoptou sob o olhar directo dos AA (...”) e CC (...”) e de KK, quando este último disse que estava farto daquilo e que levassem HH para o outro quarto do apartamento, o que os Arguidos BB (BB” ou “AAA”) e AA (...”), fizeram, agarrando-a para esse efeito.
16. Chegados os cinco a esse quarto, os Arguidos BB (BB”, “AAA” ou “BBB”) e AA (...”) ordenaram, em tom grave e sério, a HH que se sentasse na cama aí existente, o que a mesma, receando pela sua integridade física e pela sua vida, fez, e disseram ao CC (...”) que baixasse as calças e os boxers que tinha vestidos, o que o mesmo fez, tendo então KK dito a HH, em tom grave e sério, “chupa ele”, aludindo ao CC (...”).
17. Diante disso, receando pela sua integridade física e pela sua vida, HH manuseou o pénis do CC (...”) colocou-o dentro da sua boca e chupou-o, fazendo movimentos de vai e vem, durante alguns minutos, até KK dizer aos Arguidos BB (BB”, “AAA” ou “BBB”) AA (...”) e CC (...”) “já chega, vamos embora”, abandonando nessa altura de imediato os quatro o apartamento, onde permaneceu HH.
18. Enquanto HH manuseava o pénis do CC (...”), o colocava dentro da sua boca e chupava, fazendo movimentos de vai e vem, os Arguidos BB (BB”, “AAA” ou “BBB”) e AA (...”) e KK observavam directamente a cena, alumiada pelo BB (BB”, “AAA” ou “BBB”) com a lanterna de um smartphone que o mesmo trazia consigo, que pertencia a KK, e o AA (...”) masturbava-se.
19. Em simultâneo, o BB (BB”, “AAA” ou “BBB”), filmou esta cena com o referido smartphone, sem a autorização e contra a vontade de HH, vendo-se a mesma, designadamente a sua cara, aí reconhecível, no ficheiro do tipo vídeo que resultou de tal gravação.
20. Nessa altura, o BB (BB”, “AAA” ou “BBB”) também empunhava e manuseava a antedita pistola, de forma a que fosse visível a HH.
21. Imediatamente antes de saírem os quatro do predito apartamento, o AA (...”) disse a HH, em tom grave e sério, “isto agora fica aqui, senão sabes bem o que ele tem”, aludindo ao BB (BB”, “AAA” ou “BBB”) e à antedita pistola e com tal significando que HH poderia ser baleada e consequentemente até morrer se contasse a alguém o que acabara de lhe suceder.
22. Após, quando os quatro já se encontravam na rua, o BB (BB”, “AAA” ou “BBB”), mostrou o aludido ficheiro do tipo vídeo a KK, sem o consentimento e contra a vontade de HH.
23. HH denunciou o episódio descrito em ...-...-2025 na ..., diante de agente dessa força de segurança no exercício das respectivas funções, manifestando desejar o correspondente procedimento criminal.
24. O BB (BB”, “AAA” ou “BBB”) não era titular de licença ou autorização que lhe permitisse deter e usar o mencionado revólver, nem das mesmas estava dispensado no dia ...-...-2025.
25. Os Arguidos BB (BB”, “AAA” ou “BBB”), AA (...”) e CC (...”) conheciam a natureza da antedita pistola e sabiam que KK era menor de 14 anos.
26. Os AA (...”), BB (BB”, “AAA” ou “BBB”) e CC (...”) agiram em execução de um plano comum que previamente haviam delineado, com propósito concretizado de, da forma descrita, satisfazer os seus desejos libidinosos, sabendo que o faziam contra a vontade de HH, manietando-a e impedindo-a de reagir com recurso à força física e compelindo-a, de tal forma e com a exibição da antedita pistola, a sujeitar-se ao que quisessem e a fazer o que lhe fosse ordenado nesse episódio, indiferentes à oposição de HH, o que quiseram e representaram.
27. Mais sabiam que KK estava a ver directametente tudo o que se passava no episódio descrito e que assim comprometiam o livre desenvolvimento da personalidade do mesmo, limitando a sua liberdade de autodeterminação sexual, o que quiseram e representaram.
28. O AA (...”), BB”, “AAA” ou “BBB”) e CC (...”) sabiam também que, no episódio descrito, não tinham o consentimento ou autorização de HH para permanecer no predito apartamento a partir do momento em que a mesma lhes pediu que dali saíssem, do que ficaram cientes, e sabiam tal apartamento se tratava do domicílio de HH, actuando a partir dessa altura com o propósito concretizado de permanecer nesse local contra a vontade de HH, o que quiseram e representaram.
29. O AA (...”) agiu ainda com o propósito de fazer com que HH receasse pela sua integridade física e pela sua vida, assim levando a que a mesma não relatasse a quem quer que fosse o que lhe sucedera no episódio descrito e/ou quem nele interviera, sabendo que a expressão usada era idónea a causar temor e insegurança na visada, condicionando a sua liberdade de acção e de determinação pessoal, bem como a sua paz individual, o que quis e representou, apenas não se verificando o resultado por ele almejado por motivos absolutamente alheios à sua vontade.
30. O BB (BB”, “AAA” ou “BBB”) sabia também que a detenção e o uso da antedita pistola não lhe era permitida, mas, não obstante, não se inibiu de tal posse, o que quis e representou.
31. Mais sabia que estava a filmar HH e subsequentemente divulgar o ficheiro do tipo vídeo que resultou de tal gravação sem a autorização e contra a vontade de HH, agindo com o propósito concretizado com intenção de devassar a vida, o que quis e representou.
32. Os AA (...”), BB (BB”, “AAA” ou “BBB”) e CC (...”) agiram sempre livre, deliberada e conscientemente, sabedores de que as suas condutas eram proibidas e punida por lei penal, o primeiro dos três motivado pelas ante mencionadas informação prestada por HH à ... e subsequente decisão de indeferimento desta entidade.
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Tal factualidade resulta das declarações dos arguidos em cotejo com os elementos de prova carreados para os autos e identificados pelo Ministério Público, sob a referência Citius ..., ou seja: relatório de perícia médico-legal de fls. 37-38v.; auto de exame e correspondente relatório fotográfico de fls. 176-179; auto de denúncia de fls. 13-13v.; “comunicação de notícia de crime” de fls. 16; prints juntos a fls. 56-56v., 58-58v. e 59-59v.; auto de apreensão de fls. 61-61v., relatório fotográfico de fls. 65-69; informações e elementos fornecidos pela ... de fls. 74-77; informação do ... de fls. 102-102v.; certidão de assento de nascimento de fls. 104-105v.; autos de busca e apreensão e respetivo relatório fotográfico de fls. 160-166; autos de inquirição da ofendida HH, id. a fls. 47, e da testemunha KK, id. a fls. 187 - para cujo teor se remete e aqui se reproduzem.
Nesta sede, interrogados os três arguidos, cada um apresentou uma versão distinta dos factos, seja quanto aos acontecimentos propriamente ditos, seja quanto à sua dinâmica e contextualização – o que necessariamente fragiliza a credibilidade do por si relatado, além do modo evasivo, contraditório e incongruente com que cada uma das declarações foram prestadas.
Em comum com as três versões apresentadas, é o reconhecimento pelos três arguidos (bem como da testemunha KK) terem estado no interior da residência de HH; de HH ter manuseado o pénis do arguido CC o colocado dentro da sua boca e o chupado, fazendo movimentos de vai e vem, durante minutos.
Negando os arguidos, na sua essência e de modo global, os demais factos imputados – à exceção do arguido BB que veio a confessar a gravação dos atos sexuais descritos no artigo 18º do despacho de apresentação para 1º interrogatório dos arguidos detidos, sem o consentimento de HH, bem como de ter exibido a filmagem junto de terceiros.
Os arguidos AA e BB (acompanhados do “miúdo de 12 anos”) relataram o motivo que se haviam dirigido à residência de HH (por terem ouvido que o arguido CC estaria a ter relações sexuais com HH – conhecida no bairro, como sendo prostituta), apresentando como desculpa para ali entrarem de que o arguido AA pretendia levar um colchão que era seu (que não o levaram, sendo apenas o pretexto para a porta ser aberta) e assim verificarem a informação que acabavam de “ouvir dizer”.
O arguido AA afirmou que após ter entrado na residência de DD (cuja porta do exterior foi por esta aberta), aquela se dirigiu para um dos quartos, tendo o miúdo de 12 anos aberto a porta deste quarto, tendo os três visto DD ajoelhada a fazer sexo oral a CC – sendo que o arguido BB veio a afirmar, de modo distinto, que quem abriu a porta do quarto foi o próprio e não o menor, que não terá visto os factos.
Referiu o arguido AA que após terem presenciado os factos, foram de imediato embora. No entanto, mais à frente das suas declarações, veio a referir que ali permaneceram cerca de 4 minutos a observar, mas depois, apresenta nova versão, de que teriam sido segundos.
O arguido AA nega ter filmado, bem como afiançou não ter visto se alguém o fez, porque dali se ausentaram – contudo, o arguido BB confessou a dita filmagem e quando estava com aquele arguido, motivo pelo qual não lhe era possível não se ter apercebido de tal facto, tendo sido usada a lanterna para iluminar o espaço, que aqui nega.
O arguido BB declarou que após ter sido o próprio a empurrar a porta do quarto de DD, tendo estado o arguido declarante e o arguido AA, durante 5 a 6 minutos, junto ao quarto desta a ver DD praticar sexo oral - “broche” (sic) - a CC; tendo o arguido gravado parte do ato em si (cuja gravação teve a duração de 10 segundos – e sem consentimento da ofendida) e com o intuito de posteriormente, poder mostrar a terceiros, o que aconteceu.
Por seu turno, o arguido CC relatou ter sido abordado, no Café, por HH que lhe perguntou se queria um “broche” por € 20, o que o arguido aceitou, pagou e dirigiu-se à residência daquela para aquele efeito, onde aquela lhe praticou sexo oral - “um broche”, “bico” (sic) –, o que teve a duração de cerca de 30 minutos.
Afirmou que quando estava a vestir as calças, surgiram os arguidos AA e BB à porta da residência, a dizer que iam levar o colchão, e entraram em casa (o que ouviu, e não viu).
De modo frontalmente contraditório ao declarado pelos anteriores arguidos, asseverou o arguido CC que aqueles não estiveram no quarto onde este estava, que até se escondeu a um canto para não ser visto por aqueles. Acrescentou que DD após ter aberto a porta de entrada aos arguidos, dirigiu-se à cozinha, tendo o arguido permanecido sozinho no quarto, só se ausentando dali quando os arguidos dali saíram, com o colchão (mas sem certeza).
Acrescentou que DD ainda o questionou se queria mais, tendo o arguido respondido “talvez sim, talvez não” (sem, contudo, terem existido novos atos sexuais), mas que tal teria ocorrido após os arguidos já se terem ausentado de casa.
O motivo relatado pelo arguido AA e por BB de se terem deslocado à residência de HH, para indagarem da veracidade do que tinham acabado de ouvir dizer (de que o arguido CC estaria a ter relações sexuais - pela primeira vez e por ser um “menino especial”, como qualificado pelo arguido AA) é inverosímil, porquanto mostra-se desprovido de lógica o interesse tão pessoal destes arguidos em confirmarem tal informação, ao ponto de querem ver e presenciarem in loco CC a ter relações sexuais. E como se não bastasse, para confirmarem a veracidade do que tinham ouvido dizer, não só assistindo (e por vários minutos – como se uma fração de segundos, nas descritas circunstâncias, não fosse por si só suficientemente esclarecedora) a prática dos atos sexuais que aquele praticaria com terceira pessoa, como o arguido BB ainda decidiu gravar tais atos (como confessou, sem o consentimento dos visados) – não só permanecendo na memória humana, como na memória do telemóvel, para posteriormente exibir o vídeo a terceiros (como este arguido confessou).
