I. O acórdão da Relação que considera extemporânea a apelação do réu em consequência de ter julgado procedente a apelação do autor, que teve por objeto despacho clarificador da contagem do prazo para recurso (após suspensão da instância), põe fim ao processo em termos que podem considerar-se comportáveis no âmbito do artigo 671.º, n.º 1, 2ª parte, do CPC, sendo admissível a revista.
II. Como decorre do artigo 628.º do CPC, uma decisão (que apreciou a suspensão da instância) só pode considerar-se transitada em julgado quando deixe de ser suscetível de recurso ordinário ou de reclamação. Assim, se o início da contagem de determinado prazo está dependente da estabilização de uma decisão proferida numa apelação anterior a qual foi alvo de reclamação, tal contagem só poderá iniciar-se após a prolação da decisão respeitante à reclamação, e não a contar da data da decisão reclamada, dado que entre as duas apelações não existe continuidade recursiva.
Acordam no Supremo Tribunal de Justiça
I. RELATÓRIO
1. “Lauconstruções, Ld.ª” e BB Soares de Sá Cardoso propuseram a presente ação comum contra AA, pedindo a condenação do réu a:
1) Ver decretada a sua exclusão de sócio da 1.ª autora, nos termos dos artigos 242.º, 246.º, n.º 1, alínea c), 247.º e 251.º, n.º 1, alínea d), do Código das Sociedades Comerciais (CSC);
2) Ver decretada a destituição da gerência da sociedade, passando a ser exclusiva sócia gerente a 2.ª autora, nos termos do previsto no artigo 246.º, n.º 1, alínea d), 247.º e 251.º, n.º 1, alínea f), do CSC;
3) Serem julgadas nulas e de nenhum efeito as transmissões de quotas outorgadas, de modo apenas formal, porquanto o réu não prestou qualquer entrada nas sociedades por quotas, e nos termos do artigo 202.º, n.º 1, do CSC não ser possível a entrada de sócios de indústria, sob pena de defraudar a natureza capitalista da sociedade e garantir os créditos de terceiros pelo capital social;
4) Pagar à 1.ª autora, a título do dinheiro indevidamente apossado, a quantia de 120.716,71 €, bem como juros vincendos à taxa de 7% até efetivo e integral pagamento;
5) Pagar à 1.ª autora, a título de reparação do bom nome comercial e imagem, a quantia de 5.000,00 €;
6) Pagar a título de compensação, pelos graves e irreversíveis danos morais gerados na 2.ª autora, a quantia de 10.000,00 €, acrescido de juros vincendos após a interposição da presente ação;
7) Ver aplicado/decretado o instituto do abuso e direito, no que tange à eventual amortização da quota do mesmo, sob pena de violar, por ilegítimo exercício do direito, os princípios da boa-fé, bons costumes e pelo fim social ou económico desse direito, tanto que o réu nada contribuiu para o capital social da sociedade;
8) Caso não opere o instituto do abuso e direito, e subsidiariamente, ver decretada a aplicação do instituto do enriquecimento sem causa, no que respeita a uma eventual amortização da quota do réu, sob pena de um comportamento ilegítimo e criminalmente relevante, permitir, de forma injustificada, o empobrecimento de quem já foi lesado, em resultado desses mesmos factos ilícitos.
2. Na sequência da prolação do despacho saneador, a instância foi extinta quanto aos pedidos acima descritos nos números 2), 3), 6), 7) e 8), tendo os autos prosseguido, apenas, para apreciação dos pedidos descritos nos números 1), 4) e 5).
3. Em 07.01.2024 veio a ser proferida sentença com o seguinte dispositivo:
«Pelo exposto, julga-se a presente acção procedente, por provada, e em consequência exclui-se judicialmente o sócio AA da sociedade A., “Lauconstruções, Lda.”.
Mais se condena o R. a restituir à sociedade A. a quantia de cento e dez mil euros e ainda a pagar-lhe, a título de indemnização pelos danos causados, a quantia de cinco mil euros, quantias acrescidas de juros contados desde a citação do R. até efectivo e integral pagamento. (…)»
4. Por requerimento datado de 06.02.2024, o réu veio informar que a autora BB Soares de Sá Cardoso havia falecido no dia 01.02.2024.
5. Em 08.02.2024 foi proferido o seguinte despacho:
«Da certidão de assento de óbito junta aos autos pelo R., resulta que a A. BB Soares de Sá Cardoso faleceu no dia 1 de fevereiro de 2024.
Pelo que, nos termos do disposto nos artigos 269º, nº 1, al. a) e 276º, nº 1, al. a), do Código de Processo Civil se declara suspensa a presente instância até que seja notificada a decisão que considere habilitados os seus sucessores.
Nos termos do disposto no artigo 270º, nº 3 do Código de Processo Civil os efeitos da suspensão retroagem à data do falecimento da A. – 01/02/2024.
Deve a secção atentar no disposto no artigo 275º, nº 2, in fine, do Código de Processo Civil. Notifique.»
6. Não se conformando com o despacho de 08.02.2024, a Autora Lauconstruções, Ld.ª interpôs recurso de apelação, tendo o Tribunal da Relação do Porto, por acórdão de 24.09.2024, revogado o referido despacho e determinado o prosseguimento dos autos.
7. Por requerimento de 15.10.2024, o réu pediu a reforma desse acórdão, a qual veio a ser indeferida, por acórdão proferido em conferência no Tribunal da Relação do Porto em 11.12.2024.
8. Devolvidos os autos à primeira instância, foi aí proferido, em 21.01.2025, o seguinte despacho:
«A sentença proferida nestes autos foi notificada às partes em 08/01/2024, considerando-se as partes notificadas a 11/01/2024.
O prazo para interposição de recurso (30 dias) terminaria a 12 de Fevereiro, mas por despacho de 08/02/2024 foi declarada suspensa a instância desde 01/02/2024.
O Tribunal da Relação do Porto revogou a nossa decisão por acórdão proferido em 11/12/2024 e notificado às partes nesse próprio dia pelo que se consideram notificadas em 16/12/2024.
Tendo em conta que a suspensão determinada pelo falecimento de uma parte inutiliza a parte do prazo que tiver decorrido anteriormente, o prazo para interposição de recurso da sentença proferida iniciou-se a 17/12/2024 e terminará a 31/01/2025, o que se declara. Notifique.»
