I. O Supremo Tribunal de Justiça tem o poder de apreciar o exercício que o Tribunal da Relação faz dos poderes-deveres previstos no artigo 662.º do CPC.
II. A interpelação prevista no artigo 808.º, n.º 1, do CC pressupõe a fixação pelo credor de um “prazo razoável” para a realização da prestação pelo devedor.
III. O direito à indemnização previsto no artigo 1223.º do CC permite o ressarcimento pelo empreiteiro dos danos sofridos pelo dono da obra decorrentes dos defeitos da obra que não sejam elimináveis por via do direito à reparação que, em primeira linha, assiste a este.
Recorrente: Isyum, Lda.
Recorrida: Construções Capela Braga, Lda.
1. Construções Capela Braga, Lda., propôs a presente acção declarativa comum contra Isyum, Lda., pedindo que esta seja condenada a pagar-lhe a quantia de € 184.950,20, acrescida dos juros vencidos no montante de € 4.993,50 e dos vincendos até ao efectivo e integral pagamento, correspondentes a facturas de trabalhos efectuados no âmbito de contratos de empreitada celebrados entre as partes.
2. A ré Isyum contestou, por excepção e por impugnação, e deduziu reconvenção, pedindo que se declarassem resolvidos aqueles contratos de empreitada, por incumprimento culposo e definitivo por parte da autora, e se condenasse a mesma a pagar-lhe as quantias de:
- € 256.475,73 a título de indemnização pelos danos patrimoniais por esta sofridos em consequência do incumprimento culposo e definitivo dos contratos de empreitada em causa nos autos;
- € 69.893,80 a título de indemnização pela desvalorização da obra e do edifício objecto dos contratos de empreitada em causa nos autos, causada pela execução deficiente de alguns dos trabalhos neles contratados e adjudicados; e
- € 138.678,04, correspondente ao valor indevidamente faturado e recebido pela reconvinda por trabalhos contratados e adjudicados nos contratos de empreitada em causa nos autos que não foram executados.
Mais pediu a condenação da autora, como litigante de má-fé, no pagamento de multa não inferior a € 5.000,00, bem como de uma indemnização a seu favor que permitisse ressarci-la das despesas que viesse a ter com o presente processo, incluindo os honorários do respetivo mandatário.
3. Foi proferida sentença em que se decidiu:
“Em face do exposto, julgo:
A.
Procedente o pedido formulado pela Autora, condenando a Ré a pagar à Autora a quantia de € 184.950,20 (cento oitenta e quatro mil novecentos e cinquenta euros e vinte cêntimos), acrescida dos juros vencidos e vincendos, contados desde a data da emissão das facturas melhor descritas nos factos provados números 19 a 21, até efectivo e integral pagamento.
B.
Parcialmente procedente o pedido reconvencional formulado pela Reconvinte, condenando a Reconvinda a pagar à Reconvinte a quantia de € 168.245,15 (cento e sessenta e oito mil, duzentos e quarenta e cinco euros e quinze cêntimos).
Parcialmente improcedente o pedido reconvencional formulado pela Reconvinte, do qual se absolve a Reconvinda.
C.
Improcedente o pedido, formulado pela Ré, de condenação da Autora como litigante de má-fé, do qual vai absolvida”.
4. Tendo a autora Construções Capela Braga apelado, foi proferido no Tribunal da Relação de Guimarães Acórdão de cujo dispositivo consta:
“Pelos fundamentos acima expostos, acordam as Juízas Desembargadoras da 1.ª Secção Cível do Tribunal da Relação de Guimarães em julgar a apelação parcialmente procedente e, em consequência, revogam a sentença recorrida, na parte em que condenou a Autora/reconvinda no pagamento à Ré/reconvinte da quantia de € 127.275,15 (cento e vinte e sete mil duzentos e setenta e cinco euros e quinze cêntimos), e mantêm a sentença recorrida, na parte em que condenou a Autora/reconvinda no pagamento à Ré/reconvinte da quantia de € 40.970,00 (quarenta mil novecentos e setenta euros)”.
5. Perante isto, recorre a ré Isyum para este Supremo Tribunal de Justiça, “ao abrigo do disposto no Artº. 671°, nº.l, do Código de Processo Civil”.
Conclui as suas alegações assim:
“1a) Pelas razões aduzidas no ponto I das alegações do presente recurso, que aqui se dão por integralmente reproduzidas, quando, em sede da reapreciação da decisão da matéria de facto, designadamente, quanto ao ponto de facto 58 do elenco dos factos provados, se limita a decidir que o mesmo deve ser eliminado da fundamentação de facto por se tratar de matéria de índole manifestamente conclusiva, é manifesto que o Acórdão ora recorrido viola o disposto nos Art°s. 662°, n°. 1, e 607°, n°. 4 e 5, do Código de Processo Civil, este aplicável por força do disposto no Art°. 663°, n°.2, do mesmo diploma legal, o que constitui fundamento bastante para o presente recurso de revista — Art°. 674°, n°. 1, alínea b), do C.P.C..
SEM PRESCINDIR
2a) Pelas razões aduzidas nos pontos II a IV das alegações do presente recurso, que aqui se dão por integralmente reproduzidas, da existência de depoimentos contraditórios quanto à factualidade aduzida nos mencionados pontos 11, 12, 13 e 14, contradição reconhecida no próprio Acórdão ora recorrido e que, por si só, põe em causa - fragiliza - a segurança que deve presidir e conduzir à decisão da existência de um erro na apreciação e julgamento daquela factualidade concreta por arte da 1a instância, e do facto do Tribunal a quo ter ignorado em absoluto a existência nos autos de outros meios de prova relevantes para a formação da sua convicção sobre aquela factualidade e, por consequência, para a decisão sobre a existência, ou não, de um erro na apreciação e julgamento da mesma por parte da Ia instância, resultam fundadas e sérias dúvidas de que a prova produzida nos autos permita "com a necessária segurança, concluir pela existência de erro de apreciação relativamente a concretos pontos de facto impugnados.", designadamente, não permite concluir com a necessária segurança pela existência de erro na apreciação dessa prova pela Ia instância e na sua decisão de julgar como não provados os factos acima aduzidos sob os pontos 11, 12, 13 e 14, não permite concluir que a prova produzida imponha uma decisão diversa, pelo que o Acórdão ora recorrido viola o disposto no Art°. 662°, n°.l, do Código de Processo Civil, o que constitui fundamento bastante para o presente recurso de revista - Art°. 674°, n°. 1, alínea b), do C.P.C..
SEM PRESCINDIR
3a) Pelas razões aduzidas nos pontos V a VIII das alegações do presente recurso, que aqui se dão por integralmente reproduzidas, é claro e inequívoco que o facto da Recorrida ter levantado o seu estaleiro da obra em data anterior a 18/10/2021, quando já tinha conhecimento de que havia trabalhos que ainda estavam por concluir e que, entre os concluídos, havia trabalhos que apresentavam vicios e desconformidades relativamente ao convencionado, por si só revela e consubstancia uma situação de abandono da obra por parte da mesma, e, como tal, "um propósito definitivo de não conclusão do ato de realização da obra" por parte da Recorrida, constituindo um comportamento concludente da Recorrida que já evidenciava a sua vontade firme e definitiva de executar os trabalhos necessários para reparar e eliminar os vicios e as desconformidades que se verificavam em alguns dos trabalhos executados pela mesma, e que eram do seu conhecimento, que já evidenciava - indicava - de forma categórica e unívoca o seu propósito firme e definitivo de não cumprir a sua prestação/obrigação nos termos convencionados nos contratos de empreitada dos autos.
Estávamos, pois, já perante um comportamento concludente da Recorrida - abandono da obra -que já então traduzia e consubstanciava um propósito firme e definitivo da mesma em não continuar a cumprir os contratos de empreitada celebrados com a Recorrente - e em causa nestes autos -, uma firme e definitiva recusa em continuar a cumprir os mesmos, e, como tal, já então esse comportamento de recusa traduzia e consubstanciava um incumprimento definitivo desses contratos por parte da Recorrida.
4a) Pelas razões aduzidas nos pontos V a VIII das alegações do presente recurso, que aqui se dão por integralmente reproduzidas, é manifesto que, ao assim não entender, o Acórdão ora recorrido viola o disposto nos Art°s. 798°, 799°, 801°, 808°, 1208°, 1221° e 1223°, todos do Código Civil, o que constitui fundamento bastante para o presente recurso de revista - Art°. 674°, n°. 1, alínea a), do C.P.C..
SEM PRESCINDIR
5a) Pelas razões aduzidas nos pontos IX a XV das alegações do presente recurso, que aqui se dão por integralmente reproduzidas, é manifesto que, para além do abandono da obra em data anterior a 18/10/2021, também a comunicação da Recorrida à Recorrente datada de 10/12/2021 e a recusa da Recorrida no dia 06/01/2022 em receber da Recorrente dois documentos que ilustravam e elencavam os defeitos - vicios e desconformidades - verificados no inicio de Janeiro de 2022 nos trabalhos por si executados até 10/12/2021, constituem comportamentos concludentes da Recorrida que indicam de maneira categórica, certa e únivoca a sua vontade firme e definitiva de recusa em cumprir a obrigação por si assumida nos contratos de empreitada celebrados com a Recorrente e em causa nos autos, maxime, a sua vontade firme e definitiva de recusa em executar os trabalhos que neles assumiu executar nos termos neles acordados/convencionados, ou seja, sem defeitos - vicios ou desconformidades -, recusa essa que configura uma situação de incumprimento definitivo desses contratos de empreitada imputável à Recorrida - cfr. Art°s. 798° e 1208°, ambos do Código Civil.