Além das declarações dos arguidos, há que atender, no entanto e entre o mais, à descrição da factualidade efetuada pela ofendida HH, documentada no respetivo auto de inquirição, localizando os factos no tempo e no espaço, descreveu, e de modo bastante detalhado, a violência sexual que contra si foi exercida (os vários sexuais a que foi sujeita, nomeadamente, com penetração de objeto na sua vagina; a introdução de pénis na sua boca), inclusivamente sob ameaça de arma de fogo; a gravação dos atos sexuais, com recurso a telemóvel, sem o seu consentimento e contra a sua vontade; pormenorizou a atuação individualizada e em conjunto de cada um dos agentes; o medo por esta sentido; identificou, sem dúvidas, os respetivos indivíduos, até por bem os conhecer; as ameaças sofridas para que a mesma não relatasse os atos por si sofridos – em estrita conformidade com a factualidade que se mostra imputada aos arguidos.
A ofendida foi sujeita a perícia médico-legal e cujo relatório se encontra a fls. 37-38v.. Não obstante não terem sido detetadas, quando submetida a exame, a existência de lesões traumáticas, na região vulvar, tal como descrito naquele relatório o facto de tal não ter sido detetado “não invalida a possibilidade de ocorrência dos factos alegados, tendo em conta o tipo de práticas sexuais referidas e o tempo decorrido entre o evento em apreço e a realização do (…) exame médico-legal” (fls. 38). Não se olvidando que a ofendida alega ter sido utilizado em si um produto lubrificante, tal poderá justificar a ausência de evidência de lesões vulvares.
No entanto, ali foram detetadas múltiplas equimoses na face anterior da coxa esquerda ma mesma (a maior com 2 cm. de diâmetro e a menor infra-centimétrica) que “terão resultado de traumatismo de natureza contundente, o que é compatível com a informação” (fls. 38) – e com o relato da ofendida de, com recurso à força física, ter sido forçada a abrir e a manter abertas as pernas, não obstante a sua resistência física e as tentativas que esta foi fazendo, sem sucesso, no sentido de fechar as pernas e de se libertar do arguido BB.
Na residência de um dos arguidos (do arguido CC) veio a ser apreendida arma de fogo – cfr. auto de busca e apreensão de fls. 157, 160 e 177 - cujas características da mesma não difere das que foram descritas pela ofendida como tendo sido a contra si utilizada, sob ameaça, para não resistir aos atos de violência física e de violência sexual que foi sendo sujeita e aqui sob apreciação.
Ainda de especial relevância é o depoimento prestado pela testemunha KK, a fls. 187, que revelou conhecimento direto dos factos aqui em discussão por os ter, no mínimo, presenciado. Não obstante o depoimento desta testemunha ter sido inicialmente hesitante e negando o seu conhecimento/envolvimento nos factos aqui em discussão, acabou por afirmar que os aqui arguidos entraram na residência de DD e sem ser a convite desta; pormenorizou alguns dos atos sexuais sobre esta praticados; o visível estado emocional em que a mesma se encontrava após a prática dos factos (revelador que não teria sido de acordo com a sua vontade); que aqueles teriam sido contra a sua vontade e de que teria sido obrigada a tal; bem como a filmagem dos atos sexuais e com recurso ao seu telemóvel.
Do depoimento prestado por esta testemunha, a fls. 187 e ss., salienta-se que este declarou – e referindo-se ao arguido AA pelo alcunha pelo qual é conhecido (como ...) – que:
“quando entrámos, eu sei que eles foram buscar - um dos meus primos, um deles - não sei o quê, acho que um creme e foi o ..., acho que à cozinha, e foram para um quarto com a senhora, e pediram-me o telemóvel, eu dei-lhes…” (sic);
“eles queriam que a senhora fizesse alguma coisa com o DDD), disseram que ela chupasse a pila do EEE” (sic);
“mas eu acho que ela não queria, ela ficou assustada quando entrámos” (sic);
a senhora “que fechou logo a porta assim que saímos, acho que ela estava triste. E é normal ela não ter gostado… talvez tenha sido obrigada a fazer alguma coisa. E daí tenha ficado triste e zangada” (sic);
que “o que se passou com a senhora foi grave” (sic).
Pelo exposto, concatenados os elementos probatórios, pelo teor e natureza da prova careada para os autos, conclui-se que a mesma aponta, fortemente, para a autoria pelos arguidos dos factos denunciados e imputados pelo Ministério Público.
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Os factos aqui fortemente indiciados consubstanciam a prática, em concurso real e efetivo:
- pelo arguido AA de:
– um crime de violação agravada, em coautoria e p. e p. pelos arts. 164.º, n.º 2, als. a) e b), e 177.º, n.ºs 4 e 7, do Código Penal e 86.º, n.º 3, da Lei nº 5/2006, de 23 de fevereiro, por referência ao seu art. 2.º, n.º 1, al. az), e
– um crime de coação agravada tentada, em autoria material e p. e p. pelos arts. 154.º, n.º 1, e 155.º, n.º 1, als. a) e c), 22.º, 23.º, n.ºs 1 e 2, 72.º, n.º 1, 73.º, n.º 1, al. a), e 41.º, n.º 1, 1.ª parte, do Código Penal, por referência ao seu art. 131.º,
(ii) pelo arguido BB de:
– um crime de violação agravada, em coautoria e p. e p. pelos arts. 164.º, n.º 2, als. a) e b), e 177.º, n.ºs 4 e 7, do Código Penal e 86.º, n.º 3, da Lei nº 5/2006, de 23 de fevereiro, por referência ao seu art. 2.º, n.º 1, al. az),
– um crime de detenção de arma proibida, em autoria material e p. e p. pelo art. 86.º, n.º 1, c), da Lei nº 5/2006, de 23 de Fevereiro, por referência aos seus arts. 2.º, n.º 1, al. az), 3.º, n.ºs 1 e 4, al. a), e 6.º, e
– um crime de devassa da vida privada, em autoria material e p. e p. pelo art. 192.º, n.º 1 al. b), do Código Penal, e
(iii) pelo arguido CC de:
– um crime de violação agravada, em coautoria e p. e p. pelos arts. 164.º, n.º 2, als. a) e b), e 177.º, n.ºs 4 e 7, do Código Penal e 86.º, n.º 3, da Lei nº 5/2006, de 23 de fevereiro, por referência ao seu art. 2.º, n.º 1, al. az).
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Presidem à aplicação das medidas de coação os princípios da legalidade, da necessidade, da adequação e da proporcionalidade, estatuídos nos artigos 191º e 193º do Código de Processo Penal.
Assim, as medidas de coação a aplicar em concreto devem ser necessárias, adequadas e proporcionais às exigências cautelares que o caso requer e proporcionais à gravidade do crime e às sanções que, num juízo ex ante, previsivelmente venham a ser aplicadas.
Por outro lado, à exceção do TIR, nenhuma medida de coação pode ser aplicada sem que, em concreto, se verifique, no momento da aplicação da medida, algum dos perigos a que alude o artigo 204.º Código de Processo Penal, a saber:
a) Fuga ou perigo de fuga;
b) Perigo de perturbação do decurso do inquérito ou da instrução do processo e, nomeadamente, perigo para a aquisição, conservação ou veracidade da prova; ou
c) Perigo, em razão da natureza e das circunstâncias do crime ou da personalidade do arguido, de que este continue a atividade criminosa ou perturbe gravemente a ordem e a tranquilidade públicas.
No caso em apreço, há que considerar a extrema danosidade social que o crime de violação e aqui em questão acarreta, a elevada censura penal que lhe corresponde, a sua repercussão social, existindo uma enorme repugnância social deste tipo de ilícito penal, em que a comunidade encara a violação como um crime hediondo, causando um clima de insegurança e intenso medo aos cidadãos que os agentes de tal tipo de ilícito permaneçam livres na sociedade, pelo que se infere de forma clara e evidente pela existência de um real, efetivo e forte perigo de perturbação grave da ordem e a tranquilidade públicas.
O perigo de continuação da atividade criminosa não se confunde com a consumação de novos atos criminosos, devendo antes ser aferido em função de um juízo de prognose de perigosidade social do arguido, a efetuar a partir dos factos indiciados e da personalidade por eles revelada – cfr. acórdão do Tribunal da Relação de Guimarães, de 03.03.2014, proc. n.º 198/11.2GAPTB-J.G1, disponível em www.dgsi.pt.
Ou seja, o perigo de continuação da atividade criminosa verifica-se sempre que existam factos ou circunstâncias, que não sejam simplesmente conjeturais, donde resulte que, em face da personalidade do arguido e circunstâncias dos factos, seja formulado um juízo de prognose que aponta com forte probabilidade para a prática de novos factos ilícitos penais.
No presente caso, afigura-se-nos intenso o perigo que os arguidos reincidam na prática de novos factos criminosos dolosos e violentos, contra a liberdade e autodeterminação sexual, em particular de mulheres, dada a personalidade manifestamente violenta destes sujeitos e revelada nos factos aqui em investigação, indiferentes às consequências dos seus comportamentos, ao sofrimento físico e emocional causado, praticando tais atos no interior da residência da vítima (onde esta se deveria sentir segura), em superioridade numérica e munidos de arma de fogo (colocando-a em absoluta posição de incapacidade de oferecer resistência e solicitar ajuda), demonstrativa de um total desrespeito e insensibilidade do valor da vida humana de terceiros, em especial de mulheres, receia-se que este voltem a praticar novos atos e idênticos, não controlando os seus institutos sexuais sobre novas vítimas.
Pese embora os arguidos, nesta sede, tenha declarado factualidade que poderia ser indiciadora de uma integração familiar, a verdade é que tal situação já era preexistente à data dos factos que aqui se apreciam e não foi inibidora e/ou suficientemente dissuasora que os arguidos os praticassem.
Dada a personalidade criminógena dos arguidos, revelado nos factos em apreço, também se entende existir perigo de perturbação do decurso do inquérito, designadamente, através do contacto com a ofendida e testemunha menor nos presentes autos, fazendo perigar não só a aquisição de nova prova como pôr em causa a prova já adquirida. Receia-se, assim, fortemente, que os arguidos possam, por qualquer meio e principalmente caso se encontrem em liberdade, sem qualquer privação de meios e de movimentos, que intimidem principalmente a ofendida HH, ameaçando-a com a prática de crime, como já aconteceu, bem como influenciem o menor KK (que pela sua idade é uma testemunha especialmente vulnerável), para que, em momento posterior, mormente, em fase de julgamento, faltem à verdade.
Perante o descrito panorama fáctico, a única medida que permitirá acautelar tais receios é a imposição aos arguidos de medida cautelar detentiva, que no caso em apreço se impõe ser a de prisão preventiva.
