Sumário elaborado pelo relator nos termos do art.º 663.º, n.º 7, do CPC
Não é violado nem o art. 260.º do CPC, nem o art. 333.º, do CC, quando os autores pedem a restituição de um imóvel, invocando a ocupação ilícita do mesmo pelo réu, e, por isso, pedem a sua devolução, e o réu se limita a aludir ao contrato de arrendamento, a favor de sua mãe falecida não invocando ter comunicado aos autores, a sua intenção de manter o mesmo contrato por transmissão, nos termos do art. 23.º do DL n.º 385/88, de 25-10, vigente à data da morte da mãe do réu.
I.- Relatório
Recorrente – AA
Recorridos- BB e outros.
1.- BB, CC, DD, EE, FF, GG, todos com os sinais dos autos, intentaram) ação declarativa condenatória, com processo comum, contra AA, também com os sinais dos autos, pedindo:
«a) Ser o R. condenado a reconhecer o direito de propriedade dos AA. sobre o prédio misto, situado em Localização 1, freguesia de Santa Maria, São Pedro e Sobral da Lagoa, concelho de Óbidos, composto de terra de semeadura, vinha, oliveiras, outras árvores de fruto e mato e casa de habitação, cómodos e logradouro, com a área total de 43080 m2, incluindo a parte urbana com a área coberta 142 m2 e descoberta de 120 m2, descrito na Conservatória de Registo Predial de Óbidos sob o nº ..77, freguesia de Óbidos (S.Pedro), e inscrito na matriz, na parte urbana sob o artº ..22 da Freguesia de Santa Maria, São Pedro e Sobral da Lagoa (teve origem no artº ..02-U da Freguesia de Óbidos (S.Pedro)) e na parte rústica sob o artº ..., secção V da Freguesia de Santa Maria, São Pedro e Sobral da Lagoa;
b) Ser o R. condenado a desocupar o imóvel, restituindo-o aos seus proprietários livre e devoluto de pessoas e bens;
c) Ser o Réu condenado no pagamento de uma quantia diária de €100,00 (cem euros), a título de indemnização aos AA. pela ocupação indevida do prédio, desde 7 de Maio de 2021 (data da sua interpelação judicial) e até à sua restituição integral, livre e devoluta de pessoas e bens, quantias estas às quais deverão, naturalmente, acrescer juros legais vencidos e vincendos desde a citação e até integral e efectivo cumprimento» (destaques subtraídos).
Para tanto, alegaram, em síntese, que, sendo os demandantes proprietários do imóvel aludido, âmbito em que beneficiam da presunção registral (por inscrição de aquisição a seu favor), encontra-se o R. ilegitimamente a ocupá-lo, sendo que, notificado já para o abandonar, não o fez, assim causando prejuízos aos AA. (danos patrimoniais e não patrimoniais), a deverem ser objeto de indemnização no âmbito do disposto no art.º 483.º, n.º 1, do Código Civil (doravante, CCiv.).
2.- O R. contestou, concluindo pela improcedência da ação e afirmando, para tanto e em síntese, que:
- dispõe de título legítimo para a ocupação do prédio, por o ter o seu pai recebido em arrendamento e, por morte dele, tal arrendamento ter passado para a sua mãe (esposa daquele) e, após, por morte desta, passado para o R.;
- tem o R. amanhado o prédio, o que faz desde há dezenas de anos, ainda no tempo em que os pais eram rendeiros, com os quais sempre ali viveu;
- pagou rendas até 2004, após o que deixou de o fazer, por não saber a favor de quem as depositar, uma vez falecidos os anteriores representantes e ninguém ter comunicado que tivesse poderes para receber as rendas;
- porém, está disponível para pagar as rendas posteriores a 2004;
- a morte do rendeiro não faz caducar o contrato, que se transmite (a posição contratual de arrendatário) ao cônjuge sobrevivo ou aos parentes ou afins na linha reta – no caso, primeiro transmitiu-se à viúva, HH, e depois ao filho, o ora R., que sempre residiu com os pais até ao óbito destes e sendo o atual rendeiro, com o reconhecimento dos anteriores proprietária do imóvel, tendo sido emitidos alguns recibos a favor dele;
- assim, inexiste qualquer lesão de direitos ou invocado prejuízo.