6a) Pelas razões aduzidas nos pontos IX a XV das alegações do presente recurso, que aqui se dão por integralmente reproduzidas, é manifesto que, verificando-se uma situação de incumprimento definitivo desses contratos de empreitada dos autos imputável à Recorrida, subsistente em 06/01/2022, decorrente de várias atitudes - comportamentos - e comunicações destas que indicavam de maneira categórica e unívoca a sua vontade firme e definitiva de não efetuar os trabalhos necessários para reparar e eliminar os defeitos verificados e existentes àquela data nos trabalhos por si executados no âmbito daqueles contratos, Recorrente estava dispensada e realizar a interpelação admonitória da Recorrida para proceder a tais trabalhos e ara os efeitos do disposto no Art°. 808°, do Código Civil.
7a) Pelas razões aduzidas nos pontos IX a XV das alegações do presente recurso, que aqui se dão por integralmente reproduzidas, ao contrário do que se afirma no Acórdão ora recorrido, é de concluir que se verifica uma situação de incumprimento definitivo dos contratos de empreitada em causa nos autos imputável à Recorrida, e, em consequência, tem a Recorrente direito a ser indemnizada por aquela pelos danos causados por esse incumprimento, os quais correspondem aos custos dos trabalhos necessários para reparar e eliminar os defeitos -vicios e desconformidades - verificados nos trabalhos executados pela Recorrida, custos esses que, como resulta da factualidade provada nos autos, ascendem à quantia total de € 127.275,15 (€ 103.75,73 + IVA).
8a) Pelas razões aduzidas nos pontos IX a XV das alegações do presente recurso, que aqui se dão por integralmente reproduzidas, é manifesto que, ao assim não entender, o Acórdão ora recorrido viola o disposto nos Art°s. 798°, 799°, 801°, 808°, 1208°, 1221° e 1223°, todos do Código Civil, o que constitui fundamento bastante para o presente recurso de revista - Art°. 674°, n°. 1, alínea a), do C.P.C..
SEM PRESCINDIR
9a) Pelas razões aduzidas nos pontos XVI e XVII das alegações do presente recurso, que aqui se dão por integralmente reproduzidas, admitindo, por mera hipótese académica e de raciocínio, que, face à factualidade provada nos autos, não se verificava em 06/01/2022 uma situação de incumprimento definitivo dos contratos de empreitada dos autos imputável à Recorrida, mas apenas uma simples mora no seu cumprimento - na realização dos trabalhos necessários para reparar e eliminar os defeitos verificados - por parte desta, é manifesto que a carta enviada pela Recorrente à Recorrida em 05/11/2021, para a qual remete a carta enviada por aquela a esta em 17/01/2022, constitui e consubstancia uma interpelação admonitória válida e eficaz, a qual, perante o silêncio e a inação da Recorrida quanto à mesma, produziu os efeitos previstos no Art°. 808°, do Código Civil, convertendo aquela simples mora da Recorrida na realização dos trabalhos necessários para a eliminação dos defeitos verificados e subsistentes no inicio de Janeiro de 2022, no cumprimento da sua obrigação de executar sem vicios os trabalhos previstos e acordados nos contratos de empreitada dos autos, converteu-se em incumprimento definitivo dessa obrigação, apenas imputável à Recorrida, e, em consequência, conferindo à Recorrente o direito de ser indemnizada pelos danos causados por esse incumprimento e que correspondem aos custos dos trabalhos necessários para reparar e eliminar os defeitos - vicios e desconformidades - verificados nos trabalhos executados pela Recorrida, e que esta não realizou, custos esses que, como resulta da factualidade provada nos autos, ascendem à quantia total de € 127.275,15 (€ 103.75,73 + IVA).
10a) Pelas razões aduzidas nos pontos XVI e XVII das alegações do presente recurso, que aqui se dão por integralmente reproduzidas, é manifesto que, ao assim não entender, o Acórdão ora recorrido viola o disposto nos Art°s. 798°, 799°, 801°, 808°, 1208°, 1221° e 1223°, todos do Código Civil, o que constitui fundamento bastante para o presente recurso de revista - Art°. 674°, n°. 1, alínea a), do C.P.C.”.
6. A autora Construções Capela Braga veio apresentar contra-alegações e pedir a ampliação do objecto do recurso, “nos termos do disposto no artigo 636º do CPC”.
Formula as seguintes conclusões:
“A. A alteração da matéria de facto pelo TRG, relativamente aos pontos 11, 12, 13 e 14, assentou na livre apreciação da prova (designadamente, prova testemunhal e documental) - Artigo 662.º, n.º 1, do Código de Processo Civil (CPC).
B. O STJ apenas pode intervir na matéria de facto nas excecionais situações previstas no Artigo 674.º, n.º 3, do CPC, ou seja, quando se verifique ofensa a disposição expressa de lei que exija certa espécie de prova para a existência do facto, ou que fixe a força probatória de determinado meio de prova.
C. A livre convicção do Tribunal da Relação sobre a factualidade provada ou não provada, formada nos termos do Artigo 607.º, n.º 5, do CPC, é insindicável pelo STJ.
D. Relativamente ao direito de resolução dos contratos de empreitada, fundado no alegado incumprimento definitivo por parte da ora Recorrida, verifica-se a existência de dupla conforme decisória, com efeito, tanto a sentença da primeira instância, quanto o douto acórdão do Tribunal da Relação de Guimarães julgaram improcedente o pedido de resolução, absolvendo a Recorrida do mesmo.
E. Esta conformidade substancial entre as duas decisões de mérito sobre o pedido de resolução dos contratos configura o instituto da dupla conforme, nos termos do Artigo 671.º, n.º 3, do Código de Processo Civil (CPC), o que determina a inadmissibilidade legal do recurso de revista relativamente a esta parte da decisão,
F. A pretensão do Recorrente de obter uma indemnização correspondente ao custo de eliminação dos defeitos carece de fundamento legal, porquanto não se verificou um incumprimento definitivo por parte da Recorrida.
G. O direito à indemnização pelos custos de eliminação de defeitos, nos termos do Artigo 798.º do Código Civil (CC), pressupõe a existência de incumprimento definitivo imputável ao empreiteiro, o que, como demonstrado, não se verifica no caso sub judice.
H. O douto acórdão recorrido aplicou corretamente as normas relativas à responsabilidade contratual, em particular os Artigos 804.º, n.º 2, 808.º, n.º 2, e 1221.º e ss. do CC, ao concluir pela inexistência de incumprimento definitivo.
I. Ao contrário do que o Recorrente parece invocar, o regime jurídico consagrado nos Artigos 1221.º a 1223.º do CC estabelece uma ordem sucessiva e hierárquica de direitos, com primazia da eliminação dos defeitos ou da obra nova sobre a redução do preço ou a resolução do contrato, e com a indemnização a assumir um caráter tendencialmente subsidiário.
J. Não tendo sido declarado o incumprimento definitivo, nem alegada e provada a urgência na reparação dos defeitos que justificasse uma atuação direta da Recorrente, o pedido de indemnização pelos custos de reparação está irremediavelmente prejudicado e carece de fundamento legal.
K. O douto acórdão do Tribunal da Relação de Guimarães (TRG), no exercício dos seus poderes de reapreciação da matéria de facto aditou factos cruciais que demonstram a ausência de responsabilidade da Recorrida, a saber os factos provados nos pontos 59 a 62.
L. Estes factos, definitivamente assentes, revelam que as desconformidades invocadas pela Recorrente advêm das bases pré-existentes (pavimento e paredes) e da opção por si tomada de não regularizar tais bases (superfícies), apesar de advertida dos riscos, e não dos trabalhos executados pela Recorrida.
M. Em face da matéria de facto aditada e dada como provada pelo TRG, incluindo a sua fundamentação, deveria o Tribunal ter concluído que a ora Recorrida ilidiu a presunção de culpa estabelecida no Artigo 799.º, n.º 1, do Código Civil (CC).
N. Não existindo culpa da Recorrida pelos defeitos que motivaram a necessidade de reparação, não há lugar a qualquer responsabilidade contratual nos termos do Artigo 798.º do CC, e, consequentemente, não subsiste o dever de indemnizar relativamente ao ponto 57 da matéria assente,
O. Neste sentido, deve, nesta parte, o douto acórdão do TRG ser revogado e a Recorrida absolvida do pedido de pagamento da quantia de 9.000,00 (nove mil euros), o que se requer em sede ampliação do recurso, nos termos do disposto no artigo 636º do CPC.
P. A decisão do Tribunal da Relação de Guimarães (TRG) de eliminar o ponto 58 da matéria de facto provada encontra-se devidamente fundamentada.
Q. O ponto 58, "A Autora omitiu intencionalmente vícios da obra com o objetivo de lograr a condenação da Ré no pagamento do montante peticionado", constitui matéria notoriamente conclusiva, irrelevante e/ou de direito, que não encerra qualquer facto preciso ou concreto, contendo ademais elementos psicológicos e subjetivos, sendo a sua exclusão imperativa nos termos do Artigo 607.º, n.º 4, do Código de Processo Civil (CPC).
R. Trata-se de matéria, no mínimo, tendenciosa e que implicaria a improcedência da ação ou a procedência da reconvenção.
S. A tese do Recorrente de que o levantamento do estaleiro pela Recorrida em outubro de 2021 configura abandono da obra e incumprimento definitivo é refutada pela própria matéria de facto provada pelo TRG.