Entende-se que nenhuma outra medida de coação se revela adequada às fortes exigências cautelares que se fazem sentir, inclusivamente revela-se insuficiente a medida de coação de obrigação com permanência na habitação, ainda que fosse complementada com recurso a vigilância eletrónica. Dada a personalidade criminógena dos arguidos, revelada nos factos aqui em discussão, entende-se que existirá uma dificuldade intrínseca ao confinamento ao espaço habitacional, como cumprimento de medida de coação imposta, bem como não será suficientemente inibidora da pressão que possam vir a fazer sobre a ofendida e testemunha, nos moldes acima referidos, com livre acesso, entre o mais, a telecomunicações.
Ainda se dirá que a medida de obrigação de permanência em habitação, ainda que complementada com meios de vigilância eletrónica, se afigura manifestamente desadequada (dada a gravidade do ilícito) e insuficiente (até porque o bairro onde os arguidos residem é o mesma onde ocorreram estes factos e onde a vítima igualmente habita), e desproporcional à gravidade dos factos em apreço, não permitindo acautelar de modo eficaz o forte perigo de continuação da atividade criminosa que se faz sentir, e, em particular, com a vítima destes autos.
Pelo exposto, determino que os arguidos AA, BB e CC, continuem a aguardar os ulteriores termos do processo sujeito a:
- termo de identidade e residência, já prestado; e a
- prisão preventiva,
ao abrigo do disposto nos artigos 191º a 193º, 196º, 202º, nº 1, alíneas a) e b) e 204º, alíneas b) e c), todos do Código de Processo Penal,
*
Cumpra-se o disposto no artigo 194º, nº 10 do Código de Processo Penal.
Emitam-se os competentes mandados de condução dos arguidos ao estabelecimento prisional.
Comunique o teor da presente decisão ao ... e aos serviços prisionais.(…) (fim de transcrição).
III.2. O arguido CC é portador de perturbação do desenvolvimento cognitivo e marcado deficit do controlo dos impulsos, doença do capítulo X da Tabela Nacional de Incapacidades, grau IV, Perturbações funcionais importantes, com acentuada modificação dos padrões de actividade diária, sendo seguido em consulta de psiquiatria.(cfr. docs. Juntos aos presentes autos com o ofício de .../.../2025 e juntos aos autos principais em .../.../2025).
III.3. O Tribunal recorrido procedeu ao reexame da prisão preventiva em .../.../2025 determinando a manutenção dessa medida de coação aplicada aos Arguidos AA, BB e CC, abrigo das disposições conjugadas dos artigos 191º, 193º, 196º, 202º, nº 1, alíneas a), e 204º, e 213º, nº 1, al. a), todos do Código de Processo Penal.
***
IV. FUNDAMENTOS DO RECURSO E RESPECTIVA APRECIAÇÃO:
Apreciando:
Questão prévia:
IV.1. Da junção, pelo arguido CC, de novos documentos com o recurso.
Vem o referido arguido juntar, no requerimento de interposição de recurso, 4 documentos, alegando com a sua junção que:
17 - É portador de deficiência, com um grau de 60% de incapacidade, conforme atestado médico de incapacidade, datado de .../.../2022 . – Doc. 1;
18 – É acompanhado em consulta de psiquiatria por défice cognitivo, alteração do comportamento e défice de aprendizagem desde a infância e habitualmente medicado com ... e ..., conforme atestado de doença, datado de .../.../2025. Doc. 2
19 - Sofre de perturbação do desenvolvimento cognitivo e marcado deficite do controlo dos impulsos sendo acompanhado medicamente e assistido, em Psiquiatria, desde ..., no ..., conforme relatório médico, datado de .../.../2025. – Doc.4
20 - Apresenta marcada dificuldade na realização de muitas das actividades de vida diária, para as quais necessita do auxílio de 3ª pessoa, conforme relatório médico, datado de .../.../2025. – Doc. 4
21 - Não apresenta, de forma permanente, condições para o adequado desempenho de actividades profissionais. - conforme relatório médico, datado de .../.../2025.- Doc. 4
22 - Seguindo tratamento regular e adequado conforme Boletim de Tratamento. – Doc. 3
23 - A situação pessoal e clínica do arguido conforme alegado e demonstrado documentalmente, exigem, a nosso ver, uma ponderação séria sobre a situação processual do ora arguido.
24 - É pertinente, ajustado e adequado a realização de uma perícia médico legal para efeito de determinar eventual inimputabilidade do arguido, nos termos do disposto no Artº 20º do Código Penal e Artºs 151º,159º, nºs 6, 7, do Código de Processo penal, com vista a apurar se o arguido sofre de alguma anomalia psíquica que possa justificar o juízo de inimputabilidade ou de imputabilidade diminuída, por se suscitar fundadamente, a inimputabilidade ou a imputabilidade diminuída do arguido, atendendo a toda a informação clínica dos autos. Doc.s 1 a 4.
É pacífico, na doutrina e na jurisprudência que os recursos estão configurados no nosso sistema processual penal como remédios jurídicos, visam apenas modificar as decisões recorridas e não criar novas decisões sobre matérias ou questões novas que não foram, nem podiam ter sido, suscitadas ou conhecidas pelo tribunal recorrido salvo se isso for cometido oficiosamente pela lei. (cfr. Vinício Ribeiro, Código de Processo Penal- Notas e Comentários, Coimbra, 2008, com abundantes referências doutrinais e jurisprudenciais, págs. 848-849)
Em recurso, o que se decide são questões específicas, delimitadas e concretas que tenham já sido objeto de decisão anterior pelo tribunal a quo e que o interessado pretende ver reapreciadas / reavaliadas pois, o objecto do recurso ordinário é apenas e só a sindicância da decisão impugnada, como decorre, com meridiana clareza, dos art.ºs 399.º, 401.º, 402.º, n.º1 e 403.º, do CPP.
Na verdade, a via recursiva não existe para criar e emitir decisões novas sobre questões novas, mas sim impugnar, reapreciar e, eventualmente, modificar as decisões do Tribunal recorrido, sobre os pontos questionados e dentro dos mesmos pressupostos em que se encontrava o Tribunal a quo no momento em que a proferiu.
Citam-se, com conformidade e a título de exemplo os seguintes acórdãos disponíveis em www.dgsi.pt, transcrevendo-se as partes dos sumários pertinentes:
-Do STJ de 07-07-2016, processo 156/12.0TTCSC.L1.S1:
I – Não é lícito invocar nos recursos questões que não tenham sido objecto de apreciação da decisão recorrida, pois os recursos são meros meios de impugnação das decisões judiciais pelos quais se visa a sua reapreciação e consequente alteração e/ou revogação.
-Do STJ de 29-01-2025, processo 738/20.6T9TVD.L1.S1:
IV – Não se suscitando junto do Tribunal de segunda Instância, determinada questão ou questões, configura inovatória posição, a(s) submeter à apreciação deste STJ, um aspeto que não levou à ponderação daquele Tribunal pois, sendo certo que pode o recurso ter como fundamento quaisquer questões de que pudesse conhecer a decisão recorrida, por norma, não pode o mesmo ter outros que, por opção do recorrente foram excluídos do conhecimento na decisão em apreciação.
V - O recurso, como meio de impugnação de uma anterior decisão judicial apenas pode ter como objeto questões que tenham sido anteriormente apreciadas, não podendo confrontar-se o Tribunal ad quem com questões novas, salvo aquelas que sejam de conhecimento oficioso
-Do TRP 09-10-2023 proc. 6263/18.8T8PRT.P 1:
I - Os recursos, como meio de impugnação de uma anterior decisão judicial, em termos gerais, apenas, podem ter como objecto questões que tenham sido anteriormente apreciadas, não podendo confrontar-se o Tribunal “ad quem” com questões novas, salvo aquelas que são de conhecimento oficioso.
II – Ou seja, os recursos não visam criar e emitir decisões novas sobre questões novas (excepto se forem de conhecimento oficioso), mas impugnar, reapreciar e, eventualmente, modificar as decisões do Tribunal recorrido, sobre os pontos questionados e “dentro dos mesmos pressupostos em que se encontrava o Tribunal “a quo” no momento em que a proferiu.
- A Acórdão do TRG de 08-10-2020 4261/12.4TBBRG-A.G1.S1
I - Os recursos são meios a usar para obter a reapreciação de uma decisão mas não para obter decisões de questões novas, isto é, de questões que não tenham sido suscitadas pelas partes perante o tribunal recorrido.
II - As questões novas não podem ser apreciadas, quer em homenagem ao princípio da preclusão, quer por desvirtuarem a finalidade dos recursos: destinam-se a reapreciar questões e não a decidir questões novas, por tal apreciação equivaler a suprir um ou mais graus de jurisdição, prejudicando a parte que ficasse vencida.
(cfr. ainda, entre muitos outros, os seguintes Acs. da Rel. do Porto de 9-12-2004, proc.º n.º 0415010 da Rel. de Évora de 03/11/2015, P. 51/11.0PAMRA.E3, da Rel. de Lisboa processo 1339/24.5PBCSC-A.L1-5 de 17/06/2025 relator Rui Poças, , 08 Fevereiro 2000 0076737 Relator Ponce LEÃO Ac. STJ de 24-05-2006, Relator Sousa Fonte e de 22-06-2004 FERREIRA GIRÃO em www.dgsi.pt).
Na verdade, «Se a Relação atendesse ao conteúdo dos documentos agora juntos, não formularia um juízo sobre a justeza da decisão recorrida, considerando os elementos ao dispor do tribunal a quo, mas estaria a proferir decisão nova sobre a questão» (Acórdão do Tribunal da Rel. do Porto de 9-12-2004, proc.º n.º 0415010).
Por isso, tirando os docs. 1 e 4 que já constam dos autos principais, o arguido juntou os docs. 2 e 3, que terão que ser desconsiderados porque não se encontravam nos autos aquando da prolacção do despacho de aplicação das medidas de coacção sob recurso e este Tribunal ad quem não pode apreciar elementos de prova que o tribunal recorrido não teve oportunidade de avaliar.
Como consequência da inadmissibilidade da junção de documentos em sede de recurso, as conclusões de recurso que incidam sobre esses documentos não são atendíveis, por diretamente versarem sobre o conteúdo dos anteditos documentos (cfr., neste sentido, o Ac. da Rel. de Évora de 03/11/2015, P. 51/11.0PAMRA.E3 em www.dgsi.pt).
Caso o recorrente pretenda obter a alteração/substituição da medida de coacção, com base nos aludidos documentos, o meio processual adequado é o requerimento de alteração do estatuto coactivo do arguido, nos termos dos art.ºs 212.º e 213.º, do CPP.
Veja-se a propósito o recente Acórdão do Tribunal da Relação de Lisboa de 17/06/2025, proc. 1339/24.5 PBCSC-A.L1-5, Relator Rui Poças:
“I – O recurso do despacho que aplica medidas de coação tem em vista apreciar a situação de facto analisada nesse despacho, por forma a verificar a sua conformidade com a lei. Pretendendo o recorrente obter a alteração da medida de coação, com base em documentos que não foram apresentados no primeiro interrogatório judicial de arguido detido ou em factos supervenientes, o meio processual adequado é o requerimento de alteração da medida dirigido ao tribunal que a aplicou e não o recurso.”
Assim sendo, constituindo os documentos 2 e 3, prova nova, não conhecida e ao dispor do Tribunal a quo aquando da prolacção do despacho revidendo, não serão considerados no presente recurso.