9. Em 24.01.2025, o réu interpôs recurso de apelação da sentença proferida em 07.01.2024.
10. Em 11.02.2025, a sociedade autora interpôs recurso de apelação do despacho proferido em 21.01.2025.
11. Por acórdão do Tribunal da Relação do Porto, de 29.04.2025, foi julgada procedente a apelação da sociedade autora, respeitante ao despacho proferido em 21.01.2025, determinando-se a sua revogação. E foi considerado intempestivo o recurso da sentença proferida em 07.01.2024, interposto pelo réu.
12. Notificado do teor do referido acórdão, veio o réu interpor o presente recurso de revista, invocando o artigo 671.º n.º 1 do CPC, requerendo que se julgue improcedente a apelação do despacho proferido em 21.01.2025, determinando-se a manutenção de tal despacho, e se julgue tempestivo o recurso de apelação interposto pelo Réu contra a sentença proferida em 07.01.2024.
Nas suas alegações formulou as seguintes conclusões:
«Pelas razões que se expõem de págs. 1 a 6 das anteriores alegações:
1ª.- O douto acórdão objecto do presente recurso fez uma errada ou inadequada interpretação e aplicação da norma do n.º 2 (2ª parte) do art. 275º do CPC, sobre o regime da suspensão da instância declarada tendo por causa o falecimento da Autora BB.
2ª.- Essa norma é excepcional e restritiva da regra geral da 1ª parte desse nº 2, no sentido de que “a suspensão (da instância) inutiliza a parte do prazo que tiver decorrido anteriormente” ao despacho que declarou a suspensão.
3ª.- Nos precisos termos da própria norma invocada nas duas anteriores conclusões, a inutilização da “parte do prazo que tiver decorrido anteriormente” à data do despacho que declara a suspensão, não é uma consequência ou efeito de tal despacho, mas sim da suspensão da instância em si mesma: “a suspensão inutiliza a parte do prazo que tiver decorrido anteriormente;
4ª.- No caso presente, embora a suspensão tenha sido declarada pelo despacho de 08.02.2024, com base no falecimento da Autora BB, o texto da lei atribui o efeito de inutilizar o prazo que tiver decorrido anteriormente, à “suspensão em si mesma” e não ao despacho, não admitindo qualquer discriminação quanto ao prazo nem quanto à parte a quem se aplicar.
5ª.- No caso dos presentes autos, independentemente de o despacho que declarou a suspensão da instância com base no falecimento da Autora BB, ter sido posteriormente revogado, a instância esteve de facto parada e suspensa (cfr se resulta dos próprios autos) entre a data da prolacção daquele despacho (08/02/2024) e a sua posterior revogação pelos acórdãos de 24/09/2024 e 11/12/2024, durante cerca de um ano.
6ª.- Foi essa suspensão que, por aplicação da citada norma da 2ª parte do nº 2 do art. 275º do CPC, inutilizou os prazos que estavam em curso na data em que a suspensão se iniciou (em 01.02.2024, cfr. parte final do despacho de 08.02.2024), nele incluindo o prazo para interpor o recurso da sentença de 07.01.2024.
7ª.- Não obstante o despacho de 08/02/2024 (que declarou a suspensão) ter vindo posteriormente, cerca de um ano depois, a ser revogado, essa revogação apenas teve efeitos ex nunc, ou seja, para o futuro, e não teve nem pode ter a virtualidade de, como se tivesse eficácia retroactiva, anular uma paragem/suspensão efectiva da instância, que vigorou, mantendo o processo parado, por cerca de um ano; pela natureza das coisas, a suspensão existiu, sendo agora uma impossibilidade absoluta inutilizá-la e fazer com que não tivesse existido.
8ª.- Foi essa suspensão da instância, essa paragem do processo, por cerca de um ano, que agora é impossível anular e “recuperar”, que, por força da letra expressa e inequívoca da 2ª parte do n.º 2 do art. 275º do CPC, inutilizou os prazos que estivessem em curso na data em que a suspensão se iniciou, nisso incluindo o prazo para recorrer da sentença proferida em 07.01.2024.
Pelas razões que se expuseram de págs. 6 a 9 das anteriores alegações:
9ª.- Tendo sido inutilizado o prazo para recorrer da sentença de 07.01.2024, que estava em curso quando se iniciou a suspensão da instância imposta pelo despacho de 08.2.2024, o novo prazo para recorrer da sentença de 07.01.2024 só poderia contar-se a partir da data do trânsito em julgado do acórdão que revogou aquele despacho de 08.02.2024.
10ª.- Nos termos do artigo 628º do CPC, e conforme é jurisprudência uniforme deste STJ, uma decisão apenas se considera transitada em julgado quando já não for suscetível de recurso ordinário ou de reclamação/aclaração.
11ª.- E só deixa de ser suscetível de reclamação ou aclaração depois de transcorrido o respetivo prazo, resultante do art. 149º do CPC, ou se, em momento anterior, os sujeitos processuais com legitimidade para tal renunciarem expressamente à arguição de nulidades e o despacho a reconhecer o trânsito em julgado ocorrer antes da interposição do recurso para fixação de jurisprudência.
12ª.- No caso presente, o acórdão da Relação do Porto, proferido em 24.09.2024, não chegou a transitar em julgado por efeito da sua notificação, por entretanto, dentro do prazo de 10 dias do art. 149º do CPC, ter sido pedida, pelo ora recorrente, a sua reforma em conferência, sendo que o seu trânsito só ocorreria quando viesse a ocorrer o trânsito em julgado do novo acórdão que conhecesse daquela reclamação para a conferência,
13ª.- Como, sobre esse pedido de reforma do acórdão de 24.09.2024, para a conferência, veio a ser proferido novo acórdão, com data de 11/12/2024, o trânsito daquele só ocorre após o trânsito deste último.
14ª.- E, como a notificação deste último (de 11/12/2024) só ocorreu em 16/12/2024 (por 14 e 15 terem coincidido com o fim de semana), por entretanto se terem interposto as férias judiciais de Natal e fim de ano, e por esse último acórdão ser ainda susceptível de reclamação ou pedido de aclaração, o seu trânsito só ocorreu depois de decorridos os 10 dias para o efeito (art. 149º), ou seja, em 08/01/2025.