T. Os factos assentes demonstram que a Recorrida voltou à obra para reparação de defeitos em novembro de 2021 e interpelou a Recorrente para vistoria de receção provisória em dezembro de 2021, o que é manifestamente incompatível com uma intenção firme e definitiva de não cumprir.
U. A invocação da exceção de não cumprimento pela Recorrente (para justificar a falta de pagamento), é contraditória com a alegada perda de interesse na prestação da Recorrida ou com o abandono da obra, pois pressupõe a vontade de que a contraparte ainda cumpra.
V. A falta de pagamento da primeira fatura pela Recorrente remonta a agosto de 2021, muito antes da vistoria de receção, evidenciando uma postura de incumprimento e não de boa-fé, ao recusar a elaboração do auto de vistoria e impedir a prova pericial através de uma "segunda empreitada" em autotutela.
W.A carta da Recorrente datada de 5 de novembro de 2021, para a qual remete a de 17 de janeiro de 2022, não constitui uma interpelação admonitória válida e eficaz, porquanto o prazo de cinco dias concedido era manifestamente irrazoável para a eliminação dos múltiplos defeitos, conforme acertadamente concluiu o TRG e atesta o facto provado 56.
X. O disposto no artigo 1218º do C.C., deve ser interpretado no sentido de que, sempre que as partes se tenham obrigado, contratualmente, a fazer a vistoria à obra para efeitos de receção provisória e o dono da obra se tenha recusado a elaborar o auto de vistoria, não há incumprimento definitivo por parte do empreiteiro.
Y. O comportamento da Recorrida foi sempre no sentido de reparar os defeitos da sua responsabilidade, tendo elaborado um relatório de vistoria com o reconhecimento de desconformidades e a assunção da obrigação de reparação, o que contraria as alegações da Recorrente”.
7. A ré / ora recorrente Isyum respondeu a estas contra-alegações, “ao abrigo do disposto no Art°. 638°, n°.8, do CPC”.
8. No Tribunal da Relação de Guimarães foi proferido despacho com o seguinte teor:
“Porque está em tempo, a recorrente tem legitimidade e a decisão é recorrível, admito o recurso interposto por requerimento de 28.04.2025, ref.ª Citius 271258, o qual é de revista, sobe imediatamente, nos próprios autos e com efeito meramente devolutivo (artigos 627.º, 629.º, 631.º, 637.º, 638.º, n.º 1, 671.º n.º 1, 675.º n.º 1 e 676.º n.º 1, a contrario, todos do Código de Processo Civil).
Notifique e, observando-se as formalidades legais, subam os autos ao Supremo Tribunal de Justiça”.
1.ª) o Tribunal recorrido violou o disposto nos artigos 662.º, n.º 1, e 607.º, n.ºs 4 e 5, do CPC; e
2.ª) em qualquer caso, se a autora deve ser condenada no pagamento à autora da quantia respeitante ao custo da reparação dos vícios que persistiam em Janeiro de 2022 (no valor total de € 127.275,15).
A propósito das conclusões e da sua aptidão para delimitar o objecto do recurso, cumpre um breve esclarecimento. Em cada uma das conclusões que enuncia a recorrente faz uma sistemática remissão para o teor das alegações, dizendo que elas devem aí “ [dar-se] por integralmente reproduzidas”. Como é evidente, este não é um efeito legalmente admissível, sob pena de as conclusões não se distinguirem das alegações, ou seja, de não serem, afinal, as conclusões em sentido próprio a que a lei se refere.
Justificam-se ainda umas notas sobre a ampliação do objecto do recurso que a autora / ora recorrida requereu nas contra-alegações.
A possibilidade de ampliação do objecto do recurso está prevista no artigo 636.º do CPC, admitindo-se que ela tenha dois grupos de fundamentos.
Dispõe-se aí:
“1. No caso de pluralidade de fundamentos da ação ou da defesa, o tribunal de recurso conhece do fundamento em que a parte vencedora decaiu, desde que esta o requeira, mesmo a título subsidiário, na respetiva alegação, prevenindo a necessidade da sua apreciação.
2 - Pode ainda o recorrido, na respetiva alegação e a título subsidiário, arguir a nulidade da sentença ou impugnar a decisão proferida sobre pontos determinados da matéria de facto, não impugnados pelo recorrente, prevenindo a hipótese de procedência das questões por este suscitadas”1.
Sucede que a pretensão da autora / ora recorrida não é reconduzível a nenhuma das formas de ampliação do objecto do recurso que são descritas na norma.
Não está em causa nem a apreciação de um fundamento da decisão em que ela tenha decaído nem tão-pouco a arguição da nulidade do Acórdão ou a impugnação da decisão sobre a matéria de facto.
Leia-se, para confirmar, as conclusões N e O das contra-alegações:
“Não existindo culpa da Recorrida pelos defeitos que motivaram a necessidade de reparação, não há lugar a qualquer responsabilidade contratual nos termos do Artigo 798.º do CC, e, consequentemente, não subsiste o dever de indemnizar relativamente ao ponto 57 da matéria assente.
Neste sentido, deve, nesta parte, o douto acórdão do TRG ser revogado e a Recorrida absolvida do pedido de pagamento da quantia de 9.000,00 (nove mil euros), o que se requer em sede ampliação do recurso, nos termos do disposto no artigo 636º do CPC”.
Como é visível, aquilo que a autora / ora recorrida pretende é que seja apreciada uma genuína questão – a questão de saber se deve ser (também) absolvida no pagamento do custo de montagem e desmontagem das seis máquinas CNC que se encontravam nas instalações da ré / ora recorrente aquando da reparação dos defeitos.
Ora, como resulta do artigo 636.º do CPC, a apreciação de questões não é susceptível de ser requerida pela via da ampliação do objecto do recurso. Assim sendo, o requerimento da autora / recorrida é rejeitado.
OS FACTOS
São os seguintes os factos que vêm provados no Acórdão recorrido:
1. A Autora é uma sociedade comercial, por quotas, que tem como atividade o exercício da indústria da construção civil e obras públicas, sendo titular do alvará n.º 51079-PUB (artigo 1º da p.i.).
2. No âmbito da sua atividade, em fevereiro de 2021, a Autora foi convidada pela Ré para apresentar proposta / orçamento para a remodelação do interior da zona administrativa de um edifício industrial (antiga fábrica ...), sito na freguesia de ..., concelho de Vila Nova de Famalicão (artigo 2º da p.i.).
3. A Autora apresentou proposta, contendo um mapa de trabalhos e quantidades e lista de preços unitários, constante do orçamento reproduzido no documento número 1 da p.i. (fls. 9 e ss.), no valor total de € 209.327,68, a qual foi aceite pela Ré (artigos 3º e 4º da p.i.).
4. Entre a Autora e a Ré foi outorgado o escrito epigrafado de “contrato de empreitada”, datado de 1 de março de 2021, reproduzido no documento número 3 da p.i. (fls. 14 e ss.), tendo por objeto a execução da obra de remodelação interior da zona administrativa do edifício industrial (antiga fábrica da Leica), na freguesia de Antas, Vila Nova de Famalicão, de acordo com a proposta apresentada, pelo preço acordado de € 209.327,68 (duzentos e nove mil trezentos e vinte e sete euros e sessenta e oito cêntimos), acrescido de IVA à taxa legal, a pagar com o diferimento de 60 dias relativamente à elaboração, até ao segundo dia útil do mês seguinte ao da realização dos trabalhos, de autos de medição mensais (artigos 5º a 9º da p.i.).
5. A Ré indicou o Eng. AA, da empresa ..., como fiscal da obra (artigo 10º da p.i.).
6. Após o início da empreitada, a Ré solicitou à Autora preços para executar trabalhos que consistiram na remoção do piso existente em betão e colocação de um novo, também em betão, com revestimento a epóxi, num pavilhão pertencente ao mesmo complexo industrial, designado por “pavilhão de cima”, independente do edifício industrial objeto da empreitada aludida nos factos provados anteriores (artigos 19º e 20º da p.i.).
7. A Autora apresentou uma proposta no valor de € 79.866,74, constituída pelo mapa de trabalhos e de quantidades e lista de preços unitários, constante do orçamento reproduzido no documento número 4 da p.i. (fls. 17 e ss.) (artigo 21º da p.i.).
8. A Ré aceitou a proposta mencionada no facto provado anterior e adjudicou a realização dos trabalhos, por email de 17/03/2021, remetido do endereço ...@ysium.pt para o endereço ... (artigo 22º da p.i.).
9. Durante a execução da obra referida nos factos provados números 2 a 4, foi combinado entre as partes e a Autora executou, a pedido da Ré, os seguintes trabalhos a mais relativamente aos previstos no respetivo contrato:
- Porta corta-fogo – acesso área de produção; - Alçapões no teto falso;
- Retirada e recolocação de parte dos cerâmicos de paredes;
- Acabamento em estanho de paredes da sala de direção e sala de reuniões rápidas; - Trabalhos de carpintaria;
- Alteração da marca de torneiras;
- Estudo do estado da instalação de AVAC;
- Remoção de cerâmico e impermeabilização de base, no pavimento;
- Rede de águas residuais; e
- Parte da rede de abastecimento de água (artigos 11º e 14º da p.i.).
10. A Autora apresentou os orçamentos dos trabalhos mencionados no facto provado anterior que foram aceites pela Ré (artigo 16º da p.i.).
11. O valor dos trabalhos a mais referidos nos factos provados anteriores ascende a 31.928,40 € (artigos 13º e 17º da p.i.).
12. Durante a execução da obra referida nos factos provados números 1 a 4, verificaram-se trabalhos a menos, relativamente aos previstos no contrato mencionado nos factos provados números 2 a 4 (artigo 11º da p.i.).