3.- Os AA., pronunciando-se, alegaram que o R. nunca foi rendeiro do imóvel em causa, nem como tal foi reconhecido, nem lhes tentou pagar qualquer renda nessa qualidade.
4.- No prosseguimento dos autos foi realizada audiência prévia, após o que (em 16/06/2023) foi proferido despacho saneador, com definição do objeto do litígio e conhecimento parcial do mérito da causa, âmbito em que foi decidido:
a) «Condena-se o Réu (…) a reconhecer o direito de propriedade dos Autores (…) sobre o prédio misto, situado em Localização 1, freguesia de Santa Maria, São Pedro e Sobral da Lagoa, concelho de Óbidos, composto de terra de semeadura, vinha, oliveiras, outras árvores de fruto e mato e casa de habitação, cómodos e logradouro, com a área total de 43080 m2, incluindo a parte urbana com a área coberta 142 m2 e descoberta de 120 m2, descrito na Conservatória de Registo Predial de Óbidos sob o nº ..77, freguesia de Óbidos (S.Pedro), e inscrito na matriz, na parte urbana sob o artº ..22 da Freguesia de Santa Maria, São Pedro e Sobral da Lagoa (teve origem no artº ..02-U da Freguesia de Óbidos (S.Pedro)) e na parte rústica sob o artº 95, secção V da Freguesia de Santa Maria, São Pedro e Sobral da Lagoa.»;
b) «Prosseguem os autos os demais termos para apreciação dos demais pedidos formulados».
Logo foram enunciados os temas da prova e admitidos os requerimentos probatórios.
5.-Realizada a audiência final, foi proferida sentença (datada de 18/09/2024), julgando a ação improcedente, com a consequente absolvição do R., quanto aos pedidos ainda subsistentes.
6.- De tal sentença apelaram os AA.
7.- Em 8/4/2025 foi proferido acórdão na Rel. de Coimbra, tendo terminado com o seguinte dispositivo:
a) Revogar a sentença absolutória impugnada quanto ao pedido de desocupação e restituição do imóvel em causa, propriedade dos AA./Recorrentes;
b) Julgar, nesta parte, em substituição do Tribunal recorrido, na procedência da apelação, procedente a ação, com condenação do R./Apelado a desocupar o imóvel, restituindo-o aos AA., seus proprietários, livre e devoluto de pessoas e bens;
c) Manter no mais a sentença apelada.
Custas da ação – sem prejuízo do já decidido, definitivamente, no despacho saneador – e da apelação por AA./Recorrentes e R./Recorrido na proporção de metade, por ser essa a medida do respetivo decaimento, sem prejuízo do pedido de apoio judiciário formulado pelo R..
8.- Inconformado com tal acórdão dele interpor revista o R.- AA, terminando a sua motivação com as conclusões que se transcrevem:
“1 - O Tribunal de primeira instância, decidiu, entre o mais, a acção improcedente quanto à entrega pelo R, do imóvel e à sua restituição aos proprietários livre e devoluto de pessoas e bens, pois existia um contrato de arrendamento válido.
2 - O Tribunal da Relação de Coimbra entendeu diversamente e revogou a douta decisão absolutória, condenando o R. apelado a desocupar o imóvel , entregando-o aos AA, seus proprietários, livre e devoluto de pessoas e bens.
3 - O Tribunal da Relação baseia esta sua douta decisão em facto articulado pelos AA. em alegações de recurso para a segunda instância.
4 - Este facto novo, nunca alegado ou tratado em primeira instância, foi que havia caducidade do contrato de arrendamento.
5 - Embora mantenha provado que o contrato de arrendamento existia.