15ª.- Em conclusão final, o trânsito em julgado do acórdão de 24.09.2024 só verdadeiramente ocorreu quando transitou em julgado o segundo acórdão, de 11/12/2024, o que, como se demonstrou, só ocorreu em 08.01.2025,
16ª.- … pelo que só nesta última data (08.01.2025), em que transitou o acórdão de 11/12/2024, (i) se pode ter considerado transitado em julgado o anterior acórdão de 24.09.2024, que revogou o despacho de 08.02.2024, e (ii) se pode considerar que cessou a suspensão da instância iniciada com aquele despacho.
17ª.- Daí decorre que, tendo o recurso interposto pelo réu da sentença final proferida em 07.01.2024, dado entrada em juízo em 25.01.2025, foi interposto em tempo.
18ª.- O douto acórdão recorrido, ao julgar intempestivo – ou, talvez melhor, extemporâneo – o recurso de apelação da sentença proferida em 07.01.2024, interposto em 25/01/2025, violou o disposto no art. 628º do CPC e a jurisprudência uniforme deste STJ sobre as condições em que ocorre o trânsito em julgado das decisões judiciais.
Termos em que, e nos demais de direito do douto suprimento, deve o presente recurso ser admitido e, a final, julgado procedente e provado, e, em consequência, ser revogado o douto acórdão recorrido e, no seu lugar, proferir-se ou mandar proferir acórdão que (i) julgue improcedente a apelação do despacho proferido em 21.01.2025, mantendo esse despacho, e (ii) julgue tempestivo o recurso de apelação interposto pelo Réu ora recorrente da sentença proferida em 07.01.2024, admitindo-se ou – talvez melhor - ordenando-se que se admita esse recurso, com custas e demais encargos pela A. sociedade, assim se fazendo a habitual e sempre esperada JUSTIÇA.»
13. A recorrida respondeu, sintetizando a sua posição nas seguintes conclusões:
«1ª - A decisão transita em julgado logo que não seja suscetível de recurso ordinário ou de reclamação (cf. artigo 628.º 1 do Código de Processo Civil), o que se verifica face ao Acórdão do Tribunal da Relação do Porto, de 24 de Setembro último, que decretou não se ter verificado a situação ou pressupostos da suspensão da instância;
2ª - Pelo que, atenta a natureza dos efeitos de substituição da decisão revogatória, tal matéria é imutável e tem força plena no processo;
3ª - Caso julgado formal só tem um valor intraprocessual enquanto o caso julgado material além dessa eficácia intraprocessual é suscetível de valer num processo distinto daquele em que foi proferida a decisão transitada.” (Ac. do TRL de 05-07-2018 /Proc. 26902/13.6T2SNT.L1-2.
4ª - O efeito negativo do caso julgado consiste numa proibição de repetição de nova decisão sobre a mesma pretensão ou questão, por via da exceção dilatória de caso julgado, regulada em especial nos artigos 577.º, al. i), segunda parte, 580.º e 581.º. Classicamente, corresponde-lhe o brocardo non bis in idem. O efeito positivo ou autoridade do caso lato sensu consiste na vinculação das partes e do tribunal a uma decisão anterior. Classicamente, corresponde-lhe o brocardo judicata pro veritate habetur.
5ª – O efeito negativo do caso implica, que transitada em julgado uma decisão judicial, o mesmo tribunal (caso julgado formal, do artigo 620.º) ou todos os tribunais (caso julgado material, do artigo 619.º) ficarão sujeitos tanto a uma “proibição de contradição da decisão transitada”, como a “uma proibição de repetição daquela decisão”, no dizer de TEIXEIRA DE SOUSA” – in TEIXEIRA DE SOUSA, O objecto da sentença e o caso julgado material (O estudo sobre a funcionalidade processual), BMJ 325, 159.
6ª – O aludido Acórdão de 24 de Setembro de 2024, revogou e substituiu o despacho de 1ª instância que decretou a suspensão da instância, dizendo que inexiste qualquer causa de suspensão, e por via disso, não houve qualquer interrupção do prazo que corria, para a interposição do recurso;
7º - Os recursos têm efeitos intraprocessuais e efeitos extraprocessuais.; os primeiros só podem verificar-se nos recursos ordinários, porque só eles são interpostos antes do transito em julgado da decisão recorrida. Esses recursos produzem, simultaneamente um efeito translativo, um efeito suspensivo e um efeito devolutivo, nos seguintes termos:
- O efeito translativo refere-se à continuidade dos efeitos produzidos no processo, nomeadamente daqueles que decorrem da citação do réu (Artº 564); por exemplo: a interposição de recurso mantém pendente a instância e interrompido qualquer prazo de prescrição que possa afectar o direito do recorrente ou do recorrido (Artº 323, nºs 1 e 2, e 327, nº 1 do Código Civil).
- O efeito suspensivo respeita à suspensão do transito em julgado da decisão recorrida: o recurso suspende a aquisição do valor de caso julgado pela decisão impugnada;
- O efeito devolutivo é uma decorrência do efeito suspensivo (uma decisão transitada em julgado não é susceptível de ser impugnada através dum recurso ordinário) e consiste na atribuição ao tribunal superior do poder de rever a decisão recorrida; todo o recurso ordinário produz esse efeito devolutivo.
8ª - No que concerne aos efeitos extraprocessuais podem traduzir-se tanto nos recursos ordinários, como nos recursos extraordinários e traduzem-se,
- O efeito (extraprocessual) devolutivo significa que a interposição do recurso não obsta à produção de efeitos da decisão recorrida fora do processo em que foi produzida (Artº 647º, nº (apelação) e Artº 693 (recurso para uniformização de jurisprudência) não impedindo, nomeadamente, a exequibilidade dessa decisão (Artº 704, nº 1 e 5).
- O efeito (extraprocessual) suspensivo impede a produção de efeitos da decisão recorrida fora do processo em que foi interposto o recurso (Artº 647, nºs 2 e 3, e 648 (apelação) e Artº 676º, nº 1 (revista) e nomeadamente, a sua exequibilidade.
9ª - O recurso ora interposto é um recurso com efeitos intraprocessuais, com efeito devolutivo e suspensivo, (que salvaguarda o caso julgado dentro da lide) e com efeitos extraprocessuais devolutivo, pois que o recurso interposto não obsta à produção de efeitos fora do processo, pois que o recurso, sempre tem efeito devolutivo, nos termos do Artº 678º, nº 1 do Código de Processo Civil, pois não versa questões sobre o estado das pessoas.
10ª - Quer o Tribunal recorrido, quer todos os tribunais estão sujeitos tanto a uma proibição de contradição da decisão transitada, quanto a uma proibição de repetição daquela decisão.