13. O valor dos trabalhos a menos referidos no facto provado número 12, ascende a 35.480,62 € (artigo 12º da p.i.).
14. Durante a execução da obra referida nos factos provados números 6 a 8, realizaram-se, a pedido da Ré, os seguintes trabalhos não previstos no respetivo contrato:
- execução de porta de emergência, portão seccionado e casa de banho; e
- trabalho extra no pavimento (artigo 23º da p.i.).
15. A Autora apresentou os mapas de trabalhos e de quantidades e lista de preços unitários dos trabalhos não previstos referidos no facto provado anterior, que foram aceites pela Ré (artigo 24º da p.i.).
16. A pedido da Ré não foram executados os trabalhos de colocação de papeleiras e dispensadores (artigo 25º da p.i.).
17. O valor dos trabalhos executados, referidos nos factos provados números 14 e 15, ascendeu a 9.558,45 € (artigo 25º da p.i.).
18. A Autora executou trabalhos acordados, tendo sido feitas as respetivas medições na presença do fiscal indicado pela Ré e elaborados os respetivos autos que, com exceção do n.º 6, mereceram a sua aprovação (artigo 26º da p.i.).
19. Relativamente ao contrato aludido nos factos provados números 2 a 4, a Autora emitiu e enviou à Ré, que recebeu, as seguintes faturas referentes a trabalhos realizados:
- FT 2021/76 de 15/06/2021, correspondente ao auto n.º 3, com vencimento 2021/08/14, no valor de € 23.221,60, reproduzida no documento 6 da p.i.;
- FT 2021/138 de 25/11/2021, correspondente ao auto n.º 4, com vencimento 2022/01/24, no valor de € 27.258,61, reproduzida no documento 7 da p.i.;
- FT 2021/140 de 26/11/2021, correspondente ao auto n.º 5, com vencimento em 2022/01/25, no valor de € 66.316,91, reproduzida no documento 8 da p.i.;
- FT 2021/159 de 13/01/2022, correspondente ao auto n.º 6, com vencimento em 2022/03/14, no valor de € 11.324,57, reproduzida no documento 9 da p.i., perfazendo o valor total de 128.121,69 € (artigos 28º a 30º da p.i.).
20. Relativamente a trabalhos a mais realizados no contrato aludido nos factos provados números 2 a 4, a Autora emitiu e enviou à Ré, que recebeu, as seguintes faturas:
- FT2021/77 de 2021/06/15, com vencimento em 2021/08/14, no valor de € 12.095,15, reproduzida no documento 10 da p.i.;
- FT2021/79 de 2021/06/15, com vencimento em 2021/08/14, no valor de € 760,00, reproduzida no documento 11 da p.i.;
- FT2021/141 de 2021/06/26, com vencimento em 2022/01/25, no valor de € 5.220,80, reproduzida no documento 12 da p.i.;
- FT2021/142 de 2021/06/26, com vencimento em 2022/01/25, no valor de € 14.357,90, reproduzida no documento 13 da p.i.;
- FT2021/139 de 2021/11/25, com vencimento em 2022/01/24, no valor de € 559,71, reproduzida no documento 14 da p.i., perfazendo o valor total de 32.993,56 € (artigos 28º, 31º e 32º da p.i.).
21. Relativamente ao acordo aludido nos factos provados números 6 a 8, a Autora emitiu e enviou à Ré, que recebeu, as seguintes faturas referentes a trabalhos realizados:
- FT2021/136 de 2021/11/25 com vencimento em 24/01/2022, no valor de € 20.363,10, reproduzida no documento 15 da p.i.;
- FT 2021/137 de 25/11/2021 com vencimento em 24/01/2022, no valor de € 1.932,77, reproduzida no documento 16 da p.i.;
- FT2021/78 de 15/06/2021 com vencimento em 14/08/2021, no valor de €420,00, reproduzida no documento 17 da p.i.;
- FT2021/161 de 13/01/2022 com vencimento em 14/03/2022, no valor de € 891,83, reproduzida no documento 18 da p.i.;
- FT 2021/160 de 13/01/2022 com vencimento 14/03/2022, no valor de € 227,25, reproduzida no documento 19 da p.i., perfazendo o valor total de 23.834,95 € (artigos 33º e 34º da p.i.).
22. Na fatura n.º FT 2021/47, emitida pela Autora em 08.04.2021, no valor de € 25.176,20, paga pela Ré a 09.06.2021, foi incluída a execução de trabalhos no âmbito da empreitada de remodelação da zona administrativa, de acordo com o Auto de Medição n.º 1 (artigo 104º da contestação).
23. Na fatura n.º FT 2021/62, emitida pela Autora em 14.05.2021, no valor de € 6.664,00, paga pela Ré a 16.07.2021, foi incluída a execução de trabalhos no âmbito da empreitada de remodelação da zona administrativa, de acordo com o Auto de Medição n.º 2 (artigo 109º da contestação).
24. Na fatura n.º FT 2021/63, emitida pela Autora em 14.05.2021, no valor de € 6.200,91, paga pela Ré a 06.07.2021, foi incluída a execução de trabalhos da porta de emergência, do portão seccionado e da casa de banho (artigo 112º da contestação).
25. A fatura n.º FT 2021/64, emitida pela Autora em 14.05.2021, no valor de € 59.389,34, paga pela Ré a 16.07.2021, respeita à execução do pavimento térreo – 1ª Fase – do pavilhão na zona de produção, de acordo com o Auto de Medição n.º 1 (artigo 114º da contestação).
26. Na fatura n.º FT 2021/65, emitida pela Autora em 14.05.2021, no valor de € 12.816,36, paga pela Ré a 16.07.2021, foi incluída a retirada e recolocação de cerâmicos, retirada de cerâmico e impermeabilização base pavimento e parede, rede de drenagem de águas residuais, rede de abastecimento de água e reforço da cobertura (artigo 117º da contestação).
27. Foi adjudicada à Autora a execução de trabalhos na zona galvânica do pavilhão (artigo 100º da contestação).
28. Na fatura n.º FT 2021/81, emitida pela Autora em 23.06.2021, no valor de € 29.900,00, paga pela Ré a 17.08.2021, foi incluída a execução de trabalhos na zona galvânica do pavilhão (artigos 101º e 102º da contestação).
29. Os trabalhos referidos nos factos provados números 27 e 28 não foram efetuados pela Autora (artigo 101º da contestação).
30. Em visita efetuada à obra no dia 25/08/2021, pelos representantes da Ré acompanhados do fiscal da mesma – Eng.º AA - e pelo representante da empresa de arquitetura responsável pelo projeto de remodelação interior da zona administrativa, foram constatadas as seguintes situações:
i.
No interior da zona administrativa (zona de escritórios e zonas sociais):
a) as ombreiras da porta de entrada e do gabinete dos vigilantes não estavam esmaltadas de branco;
b) as paredes apresentavam mossas, riscos, sujidades, maus acabamentos e irregularidades, e algumas estavam inacabadas;
c) os tetos da área de circulação geral, da instalação sanitária masculina, do refeitório polivalente e dos gabinetes apresentavam deficiente acabamento e o teto junto à porta do corredor da zona social apresentava um buraco;
d) o pavimento encontrava-se desnivelado, apresentando entre 1 a 5 centímetros de desnivelamento, lombas e depressões, quer na parte em que o piso era flutuante – na zona da entrada do gabinete da administração, junto aos gabinetes e sala de reuniões e em frente à sala dos servidores – quer na parte em que o piso era epóxi - no wc entrada, no wc dos escritórios, na lavandaria, nos balneários, na cantina e no corredor; e) devido ao desnivelamento do pavimento os sanitários colocados também ficaram desnivelados;
f) pavimento flutuante com buracos junto a portas dos gabinetes, ausência ou deficiente acabamento entre o pavimento e os rodapés, as paredes ou as caixas de saneamento;
g) mau acabamento no piso dos duches, com ralos desalinhados e faltas de acabamento;
h) tampas de saneamento no corredor com mau acabamento, desalinhadas, desniveladas e uma aresta partida;
i) marcas do anterior pavimento e empolamento do pavimento nos balneários;
j) marcas/riscas de tinta na lavandaria, corredor da saída de emergência e cantina;
k) piso flutuante junto à casa de banho da sala de reuniões com salpicos de epóxi e arestas disformes no piso junto à porta principal de entrada;
l) rodapés com mau acabamento, desnivelados, deficiente esmaltagem e juntas mal betumadas; ausência de rodapés junto à porta corta-fogo de acesso do corredor ao pavilhão fabril;
m) juntas dos azulejos das casas de banho/balneários, esmaltagem de portas e frisos, imperfeitas;
n) Sifão de lavatório de casa de banho mal vedado, pingando água; porta dos sanitários com ligeiras imperfeições;
o) base de um chuveiro mal fixada à parede, oscilando; p) molduras de porta e janelas mal esmaltadas;
q) a porta entre zona dos escritórios e corredor da área social apresentava instabilidade, abanando devido ao peso e deslizando com dificuldade, devido a má colocação;
r) o vidro do balneário masculino e feminino não era fosco, bem como as portas do WC dos escritórios e lavandaria;
s) espelhos dos balneários / wc's com sujidade nas extremidades;
t) faltava colocar a porta na zona da máquina de lavar loiça de encastrar no armário da cozinha e os vidros laterais junto à porta de vidro do corredor;
ii.