IV.2. Da (in) verificação de forte indiciação da prática pelos 3 arguidos, em coautoria, do crime de violação agravada p. e p. pelos arts. 164.º, n.º 2, als. a) e b), e 177.º, n.ºs 4 e 7, do Código Penal e 86.º, n.º 3, da Lei nº 5/2006, de 23 de fevereiro, por referência ao seu art. 2.º, n.º 1, al. az); da prática pelo arguido AA, em autoria material, e concurso real e efectivo do crime de coação agravada tentada, p. e p. pelos arts. 154.º, n.º 1, e 155.º, n.º 1, als. a) e c), 22.º, 23.º, n.ºs 1 e 2, 72.º, n.º 1, 73.º, n.º 1, al. a), e 41.º, n.º 1, 1.ª parte, do Código Penal, por referência ao seu art. 131.º e da prática pelo arguido BB, em concurso real e efectivo, do crime de detenção de arma proibida p. e p. pelo art. 86.º, n.º 1, c), da Lei nº 5/2006, de 23 de Fevereiro, por referência aos seus arts. 2.º, n.º 1, al. az), 3.º, n.ºs 1 e 4, al. a), e 6.º e do crime de devassa da vida privada p. e p. pelo art. 192.º, n.º 1 al. b), do Código Penal e que determinaram a aplicação da medida de coacção de prisão preventiva;
A Juíza de Instrução considerou fortemente indiciada a prática da factologia constante do despacho de aplicação das medidas de coação, de acordo com a motivação que do mesmo consta a qual considerou integrar os crimes igualmente dele constantes, (cuja qualificação jurídico-penal não foi posta em causa pelos arguidos), com respeito pelo que preceitua o art.º 194.º, n.º 6, do CPP, que exige que “A fundamentação do despacho que aplicar qualquer medida de coação ou de garantia patrimonial, à excepção do termo de identidade e residência, contém, sob pena de nulidade:
a) A descrição dos factos concretamente imputados ao arguido, incluindo, sempre que forem conhecidas, as circunstâncias de tempo, lugar e modo;
b) A enunciação dos elementos do processo que indiciam os factos imputados, sempre que a sua comunicação não puser gravemente em causa a investigação, impossibilitar a descoberta da verdade ou criar perigo para a vida, a integridade física ou psíquica ou a liberdade dos participantes processuais ou das vítimas do crime;
c) A qualificação jurídica dos factos imputados;
d) A referência aos factos concretos que preenchem os pressupostos de aplicação da medida, incluindo os previstos nos artigos 193.º e 204.º”.
Fazendo-o em linha com o disposto no n.º5 do art.º 97.º, do CPP que “Os actos decisórios são sempre fundamentados, devendo ser especificados os motivos de facto e de direito da decisão.”
O conceito de “fortes indícios” da prática de determinado tipo de ilícito, como requisito das medidas de coação proibição e imposição de condutas, prisão preventiva e da obrigação de permanência na habitação com vigilância electrónica (art.ºs 200.º a 202.º do CPP), aponta para um grau de medida que apenas se alcança por referência ao que a lei estatui quanto ao que sejam “indícios suficientes”, verificando-se estes “sempre que deles resultar uma possibilidade razoável de ao arguido vir a ser aplicada, por força deles, em julgamento, uma pena ou uma medida de segurança” (artigo 283.º, n.º 2 do CPP).
Neste sentido, os “fortes indícios” que aqui se discutem terão que corresponder a uma alta probabilidade de ao sujeito, por força deles, vir a ser aplicada uma pena.
No entanto, o grau de exigência probatória para o qual remete o conceito é inferior ao da comprovação para além da dúvida razoável exigido para o juízo de condenação, assentando antes numa base indiciária em que, considerando os elementos de prova disponíveis no momento da aplicação da prisão preventiva, é possível “formar a convicção sobre a maior probabilidade de condenação do que de absolvição”.
E porque de um juízo provisório se trata, uma vez que se baseia nos elementos disponíveis num determinado momento do processo, está naturalmente sujeito a alterações decorrentes da investigação subsequente que poderá resultar em novos elementos que probatoriamente sustentem um outro sentido.
Assim, a requerida existência de fortes indícios não significa a exigência de uma comprovação categórica e sem dúvida razoável, portanto, da formação do grau de convicção exigível para a condenação, antes impõe que os elementos de prova disponíveis no momento da aplicação da medida, suportem a convicção, objectivável, de ser maior a probabilidade de futura condenação do arguido, do que a da sua absolvição (Germano Marques da Silva, Curso de Processo Penal, II, 3ª Edição, 2002, Editorial Verbo, pág. 262, Figueiredo Dias, Direito Processual Penal, Coimbra Editora, 1ª Edição, 1974, Reimpressão, pág. 133, Simas Santos e Leal Henriques, Código de Processo Penal Anotado, Rei dos Livros, Volume I, 3ª Edição, 2008, pág. 1270).
Embora não totalmente equivalentes, o conceito de fortes indícios para efeitos de aplicação das referidas medidas de coacção e o conceito de indícios suficientes a que apela o art. 283º, nº 2 do C. Processo Penal, ambos apontam uma sólida indiciação no sentido de futura condenação, distinguindo-os o ‘tempo’ de cada um, isto é, o momento da decisão no processo, sendo certo que, os mesmos indícios probatórios podem ser suficientes para concluir pela existência de fortes indícios da prática do crime, no âmbito da aplicação da medida de coacção, e insuficientes para permitirem a dedução da acusação. (cfr. Tiago Caiado Milheiro, Comentário Judiciário do Código de Processo Penal, obra colectiva, Tomo III, 2021, Almedina, pág. 342).
A qualificação dos indícios como “fortes”, deve exigir sempre do decisor uma rigorosa ponderação dos elementos de prova disponíveis, mas depende também sempre, do concreto momento processual em que essa ponderação é feita e dos elementos disponíveis nesse momento, pelo que pode modificar-se, na sequência do desenrolar da investigação, seja pela aquisição de novos elementos, seja pela degradação dos elementos primeiramente colhidos.
Veja-se, neste sentido parte do sumário do Acórdão do Tribunal da Relação de Coimbra de 22-02-2023, processo 1142/22.7JACBR-B,C1, Relator VASQUES OSÓRIO, in www.dgsi.pt.
“I – Os fortes indícios, das alíneas a) a e) do nº 1 do art. 202º do C.P.P. não equivalem a comprovação categórica e sem dúvida razoável, exigível para a condenação, antes significam que os elementos de prova disponíveis no momento da aplicação da medida suportam a convicção, objectivável, de ser maior a probabilidade de futura condenação do arguido do que a da sua absolvição, ou, noutra formulação, quando deles seja possível inferir como altamente provável a futura condenação do arguido ou, pelo menos, como mais provável, a condenação do que a absolvição ou, ainda, quando impliquem a existência de uma base factual consistente que permita seriamente inferir a possibilidade da condenação.
II – O conceito de fortes indícios é equivalente ao conceito de indícios suficientes, do art. 283º, nº 2 do C.P.P., pois ambos assentam numa sólida indiciação de futura condenação, distinguindo-os o momento da decisão no processo.
III – A qualificação dos indícios como fortes, para além da rigorosa ponderação dos elementos de prova disponíveis, depende também do concreto momento processual em que essa ponderação é feita e dos elementos disponíveis nesse momento, podendo essa qualificação modificar-se na sequência do desenrolar da investigação, seja pela aquisição de novos elementos, seja pela degradação dos elementos primeiramente colhidos.
IV – Os mesmos indícios probatórios podem ser suficientes para concluir pela existência de fortes indícios da prática do crime no âmbito da aplicação da medida de coacção e insuficientes para permitirem a dedução da acusação.
V –(…)”
A Exma. JIC em sede de despacho e respectiva fundamentação, considerou que:
“Tal factualidade resulta das declarações dos arguidos em cotejo com os elementos de prova carreados para os autos e identificados pelo Ministério Público, sob a referência Citius ..., ou seja: relatório de perícia médico-legal de fls. 37-38v.; auto de exame e correspondente relatório fotográfico de fls. 176-179; auto de denúncia de fls. 13-13v.; “comunicação de notícia de crime” de fls. 16; prints juntos a fls. 56-56v., 58-58v. e 59-59v.; auto de apreensão de fls. 61-61v., relatório fotográfico de fls. 65-69; informações e elementos fornecidos pela ... de fls. 74-77; informação do ... de fls. 102-102v.; certidão de assento de nascimento de fls. 104-105v.; autos de busca e apreensão e respetivo relatório fotográfico de fls. 160-166; autos de inquirição da ofendida HH, id. a fls. 47, e da testemunha KK, id. a fls. 187 - para cujo teor se remete e aqui se reproduzem.
Nesta sede, interrogados os três arguidos, cada um apresentou uma versão distinta dos factos, seja quanto aos acontecimentos propriamente ditos, seja quanto à sua dinâmica e contextualização – o que necessariamente fragiliza a credibilidade do por si relatado, além do modo evasivo, contraditório e incongruente com que cada uma das declarações foram prestadas.
Em comum com as três versões apresentadas, é o reconhecimento pelos três arguidos (bem como da testemunha KK) terem estado no interior da residência de HH; de HH ter manuseado o pénis do arguido CC o colocado dentro da sua boca e o chupado, fazendo movimentos de vai e vem, durante minutos.
Negando os arguidos, na sua essência e de modo global, os demais factos imputados – à exceção do arguido BB que veio a confessar a gravação dos atos sexuais descritos no artigo 18º do despacho de apresentação para 1º interrogatório dos arguidos detidos, sem o consentimento de HH, bem como de ter exibido a filmagem junto de terceiros.
Os arguidos AA e BB (acompanhados do “miúdo de 12 anos”) relataram o motivo que se haviam dirigido à residência de HH (por terem ouvido que o arguido CC estaria a ter relações sexuais com HH – conhecida no bairro, como sendo prostituta), apresentando como desculpa para ali entrarem de que o arguido AA pretendia levar um colchão que era seu (que não o levaram, sendo apenas o pretexto para a porta ser aberta) e assim verificarem a informação que acabavam de “ouvir dizer”.
O arguido AA afirmou que após ter entrado na residência de DD (cuja porta do exterior foi por esta aberta), aquela se dirigiu para um dos quartos, tendo o miúdo de 12 anos aberto a porta deste quarto, tendo os três visto DD ajoelhada a fazer sexo oral a CC – sendo que o arguido BB veio a afirmar, de modo distinto, que quem abriu a porta do quarto foi o próprio e não o menor, que não terá visto os factos.
Referiu o arguido AA que após terem presenciado os factos, foram de imediato embora. No entanto, mais à frente das suas declarações, veio a referir que ali permaneceram cerca de 4 minutos a observar, mas depois, apresenta nova versão, de que teriam sido segundos.
O arguido AA nega ter filmado, bem como afiançou não ter visto se alguém o fez, porque dali se ausentaram – contudo, o arguido BB confessou a dita filmagem e quando estava com aquele arguido, motivo pelo qual não lhe era possível não se ter apercebido de tal facto, tendo sido usada a lanterna para iluminar o espaço, que aqui nega.
O arguido BB declarou que após ter sido o próprio a empurrar a porta do quarto de DD, tendo estado o arguido declarante e o arguido AA, durante 5 a 6 minutos, junto ao quarto desta a ver DD praticar sexo oral - “broche” (sic) - a CC; tendo o arguido gravado parte do ato em si (cuja gravação teve a duração de 10 segundos – e sem consentimento da ofendida) e com o intuito de posteriormente, poder mostrar a terceiros, o que aconteceu.