11ª – O recurso interposto é inadmissível, face à decisão precedente, e procedente, que apreciou, revogou e substituiu o despacho que decretou a suspensão da instância;
12º- Sendo tal matéria imutável;
13º - Apesar disso, por despacho de 21 de Janeiro de 2025, foi proferido despacho em que foi dito:
“A sentença proferida nestes autos foi notificada às partes em 08/01/2024, considerando-se as partes notificadas a 11/01/2024. O prazo para interposição de recurso (30 dias) terminaria a 12 de Fevereiro, mas por despacho de 08/02/2024 foi declarada suspensa a instância desde 01/02/2024. O Tribunal da Relação do Porto revogou a nossa decisão por acórdão proferido em 11/12/2024 e notificado às partes nesse próprio dia pelo que se consideram notificadas em 16/12/2024. Tendo em conta que a suspensão determinada pelo falecimento de uma parte inutiliza a parte do prazo que tiver decorrido anteriormente, o prazo para interposição de recurso da sentença proferida iniciou-se a 17/12/2024 e terminará a 31/01/2025, o que se declara.
Notifique. Datado e assinado electronicamente”
14ª – Tal despacho, além de confrontar decisão do Tribunal superior, viola decisão transitada em julgado e viola o principio da extinção do poder jurisdicional do Tribunal, razão porque foi interposto recurso de apelação autónoma:
15ª - Tal recurso veio a merecer provimento, e por via disso foi decretado já haver transitado em julgado o acórdão do TRP, e por outro lado, face a tal decisão, foi reconhecido que por transito em julgado, o recurso interposto pelo Apelante em 24 de Janeiro de 2025, foi extemporâneo;
16ª – Verifica-se nos autos, a conjugação do efeito meramente devolutivo (Artº 676, nº 1) e efeito intraprocessual, devolutivo e suspensivo, face ao transito em julgado, que impede a interposição de novo recurso sobre a questão da inexistência de causa de suspensão da instância, matéria já decidida e imutável.
17ª - É imutável, nestes autos, que não se verificou qualquer causa de suspensão da instância, e tal decisão produz e produziu efeitos absolutos dentro dos autos, pelo que o prazo não se suspendeu, tendo decorrido normalmente, até se esgotar;
18ª - Pese embora o acórdão recorrido considere terem sido produzidos efeitos com a declarada suspensão da instância, no período que mediou entre a interposição de recurso e a prolação do Acórdão, com tal não se conforma a Recorrida, pois a revogação do despacho recorrido, retroage os efeitos à data da prolação do despacho, e o mesmo inexiste no mundo jurídico, e por isso não produziu quaisquer efeitos;
19ª – Nesse sentido resulta do Acórdão Recorrido, que, visto que o Tribunal da Relação concluiu que não estavam verificados os requisitos legais da suspensão e, por isso, revogou o despacho que a determinou, ordenando o prosseguimento da instância, sem necessidade de habilitação dos sucessores da autora falecida; e tal não significa que possamos negar ou, simplesmente, ignorar os efeitos processuais que a decisão revogada produziu antes dessa revogação e, assim, concluir que o prazo de recurso da sentença final decorreu de forma contínua desde a sua notificação às partes, como pretende a ora recorrida.
20.ª Salvo melhor entendimento, entende a Recorrida, ante a revogação do despacho que ordenou a suspensão da instância, e bem assim e efeito devolutivo do recurso nos termos do Artº 647º, n.º 1 e 2 do Código de Processo Civil, este não produziu quaisquer efeitos, face à revogação decretada pelo Tribunal da Relação do Porto.
21ª – Prossegue o Douto aresto, simulando e ficcionando a suspensão da instância, que inexiste e inexistiu face a acórdão do Tribunal da Relação do Porto de 24 de Setembro de 2024, transitado em julgado, dizendo, assim sendo, não podemos deixar de concluir que a instância e, por conseguinte, o prazo de recurso da sentença esteve suspenso entre 08.02.2024, data da prolação do despacho que ordenou a suspensão da instância, e a data em esta decisão foi revogada. Na verdade, mesmo depois de interposto recurso do despacho que suspendeu a instância, as partes puderam legitimamente confiar que esta estava suspensa, dado o efeito (meramente devolutivo) atribuído a esse recurso. Só com a notificação do acórdão que revogou aquele despacho puderam ficar cientes de que a suspensão deixou de produzir efeitos.
22ª – Sempre ressalvado o devido respeito, a Recorrida, discordando, contudo, da fundamentação do aresto, o certo é que se reconhece e conforma-se com o transito em julgado do despacho de 24 de Setembro de 2024, e bem assim que se não interrompeu qualquer prazo com o erróneo decretamento da suspensão da instância, que veio a ser revogado, e com decisão transitada em julgado;
23ª – Prossegue o Acórdão Recorrido dizendo, neste caso, mesmo que aceitássemos que a suspensão da instância, determinada no despacho 08.02.2024, com fundamento no falecimento da autora BB Cardoso, inutilizou a parte do prazo de recurso que já tinha decorrido, sempre concluiríamos que o mesmo reiniciou com a notificação do acórdão de 24.09.2024, que revogou aquele despacho, e não com a notificação do acórdão de 11.12.2024, e se esgotou muito antes de 24.01.2025, data em que foi interposto o recurso da sentença final.
24º - Sendo que, por toda a doutrina e Jurisprudência exposta, considera a Recorrida que a decisão prolatada em 7 de Janeiro de 2024 e notificada no dia seguinte, por inexistir qualquer suspensão da instância, transitou no dia 12 de Fevereiro de 2024.