6 - Este facto, a caducidade, só foi trazido aos autos na alegação do recurso para o Tribunal da Relação.
7 - O Tribunal de primeira instância não se pronunciou quanto a isso, porquanto as partes não trouxeram tal facto à discussão, embora os AA o pudessem ter alegado – artº 3º, nº 4 do C.P.C.
8 - Os AA trouxeram-no à discussão num momento e que o R. já não podia apresentar qualquer prova ou contraprova do facto agora alegado.
9 - Violando o disposto nos artigos 3º, nº4, 5º e 608º todos do C.P.C.
10 - Acresce que a excepção da caducidade, neste caso, não é do conhecimento oficioso, pois é estabelecida em matéria não excluída da disponibilidade das partes – artº 333º, nº 2 do C.C.C.
11 – Pelo que tem que ser invocada nos articulados – artº 303º do C.C.
12 - Ao agir como agiu, o Tribunal da Relação de Coimbra alterou, também, a instância quanto ao pedido e à causa de pedir, pois apreciou um facto não alegado pelas partes em 1ª instância e decidiu um pedido não formulado na mesma instância, violando o disposto no artº260º do C.P.C.
Nestes termos e nos melhores de direito, com o devido suprimento de Vªs Exªs Senhores Juízes Conselheiros, deve ser revogado o douto acórdão proferido pelo Tribunal da Relação de Coimbra, prolatando-se novo acórdão pelo STJ que julgue a acção improcedente quanto à entrega do imóvel aos AA, livre e devoluto de pessoas e bens, assim se fazendo,
JUSTIÇA”
9.- Feitas as notificações a que alude o art.º 221.º, do C.P.C., responderam os AA. - BB e OUTROS, terminando a sua motivação com as conclusões que se transcrevem:
1. ª – Vem o Recorrente AA insurgir-se no presente recurso de revista contra o douto acórdão do Tribunal da Relação de Coimbra que julgou o recurso interposto pelos ora recorridos procedente e revogou a douta sentença proferida em 1ª Instância, condenando o Recorrente a desocupar o imóvel, resFtuindo-o aos aqui Recorridos, seus proprietários, livre e devoluto de pessoas e bens;
2. ª – O Recorrente AA pretende com o presente recurso a revogação do douto acórdão recorrido e a confirmação da sentença proferido pelo Tribunal de Primeira Instância.
3. ª – Todavia, não assiste razão ao Recorrente pois o douto acórdão proferido pelo Tribunal da Relação de Coimbra fez uma correta interpretação e aplicação da lei aos factos dos autos.
4. ª - A ausência de alegação e prova por parte do Recorrente de que cumpriu os requisitos legais para a transmissão do arrendamento rural, nomeadamente a comunicação escrita ao senhorio no prazo de 180 dias após a morte da sua mãe, resulta na caducidade do contrato de arrendamento e, consequentemente, na ausência de título legítimo para a sua ocupação do imóvel. Com efeito,
5. ª - O Recorrente alega que o TRC fundamentou a sua decisão num "facto novo" – a caducidade do contrato de arrendamento – que não havia sido alegado ou discuGdo em primeira instância, o que, na sua perspecGva, violou normas processuais e o privou de defesa.
6. ª – Mas, na verdade, não estamos perante um "facto novo" ou, muito menos, uma alteração da causa de pedir, pois a questão da caducidade surge, em parte, como uma consequência jurídica dos factos alegados pelo Recorrente nos artºs 6º a 14º e 22º a 36º da sua contestação (transmissão/caducidade do arrendamento) e, em parte, da ausência de alegação de factos essenciais pelo próprio Réu para fundamentar a sua posse.
7. º - Os Autores, desde a petição inicial, reivindicaram a propriedade e a desocupação do imóvel e foi o próprio Réu quem, na sua contestação, invocou a existência de um contrato de arrendamento rural e a sua transmissão por morte (afirmando literalmente nos artºs 22º e 23º que a morte do senhorio ou do 11 rendeiro não fazem caducar o contrato de arrendamento) para justificar a sua ocupação, assumindo assim o ônus de alegar e provar a subsistência desse contrato e a sua qualidade de arrendatário.