Na obra de pavimento térreo – fase 1 – referida nos factos provados números 6 a 8:
a) ausência de remates ou remates mal-acabados no piso no pavilhão intervencionado;
c) a porta da casa de banho da montagem não se encontrava concluída e a tubagem da ventilação da mesma casa de banho não havia sido intervencionada;
d) o corte da chapa sob o portão e a porta de emergência do pavilhão mal acabado; mau acabamento das juntas das portas; o acabamento da parte de baixo de porta exterior não realizado; o pavimento corrigido na zona da entrada da porta de emergência a descascar; pavimento não tinha ainda sido alvo de intervenção com camada epóxi junto à porta corta-fogo instalada na zona de separação dos escritórios para a zona fabril, tal como no mesmo corredor envolvente; porta colocada mas não terminada, sendo visível a placa de pladur (cor rosa) na padieira, faltando todos os remates;
e) paredes rugosas;
f) caixa de saneamento construída no exterior por terminar, sem tampa, e roço do aberto no chão por nivelar e asfaltar (artigos 13º a 15º da contestação).
31. Em visita realizada à obra no dia 31.08.2021, foi dado conhecimento ao fiscal da obra e a representante da Ré, da manutenção de situações descritas no facto provado anterior (artigo 16º da contestação).
32. No dia 29/09/2021, verificava-se, entre outras coisas, que:
i.
Na obra de remodelação da zona administrativa:
- o piso tinha algumas irregularidades e apresentava tonalidades diferentes nalgumas divisões – lavandaria e refeitório – por má aplicação dos produtos de revestimento da CIN;
- no corredor, o piso apresentava desníveis e irregularidades junto às tampas de saneamento que estavam desalinhadas, empoladas com excesso de epóxi, sem uniformidade, por má aplicação dos produtos de revestimento da CIN;
- os rodapés apresentavam marcas de lixa e trincha resultantes do trabalho manual de aplicação;
ii.
Na obra de pavimentação do pavilhão fabril mantinham-se os defeitos de revestimento do pavimento junto à porta de entrada do pavilhão, bem como do acabamento das juntas do piso na transição do pavilhão intervencionado para o antigo (artigos 21º a 26º da contestação).
33. A Autora verificou e assumiu a existência de uma diferença de tonalidade do acabamento e as “roladas” da aplicação e que seria resolvida pela aplicação de um verniz (artigo 112º da réplica).
34. A Ré nunca aprovou a solução referida no facto provado anterior, solicitada por email de 19/10/2021, reiterado nos dias seguintes (artigo 114º da réplica).
35. A Autora reconheceu parte das situações descritas nos factos provados números 30 e 32 e declarou a sua disponibilidade para efetuar os trabalhos de reparação das mesmas (artigos 18º, 29º e 80º da contestação).
36. Depois das intervenções feitas pela Autora no local, mantinha-se parte das situações descritas nos factos provados números 30 e 32, nos pavimentos, nos rodapés, nos tetos, nas paredes, nos vãos interiores e exteriores e nas instalações sanitárias (artigo 19º da contestação).
37. A 18.10.2021, verificavam-se:
i.
Na obra de remodelação da zona administrativa das instalações industriais:
a) pavimentos com acabamento de pintura epóxi desnivelados e com deficiências de execução;
b) camada de epóxi que reveste o piso de algumas divisões – WC Público e Lavandaria –, com espessura inferior ao mínimo de 2 mm;
c) globalidade do sistema previsto com 6 mm de espessura (englobando 2 mm de autonivelante, 2 mm de CIN Moist Barrier e 2 mm de Epóxi C-Floor 7f400) com valores compreendidos entre 2,88 e 2,90 mm;
d) paredes interiores com fissuras e má execução da pintura, sendo visíveis descolorações onde se vê o tapamento de vãos;
e) deficiente remate entre as paredes e os rodapés;
f) paredes das instalações sanitárias e lavandaria, onde foi aplicado revestimento cerâmico, desniveladas, com as juntas entre cerâmicos sem uniformidade e com alguns mais salientes do que outros;
g) mau acabamento e folgas existentes, nas zonas onde foi necessário partir o cerâmico para a passagem de negativos;
h) deficiente remate entre as juntas das placas de gesso cartonado das forras de parede em gesso cartonado executada na circulação geral;
j) deficiente remate dos tetos falsos com as paredes da área da portaria, refeitório e circulação geral. Ausência de selagem dos tetos rasgados para a passagem de tubagem nas instalações sanitárias, vestuários, gabinetes 1, 2 e 4;
k) deficiente pintura nos vãos interiores da portaria, sanitários públicos e lavandaria;
l) deficiente pintura do vão envidraçado que separa a portaria da sala de reuniões rápidas e deficientes remates entre os vãos e as paredes das mesmas portar e sala de reuniões;
m) espelhos das casas de banho desalinhados;
n) faltam parafusos aos suportes das cabines de sanita ao pavimento e remate entre as mesmas e a parede na área sanitário. Ausência de uma barra antipânico na porta corta-fogo de acesso à área de produção;
o) deficiente pintura nos vãos onde foram pintados as ombreiras e padieiras como no refeitório e sala da direção;
p) rodapés desnivelados e mal rematados, em parte por falta de nivelamento do pavimento;
q) armários desalinhados, mal rematados com a parede, sem perfeito encaixe; móvel do lavatório do sanitário desnivelado, assim como armários do refeitório que estão sujos de tinta;
r) falta de fixação ao chão de sanitas das instalações sanitárias; deficiente remate dos lavatórios aos móveis onde foram embutidos; elevadores de chuveiro mal fixados;
s) falta de selagem das caixas de visita presentes nas instalações e do alinhamento dos ralos da área de duche presentes nas instalações sanitárias.
ii.
Na obra de execução de pavimento térreo (1ª Fase), porta de emergência, portão seccionado e casa de banho em pavilhão na zona de produção:
a. pavimentos com acabamento em pintura epóxi desnivelados e com deficiências no processo de execução, fissuras de pequeno calibre e remates entre o pavimento e as paredes confinantes executados de forma deficiente;
b) em diversos pontos, as juntas perimetrais não foram executadas de acordo com o projetado, verificando-se que em algumas das juntas não foi aplicado o mastique sobre o preenchimento da junta;
c) após extração de amostras no piso de produção, a espessura da camada de C-Floor 7f400 apresenta-se entre 0.49 e 1,08 mm, quando no projeto se prevê 1,5 mm;
d) necessidade de proceder à retificação dos remates das guarnições dos acabamentos da porta de emergência com a parede, tanto pelo interior como pelo exterior;
e) no portão seccionado: falta de fotocélulas e deficiente execução dos remates nas guarnições, apresentando folgas com expressão variável
f) deficiências dos acabamentos das paredes, dos remates entre os rodapés e as paredes, das infraestruturas hidráulicas e do piso, com desnível transversal, na casa de banho, onde também a sanita e o espelho não se encontram alinhados com a parede;
g) na porta reutilizada de acesso à casa de banho: danos no esquema de pintura e degradação das guarnições, sendo necessário fazer a decapagem da porta e das guarnições, o enxerto das zonas onde as guarnições estão partidas, o remate entre a parede e a porta e, por fim, a pintura de todos os constituintes da mesma (artigos 37º e 38º da contestação).
38. A Autora retificou as situações descritas nas alíneas j) e t) do ponto i. e c), f) e parte da d) do ponto ii., ambos do facto provado número 30 (artigo 104º da réplica).
39. A Autora assumiu a necessidade de retificação do acabamento dos rodapés (artigo 116º da réplica).
40. A Autora retificou parte da situação do piso flutuante, colocando algumas juntas de acordo com as indicações do projetista (artigo 119º da réplica).
41. As torneiras colocadas em obra foram aprovadas pela fiscalização e pelo projetista (artigo 124º da réplica).
42. A Autora levantou o seu estaleiro em data anterior a 18.10.2021 (artigos 39.º e 82.º, 1.ª parte, da contestação).
43. A Ré enviou à Autora a carta datada de 05/11/2021 cujo teor se reproduz no documento 7 da contestação (fls. 156 e ss. do processo físico), com os relatórios das auditorias realizadas pela “EQS”, devolvendo as faturas nºs. FT2021/76, FT2021/77, FT2021/78 e FT2021/7, pedindo a sua anulação e a emissão de novas faturas relativas aos trabalhos efetivamente executados “sem quaisquer defeitos e com respeito por todas as regras da arte” e solicitando à Autora: a anulação da fatura FT2021/63; a restituição do valor de € 29.900,00, respeitante à fatura FT2021/8 paga pela Ré; c) que se abstivesse de emitir outras faturas; d) o pagamento da quantia de € 69.893,00, respeitante ao valor estimado para a desvalorização da obra e do edifício, decorrente da deficiente execução dos trabalhos adjudicados; e) para proceder à eliminação dos defeitos nos termos dos relatórios da "EOS” (artigos 49º a 51º da contestação).
44. A Ré interpelou a Autora, por meio da referida carta datada de 5 de novembro de 2021 (documento 7 junto com a contestação) para que executasse e concluísse os trabalhos nos termos em que se obrigou (artigo 79º da contestação), constando da parte final da mesma que «No incumprimento ou no silêncio de V. Exas., no prazo de cinco dias, consideraremos que V. Exas. não querem cumprir com as V/obrigações.».
45. A Autora, por carta datada de 26/11/2021 (cf. documento 8 junto com a contestação), comunicou à Ré que «informamos que, no dia 30 de novembro de 2021, pelas 8:30 Horas iremos entrar em obra, a fim de executar os trabalhos para a sua conclusão e para a eliminação dos defeitos da nossa responsabilidade. Estima-se que todos os trabalhos estejam concluídos até ao dia 10 de dezembro.».