25ª – Refere o acórdão Recorrido que, aquando da junção das alegações de recurso pelo Recorrente, há muito que esse prazo de recurso estava esgotado e, por conseguinte, a sentença estava transitada em julgado, nos termos do disposto no artigo 628.º do CPC, com as consequências previstas no artigo 619.º e seguintes do mesmo código;
26º - Das conclusões formuladas pelo Recorrente, em parte alguma, ele questiona ou impugna as decisões transitadas em julgado, antes ficcionando a putativa suspensão da instância, como se a mesma tivesse ocorrido, e não ocorreu;
27º - Não se basta o Direito com a repetição ad nauseam de uma afirmação falsa, para que a mesma se torne válida, eficaz ou verdadeira, ante os princípios, regras e demárche próprios do processo civil, que visam a obtenção da segurança e certeza jurídicas;
28ª – E reitera a Recorrida, não se verificou qualquer situação de suspensão da instância, nem esta esteve, de facto, parada e suspensa, como resulta da conclusão nº 5 das Doutas alegações;
29ª – A reclamação não é um recurso, nem tem a virtualidade de ser nova apreciação de mérito, razão de estar limitada nos termos do Artº 616, nº 2, alíneas a) e b) do Código de Processo Civil, e do próprio texto do artigo resultar, “não cabendo recurso da decisão”, pelo que não pode almejar-se os efeitos do recurso;
30ª – Não se produziu qualquer efeito, por suspensão da instância até 24 de Setembro de 2024, face à natureza substitutiva dos efeitos do recurso, quando merece provimento;
31ª – Atentas as conclusões proferidas pelo Recorrente, o mesmo não impugna, racional e etimologicamente o conceito de transito em jugado, que foi decretado no aresto de 29 de Abril de 2025, e que decretou a verificação da imutabilidade da decisão quanto ao prazo de interposição do recurso;
32ª – Sendo o objecto do recurso delimitado pelas conclusões da alegação do recorrente, como decorre do disposto nos artigos 635.º, n.º 4, e 639.º do Código de Processo Civil (CPC), não podendo o Tribunal conhecer de quaisquer outras questões, salvo se a lei lhe permitir ou impuser o seu conhecimento oficioso (cfr. artigo 608.º, n.º 2, do CPC), é manifesto que as alegações e conclusões impossibilitam a apreciação do recurso, por não versar sobre o objecto a impugnar, a saber, o transito em julgado do acórdão que considerou extemporânea a apresentação das alegações;
33º - Tendo sido visado com a Lei nº 41/2013 de 26 de Junho, restringir o acesso ao Supremo Tribunal de Justiça, incorporando-se o conceito de dupla conforme, quando houver decisão confirmatória, com os mesmos fundamentos jurídicos e sem voto de vencido, o que impossibilita o recurso de revista “normal”, é por interpretação analógica, e ratio do preceito fins visados, óbvio que, havendo dois acórdãos que se pronunciam sobre a mesma questão de direito (transito em julgado de decisões), não pode haver recurso de revista, como o fez o Recorrente;
34ª Do artº 671º, n.º 3 do Código de Processo Civil resulta que: “Sem prejuízo dos casos em que o recurso é sempre admissível, não é admitida revista do acórdão da Relação que confirme, sem voto de vencido e sem fundamentação essencialmente diferente, a decisão proferida na 1.ª instância, salvo nos casos previstos no artigo seguinte”
35ª É consabido que a alteração legislativa da Lei nº 41/2013 de 26 de Junho, teve por cunho e objectivo limitar e cercear o poder indiscriminado de recurso para o Supremo Tribunal de Justiça, razão do normativo invocado;
36ª – Das prolixas e pouco coerentes alegações, o Recorrente não questiona o motivo do indeferimento do recurso por si interposto, a saber o transito em julgado, ficcionando uma suspensão e a possibilidade sucessiva de interposição de recursos, o que a Lei e o ordenamento jurídico não permitem, nem visam, antes se pretendendo a segurança jurídica, razão da força absoluta do caso julgado, nos autos.
37º - Fazendo de dois acórdãos proferidos pelo Tribunal da Relação do Porto, letra morta, nos quais é decretado o transito em julgado, o Recorrente não questiona de forma válida e com fundamento os prolatados arestos, como se fosse matéria alterável ou discutível, o que não é.
38º - O Recorrente não se conforma com a bondade da decisão, mas não fundamenta ou justifica tal (des) entendimento, limitando-se a referir de forma despicienda, que o Acórdão do Tribunal da Relação do Porto não transitou em julgado, o que só pode dever-se a manifesta litigância de má-fé e interesse em protelar o transito em julgado da decisão, até mais não poder;
39ª – Só pode haver recurso de revista, nos casos previstos no Artº 674, nº 1, alíneas a), b) e c) do Código de Processo Civil, o que não é invocado ou alegado, pelo que não é admissível o recurso.
40ª - O Douto Acórdão proferido, apreciou e aplicou com devida interpretação, o disposto nos Artº 613º e 628º do Código de Processo Civil, não merecendo por isso qualquer censura, antes devendo ser confirmado, como é de Direito.
Nestes termos e nos de Direito, e por impossibilidade legal de interposição de recurso, ante o transito em julgado do acórdão de 24 de Setembro de 2024 que julgou não verificada a situação e os pressupostos da suspensão da instância, não pode aceitar-se como admissível o recurso, pois a revogação da decisão, e substituição da decisão por outra, retroage à data da prolação do despacho revogado, que é assim substituido:
Por outro lado, e por ulterior Acórdão do Tribunal da Relação do Porto, de 29 de Abril de 2025, foi novamente julgado o transito em julgado de tal decisão, o que impede a interposição do recurso interposto em 24 de Janeiro de 2025, pois como entende a Recorrida, ante a não suspensão da instância, o transito em julgado da sentença ocorreu em 12 de Fevereiro de 2024;
Acresce que, sendo proferidos dois acórdão pelo Tribunal da Relação do Porto, sobre a mesma matéria de direito e versando a mesma questão, se se verifica impedimento por confirmação de duas decisões similares (de instâncias diferentes), com os mesmos fundamentos e sem voto de vencido, que impedem o recurso de revista “normal”, ante decisões similares da mesma instância superior, por interpretação extensiva, e ante o fito e ratio do nº 3 do Artº 671 do CPC de limitar o acesso ao Supremo Tribunal de Justiça, deve ter-se como verificada, a dupla conforme, com a devida interpretação;
Sendo as conclusões do recurso que delimitam o objecto do mesmo, e posto o Recorrente ficcionar e defender, ainda a suspensão da instância, não se debruçando e fundamentando o desacordo quanto aos decretados trânsitos em jugado dos Acórdãos, redunda que o recurso interposto não tem objecto;
Face ao decretado transito em julgado, e os efeitos que o mesmo produz nos autos, de forma material, formal e com força absoluta, não pode ser alterada a decisão sobre tal matéria o que origina a dedução extemporânea do recurso, face ao transito em julgado verificado em 12 de Março de 2024.
Não devendo ser admitido o recurso, assim como deve ser considerado extemporâneo por afrontar decisões transitadas em julgado e não impugnadas de forma conveniente e em tempo, assim se fazendo a costumada justiça.»