8. ª - O Artigo 24.º, n.º 2, do Decreto-Lei n.º 385/88 (Lei do Arrendamento Rural) estabelece a caducidade do arrendamento se os titulares do direito à transmissão não comunicarem por escrito ao senhorio a sua vontade de continuar como arrendatários no prazo de 180 dias após a morte do arrendatário.
9. ª . O tribunal a quo não conheceu ex officio de uma exceção que deveria ser alegada pelas partes.
10. ª Na verdade, o tribunal a quo verificou que o Recorrente, depois de afirmar expressamente que o contrato de arrendamento não caduca por morte, ao invocar a transmissão do arrendamento como seu título para a posse, não alegou um dos pressupostos legais essenciais para que essa transmissão se efetivasse, a saber, a comunicação escrita ao senhorio no prazo legal.
11. ª - A “caducidade" é a consequência direta e legal da omissão desse requisito, tendo-se o Tribunal da Relação de Coimbra limitado a aplicar a lei ao caso concreto
12. ª - O douto Tribunal a quo, perante a verificação de que o Réu não alegou ter efetuado tal comunicação, retirou a inevitável consequência jurídica da caducidade do arrendamento.
13. ª - A caducidade é uma questão de direito que o tribunal deve aplicar aos factos alegados e provados, sendo uma mera decorrência jurídica dos factos trazidos ao processo pelo próprio Réu para justificar a sua ocupação, e não uma exceção que o tribunal tenha conhecido ex officio indevidamente.
14. ª – Também a alegação de privação de defesa não faz sentido, pois o Recorrente teve a oportunidade de se pronunciar sobre o argumento da caducidade nas suas contra-alegações ao TRC, mas optou por não o fazer, para além de que foi o próprio Réu quem suscitou a questão da transmissão do arrendamento na sua contestação.
15. ª - A jurisprudência invocada pelo Réu é inaplicável ao caso sub judice, pois tais decisões referem-se à introdução de factos novos ou questões não previamente debatidas sem assegurar o contraditório, ao passo que no presente caso a 12 caducidade resulta da falha do próprio Réu em alegar e comprovar os pressupostos legais da sua defesa.
16. ª - A ausência de alegação e prova por parte do Recorrente de que cumpriu os requisitos legais para a transmissão do arrendamento rural, nomeadamente a comunicação escrita ao senhorio no prazo de 180 dias após a morte da sua mãe, resulta na caducidade do contrato de arrendamento e, consequentemente, na ausência de título legítimo para a sua ocupação do imóvel.
17. ª - Pelo exposto, e com o douto suprimento de V. Exas., Senhores Juízes Conselheiros, deverá ser negado provimento ao recurso interposto pelo Réu, mantendo-se integralmente o douto acórdão proferido pelo Tribunal da Relação de Coimbra que condenou o Réu a desocupar o imóvel e a restituí-lo aos Autores, seus proprietários, livre e devoluto de pessoas e bens, pois o mesmo faz uma correcta interpretação e aplicação da lei (nomeadamente os citados artºs 303º e 333º do CC e 3º, nº4, 5º, nº2, 260º, 608º, nº2 do CPC evocados pelo Recorrente na sua alegação de recurso).
TERMOS EM QUE, e demais do douto suprimento, deverá ser negado provimento ao recurso interposto pelo Recorrente, assim se fazendo
Justiça”
10.- Foi proferido despacho a receber o recurso do seguinte teor:
“Antecedente requerimento de interposição de recurso para o Colendo Supremo Tribunal de Justiça (doravante, STJ): Por tempestivo e legal, admite-se o recurso interposto para o STJ, o qual é de revista, com subida imediata, nos próprios autos e efeito meramente devolutivo [art.ºs 671.º, n.º 1, 675.º, n.º 1, e 676.º, n.º 1, todos do NCPCiv.]. Vai também admitida a contra-alegação oferecida. Não tendo sido invocada a nulidade do acórdão impugnado, com suporte digital do acórdão desta Relação, da alegação e da contra-alegação recursórias de revista, remeta, oportunamente, os autos ao STJ”.