46. A Autora considerou concluídos os trabalhos de reparação em obra em 10 de dezembro de 2021, o que comunicou à Ré por email dessa data (artigo 65º da réplica e documento 20 da p.i.).
47. Por emails de 10/12/2021 e 14/12/2021, reproduzidos nos documentos 20 e 21 da p.i. (fls. 72 e 73 do processo físico), a Autora solicitou à Ré a realização de uma vistoria para efeitos de receção provisória da empreitada (artigo 37º da p.i.).
48. As situações descritas nos factos provados anteriores não são impeditivas da utilização do edifício para o fim a que se destina, o exercício pela Ré da sua atividade social (artigos 70º a 72º a réplica).
49. A Ré instalou os seus equipamentos e trabalhadores na obra (artigo 72º da réplica).
50. A Ré designou o dia 6 de janeiro de 2022, pelas 9:30 horas, para o efeito mencionado no facto provado anterior, comparecendo Autora e Ré no local, dia e hora designados (artigos 38º e 39º da p.i.).
51. Na mesma ocasião, a Ré, através da sua representante, pretendeu entregar à Autora uma cópia do levantamento fotográfico feito pela empresa CGF às patologias da obra e que a Autora assinasse um relatório mandado fazer por si, o que aquela recusou (artigos 39º e 40º da p.i. e 62º da contestação).
52. A Ré recusou elaborar o auto de vistoria (artigo 43º da p.i.).
53. Perante a recusa mencionada no facto provado anterior, a Autora elaborou um relatório de vistoria que remeteu à Ré por email de 08/01/2022 (artigo 45º da p.i.).
54. A Ré enviou à Autora a carta de 17/01/2022, que constitui o documento 23 da p.i. (fls. 76 e ss. do processo físico) com o seguinte teor: «Exmos. Senhores: Mantemos integralmente o teor das n/ comunicações. Pelas razões já suficientemente comunicadas não aceitámos as faturas que referem, pelo que, as devolvemos», bem como faturas recebidas que totalizavam o valor 172.506,55 € (artigo 47º da p.i.).
55. Para executar e/ou concluir os trabalhos necessários à eliminação das situações descritas nos factos provados anteriores subsistentes em janeiro de 2022, são necessários os valores de:
- € 54.538,93, acrescido de IVA, quanto aos trabalhos referentes à remodelação da zona administrativa; e
- € 48.936,80, acrescido de IVA, quanto aos trabalhos referentes à execução de pavimento térreo – 1ª Fase –, porta de emergência, portão seccionado e casa de banho em pavilhão na zona de produção (artigos 90º e 91º da contestação/reconvenção).
56. Para a execução dos trabalhos mencionados no facto provado anterior são necessários 25 dias (artigo 95º da contestação/reconvenção).
57. Para a realização dos trabalhos aludidos nos factos provados anteriores, será necessário parar o funcionamento de seis máquinas CNC que se encontram nas instalações da Ré, desmontá-las e voltar a montá-las depois de concluídos os trabalhos, o que terá um custo de € 9.000,00, acrescido de IVA (artigo 92º da contestação/reconvenção).
58. As situações descritas nos factos provados nos números anteriores diminuem o valor dos edifícios onde foi realizada a obra, no valor correspondente às reparações necessárias a que alude no facto provado número 55 (artigos 98º e 99º da contestação / reconvenção).
59. Previamente à intervenção no edifício pela Autora o pavimento apresentava desníveis entre 10mm a 50mm e as paredes apresentavam mossas, fissuras e outras irregularidades.
60. A Ré sabia que a superfície do pavimento e paredes apresentavam as deficiências e patologias mencionadas no facto anterior.
61. A Ré optou por não realizar os trabalhos necessários para regularizar e nivelar a superfície do pavimento e das paredes, e não retirar o cerâmico pré-existente, nomeadamente, na zona dos vestiários.
62. A Autora advertiu a Ré:
- da possibilidade de empolamento do revestimento nos vestiários, em consequência da não retirada do cerâmico pré-existente;
- da impossibilidade de colmatar as irregularidades do pavimento sem que previamente se procedesse à sua regularização e nivelamento, pois a solução de aplicação de um autonivelante apenas permitiria colmatar diferenças até ao máximo de 2mm.
E são seguintes os factos considerados não provados no Acórdão recorrido:
1. A Autora executou todos os trabalhos acordados com a Ré (artigo 26º da p.i.).
2. A generalidade dos tetos do interior da zona administrativa apresentava buracos, riscos, má pintura e pancadas (artigo 14º da contestação).
3. Os espelhos encontravam-se colocados de forma imperfeita, sem qualquer acabamento (artigo 14º da contestação).
4. Na obra de pavimento térreo – fase 1 – referida nos factos provados números 6 a 8, o piso encontrava-se sujo de cimento na zona de transição entre o pavilhão intervencionado e o antigo, com inexistência de acabamento de transição entre pavimentos (artigo 14º da contestação).
5. A imobilização de cada uma das máquinas CNC representa um prejuízo de € 40,00 por hora para a Ré (artigo 94º da contestação / reconvenção).
6. Os trabalhos preparatórios – artigos 000 e 001 –, as demolições – artigo 002 –, as paredes e divisórias – artigo 007 – e os tetos – artigo 017 – referidos como executados no Auto de Medição n.º 1, não foram executados pela Autora nos termos contratados (artigo 105º da contestação).
7. Os trabalhos mencionados no Auto de Medição n.º 2, não foram executados pela Autora nos termos contratados (artigo 110º da contestação).
8. Os trabalhos mencionados no facto provado número 24, não foram executados pela Autora nos termos contratados (artigo 113º da contestação).
9. Os trabalhos de montagem de estaleiro – Cap. 0 –, de demolições – Cap. 1 –, de execução do pavimento – Cap. 2 – e os trabalhos finais – Cap. 3 – referidos como executados no Auto de Medição n.º 1 referido no facto provado número 25, não foram executados pela Autora nos termos contratados (artigo 116º da contestação).
10. Os trabalhos mencionados no facto provado número 26, não foram executados pela Autora nos termos contratados (artigo 118º da contestação).
11. A Autora retificou as situações descritas nas alíneas h), l) e o) do ponto i. e parte da d) do ponto ii., ambos do facto provado número 30 (artigo 104º da réplica).
12. A Autora já realizou a retificação do acabamento dos rodapés (artigo 116º da réplica).
13. A Autora retificou todas as situações do piso flutuante (artigo 119º da réplica).
14. A Ré foi alertada que o funcionamento da porta de vidro na zona dos escritórios poderia não estar garantido, assumindo tal risco (artigo 104º da réplica).
15. Foi indicado pelos projetistas contratados pela Ré que todos os vidros seriam transparentes (artigo 104º da réplica).
16. A Autora abandonou o local da obra em data anterior a 18.10.2021 (artigos 39º e 82º da contestação).
17. Depois de reparadas, as falhas e omissões da execução da obra pela Autora diminuem o valor do edifício onde foi realizada (artigos 98º e 99º da contestação / reconvenção).
O DIREITO
Da alegada violação do disposto nos artigos 662.º e 607.º do CPC
A propósito da decisão sobre a matéria de facto, a recorrente alega que o Tribunal a quo violou o disposto nos artigos 662.º, n.º 1, e 607.º, n.ºs 1 e 2, do CPC (cfr., designadamente, conclusões 1ª e 2ª).
Em resultado da apreciação da decisão sobre a matéria de facto, o Tribunal recorrido eliminou o facto provado 58 da decisão sobre a matéria de facto e aditou ao elenco de factos provados os factos não provados 11, 12, 13 e 14, tendo os mesmos passado a constar deste elenco sob os números 59, 60, 61 e 62, respectivamente.
Vale a pena reproduzir a fundamentação que o Tribunal recorrido expôs para demonstrar a lógica e o acerto da sua decisão quanto a isto:
“É o seguinte, o facto que integra o ponto 58:
A Autora omitiu intencionalmente vícios da obra com o objetivo de lograr a condenação da Ré no pagamento do montante peticionado (artigo 127º da contestação/reconvenção).”
E são os seguintes, os factos que integramos pontos 11, 12, 13 e 14, do elenco dos factos não provados:
11. Previamente à intervenção no edifício pela Autora o pavimento apresentava desníveis entre 10mm a 50mm e as paredes apresentavam mossas, fissuras e outras irregularidades (artigos 76º e 77º da réplica).
12. A Ré sabia que a superfície do pavimento e paredes apresentavam as deficiências e patologias mencionadas no facto anterior (artigo 80º da réplica).
13. A Ré optou por: não realizar os trabalhos necessários para regularizar e nivelar a superfície do pavimento e das paredes, pois tal implicaria a alteração das soleiras e das portas existentes que pretendia reaproveitar; não retirar o cerâmico pré-existente e por não colocar barreira de vapor, a fim de evitar a propagação da humidade e o empolamento dos revestimentos, nomeadamente, na zona dos vestiários (artigos 81º e 82º da réplica).
14. A Autora advertiu a Ré:
- da possibilidade de empolamento do revestimento nos vestiários, em consequência da não retirada do cerâmico pré-existente e não colocação da barreira de vapor;
- da impossibilidade de colmatar as irregularidades do pavimento sem que previamente se procedesse à sua regularização e nivelamento, pois a solução de aplicação de um autonivelante apenas permitiria colmatar diferenças até ao máximo de 2mm (artigos 84º a 86º da réplica).