Cabe apreciar.
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II. FUNDAMENTOS
1. Admissibilidade e objeto do recurso
A Relação entendeu que a apelação do réu tinha sido apresentada fora de prazo. Todavia, tal decisão não decorreu da simples constatação objetiva de o recorrente ter ultrapassado o prazo legal que tinha para interpor o recurso. Decorreu, sim, de uma simultânea decisão que revogou o despacho da primeira instância, de 21.01.2025, que havia interpretado o anterior acórdão da Relação sobre o alcance da suspensão da instância e consequente projeção no modo de contagem do prazo para interpor esse recurso.
Numa interpretação mais ampla (e menos literal) do disposto no artigo 671º, n.º 1 do CPC poderá afirmar-se (no seguimento da jurisprudência mais recente do STJ), que o acórdão recorrido, deste modo, pôs fim ao processo. Efetivamente, foi por ter entendido que o referido despacho de 21.01.2025 contrariava uma anterior decisão da Relação (que havia entendido não existir fundamento para suspender a instância) que o acórdão agora recorrido rejeitou a apelação do réu e, assim, acaba por pôr termo ao processo (conduzindo à definitividade da sentença proferida em 07.01.2024).
De acordo com a doutrina e jurisprudência que se têm pronunciado sobre o âmbito de aplicação desta norma, deve entender-se que esta decisão da segunda instância (relativamente à qual não se coloca a questão da dupla conforme) é comportável no âmbito normativo do artigo 671º, n.º 1 (2ª parte), pelo que a revista deve ser admitida.
Abrantes Geraldes entende que no âmbito do artigo 671.º, n.º 1 cabem não apenas os acórdãos que decidam sobre o mérito ou que ponham termo ao processo absolvendo da instância, mas também aqueles que ponham termo ao processo por razão formal, diversa da absolvição da instância, mas equiparável, nomeadamente, pela inadmissibilidade do recurso de apelação de sentença de primeira instância (Recursos em Processo Civil, 8.ª edição, Almedina, página 464 e seguintes).
Também no sentido de que que cabe revista do acórdão da Relação que determine a extinção total ou parcial da instância por motivo distinto da absolvição da instância se pronunciam José Lebre de Freitas, Armando Ribeiro Mendes e Isabel Alexandre, Código do Processo Civil Anotado, Volume 3.º, 3.ª edição, páginas 198 a 200.
Na jurisprudência do STJ podem ver-se no mesmo sentido, por exemplo, os acórdãos de 30.11.2022 (relator Luís Espírito Santo), no proc. n.º 104/20.3YRGMR.S1; e de 08.02.2018 relatora Maria da Graça Trigo), no proc. n.º 8440/14.1T8PRT.P1.S1.
O objeto central da presente revista é o de saber se o acórdão recorrido fez a correta aplicação da lei processual quando considerou intempestivo o recurso de apelação interposto pelo réu e quando revogou o despacho de 21.01.2025 que estabeleceu o prazo para o recurso.
2. A factualidade relevante
A segunda instância considerou relevantes para a apreciação do recurso do despacho de 21.05.2025 as seguintes incidências processuais:
«1. Por sentença proferida em 07.01.2024, notificada às partes por comunicações electrónicas de 08.01.2024, a presente acção foi julgada procedente;
2. Por despacho de 08.02.2024, a instância foi declarada suspensa desde 01.02.2024, com fundamento no óbito da autora BB Cardoso, até à notificação da decisão que considerasse habilitados os seus sucessores, ao abrigo do disposto nos artigos 269.º, n.º 1, al. a), e 276.º, n.º 1, al. a), do Código de Processo Civil (CPC), mais se alertando a secretaria para atentar no disposto no artigo 275.º, n.º 2, in fine, do mesmo código;
3. Tendo sido interposto recurso de apelação deste despacho de 08.02.2024, o mesmo veio a ser revogado e determinado o prosseguimento dos autos, mediante acórdão proferido pelo Tribunal da Relação do Porto em 24.09.2024 e notificado às partes por comunicações electrónicas de 25.09.2024;
4. Tendo sido requerida a reforma deste acórdão, a mesma foi indeferida por acórdão proferido em 11.12.2024 e notificado às partes por comunicações electrónicas com a mesma data;
5. Remetidos os autos ao Tribunal de primeira instância, em 21.01.2025 foi proferido o seguinte despacho:
«A sentença proferida nestes autos foi notificada às partes em 08/01/2024, considerando-se as partes notificadas a 11/01/2024.
O prazo para interposição de recurso (30 dias) terminaria a 12 de Fevereiro, mas por despacho de 08/02/2024 foi declarada suspensa a instância desde 01/02/2024.
O Tribunal da Relação do Porto revogou a nossa decisão por acórdão proferido em 11/12/2024 e notificado às partes nesse próprio dia pelo que se consideram notificadas em 16/12/2024.
Tendo em conta que a suspensão determinada pelo falecimento de uma parte inutiliza a parte do prazo que tiver decorrido anteriormente, o prazo para interposição de recurso da sentença proferida iniciou-se a 17/12/2024 e terminará a 31/01/2025, o que se declara»;
6. Em 24.01.2025 o réu veio interpor recurso de apelação da sentença proferida em 07.01.2024;
7. Em 11.02.2025 a autor veio interpor recurso de apelação autónoma do despacho proferido em 21.01.2025.»
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3. O direito aplicável
3.1. Como consta do relatório supra apresentado, no despacho saneador a instância foi extinta quanto a vários pedidos, sendo alguns deles especificamente respeitantes à segunda autora (a falecida BB). Assim, a instância prosseguiu apenas para apreciação de pedidos que respeitavam diretamente à sociedade primeira autora (Lauconstruções, Ldª), concretamente os pedidos formulados nos números 1, 4 e 5 da petição:
«1) Ver decretada a sua exclusão de sócio da 1.ª autora, nos termos dos artigos 242.º, 246.º, n.º 1, alínea c), 247.º e 251.º, n.º 1, alínea d), do Código das Sociedades Comerciais (CSC);
4) Pagar à 1.ª autora, a título do dinheiro indevidamente apossado, a quantia de 120.716,71 €, bem como juros vincendos à taxa de 7% até efetivo e integral pagamento;
5) Pagar à 1.ª autora, a título de reparação do bom nome comercial e imagem, a quantia de 5.000,00 €.»
A primeira instância julgou estes pedidos procedentes, em sentença de 07.01.2024.