Por seu turno, o arguido CC relatou ter sido abordado, no Café, por HH que lhe perguntou se queria um “broche” por € 20, o que o arguido aceitou, pagou e dirigiu-se à residência daquela para aquele efeito, onde aquela lhe praticou sexo oral - “um broche”, “bico” (sic) –, o que teve a duração de cerca de 30 minutos.
Afirmou que quando estava a vestir as calças, surgiram os arguidos AA e BB à porta da residência, a dizer que iam levar o colchão, e entraram em casa (o que ouviu, e não viu).
De modo frontalmente contraditório ao declarado pelos anteriores arguidos, asseverou o arguido CC que aqueles não estiveram no quarto onde este estava, que até se escondeu a um canto para não ser visto por aqueles. Acrescentou que DD após ter aberto a porta de entrada aos arguidos, dirigiu-se à cozinha, tendo o arguido permanecido sozinho no quarto, só se ausentando dali quando os arguidos dali saíram, com o colchão (mas sem certeza).
Acrescentou que DD ainda o questionou se queria mais, tendo o arguido respondido “talvez sim, talvez não” (sem, contudo, terem existido novos atos sexuais), mas que tal teria ocorrido após os arguidos já se terem ausentado de casa.
O motivo relatado pelo arguido AA e por BB de se terem deslocado à residência de HH, para indagarem da veracidade do que tinham acabado de ouvir dizer (de que o arguido CC estaria a ter relações sexuais - pela primeira vez e por ser um “menino especial”, como qualificado pelo arguido AA) é inverosímil, porquanto mostra-se desprovido de lógica o interesse tão pessoal destes arguidos em confirmarem tal informação, ao ponto de querem ver e presenciarem in loco CC a ter relações sexuais. E como se não bastasse, para confirmarem a veracidade do que tinham ouvido dizer, não só assistindo (e por vários minutos – como se uma fração de segundos, nas descritas circunstâncias, não fosse por si só suficientemente esclarecedora) a prática dos atos sexuais que aquele praticaria com terceira pessoa, como o arguido BB ainda decidiu gravar tais atos (como confessou, sem o consentimento dos visados) – não só permanecendo na memória humana, como na memória do telemóvel, para posteriormente exibir o vídeo a terceiros (como este arguido confessou).
Além das declarações dos arguidos, há que atender, no entanto e entre o mais, à descrição da factualidade efetuada pela ofendida HH, documentada no respetivo auto de inquirição, localizando os factos no tempo e no espaço, descreveu, e de modo bastante detalhado, a violência sexual que contra si foi exercida (os vários sexuais a que foi sujeita, nomeadamente, com penetração de objeto na sua vagina; a introdução de pénis na sua boca), inclusivamente sob ameaça de arma de fogo; a gravação dos atos sexuais, com recurso a telemóvel, sem o seu consentimento e contra a sua vontade; pormenorizou a atuação individualizada e em conjunto de cada um dos agentes; o medo por esta sentido; identificou, sem dúvidas, os respetivos indivíduos, até por bem os conhecer; as ameaças sofridas para que a mesma não relatasse os atos por si sofridos – em estrita conformidade com a factualidade que se mostra imputada aos arguidos.
A ofendida foi sujeita a perícia médico-legal e cujo relatório se encontra a fls. 37-38v.. Não obstante não terem sido detetadas, quando submetida a exame, a existência de lesões traumáticas, na região vulvar, tal como descrito naquele relatório o facto de tal não ter sido detetado “não invalida a possibilidade de ocorrência dos factos alegados, tendo em conta o tipo de práticas sexuais referidas e o tempo decorrido entre o evento em apreço e a realização do (…) exame médico-legal” (fls. 38). Não se olvidando que a ofendida alega ter sido utilizado em si um produto lubrificante, tal poderá justificar a ausência de evidência de lesões vulvares.
No entanto, ali foram detetadas múltiplas equimoses na face anterior da coxa esquerda ma mesma (a maior com 2 cm. de diâmetro e a menor infra-centimétrica) que “terão resultado de traumatismo de natureza contundente, o que é compatível com a informação” (fls. 38) – e com o relato da ofendida de, com recurso à força física, ter sido forçada a abrir e a manter abertas as pernas, não obstante a sua resistência física e as tentativas que esta foi fazendo, sem sucesso, no sentido de fechar as pernas e de se libertar do arguido BB.
Na residência de um dos arguidos (do arguido CC) veio a ser apreendida arma de fogo – cfr. auto de busca e apreensão de fls. 157, 160 e 177 - cujas características da mesma não difere das que foram descritas pela ofendida como tendo sido a contra si utilizada, sob ameaça, para não resistir aos atos de violência física e de violência sexual que foi sendo sujeita e aqui sob apreciação.
Ainda de especial relevância é o depoimento prestado pela testemunha KK, a fls. 187, que revelou conhecimento direto dos factos aqui em discussão por os ter, no mínimo, presenciado. Não obstante o depoimento desta testemunha ter sido inicialmente hesitante e negando o seu conhecimento/envolvimento nos factos aqui em discussão, acabou por afirmar que os aqui arguidos entraram na residência de DD e sem ser a convite desta; pormenorizou alguns dos atos sexuais sobre esta praticados; o visível estado emocional em que a mesma se encontrava após a prática dos factos (revelador que não teria sido de acordo com a sua vontade); que aqueles teriam sido contra a sua vontade e de que teria sido obrigada a tal; bem como a filmagem dos atos sexuais e com recurso ao seu telemóvel.
Do depoimento prestado por esta testemunha, a fls. 187 e ss., salienta-se que este declarou – e referindo-se ao arguido AA pelo alcunha pelo qual é conhecido (como ...) – que:
“quando entrámos, eu sei que eles foram buscar - um dos meus primos, um deles - não sei o quê, acho que um creme e foi o ..., acho que à cozinha, e foram para um quarto com a senhora, e pediram-me o telemóvel, eu dei-lhes…” (sic);
“eles queriam que a senhora fizesse alguma coisa com o DDD), disseram que ela chupasse a pila do EEE” (sic);
“mas eu acho que ela não queria, ela ficou assustada quando entrámos” (sic);
a senhora “que fechou logo a porta assim que saímos, acho que ela estava triste. E é normal ela não ter gostado… talvez tenha sido obrigada a fazer alguma coisa. E daí tenha ficado triste e zangada” (sic);
que “o que se passou com a senhora foi grave” (sic).
Pelo exposto, concatenados os elementos probatórios, pelo teor e natureza da prova careada para os autos, conclui-se que a mesma aponta, fortemente, para a autoria pelos arguidos dos factos denunciados e imputados pelo Ministério Público.
A Exma. JIC considerou que os indícios da prática pelos arguidos dos crimes em causa, são fortes, com base nas declarações da ofendida e da testemunha KK, bem como da conjugação de toda a prova já constante, a essa data, do inquérito. Fazendo uma análise critica e exaustiva da prova, a Exma. JIC explicou porque valorou as declarações da ofendida que lhe mereceram credibilidade, em detrimento das dos arguidos que negaram a prática dos factos que integram os crimes fortemente indiciados.
Considerando os elementos probatórios constantes dos autos, atendidos pela JIC, podemos concluir pela “forte” indiciação mencionada no despacho de aplicação das medidas de coacção, atendendo para tanto nos elementos do processo, indicados na promoção do Ministério Público de apresentação a primeiro interrogatório judicial, que entendeu sustentarem a indiciação forte dos factos imputados, sendo o crime de violação agravada praticado em coautoria, e que foram comunicados ao arguido no interrogatório, nos termos do disposto no artigo 194.º, n.º 7 do CPP.
Na verdade, considerando, em especial, o depoimento da ofendida realizado no dia .../.../2025, perante a Polícia Judiciária, vemos que a mesma descreve com detalhe e clareza os factos indiciados de que foi vítima, contextualizando temporal e espacialmente os mesmos, identificando os seus autores. (ver auto de inquirição junto a estes autos na sequência de solicitação à primeira instância, em .../.../2025).
A testemunha KK, igualmente prestou declarações perante a Polícia Judiciária no dia .../.../2025, conforme auto de inquirição junto a estes autos, em .../.../2025, do qual resulta que a mesma confirma que os arguidos entraram na casa da ofendida, estiveram no quarto dela, pormenorizou alguns dos actos sexuais sobre esta praticados, o estado emocional em que a mesma se encontrava após a prática dos factos (revelador que não teria sido de acordo com a sua vontade); que aqueles teriam sido contra a sua vontade e de que teria sido obrigada a tal; bem como a filmagem dos actos sexuais e com recurso ao seu próprio telemóvel, referiu mesmo que "eles queriam que a senhora fizesse alguma coisa com o DDD), disseram que ela chupasse a pila do EEE,, (sic). Como o declarante estava no corredor na ocasião, logrou espreitar e viu para dentro do quarto "eles estavam a fazer aquilo que eu disse, vi o DDD) com as calças abaixadas e a senhora estavas ao pé dele, não a vi bem mas estava vestida... eu sei que…eu sei que não se devia fazer o que eles estavam a fazer. Estavam-na a filmar e não sei qual deles foi, mas estavam perto deles, eles estavam de costas para mim" (sic). Questionado, diz não ter escutado sequer a voz da senhora, desconhecendo se tais atos tenham sido perpetrados contra a sua vontade "mas eu acho que ela não queria, ela ficou assustada quando entrámos" (sic)... apesar dela ter aberto a porta quando um dos seus primos bateu à porta, nunca os convidou a entrar, tendo todo o grupo entrado sem o seu convite ou anuência… Não se recorda de ter escutado e/ou visto algum dos seus primos dizer/sugerir/ordenar que a esfregona ou outro artigo fosse utilizado para penetrar vaginalmente a senhora, supondo que tal fosse possível "porque vi um deles a mexer no cabo da esfregona, eu estava ao pé da porta, ao lado do quarto" (sic)… Não se recorda de quem decidiu abandonar o apartamento, sendo certo que saíram todos juntos, menos a senhora "que fechou logo a porta assim que saímos, acho que ela estava triste' E é normal ela não ter gostado... talvez tenha sido obrigada a fazer alguma coisa' E daí tenha ficado triste e zangada" (sic). Desde logo percebeu que algo de errado se havia passado naquela ocasião e que o que acontecera havia transtornado a senhora. Quando saíram os quatro do apartamento, os seus primos, ..., e BBB, já na rua, fizeram questão de lhe voltar a pedir o telemóvel, a fim de lhe exibirem um vídeo de curta duração "só uns segundos, disseram -me para eu ver e eu vi, (sic), no qual figurava "a senhora a chupar a pila ao DDD). Via-se a cara da senhora e a cara do EEE" (sic) tendo pedido àquele para eliminar o vídeo do seu telemóvel para evitar problemas "não queria ter aquilo no meu telefone" (sic), não sabendo se o partilhou antes disso com terceiros. Sobre se tem conhecimento de outras pessoas que tenham visualizado tal vídeo para além deles os quatro, diz não saber, sendo certo que, a ter sido partilhado, não foi com a sua concordância "porque não achei aquilo correto e não me senti bem. Porque se eles fossem mulheres, também não iam gostar'(sic). ---- Justifica que inicialmente na presente inquirição se mostrou relutante em contar tudo aquilo que testemunhara e sabia porque "eu tinha medo de incriminar os meus primos" (sic), negando que estes o tenham ameaçado ou dado instruções para manter segredo. Contudo, e até porque também a si estes factos lhe causaram desconforto, optou por revelar a verdade e contar tudo aquilo que sabe acerca do sucedido, estando convicto que "o gue se passou com a senhora foi grave" (sic).