O Tribunal a quo motivou o respetivo juízo probatório nos seguintes termos:
«A posição assumida pela Autora relativamente aos defeitos do pavimento revestido a epóxi torna incontornável a matéria acolhida no facto provado número 58, já que:
- por um lado, secundariza a circunstância, perfeitamente demonstrada pelos ensaios realizados pela FEUP ao pavimento, de que neste não foram, por ampla margem, cumpridos os requisitos de espessura das sucessivas camadas dos sistemas contratados em ambas as empreitadas, o que (como disse em julgamento BB da “...”, especializada na realização deste tipo de pisos) tem directa influência na sua durabilidade e resistência. Neste contexto, insistir na solução sugerida pela CIN para minorar os problemas de acabamento da superfície, é olvidar, pela via da mera resolução da aparência exterior, o défice de material aplicado relativamente ao previsto no caderno de encargos contratado para a execução do piso, com directa influência na sua qualidade geral;
- por outro lado, numa outra tentativa de alijar responsabilidade pelos notórios vícios do pavimento epóxi, a Autora invocou, sob os artigos 79º e ss. e 104º alínea d) da réplica, o conteúdo de declaração que imputou ao projectista da obra (a “...”), aposto na alínea b) das “notas” do final do mapa de quantidades, documento 1 junto com a p.i. (fls. 12 v.º do processo físico) com o seguinte teor Condições para a execução dos artigos n.º 004, 072 e 073: (…) b) Entendemos que a base sujeita a aplicação das soluções descritas apresenta planimetria adequada. As soluções de pintura/revestimento em causa não permitem eliminar as depressões ou ondulações características dos substratos cimentícios para daí retirar a conclusão de que a Ré bem conhecia a falta de tais condições da base de aplicação e “…optou, certamente por indicação do seu projetista, por não contratualizar a execução de trabalhos com vista à regularização e nivelamento das superfícies.”. Sucede que a prova produzida em julgamento revelou, sem margem para dúvida (quer nos testemunhos dos projectistas CC e DD que estranharam a presença de semelhante declaração no mapa de quantidades e, depois de verificarem a versão que eles elaboraram, concluíram não ser da sua autoria, quer também no testemunho de BB que se assumiu, ele próprio, como relator do texto das notas em apreço), não ser tal declaração da autoria dos projectistas ou de qualquer entidade ligada à Ré, mas sim do referido BB da sociedade subcontratada pela Autora para realizar o serviço, sempre em momento subsequente à primeira deslocação deste à obra para se inteirar das suas condições.
Frustrado o único argumento documental apresentado pela Autora com potencial relevo para imputar à Ré as opções tomadas quanto ao tratamento a dar ao pavimento, a demais prova produzida sobre a existência das diferenças de nível no pavimento base, entre 1 e 5 cms, alegadas pela Autora no artigo 76º da réplica, e do respectivo conhecimento pela Ré, ficou exclusivamente dependente da prova testemunhal que foi frágil, suportada apenas por EE e negada pelos projectistas CC e DD que disseram ter sido seu entendimento, nas visitas que fizeram ao local, bastar uma espessura de 2 mm para colmatar eventuais diferenças de cota que pudessem ocorrer no local. Por fim, BB disse em juízo que o problema dos buracos do pavimento foi resultado da forma como a Autora “Capela Braga” retirou o cerâmico do chão, no que foi secundado pela testemunha AA, e também a circunstância de ter passado uma vala pelo corredor.
Assim se justifica também o conteúdo dos factos não provados números 11 a 14.»
No que respeita ao ponto de facto 58, do elenco dos factos provados, alega a recorrente que não resulta qualquer prova no sentido decisório referente à materialidade em causa e nem sequer o tribunal fundamenta tal resposta.
Foi a ora recorrente quem notificou a Autora para realizar a vistoria para efeitos da receção provisória (facto provado 29), visando que o dono da obra examinasse a sua qualidade, o que significa que a recorrente não tinha nada a esconder, bem como foi a Ré que se recusou a elaborar o competente auto de vistoria (facto provado 32).
Mais, na pendência da ação, a Ré executou trabalhos sobre o existente, escondendo os trabalhos, impedindo, dessa forma, a perícia, e, consequentemente, impossibilitando a Autora de fazer prova quanto à inexistência de culpa quanto aos invocados defeitos.
No que respeita aos pontos de facto 11, 12, 13 e 14 do elenco dos factos não provados, alega a recorrente que a Ré, na pendência da ação, fez uma segunda empreitada sobre a obra executada pela ora recorrente, impedindo, dessa forma, a realização da perícia.
A conduta da Ré visou impossibilitar a prova da recorrente, pois que, conforme os Srs. Peritos deixaram expresso, [a perícia] ocorreu depois de realizadas no local as obras de reparação/conclusão dos trabalhos, impossibilitando-os de, através de recursos próprios, terem a noção do estado da obra entre agosto de 2021 e janeiro de 2022 – vide p. 22 da sentença, pelo que deveria o Tribunal a quo ter aplicado o disposto no art.º 344.º, n.º 2 do CC e invertido o ónus da prova, e, por conseguinte, deveria ter dado como provada a matéria acima enunciada.
Acrescenta a recorrente que, se assim não for entendido, o tribunal fez errada apreciação da prova, nomeadamente do documento n.º 1 junto com a petição.
Tal documento corresponde à proposta apresentada pela recorrente no âmbito do concurso para a escolha do empreiteiro e que foi dado como provado no ponto 3: “A A. apresentou proposta, contendo um de mapa de trabalhos e quantidades e lista de preços unitários, constante do orçamento reproduzido no documento número 1 da p.i. (fls. 9 e ss.), no valor total de € 209.327,68, a qual foi aceite pela Ré (artigos 3º e 4º da p.i.).”
Não tendo sido impugnado tal documento, faz prova quanto ao seu teor (art.º 376.º do C.C.), pelo que, deve ser dado como provado o seguinte: “Constava da proposta apresentada pela Autora que as soluções de pintura / revestimento não permitiam eliminar as depressões e ondulações características dos substratos comentícios.”
Por outro lado, tal foi corroborado pela testemunha AA, engenheiro civil de profissão, e que foi o técnico contratado pela Ré para fazer o procedimento de escolha do empreiteiro, bem como foi o técnico contratado pela Ré para fazer a fiscalização da obra, o qual prestou um depoimento, no dia 18.06.2024, de forma isenta, credível e coerente, demonstrando conhecer o pré-existente e os trabalhos executados, ou seja, conhecia a base sobre a qual foram executados os trabalhos e conhecia o mapa de trabalhos sobre o qual foi apresentado o preço e adjudicada a obra à Autora.
Resulta claramente do depoimento o seguinte:
a. O pavimento apresentava desníveis entre 10mm a 50mm e as paredes apresentavam mossas, fissuras e outras irregularidades.
b. A Ré sabia que a superfície do pavimento e paredes apresentavam as deficiências e patologias mencionadas no facto anterior.
c. A Ré optou por não realizar os trabalhos necessários para regularizar e nivelar a superfície do pavimento e das paredes, pois tal implicaria a alteração das soleiras e das portas existentes que pretendia reaproveitar; não retirar o cerâmico pré-existente e por não colocar barreira de vapor, a fim de evitar a propagação da humidade e o empolamento dos revestimentos, nomeadamente, na zona dos vestiários.
d. A Autora advertiu a Ré:
- da possibilidade de empolamento do revestimento nos vestiários, em consequência da não retirada do cerâmico preexistente e não colocação da barreira de vapor;
- da impossibilidade de colmatar as irregularidades do pavimento sem que previamente se procedesse à sua regularização e nivelamento, pois a solução de aplicação de um autonivelante apenas permitiria colmatar diferenças até ao máximo de 2mm.
Devendo a matéria alegada em 11º a 14º da réplica ser dada como provada.
Contra-alega a recorrida, em síntese, que:
Ao contrário do que alega a recorrente, o Tribunal a quo fundamentou de forma cabal, consistente, coerente e sustentada a sua decisão de considerar e julgar provado o facto aduzido na decisão da matéria de facto sob o número 58).
Na verdade, é abundante a prova produzida nos autos que demonstra, de forma clara e inequívoca, que a obra efetuada pela recorrente não estava conforme aquilo que foi contratado à mesma pela recorrida; que muitos dos trabalhos a que dizem respeito as faturas cujo pagamento aquela reclama não foram concluídos ou não foram executados nos termos em que se obrigou nos contratos de empreitada – de remodelação interior da zona administrativa de um edifício industrial e do pavimento térreo de um edifício/pavilhão industrial – e nos respetivos mapas de quantidade, em que se obrigou a executar todos os trabalhos neles mencionados “sem quaisquer defeitos e com respeito por todas as regras da arte”, a executar “todos os trabalhos e materiais necessários para um perfeito acabamento” e “todos os trabalhos necessários e complementares” para a execução dos mesmos; que muitos dos trabalhos mencionados ou a que respeitam aquelas faturas não foram concluídos ou não foram executados “sem quaisquer defeitos e com respeito por todas as regras da arte” ou com “todos os trabalhos e materiais necessários para um perfeito acabamento” e “todos os trabalhos necessários e complementares”, e que esse facto já era do conhecimento da recorrente quando esta emitiu a maioria das faturas cujo pagamento reclama; que a mesma tinha conhecimento desde agosto de 2021 que alguns desses trabalhos estavam por concluir ou não estavam executados naqueles termos contratados com a recorrida, tendo, inclusive, reconhecido algumas dessas situações, e, por maioria de razão, que a recorrente tinha disso conhecimento quando interpôs a ação a reclamar o pagamento dessas faturas, omitindo deliberadamente a sua existência.