11.- Colhidos os vistos cumpre decidir.
II- Objeto do recurso
Considerando que o objecto do recurso (o “thema decidendum”) é estabelecido pelas conclusões das respectivas alegações, sem prejuízo daquelas cujo conhecimento oficioso se imponha, atento o estatuído nas disposições conjugadas dos artigos 663º nº 2, 608º nº 2, 635º nº 4 e 639º nºs 1 e 2, todos do Código de Processo Civil (CPC), a questão a decidir consiste em saber:
- Se o acórdão recorrido deve ser revogado e por consequência não se proceder à entrega do imóvel aos AA, livre e devoluto de pessoas e bens.
III- Fundamentação
1.- Factos provados
«Factos Provados em anterior saneador/sentença que decidiu parcialmente do mérito:
1.- O Prédio misto, situado em Localização 1, freguesia de Santa Maria, São Pedro e Sobral da Lagoa, concelho de Óbidos, composto de terra de semeadura, vinha, oliveiras, outras árvores de fruto e mato e casa de habitação, cómodos e logradouro, com a área total de 43080 m2, incluindo a parte urbana com a área coberta 142 m2 e descoberta de 120 m2, descrito na Conservatória de Registo Predial de Óbidos sob o nº ..77, freguesia de Óbidos (S.Pedro), e inscrito na matriz, na parte urbana sob o artº ..22 da Freguesia de Santa Maria, São Pedro e Sobral da Lagoa (teve origem no artº ..02-U da Freguesia de Óbidos (S.Pedro)) e na parte rústica sob o artº ..., secção V da Freguesia de Santa Maria, São Pedro e Sobral da Lagoa.
2- A actual descrição deste prédio (descrição nº..77) teve origem na descrição nº ...97 do Livro de Descrições nº 109 da C.R. Predial de Óbidos. 3- O referido prédio mostra-se inscrito a favor dos Autores pela Ap 3 de 1995/01/06.
Factos Provados em relação à restante matéria em discussão nos autos:
4- O R. consta registado como filho de II e de HH, tendo nascido em 1953.
5- HH, faleceu em D de M de 2005 no estado de viúva de II, o qual faleceu em data não concretizada.
6- Entre os abaixo referidos foi outorgado o designado “contrato de arrendamento ao cultivador directo” tendo por objecto o prédio indicado em 1, com as seguintes cláusulas e condições:
7- Após o falecimento do JJ, a sua mulher HH, manteve-se a explorar o prédio acima aludido tal qual o fazia o marido, nele vivendo em casa existente dentro do mesmo, e pagando a respectiva contraprestação.
8- Após o falecimento da indicada em 8, o R. continuou a amanhar o prédio acima aludido, nele tendo animais, como sejam, patos e ovelhas, os quais pastam no solo desse prédio, e aí vivem.
9- O R. habita casa existente no mesmo prédio aí tendo os seus haveres.
10- O R. sempre viveu desde o nascimento, quer com os seus pais, quer com a sua mulher e filhos no prédio indicado em 1, ajudando os pais a cultivá-lo quando eram vivos e passando a fazê-lo sozinho depois deles falecerem e ter falecido a sua esposa, bem assim após saída dos filhos de casa.
11- Em data não concretizada o R. apresentando-se como “arrendatário”, depositou na Caixa Geral de Depósitos a “renda” relativa ao prédio a que se tem vindo a fazer referência no montante de € 51,00, dizendo nesse documento, que assinou, e na parte referente ao motivo “porque os herdeiros de EE se recusaram a receber as rendas”.