Já depois de proferida esta decisão (mas ainda antes de o réu ter interposto recurso de apelação), morreu a segunda autora (BB), em 01.02.2024, e a instância, com base nesse facto, foi suspensa, por despacho de 08.02.2024.
A primeira autora apelou contra o despacho que suspendeu a instância, tendo a sua pretensão tido sucesso, pois a Relação revogou esse despacho e determinou o prosseguimento dos autos. Efetivamente, dado que os pedidos que haviam sido julgados procedentes não respeitavam diretamente à falecida segunda autora, a Relação entendeu que não se encontrava justificada a suspensão da instância.
Assim, tendo a Relação decidido que os autos deviam retomar a sua marcha, tendo já sido proferida sentença, o imediato relevo dessa decisão seria, essencialmente, o da contagem do prazo para interposição do recurso de apelação.
O réu reclamou contra a referida decisão da Relação, mas tal reclamação foi indeferida por acórdão de 11.12.2024.
Após a baixa dos autos, em 21.01.2025, a primeira instância proferiu o despacho (referido na factualidade supra exposta) nos termos do qual entendeu que o prazo para interposição do recurso de apelação terminava em 31.01.2025.
A autora apelou contra tal despacho, e a Relação (no acórdão que agora é alvo de revista) deu-lhe razão, revogando essa decisão.
Entretanto, em 24.01.2025, o réu interpôs recurso de apelação contra a sentença que havia sido proferida em 07.01.2024. Todavia, a Relação entendeu que tal recurso havia sido apresentado fora do prazo, tendo-o rejeitado.
Discordando destas decisões, o réu interpôs o presente recurso de revista. Entende, em síntese, que o recurso de apelação foi apresentado tempestivamente.
3.2. Afirma-se na fundamentação do acórdão recorrido que «(…) o recurso da sentença apenas seria tempestivo se o despacho proferido após a prolação desta fosse mantido, isto é, se aceitássemos as duas premissas de que o mesmo parte: que a suspensão da instância determinada por despacho de 08.02.2024 importou a inutilização do prazo decorrido até então e, cumulativamente, que o reinício desse prazo ocorreu com a notificação do acórdão de 11.12.2024, que indeferiu a reforma do acórdão de 24.09.2024.» E concluiu-se que nenhuma destas premissas se verificava, pelo que se decidiu pela intempestividade da apelação.
3.3. O despacho da primeira instância de 25.01.2025 e o acórdão agora recorrido exprimem entendimentos diferentes quanto ao alcance do anterior acórdão do TRP (de 24.09.2024) relativamente aos efeitos da suspensão da instância na contagem do prazo para interpor o recurso de apelação.
A primeira instância concluiu, nesse despacho, que:
«Tendo em conta que a suspensão determinada pelo falecimento de uma parte inutiliza a parte do prazo que tiver decorrido anteriormente, o prazo para interposição de recurso da sentença proferida iniciou-se a 17/12/2024 e terminará a 31/01/2025, o que se declara.»
Embora, nesse despacho, a primeira instância não se tenha referido explicitamente ao artigo 275.º, n.º 2 do CPC, o comando normativo dele emergente é o que corresponde à letra dessa norma, quando esclarece que se elimina a contagem do prazo decorrido pelo facto de a suspensão se ter baseado na morte de uma das partes.
A Relação, diversamente, entendeu que, pelo facto de o despacho que havia decretado a suspensão ter sido revogado, não podia aplicar-se o disposto no artigo 275.º, n.º 2 do CPC, não havendo, portanto, eliminação do prazo decorrido entre a notificação da sentença e da prolação do despacho que suspendeu a instância. O acórdão recorrido concluiu, assim, que o despacho de 21.01.2025 tinha feito errada aplicação da lei de processo, pelo que procedeu à sua revogação e veio a concluir que o recurso apresentado pelo réu era extemporâneo.
Deve ter-se presente que o anterior acórdão do TRP apenas apreciou (porque era esse o seu objeto) os pressupostos para a prolação da suspensão da instância com base na morte da autora (considerando que, àquela data, já não seria parte na ação, por terem sido extintos, em fase processual anterior, todos os pedidos por si formulados), concluindo que tais pressupostos não se verificavam; e nada disse sobre os efeitos processuais que a revogação desse despacho de suspensão poderia ter no prazo de recurso da sentença.
Assim, nenhuma razão assiste à recorrida quando, nas suas contra-alegações, afirma existir violação do caso julgado, porque o despacho de 21.01.2025 teria contrariado o anterior acórdão do TRP. Trata-se, portanto, de uma tese completamente destituída de qualquer base factual ou jurídica.
3.4. Independentemente de se poder considerar que o momento tecnicamente mais adequado para uma pronúncia da primeira instância sobre a tempestividade do recurso de apelação (aí interpretando os efeitos do anterior acórdão do TRP) seria o despacho que apreciasse a concreta admissibilidade do recurso interposto por alguma das partes, certo é que a primeira instância procurou, autonomamente, esclarecer as partes sobre o seu entendimento quanto aos efeitos da suspensão da instância na contagem do prazo de recurso.
No despacho de 21.01.2025, o tribunal não apreciou, em rigor, a pretensão subjetiva de alguma das partes. Tal despacho traduziu uma informação sobre o modo como o tribunal interpretava a contagem do prazo para recurso da sentença, objetivamente válido para o exercício dos direitos de qualquer uma das partes, o que, de algum modo, se pode compreender ainda como proferido ao abrigo do dever de gestão processual (art.º 6.º do CPC).
O acórdão agora recorrido revogou esse despacho por entender, em síntese, que o efeito previsto no artigo 275.º, n.º 2 [que remete para a hipótese prevista no artigo 269.º, n.º 1, alínea a)] pressupõe que a instância tenha sido validamente suspensa, não tendo, assim, aplicação quando a decisão de suspender a instância vem a ser revogada.
Embora se possa compreender que numa interpretação formal e de legalidade estrita a concreta tramitação processual possa ser vista com esse sentido retrospetivo, certo é que a factualidade processual emergente dos autos, bem como o princípio da confiança (ancorado no princípio da boa-fé processual) não podem ser considerados irrelevantes para a apreciação da questão sub judice.