Ainda que a perícia médico-legal e cujo relatório se encontra a fls. 37-38v não tenha confirmado a existência de lesões traumáticas, na região vulvar, tendo em conta o tipo de práticas sexuais referidas, o tempo decorrido entre o evento em apreço e a realização do exame médico-legal, a utilização de um liquido lubrificante, tal poderá justificar a ausência de evidência de lesões vulvares, como referido no exame pericial, além disso foram detetadas no exame pericial múltiplas equimoses na face anterior da coxa esquerda da ofendida. De resto, foi apreendida uma arma ao arguido CC que se indicia ter sido a utilizada na altura dos factos, atentas as suas características, que não difere das que foram descritas pela ofendida como tendo sido a contra si utilizada.
Destarte, analisados os elementos indicados como prova em causa, este Tribunal de Recurso não pode deixar de estar de acordo com o juízo de forte indiciação da Exma. JIC da prática, pelos arguidos recorrentes, dos factos constantes da apresentação pelo Ministério Público e do despacho judicial de aplicação das medidas de coacção.
Do exposto se conclui pela verificação, nesta fase processual, de fortes indícios de prática dos factos que estiveram na base da sua qualificação jurídico-penal realizada pela Juíza de Instrução Criminal, e da apresentação dos arguidos a primeiro interrogatório judicial e da aplicação da medida de coação de prisão preventiva.
Improcede, pois, este segmento do recurso.
IV.3. Da (in) verificação, em concreto, do perigo de perturbação do decurso do inquérito ou da instrução do processo, nomeadamente, para a aquisição, conservação ou veracidade da prova; do perigo, em razão da natureza e das circunstâncias dos crimes ou da personalidade dos arguidos, de que estes continuem a actividade criminosa e perturbem gravemente a ordem e a tranquilidade públicas e que fundaram a aplicação aos arguidos da medida de coacção de prisão preventiva (art.204º nº1 do C.P.P.);
Vejamos:
Os perigos (pericula libertatis) previstos no art.º 204.º, do CPP que justificam e suportam a necessidade de aplicação de quaisquer medidas de coacção ao arguido, têm que se verificar “em concreto”, decorrendo da situação do caso e tem que se verificar “no momento da aplicação da medida”, com actualidade, portanto. Devendo fundar-se em factos extraídos do caso, que inequivocamente fundamentem esses perigos.
“Neste âmbito (das medidas de coacção) impõe-se formular um juízo de prognose em relação a um futuro comportamento do arguido, a partir dos indícios já recolhidos e assente numa “qualificada” probabilidade de verificação das particulares exigências cautelares. Esse Juízo de “prognose” terá necessariamente de encontrar sustentação em realidades tão dispares como a gravidade dos factos indiciados e a moldura penal abstracta aplicável, a forma concreta de actuação, os sentimentos indiciariamente revelados pelo arguido na conduta, o relacionamento e estruturação familiar e afectiva, os meios económicos disponíveis, a existência e natureza de vínculos referentes a actividade profissional, bem como os antecedentes por factos desta natureza (Acórdão TRL de 21.09.2011, proc. n.º 62.11.5PJNT-A.L1, in www.dgsi.pt).
Diferentemente da “fuga”, em relação aos outros perigos, estamos perante um quadro futuro, resultante de um juízo de prognose sobre comportamentos futuros, uma previsão, uma antecipação de acontecimentos futuros, naturalmente incertos mas razoavelmente possíveis. (neste sentido Fernando Gama Lobo, Código de Processo Penal anotado, 4.ª Edição, Almedina, em anotação ao art.º 204.º, do CPP).
Quanto ao perigo de perturbação do decurso do inquérito ou da instrução do processo, e, nomeadamente perigo para a aquisição, conservação ou veracidade da prova (al. b) do art.º 204.º, do CPP) este perigo em abstracto decorre de uma prognose baseada em indícios que permitem supor que o arguido poderá intervir ilicitamente no decurso da instrução do processo, nomeadamente de sabotar a investigação, alterar ilicitamente a aquisição processual da prova, nomeadamente destruindo documentos, sonegando elementos ou produtos do crime, intimidando testemunhas. Tal perigo é maior nas fases preliminares do processo, diminuindo com o decurso do tempo e a realização das diligências probatórias mais importantes, sendo que a manutenção do perigo de perturbação da instrução probatória pode ser justificada pelo tipo de crimes imputados e pela extrema complexidade da investigação. (neste sentido Fernando Gama Lobo, Obra Citada, em anotação ao art.º 204.º, do CPP).
“O perigo de perturbação da instrução probatória do processo é maior nas fases preliminares do processo diminuindo com o decurso do tempo e com a realização das diligências mais importantes; mas a manutenção do perigo de perturbação e da instrução probatória pode ser justificada pelo tipo de crimes imputados e pela extrema complexidade da investigação- Cfr. P. Pinto e Albuquerque, Comentário do Código de Processo Penal (pág. 204)… o inquérito ainda decorre e, resulta dos autos, a investigação também, com outros suspeitos e diligências a decorrer (Ac. TRL de 17.11.2020 proc. 2373/18.0t9BRR-D.L1-5, in www.dgsi.pt, neste sentido também Fernando Gama Lobo, Código de Processo Penal anotado, 4.ª Edição, Almedina, pág. 464).
Entendeu a Exma. JIC quanto aos perigos previstos no art.º 204.º, do CPP:
“Dada a personalidade criminógena dos arguidos, revelado nos factos em apreço, também se entende existir perigo de perturbação do decurso do inquérito, designadamente, através do contacto com a ofendida e testemunha menor nos presentes autos, fazendo perigar não só a aquisição de nova prova como pôr em causa a prova já adquirida. Receia-se, assim, fortemente, que os arguidos possam, por qualquer meio e principalmente caso se encontrem em liberdade, sem qualquer privação de meios e de movimentos, que intimidem principalmente a ofendida HH, ameaçando-a com a prática de crime, como já aconteceu, bem como influenciem o menor KK (que pela sua idade é uma testemunha especialmente vulnerável), para que, em momento posterior, mormente, em fase de julgamento, faltem à verdade. “
Ora, no caso dos autos, encontramo-nos numa fase preliminar do inquérito, em que este perigo é maior e considerando os factos indiciados que estão aqui em causa, entendemos existir um juízo de prognose positivo quanto a este perigo, concordando com o juízo realizado pela Exma. JIC.
Aliás, decorre quer das declarações da ofendida quer da testemunha KK tal juízo de prognose positivo, porquanto a ofendida mencionou já a existência de perseguição, ameaças diárias, pressões, e o receio de represálias, sentindo-se assustada, tendo procedido à junção das mensagens escritas recebidas, assim como do registo de chamadas e números por si bloqueados, na sequência das ameaças sofridas, tendo a testemunha KK, que é menor, revelado ter medo de incriminar os primos.
Existe, assim, a nosso ver, um concreto perigo de perturbação do decurso do inquérito na vertente de perigo para aquisição ou conservação da prova pelos arguidos (art.º 204, al. b) do CPP).
No que respeita ao perigo de continuação da actividade criminosa decorre de uma prognose baseada em indícios que permitem supor que o(s) arguido(s) poderá continuar a actividade ilícita, de que se encontra indiciado, sendo essencial a natureza e as circunstâncias em que o crime ou crimes foram indiciariamente cometidos, sendo a personalidade do(s) arguido(s) importante e revelada na natureza do crime ou crimes praticados.
O perigo de continuação da atividade criminosa decorrerá de um juízo de prognose de perigosidade social do(s) arguido(s), a efetuar a partir de circunstâncias anteriores ou contemporâneas à conduta que se encontra indiciada e sempre relacionada com esta.
Entendeu a Exma. JIC que:
“O perigo de continuação da atividade criminosa não se confunde com a consumação de novos atos criminosos, devendo antes ser aferido em função de um juízo de prognose de perigosidade social do arguido, a efetuar a partir dos factos indiciados e da personalidade por eles revelada – cfr. acórdão do Tribunal da Relação de Guimarães, de 03.03.2014, proc. n.º 198/11.2GAPTB-J.G1, disponível em www.dgsi.pt.
Ou seja, o perigo de continuação da atividade criminosa verifica-se sempre que existam factos ou circunstâncias, que não sejam simplesmente conjeturais, donde resulte que, em face da personalidade do arguido e circunstâncias dos factos, seja formulado um juízo de prognose que aponta com forte probabilidade para a prática de novos factos ilícitos penais.
No presente caso, afigura-se-nos intenso o perigo que os arguidos reincidam na prática de novos factos criminosos dolosos e violentos, contra a liberdade e autodeterminação sexual, em particular de mulheres, dada a personalidade manifestamente violenta destes sujeitos e revelada nos factos aqui em investigação, indiferentes às consequências dos seus comportamentos, ao sofrimento físico e emocional causado, praticando tais atos no interior da residência da vítima (onde esta se deveria sentir segura), em superioridade numérica e munidos de arma de fogo (colocando-a em absoluta posição de incapacidade de oferecer resistência e solicitar ajuda), demonstrativa de um total desrespeito e insensibilidade do valor da vida humana de terceiros, em especial de mulheres, receia-se que este voltem a praticar novos atos e idênticos, não controlando os seus institutos sexuais sobre novas vítimas.
Pese embora os arguidos, nesta sede, tenham declarado factualidade que poderia ser indiciadora de uma integração familiar, a verdade é que tal situação já era preexistente à data dos factos que aqui se apreciam e não foi inibidora e/ou suficientemente dissuasora que os arguidos os praticassem.”
Conforme decorre do despacho de aplicação das medidas de coacção, com o que concordamos, afigurando-se o raciocínio da Exma. JIC de verificação de tal perigo, totalmente lógico, quer em face da actuação fortemente indiciada dos arguidos/recorrentes, quer das circunstâncias em que os factos ocorreram, quer da personalidade violenta, fria e insensível dos mesmos aí evidenciada.
Relativamente ao perigo de perturbação grave da ordem e da tranquilidade públicas, na previsão da al.c) do art.º 204.º, do CPP lê-se o seguinte quanto a ele:
Perigo, em razão da natureza e das circunstâncias do crime ou da personalidade do arguido, de que este continue a atividade criminosa ou perturbe gravemente a ordem e a tranquilidade públicas.” (sublinhado nosso).
Escreve Paulo Pinto de Albuquerque que “Só é relevante o perigo baseado em factos capazes de mostrar que a libertação do arguido poderia efetivamente “perturbar”, isto é, alterar negativamente a ordem publica. Não basta uma mera alteração da ordem, é necessário que essa alteração prejudique, cause dano à ordem pública. A ordem ou tranquilidade “pública” não é a do grupo social a que pertence o arguido ou o ofendido, mas a ordem ou tranquilidade da sociedade em geral” in Comentário do Código de Processo Penal à luz da Constituição da República e da Convenção Europeia dos Direitos Humanos, Volume I, 5.ª Edição Atualizada, pág. 926 e 927.
Para Fernando Gama Lobo “este perigo decorre de uma prognose baseada numa certa compreensão dos fenómenos de massas. Face à natureza do crime indiciado (vg. roubos vários numa pequena comunidade) e às circunstâncias em que foi praticado(…) bem como os antecedentes criminais graves, antecipa-se aqui uma atitude emocional de perturbação popular, susceptível de gerar um efeito negativo no meio envolvente, como sejam a revolta ou a intimidação(…)” in Código de Processo Penal Anotado pág. 465.