12- Após aquela data nenhum outro valor foi pago aos AA. a qualquer título pela exploração do prédio a que se tem vindo fazer referência.
13- O prédio dos AA. tem um valor patrimonial actual e potencial de € 478.700,00.
14- Os AA. não têm usado e fruído o prédio acima aludido.
15- Em 14 de Janeiro de 2021 os AA. apresentaram notificação judicial avulsa pedindo a HH que restituísse aos mesmos o prédio indicado em 1.
16- Na sequência do pedido indicado em 15 o Agente de Execução elaborou o seguinte expediente:
2. - E resulta julgado não provado na sentença:
«a) Os AA. estão impedidos de vender o prédio referido no artigo 1º da petição inicial.
b) O R. impediu os AA. de ceder parte do prédio à Câmara Municipal de Óbidos para criação de infraestruturas e equipamentos sociais.
c) O referido em 14 e em a) e b) causa prejuízo diário aos AA. em montante concretamente não apurado.
d) O referido em 12 aconteceu por o R. desconhecer quem representava as heranças proprietárias do imóvel.».
2.- O Direito
O recorrente para defender a sua pretensão, refere, antes demais, que o acórdão recorrido violou o preceituado no art.º 333.º, do C.C., por a caducidade não ser de conhecimento oficioso, violando também o art.º 260.º, do C.P.C., por ter alterado o pedido e a causa de pedir.
Opinião oposta têm os recorridos que pugnam pela manutenção do acórdão recorrido.
Apreciando.
Como regra geral, o artigo 260º do Código do Processo Civil impõe o princípio da estabilidade da instância o que implica que, citado o réu, a instância deve manter-se a mesma quanto às pessoas, ao pedido e à causa de pedir, por isso, uma alteração estrutural daqueles pressupostos exige o acordo das partes.
Por isso, a ausência de acordo das partes implica um forte constrangimento para o autor que pretenda, após a citação, alterar a causa de pedir ou ampliar a causa de pedir ou o pedido; assim, a primeira só pode ser alterada ou ampliada em consequência de confissão feita pelo réu e aceita pelo autor e, quanto ao pedido, apenas se aceita uma ampliação caso seja desenvolvimento ou consequência do pedido primitivo.
O artigo 265º, nº 6 do Código do Processo Civil permite ainda a modificação do pedido e da causa de pedir naqueles casos em que não esteja em causa a convolação para uma relação jurídica diversa da controvertida mas apenas uma que seja dependente ou sucedânea da primeira.
Operando à leitura do acórdão recorrido não vislumbramos que o mesmo tenha violado, quer o art.º 260.º, do C.P.C., quer o art.º 333.º do C.C.
No acórdão posto em crise refere-se:
“No caso dos presentes autos, cabia ao R., para o efeito de obter a transmissão do direito por morte da arrendatária sua mãe, passando ele a ingressar na posição de arrendatário no quadro da relação contratual, e de modo a que esta (e o respetivo vínculo) não se extinguisse, comunicar a sua vontade, por escrito, ao respetivo senhorio, no prazo de 180 dias após a morte da sua mãe, falecida esta em 08/06/2005 (cfr. facto 5).
Doutro modo – na falta de tal comunicação escrita –, o contrato de arrendamento extinguir-se-ia por caducidade.
Na economia desta ação de reivindicação – que os AA., como proprietários, podiam intentar, com fundamento, como invocado, em ilícita detenção/ocupação pelo R.) –, destinada a obter o reconhecimento do seu direito de propriedade (o que já conseguiram, em sede de saneador) e a restituição/entrega do prédio (o que não lhes foi concedido), cabia aos demandantes alegar – e provar – os factos tendentes a demonstrar a (sua) aquisição do direito dominial e, bem assim, a violação do seu direito de propriedade, através da ocupação/detenção ilícita (sem título/autorização e contra a vontade dos donos) e recusa de restituição.