Apesar de o despacho que decretou a suspensão da instância (com base na morte de uma das autoras) ter siso revogado (na sequência da apelação interposta pela sociedade 1ª autora), enquanto essa decisão não foi tomada (e se tornou definitiva) o processo esteve, de facto, suspenso, pelo que não é possível ficcionar a realidade processual como se tal suspensão não tivesse efetivamente existido para ambas as partes e com base no concreto facto da morte de uma das autoras.
Assim, o despacho de 21.01.2025, ao esclarecer as partes quanto ao prazo para recurso, não podia deixar de ter por base o facto concreto que originou a suspensão da instância, ou seja, a morte de uma das autoras; e a esse facto a lei faz corresponder o efeito previsto no artigo 275.º, n.º 2. Proceder a um diferente modo de contagem (contabilizando o tempo decorrido entre a morte da 2ª autora e o despacho de suspensão) seria ficcionar que a suspensão de baseou num facto de natureza diferente.
Se a decisão que suspendeu a instância não tivesse sido revogada, ter-se-ia seguido a tramitação própria subsequente à morte de uma das partes, com a inerente habilitação de herdeiros. Com a revogação daquela decisão obviamente que já não se produziu esse efeito futuro, mas enquanto não houve a prolação do acórdão revogatório o facto que esteve na base da suspensão da instância foi, de facto, a morte de uma das autoras. E nos termos do artigo 275.º, n.º 2 do CPC, a suspensão que assenta nesse fundamento inutiliza o tempo já decorrido, não se podendo, portanto, ficcionar que não existiu qualquer suspensão ou que a suspensão se baseou noutro tipo de facto que não determinava a eliminação do tempo já decorrido. Decidir de modo diverso é atribuir um efeito retroativo à revogação da suspensão da instância, ficcionando uma realidade processual diversa com a qual as partes não poderiam razoavelmente contar, e suscetível de afetar o princípio da confiança processual das partes.
Tal conduz a concluir que o acórdão recorrido não fez a melhor aplicação da lei processual ao revogar o despacho de 21.01.2025 e, em consequência dessa decisão, julgar a apelação do réu intempestiva, pelo que se impõe a sua revogação, com a inerente subsistência daquele despacho, e a tempestividade do recurso de apelação.
3.5. Por outro lado, afirma-se no acórdão recorrido que «(…) mesmo que aceitássemos que a suspensão da instância, determinada no despacho 08.02.2024, com fundamento no falecimento da autora BB Cardoso, inutilizou a parte do prazo de recurso que já tinha decorrido, sempre concluiríamos que o mesmo reiniciou com a notificação do acórdão de 24.09.2024, que revogou aquele despacho, e não com a notificação do acórdão de 11.12.2024, e se esgotou muito antes de 24.01.2025, data em que foi interposto o recurso da sentença final.»
Laborando sobre a hipótese de o artigo 275.º, n.º 2 ter aplicação ao caso concreto, com a inerente eliminação do prazo que já tinha decorrido antes do despacho de suspensão da instância, o acórdão recorrido concluiu que também em tal hipótese o recurso de apelação apresentado pelo réu (em 24.01.2025) seria intempestivo, porquanto o prazo para a sua interposição teria começado a contar com a notificação do acórdão de 24.09.2024 (que revogou o despacho de suspensão), sendo irrelevante, para a contagem desse prazo, o facto de ter existido reclamação contra o referido acórdão, a qual foi decidida por acórdão de 11.12.2024.
Este último acórdão (que indeferiu a reclamação apresentada pelo réu) foi notificada às partes em 16.12.2024. Assim, quer se entenda, como se entendeu no despacho de 21.01.2025, que o prazo para interposição do recurso da sentença se iniciou no dia seguinte (17.12.2024), terminando em 31.01.2025 (dado que decorreram as férias judiciais do Natal), quer se entenda que esse prazo só se iniciou com o transito em julgado daquele segundo acórdão (em 08.01.2025), como sustenta o recorrente, sempre o recurso apresentado em 24.01.2025 seria tempestivo.
Efetivamente, é com a consolidação decisória sobre a questão da suspensão da instância (que originou o primeiro recurso de apelação) que se pode iniciar a contagem do prazo para a interposição da segunda apelação (sobre o mérito da causa), não havendo, em sentido restrito, uma continuidade recursiva entre as duas matérias. Assim, na hipótese de a reclamação do primeiro acórdão ter sido atendida, tendo esse acórdão sido alterado tal poderia, eventualmente, ter influência na marcha do processo e, consequentemente, no prazo para interposição da segunda apelação.
Acresce que o acórdão recorrido admite expressamente que teria aplicação o prazo acrescido (40 dias) previsto no artigo 638.º, n.º 7 do CPC, porque o apelante também recorreu do julgamento da matéria de facto. Todavia, mesmo considerando este prazo, entende o acórdão recorrido que o recurso seria intempestivo porque o prazo se teria iniciado com a notificação do acórdão de 24.09.2024 e não com a notificação do segundo acórdão proferido sobre a respetiva reclamação.
Todavia, não é essa a interpretação mais correta da lei processual. Efetivamente, como decorre do artigo 628.º do CPC, o acórdão de 24.09.2024 só poderia considerar-se transitado em julgado quando deixasse de ser suscetível de recurso ordinário ou reclamação. E como consta dos autos, esse acórdão foi alvo de reclamação decidida por acórdão de 11.12.2024, notificado às partes em 16.12.2024. Portanto, só depois daqui se poderia iniciar o prazo para o recurso da sentença. Conclui-se, assim, que, quer esse prazo seja de 30 dias, quer seja de 40, sempre, em 24.01.2025, o recurso foi interposto em tempo, não havendo, deste modo, fundamento para a sua recusa.
Em síntese, concluiu-se que o acórdão recorrido não fez a correta aplicação da lei de processo, face aos dados que resultam dos autos, concluindo-se que o recurso de apelação interposto pelo réu foi tempestivo e, por isso, deve ser conhecido pelo tribunal da Relação.
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DECISÃO: Pelo exposto, julga-se a revista procedente, revogando-se o acórdão recorrido, repristinando-se o despacho de 21.01.2025 e considerando-se que o recurso de apelação foi tempestivamente apresentado. Consequentemente, deve o recurso de apelação ser julgado, caso nenhum outro fator (para alem da questão da tempestividade) obste ao conhecimento do objeto do recurso, determinando-se a baixa dos autos ao tribunal recorrido.
Custas pela recorrida.
Lisboa, 07.10.2025
Maria Olinda Garcia (Relatora)
Ricardo Costa
Anabela Luna de Carvalho