Ora, no caso dos autos, a Exma. JIC considerou, quanto a este perigo, que:
“No caso em apreço, há que considerar a extrema danosidade social que o crime de violação e aqui em questão acarreta, a elevada censura penal que lhe corresponde, a sua repercussão social, existindo uma enorme repugnância social deste tipo de ilícito penal, em que a comunidade encara a violação como um crime hediondo, causando um clima de insegurança e intenso medo aos cidadãos que os agentes de tal tipo de ilícito permaneçam livres na sociedade, pelo que se infere de forma clara e evidente pela existência de um real, efetivo e forte perigo de perturbação grave da ordem e a tranquilidade públicas.”
Ora, quanto ao perigo de perturbação da ordem e tranquilidade pública, parece-nos ser o despacho pouco fundamentado, porquanto ainda que se entenda o clima de medo e insegurança decorrentes do tipo de crimes já praticados, porém o juízo de prognose não assenta no perigo de que os arguidos, se libertados, perturbem gravemente a ordem e a tranquilidade públicas, mas sim nos factos indiciados nos autos e na sua repercussão na sociedade em geral, não sendo tal suficiente para o considerar verificado.
Do exposto se conclui pela existência, em concreto, dos perigos do perigo de continuação da actividade criminosa e de perturbação do inquérito na modalidade de aquisição, conservação ou veracidade da prova, que fundaram a aplicação aos arguidos/recorrentes da medida de coacção prisão preventiva.
Assim, igualmente este segmento do recurso haverá que improceder, ainda que um dos perigos não se mostre suficientemente verificado, considerando que não são cumulativos.
IV.4. Se a medida aplicada aos arguidos de prisão preventiva é desproporcional e desadequada; em especial em relação ao arguido CC, atenta a doença de que padece, se se prevê a aplicação do regime especial jovem constante do DL 401/82, se deve ser revogada e substituída por medida de coação não privativa da liberdade.
Examinemos.
As medidas de coacção são meias processuais de limitação da liberdade pessoal e têm por função acautelar a eficácia do procedimento penal, quer no que respeita ao seu desenvolvimento, quer quanto à execução das decisões condenatórias - Germano Marques da Silva, “Curso de Processo Penal”, vol. II, pág. 254.
Sendo a liberdade um bem fundamental constitucionalmente consagrado, as suas limitações terão necessariamente caracter excepcional e, por isso, só serão admissíveis nos estritos termos definidos na lei.
O direito à liberdade Pessoal – liberdade ambulatória- é um direito fundamental da pessoa, proclamado em instrumentos legislativos internacionais e na generalidade dos regimes jurídicos dos países civilizados.
A Declaração Universal dos Direitos Humanos, no artigo III (3º) proclama a validade universal do direito à liberdade individual. Proclama ainda no artigo IX (9º) que ninguém pode ser arbitrariamente detido ou preso.
A Convenção Europeia dos Direitos do Homem/CEDH, no art.º 5º reconhece que “toda a pessoa tem direito à liberdade”. Ninguém podendo ser privado da liberdade, salvo se for preso em cumprimento de condenação, decretada por tribunal competente, de acordo com o procedimento legal.
Como limitações de direitos fundamentais, as medidas de coacção devem obedecer aos requisitos e princípios enunciados no artigo 18.º da CRP, do qual resulta que a lei processual penal sujeita a sua aplicação aos princípios da legalidade, necessidade, adequação e proporcionalidade [bem como da subsidiariedade, no caso da obrigação de permanência na habitação e da prisão preventiva].
O princípio da legalidade ou da tipicidade significa que as medidas de coacção são apenas as que se encontram previstas taxativamente na lei (artigo 191.º, n.º 1 do CPP), sendo certo que, segundo o texto constitucional, só a lei pode restringir direitos, liberdades e garantias (artigo 18.º, n.os 2 e 3 da CRP).
No que diz respeito ao uso dos meios de coação em processo penal, haverá sempre que respeitar os princípios da legalidade (artigos 29º, nº 1, da CRP, e 191º do CPP), excepcionalidade e necessidade (artigos 27º, nº 3 e 28º, nº 2, da CRP, e 193º do CPP), adequação e proporcionalidade (art.º 193º do CPP), como emanação do princípio constitucional da presunção da inocência do arguido, contido no artigo 32°, n° 2 da Constituição.
Neste quadro, é preciso ter bem presente o carácter excepcional das medidas de coacção, perante a restrição que representam nos direitos fundamentais dos cidadãos, direitos esses que resultam do artigo 18º, nº 1 da Constituição da República Portuguesa.
Assim, determina desde logo o art.º 27.º, da CRP, que “ninguém pode ser total ou parcialmente privado da liberdade, a não ser em consequência de sentença penal condenatória”, salvo nos casos definidos nas várias alíneas do seu n.º 3, em que se admite a privação da liberdade, “pelo tempo e nas condições que a lei determinar”, discriminando cada uma das situações em que tal é possível, entre elas constando a “detenção em flagrante delito” e ainda a “detenção ou prisão preventiva por fortes indícios da prática de crime doloso a que corresponda pena de prisão cujo limite máximo seja superior a três anos” (als. a) e b)).
A prisão preventiva constitui, sem dúvida, uma das mais graves restrições à liberdade, razão pela qual o legislador (constitucional e ordinário) teve o especial cuidado de proceder a uma definição rigorosa e clara dos respectivos pressupostos.
Preceitua o art.º 191.º, do CPP que “1. A liberdade das pessoas só pode ser limitada, total ou parcialmente, em função de exigências processuais de natureza cautelar, pelas medidas de coação e de garantia patrimonial previstas na lei”.
Salientando-se o caracter excepcional da prisão preventiva, impôs-se a regra de que esta não deve ser “decretada nem mantida sempre que possa ser aplicada caução ou outra medida mais favorável prevista na lei” estando sujeita aos prazos previstos na lei. (n.ºs 2 e 4 do art.º 28.º, da CRP).
Concretizando tal, definiu o legislador ordinário, nos arts. 191.º e seguintes do CPP, as condições de aplicação das várias medidas de coacção legalmente admissíveis, bem como os respectivos pressupostos, sujeitando-as aos princípios da legalidade (art.º 191.º) - só podem ser impostas as medidas de coacção previstas na lei -, da adequação, da necessidade e da proporcionalidade (art.º 193.º do CPP).
Relativamente à prisão preventiva, o da subsidiariedade, dado que esta só deve ser imposta quando se mostrarem inadequadas e insuficientes as demais medidas menos gravosas, nomeadamente a obrigação de permanência na habitação, conferindo-lhe um estatuto de “ultima ratio” (arts. 193.º, n.ºs 2 e 3 e 202.º, n.º 1, do CPP) (neste sentido Fernando Gama Lobo, Código de Processo Penal Anotado, 4.ª Edição, pág. 428).
É certo, estarmos perante factualidade que não está provada, mas apenas fortemente indiciada, sendo este o circunstancialismo próprio que envolve as condições gerais de aplicação de uma medida de coação, a quem se presume ainda inocente (art. 32º, nº 2 da Constituição da República Portuguesa). Mas por isso mesmo as medidas de coação mais gravosas, para além de temporalmente limitadas, só podem ser aplicadas se a indiciação fáctica for forte e se o ilícito indiciado tiver uma certa gravidade (arts. 200º a 202º do Código de Processo Penal), pressupostos cujo preenchimento aqui estão presentes e sem os quais a restrição de direitos que envolvem não seria tolerável.
Mas, por isso mesmo, requer o legislador a verificação de um conjunto de requisitos para a sua aplicação, seja em termos de força dos indícios, seja em termos de gravidade do ilícito, seja em termos de exigências cautelares, e sempre assumindo-se que é uma decisão precária assente num juízo indiciário, e não uma decisão definitiva baseada num juízo de prova positiva de factos e de culpa pré-formada, por essa forma procurando e conseguindo um equilíbrio entre interesses marcadamente conflituais ( cfr. art. 27º, nº 3, alínea b) da CRP e o art. 5º, nº 1, alínea c) da CEDH).
Neste quadro, é preciso ter bem presente o carácter excepcional das medidas de coacção, perante a restrição que representam nos direitos fundamentais dos cidadãos, direitos esses que resultam do artigo 18º, nº 1 da Constituição da República Portuguesa.
Na verdade “As medidas de coacção têm de ser as necessárias e as adequadas às exigências cautelares, devendo realizar os fins pretendidos e serem proporcionais à gravidade do crime e às sanções que previsivelmente venham a ser aplicadas. Assim a decisão assenta numa prognose algo complexa. Em primeiro lugar há que olhar para a factualidade indiciariamente apurada para concluir se ela preenche ou não um crime e que tipo de crime. Em segundo lugar é preciso conferir as condições gerais descritas no artigo antecedente (art.º 192.º, do CPP). Em terceiro lugar, verificar se a quantidade e qualidade das provas já reunidas…são ou serão aptas a uma futura condenação em juízo. Em quarto lugar há que analisar a gravidade do crime e as sanções penais que lhe correspondem, nos termos do art.º 195.º, (…) Em quinto lugar, por fim há que ponderar as exigências cautelares que o caso comporta e optar pela medida de coação que se julgar mais necessária, adequada e proporcional(…)” Fernando da Gama Lobo, Código de Processo Penal Anotado, pág. 428.
Efectivamente, e em suma, dispõe o art.º 202º do C.P.P., que a medida em causa só pode ser aplicada caso se verifiquem os seguintes requisitos que importam para o caso, que são cumulativos:
a. Para além da inadequação e insuficiência das outras medidas de coacção;
b. a existência de fortes indícios da prática de crime;
c. que o crime indiciado seja doloso;
d. que o crime indiciado seja punível com pena de prisão de máximo superior a 5 anos ou, correspondente a criminalidade violenta, ou tratando-se de crime de terrorismo, ou altamente organizada, de máximo superior a 3 anos.
No caso dos autos, no que respeita aos requisitos especiais da possibilidade de aplicação da medida de coacção de prisão preventiva, os mesmos mostram-se verificados, dado o crime de violação agravada fortemente indiciado praticado em coautoria pelos três arguidos/recorrentes e p. e p. pelos arts. 164.º, n.º 2, als. a) e b), e 177.º, n.ºs 4 e 7, do Código Penal e 86.º, n.º 3, da Lei nº 5/2006, de 23 de fevereiro, por referência ao seu art. 2.º, n.º 1, al. az) e a moldura penal abstracta que lhe cabe decorrente das agravações e que constitui criminalidade violenta para efeitos do disposto no artº 1º, al. j), do CPP.
Ademais, conforme resulta dos mesmos normativos, tal medida só é de aplicar quando as demais medidas de coacção se mostrarem inadequadas ou insuficientes.
É o que decorre do art.º 202.º, n.º 1, bem como do art.º 193.º, n.º 2, do CPP, neste se determinando que “a prisão preventiva e a obrigação de permanência na habitação só podem ser aplicadas quando se revelarem inadequadas ou insuficientes as outras medidas de coacção”.
Por outro lado, “as medidas de coacção e de garantia patrimonial a aplicar em concreto devem ser necessárias e adequadas às exigências cautelares que o caso requerer e proporcionais à gravidade do crime e às sanções que previsivelmente venham a ser aplicadas” – n.º 1 do mesmo art.º 193.º.