Ao R./contestante cabia, como fez, invocar a vigência do contrato de arrendamento e ser ele o atual arrendatário, por transmissão por morte do (anterior) arrendatário (cfr. aludido art.º 23.º do DLei n.º 385/88).
Para tanto, impendia sobre si o ónus de alegação – como alegou, na sua contestação – e prova de que, enquanto parente, na linha reta, com o arrendatário falecido vivia habitualmente em comunhão de mesa e habitação ou em economia comum há mais de um ano consecutivo.
Mas teria de alegar também – era seu o ónus na economia daquela ação de reivindicação – que exerceu o direito à transmissão, mediante comunicação dessa sua vontade, por escrito, ao senhorio, no prazo de 180 dias após a morte do arrendatário (no caso, a sua mãe). Ou, pelo menos, a impossibilidade, por motivo imputável ao senhorio, de lhe fazer chegar essa comunicação”.
Ou seja, como bem refere o acórdão recorrido, o R. para evitar que a pretensão dos AA., tivesse êxito teria de alegar, como alegou, ser possuidor de um contrato de arrendamento, obtido por transmissão, devendo também, alegar que comunicará tal intenção aos AA., no prazo de 180 dias a contar da morte de sua mão (falecida em D de M de 2005 no estado de viúva de II, o qual faleceu em data não concretizada, cfr, facto 5).
Ora, não tendo feita a alegação da comunicação, o que lhe cabia fazer e provar (cfr. n.º 2, do art.º 342.º, do C.P.C.), ao tribunal “a quo” mais não restava que julgar, procedente a pretensão dos AA. como o fez.
Daqui não resulta qualquer violação do art.º 333.º, do C.C., nem do art.º 260.º, do C.P.C., pois o tribunal não excedeu nem o pedido, nem a causa de pedir, nem tão pouco violou o preceituado no art.º 333.º, do C.C., pois limitou-se aplicar as normas ao caso, não mais que isso, sem qualquer violação.
Nem se diga, como faz o recorrente que a caducidade a que alude o art.º 23.º, do D.L. 285/88, de 25/10, apenas foi invocada pelos recorridos, nas alegações de apelação.
Na verdade, como se refere no acórdão recorrido e nós já referimos, os AA., aqui recorridos, invocaram o seu direito, cabendo ao R., aqui recorrente, invocar o contrato de arrendamento, que fez, na contestação e invocar a comunicação a que alude o art.º 23.º, do D.L. 285/88, de 25/10, que não alegou, o que deveria fazer e provar(cfr.º n.º 2, do art.º 342.º, do C.C.).
Porém, daqui não se pode pretender que os AA., aqui recorrentes, apenas alegaram a caducidade nas alegações da apelação, tanto mais, que cabia ao R., aqui recorrente, invocar tal matéria (comunicação do interesse na transmissão do arrendamento o não fez), para fazer “cair por terra” a pretensão dos AA.
Aliás, é o próprio R., aqui recorrente, que na sua contestação invoca a figura da caducidade, referindo “É sabido que a morte do senhorio não faz caducar o contrato de arrendamento. Assim, com o contrato de arrendamento não caduca por morte do rendeiro, transmitindo-se ao cônjuge sobrevivo ou aos parentes ou afins da linha recta.
Neste caso, primeiro transmitiu-se à viúva HH, depois ao filho ora Réu” (cfr. art.ºs 22, 23 e 24 da contestação), ficando-se, por aqui, nada referindo sobre a questão de ter enviado comunicação escrita aos AA., sobre o seu interesse, na transmissão do arrendamento, o que lhe cabia fazer
Assim, sem mais considerações a pretensão do recorrente, não merece acolhimento.
IV- Decisão
Face ao exposto decide-se julgar o recurso improcedente e manter o acórdão recorrido, nos seus termos.
Custas da revista cargo do recorrente.
Lisboa, 30/9/2025
Pires Robalo (relator)
Jorge Leal (adjunto)
Nelson Borges Carneiro (adjunto)