Considerou a Exma. JIC no despacho recorrido que:
Perante o descrito panorama fáctico, a única medida que permitirá acautelar tais receios é a imposição aos arguidos de medida cautelar detentiva, que no caso em apreço se impõe ser a de prisão preventiva.
Entende-se que nenhuma outra medida de coação se revela adequada às fortes exigências cautelares que se fazem sentir, inclusivamente revela-se insuficiente a medida de coação de obrigação com permanência na habitação, ainda que fosse complementada com recurso a vigilância eletrónica. Dada a personalidade criminógena dos arguidos, revelada nos factos aqui em discussão, entende-se que existirá uma dificuldade intrínseca ao confinamento ao espaço habitacional, como cumprimento de medida de coação imposta, bem como não será suficientemente inibidora da pressão que possam vir a fazer sobre a ofendida e testemunha, nos moldes acima referidos, com livre acesso, entre o mais, a telecomunicações.
Ainda se dirá que a medida de obrigação de permanência em habitação, ainda que complementada com meios de vigilância eletrónica, se afigura manifestamente desadequada (dada a gravidade do ilícito) e insuficiente (até porque o bairro onde os arguidos residem é o mesma onde ocorreram estes factos e onde a vítima igualmente habita), e desproporcional à gravidade dos factos em apreço, não permitindo acautelar de modo eficaz o forte perigo de continuação da atividade criminosa que se faz sentir, e, em particular, com a vítima destes autos.
Pelo exposto, determino que os arguidos AA, BB e CC, continuem a aguardar os ulteriores termos do processo sujeito a (…)
- prisão preventiva,
ao abrigo do disposto nos artigos 191º a 193º, 196º, 202º, nº 1, alíneas a) e b) e 204º, alíneas b) e c), todos do Código de Processo Penal
Ao contrário do referido pelos recorrentes, a Exma. JIC fundamentou devidamente as razões pelas quais as outras medidas de coacção são insuficientes e desadequadas em especial a OPHVE, concordando-se que a prisão preventiva é a única medida coactiva que se mostra apta a suprimir os já supracitados perigos, que é necessária e adequada às exigências cautelares que o caso requer e que se revela proporcional à gravidade dos factos fortemente indiciados e à sanção que previsivelmente será aplicada.
Efectivamente, a obrigação de permanência na habitação, prevista no art.º 201.º, do CPP, ainda que com meios técnicos de controlo à distância, não se revela, no presente caso, adequada e suficiente às exigências cautelares que o caso requer, tal como entendido pela Exma. JIC.
É certo que esta medida prossegue um fim concorrente com o da prisão preventiva, coincidindo em alguns dos seus pressupostos e tratamento adjectivo, ainda que com vigilância electrónica, porém, não é, só por si, impeditiva pela sua configuração legal, de suprimir os perigos supra mencionados que se verificam no caso dos autos, nomeadamente os continuação da actividade criminosa, e, em especial, de perturbação do inquérito, porquanto, é a sua insuficiência manifesta ao permitir que a partir de casa, os arguidos possam livremente, designadamente através de contactos telefónicos, sms, mail, redes sociais, etc. colocar em perigo a prova já adquirida, o mesmo acontecendo com as medidas de coacção contidas nos arts.º 197.º, 198.º e 200.º do CPP.
Quanto ao regime penal especial para jovens com idade compreendida entre os 16 e os 21 anos (Decreto-Lei n.º 401/82 de 23/09) invocado pelos arguidos/recorrentes FFF e AA, considerando a sua idade, não obstante se enquadrarem nessa faixa etária, o certo é que a aplicação do regime penal especial para jovens não é obrigatória nem automática, sendo necessário que se tenha estabelecido positivamente que há razões para crer que dessa atenuação especial resultem vantagens para a reinserção social do jovem, sem ser afectada a exigência de prevenção geral, isto é, de protecção dos bens jurídicos e da validade das normas, tal como decorre do art.º 4.º da referida Lei.
O juízo de prognose a formular sobre as vantagens da atenuação especial para a reinserção social tem de assentar em condicionalismo que, não se reduzindo à idade do agente, atenda a todo o circunstancialismo do cometimento do(s) crime(s).
Na verdade as razões atinentes às necessidades de reprovação e de prevenção do crime poderão levar à não aplicação daquele regime, designadamente quando a ele se opuserem considerações de prevenção geral sob a forma de exigência mínima e irrenunciável de defesa do ordenamento jurídico.
Assim, não será de aplicar o regime dos jovens delinquentes quando, o conjunto dos factos praticados e a sua gravidade, a personalidade, reflectiva nos factos, o desaconselham em absoluto, por não se mostrar susceptível de prognose favorável à reinserção social dos arguidos.
No caso dos autos, não nos encontrando na fase de julgamento, considerando as circunstâncias indiciadas que rodearam a prática, em co-autoria, do ilícito mais grave de violação agravada, a personalidade dos arguidos manifestada nos factos e as razões de prevenção geral, não nos permitem concluir, neste momento, como impõe o art. 4.º do DL n.º 401/82 que haja «sérias razões para crer que da atenuação resultem vantagens para a reinserção social do jovem condenado»; apontando, mais para sérias dúvidas que venha a ser aplicado aos arguidos o regime especial para jovens adultos.
Relativamente à questão da inimputabilidade ou inimputabilidade diminuída suscitada pelo arguido CC, foi dada como indiciariamente provada a doença de que padece no ponto III.2.
Contudo, não existe, para já, nos autos demonstração de que a doença de que é portador, seja uma anomalia psíquica que lhe cause inimputabilidade ou imputabilidade diminuída, com os efeitos previstos no art.º 20.º, do CP, que pudesse justificar fundados motivos para crer da existência de causa de isenção de responsabilidade, nomeadamente de exclusão da culpa (art.º 192.º, n.º6 do CPP). Aliás, nem o arguido em sede de recurso o afirma peremptoriamente, solicitando apenas a ponderação séria da sua situação processual e a pertinência da realização de perícia médico legal, a fim de justificar um juízo de inimputabilidade ou de imputabilidade diminuída. Porém, não cabendo a esta instância de recurso a realização de perícia psiquiátrica, constata-se dos autos principais ter já sido determinada a realização de tal exame pericial ao INML, ..., em .../.../2025, todavia, o relatório ainda não se mostra junto aos autos.
Por outro lado, o arguido foi ouvido em interrogatório perante a Exma. JIC e prestou declarações, não se afigurando evidente à mesma que poderia ser inimputável ou imputável diminuído, tanto mais que considerou indiciado que todos “AA (...”), BB (BB”, “AAA” ou “BBB”) e CC (...”) agiram sempre livre, deliberada e conscientemente, sabedores de que as suas condutas eram proibidas e punida por lei penal” .
Ademais o Atestado Médico de Incapacidade Multiusos junto como doc. 1 e o relatório médico junto como doc. 4 pelo arguido foram realizados em vista de outra finalidade que não a de apurar se o arguido é inimputável ou inimputável diminuído para efeitos de responsabilidade penal.
Assim, não havia obstáculo à aplicação da medida de coacção de prisão preventiva a este arguido aquando da prolacção do despacho de aplicação das medidas de coacção, por se encontrarem reunidos todos os pressupostos gerais de aplicação de medidas de coacção e das condições especiais de aplicação da prisão preventiva como supra se analisou.
Prevê, no entanto, o art.º 202.º, n.º 2 do CPP que:
“ Mostrando-se que o arguido a sujeitar a prisão preventiva sofre de anomalia psíquica, o juiz pode impor, ouvido o defensor e, sempre que possível, um familiar, que, enquanto a anomalia persistir, em vez da prisão tenha lugar internamento preventivo em hospital psiquiátrico ou outro estabelecimento análogo adequado, adoptando as cautelas necessárias para prevenir os perigos de fuga e de cometimento de novos crimes.”
O arguido/recorrente não requereu que a prisão preventiva tivesse lugar em internamento preventivo.
É certo que o internamento preventivo, não é uma medida de coacção alternativa à prisão preventiva, ou dela substitutiva, mas sim uma específica forma de execução da medida de coacção de prisão preventiva, sob a forma de internamento preventivo, sendo certo que em reclusão é, por princípio, garantida ao arguido/recorrente a toma da medicação prescrita para a sua doença ( nesse sentido, entre outros, Ac. TRE 12-07-2023 proc. 400/22.5GBPSR-A.E1).
Vindo a ficar demonstrada a inimputabilidade, ou a imputabilidade diminuída, ou mesmo que a prisão preventiva em estabelecimento prisional não permite os tratamentos médicos de que precisa, o arguido poderá vir a ser colocado em internamento preventivo, em hospital psiquiátrico ou outro estabelecimento análogo, face ao resultado de tal perícia psiquiátrica, nos termos do n.º2 do art.º 202.º, do CPP, sem prejuízo de o mesmo poder vir a determinar a alteração/substituição da medida de coacção nos termos do art.º 212.º ou 213.º, do CPP.
Em suma, prisão preventiva, na fase processual em que o processo de inquérito se encontrava aquando da prolacção do despacho de aplicação das medidas de coacção, era e é a única medida adequada às exigências cautelares que no caso se fazem sentir e proporcional à sanção que previsivelmente poderá ser aplicada, em caso de condenação.
O Tribunal Constitucional no Acórdão do Tribunal Constitucional nºs 396/2003 e 720/97.1 decidiu que a norma do art.º 204º, c) do CPP, interpretada no sentido de a invocação em concreto, num certo processo, da verificação dos perigos aí referidos poder servir para fundamentar a opção pela medida de coação de prisão, não é inconstitucional.
A nosso ver, bem andou a Mma. Juiz de Instrução ao aplicar aos arguidos a medida de coacção prisão preventiva.
Estamos, assim, em crer nos termos expostos, que a prisão preventiva é no caso adequada, necessária e proporcional.
É adequada, no sentido em que permite acorrer em medida de eficácia praticamente máxima às exigências cautelares que se identificaram. É também necessária a debelar os perigos verificados. E é proporcional face à gravidade do crime de violação agravada, fortemente indiciado e à sanção que poderá previsivelmente vir a ser aplicada aos arguidos.
Há que julgar improcedente o recurso interposto pelos recorrentes, mantendo-se a decisão recorrida de aplicação da prisão preventiva, a qual não viola qualquer das disposições legais e constitucionais invocadas pelos recorrentes, sendo manifesta a sua improcedência.
V - DISPOSITIVO
Pelo exposto, acordam as Juízas Desembargadoras que integram a 9ª secção (Criminal) deste Tribunal da Relação de Lisboa em:
-Negar provimento ao recurso interposto pelos arguidos AA, BB e CC, confirmando a decisão recorrida de aplicação da medida de coacção de prisão preventiva, sem prejuízo de, em relação ao arguido CC poder vir a ser ponderada pelo Tribunal recorrido a execução da prisão preventiva em internamento preventivo, perante as conclusões do relatório de perícia psiquiátrica assim que junto aos autos, ouvido o seu defensor e se for possível, um familiar, nos termos do n.º2 do art.º 202.º, do CPP.
*
Condenam-se os arguidos/recorrentes no pagamento das custas do processo, fixando-se a taxa de justiça em 3 UC para cada um deles, nos termos do art.º 420.º, n.º3, do CPP.
Notifique e comunique ao Tribunal de 1.ª Instância.

Lisboa, 23/10/2025
(Texto elaborado pela relatora e revisto, integralmente, pela signatária)
Maria de Fátima R. Marques Bessa
Ana Marisa Arnêdo
Cristina Luísa de Encarnação Santana