Acrescenta a recorrida que, quanto aos defeitos/vícios verificados na obra executada pela recorrente no que respeita aos trabalhos nos pavimentos da zona administrativa e do pavilhão fabril/industrial, a recorrente, que ignorou a sua existência quando interpôs a ação a reclamar o pagamento de faturas respeitantes a esses trabalhos, veio depois imputar a outros a responsabilidade por tais vícios, alegando, em síntese, que o pavimento original já tinha depressões/desníveis acentuados que as soluções de pintura/revestimento propostas pelos projetistas não permitiam eliminar, facto que seria do conhecimento da recorrida, a qual, por indicação dos mesmos, teria optado por não contratar a execução dos trabalhos necessários à regularização e nivelamento das superfícies/pavimentos a serem revestidas e, como tal, a responsabilidade por tais vícios seria desta.
Ora, e como se refere em sede de motivação da decisão da matéria de facto proferida na sentença recorrida, a prova produzida nos autos não permite concluir isso.
Desde logo, a prova produzida não permite concluir que o pavimento original da zona administrativa objeto da obra de empreitada, em cerâmico, já apresentasse desníveis na ordem dos alegados pela recorrente – 10 mm a 50 mm.
Com efeito, a testemunha DD, um dos arquitetos do gabinete de arquitetura responsável pelo projeto de arquitetura da remodelação da zona administrativa e do mapa de quantidades respeitante a essa obra e anexo ao contrato de empreitada, é muito clara no seu depoimento quando, no que respeita ao pavimento daquela zona revestido a cerâmico, afirma que “Visivelmente, na altura em que fomos lá fazer as primeiras visitas, não aparentava ter grandes variações” e que, para si, o pavimento estava nivelado.
Mas esta testemunha afirma mais, referindo que o desnível no pavimento daquela zona administrativa observado depois dos trabalhos executados pela recorrente não é de origem, “teve que ser na execução do pavimento porque, se foi de lá retirado o cerâmico e picado todo o chão, teve que se constituir uma base nova para meter o epóxi”, ou seja, que a recorrente não executou os trabalhos e materiais necessários para nivelar o pavimento com a colocação do revestimento em epóxi, que a mesma não executou “os trabalhos e materiais necessários para um perfeito acabamento” e “todos os trabalhos necessários e complementares” no pavimento daquela zona para tal.
Tudo isto é confirmado também pelo depoimento da testemunha BB, pessoa contratada pela recorrente para efetuar os trabalhos de revestimento dos pavimentos por epóxi – da zona administrativa e do pavilhão fabril/industrial –, do qual resulta, de forma clara e inequívoca; que as depressões e ondulações verificadas no pavimento da zona administrativa após os trabalhos se devem à forma como o anterior revestimento cerâmico foi picado e retirado pela recorrente; que, depois desta ter retirado esse cerâmico, o pavimento ficou esburacado e com desníveis acentuados; que a colocação do revestimento por epóxi, por si só, não conseguia suprimir esses desníveis na sua totalidade e assegurar um pavimento nivelado; que era necessário efetuar trabalhos de nivelamento da superfície/base do pavimento antes da colocação do revestimento de epóxi; que avisou a recorrente que, mesmo com a colocação do revestimento de epóxi, o pavimento naquela zona ia apresentar desníveis, depressões e ondulações; e que a recorrente lhe disse que não havia verba para aqueles trabalhos de nivelamento e que se “desenrascasse”.
Que dizer, quanto à sustentada inversão do ónus da prova?
O art.º 344.º, n.º 2, do Código Civil, prescreve que “[h]á (…) inversão do ónus da prova, quando a parte contrária tiver culposamente tornado impossível a prova ao onerado, sem prejuízo das sanções que a lei de processo mande especialmente aplicar à desobediência ou às falsas declarações.”.
Como refere Rita Lynce de Faria15, em anotação ao mencionado preceito, «há que demonstrar, em juízo, a efectiva impossibilidade da prova, bem como a atitude culposa da parte contrária como causa desse facto. Só nessa circunstância ocorre a inversão.».
Ou seja, para a inversão do ónus da prova torna-se necessária a demonstração de que a prova do facto se tornou impossível para o onerado, sendo essa impossibilidade causada por uma atitude culposa da parte contrária.
Ora, os factos em causa podem ser demonstrados por outros meios de prova, para além da prova pericial, pelo que não está demonstrada a impossibilidade da prova (não da impossibilidade de realização de um concreto meio de prova) do facto pela recorrente.
Por conseguinte, não há lugar, no caso, à pretendida inversão do ónus de prova, por falta dos respetivos pressupostos.
O Tribunal ad quem pode e deve analisar criticamente a prova produzida, de acordo com o princípio da livre convicção, formulando ele próprio uma nova e autónoma convicção e efetuar, se formar uma convicção segura acerca da existência de erro de julgamento da matéria de facto, as correções na decisão de facto que a sua convicção lhe imponham.
Importa, porém, não esquecer, como se enfatiza no Acórdão desta Relação de 05.03.202016, que «mantêm-se em vigor os princípios de imediação, da oralidade e da livre apreciação da prova, pelo que o uso, pela Relação, dos poderes de alteração da decisão da 1ª instância sobre a matéria de facto só deve ser usado quando seja possível, com a necessária segurança, concluir pela existência de erro de apreciação relativamente a concretos pontos de facto impugnados. Assim, “em caso de dúvida, face a depoimentos contraditórios entre si e à fragilidade da prova produzida, deverá prevalecer a decisão proferida pela primeira instância, em observância aos princípios da imediação, da oralidade e da livre apreciação da prova, com a consequente improcedência do recurso nesta parte.”».
Isto posto, e revertendo ao caso que nos ocupa, verificamos, desde logo, que se destaca, como essencial para a decisão de facto atinente aos pontos de facto em análise, o depoimento da testemunha AA, engenheiro civil que fiscalizou a obra e acompanhou a sua execução, deslocando-se regularmente (quase todos os dias) à mesma.
No seu depoimento do dia 18/6, com início às 10.34.52, a partir de 00.13.12, referiu que o Eng.º DD (legal representante da Ré), nos balneários, optou por fazer pintura sobre a cerâmica e o chão começou a levantar. Essa era a solução prevista no caderno de encargos, que depois foi alterada para a solução de retirar todo o cerâmico, mas nas casas de banho o Eng. DD já não o quis fazer, por causa do custo, e aconteceu o que se previa de início.
A partir de 00.14.12, referiu que a origem do problema era a base do pavimento; não tinha a ver com o trabalho que foi feito.
As diferenças de cotas eram acentuadas, e tinha de haver um trabalho de base, para nivelar o pavimento, mas na altura não quiseram fazer isso, porque o custo era muito maior, e decidiu-se aplicar um produto na base que (lá) estava. Foi usado um autonivelante, que só consegue corrigir diferenças de 2/3 mm, não mais do que isso, e a base do pavimento tinha mais.
No seu depoimento com início às 11.13.41, a 00.06.14, referiu que a reclamação de que os pavimentos não estão nivelados «vem da base do pavimento e não dos trabalhos que eles fizeram».
A partir de 00.40.50, referiu, quanto às paredes (da saída de emergência), que a solução consistia no fornecimento e aplicação de reboco tipo ceral pronto a pintar.
Com o reboco, não ficava necessariamente uniforme. Depende da base da parede. Algumas paredes eram muito antigas e não tinham a planeza que deviam ter.
O que não apresenta planeza são as paredes, não o acabamento.
Se a base da parede não estiver perfeitamente uniforme, não é o reboco, um ceral e uma pintura que a vão pôr direita.
A partir de 00.43.08, referiu que algumas dessas desconformidades (que assinalou no relatório) não se justificam nos trabalhos executados, mas na existência já à data de uma situação que não estava conforme.
No relatório das não conformidades tem que se colocar que a parede não está plana. Mas (questionou-se a testemunha) não está plana porquê? Foi do acabamento que o empreiteiro fez mal? Foi da base da parede que já existia que não apresentava essa planeza? Essas eram as razões que deviam ser determinadas a posteriori.
Em muitas reuniões, falou-se quer nos pavimentos, quer nas paredes, que não estavam perfeitamente planas, e sobre o que se deveria fazer: primeiro, tirar o reboco existente e fazer um reboco de forma a torná-lo completamente plano e só depois aplicar o acabamento final. Para o Eng.º DD, essa solução não era razoável porque tinha custos enormíssimos.
Acrescentou que foi dito pelo arquiteto, na reunião da obra, que também não queria que aquilo ficasse completamente plano porque queria que se traduzisse como uma estrutura existente.
A partir de 01.07.01, referiu que visitou o edifício, quando foi contratado, e constatou que era um edifício já com bastantes anos, em estado de degradação.
Os pavimentos e paredes apresentavam várias patologias, características de uma construção já com bastantes anos, nomeadamente depressões e cerâmica levantada.
À pergunta sobre se os trabalhos contratados e o projeto de arquitetura previam trabalhos para reparar essas patologias, respondeu que não estavam contemplados.
As diferenças de cotas situavam-se entre os 10 e os 50 milímetros.
Logo no início dos trabalhos, quando se detetou isso, foi falado na necessidade de se regular os pavimentos, com o Eng.º DD, o empreiteiro (que foi o primeiro a alertar para a situação) e os arquitetos, que também estiveram presentes.
Foi falado que, para o pavimento ficar completamente plano, tinham de se fazer trabalhos adicionais, mas o dono da obra não queria gastar mais dinheiro.
Já a testemunha DD, arquiteto do Gabinete contratado pela Ré para elaborar o projeto de remodelação do espaço que consistia no edifício industrial, o qual fez algumas visitas à obra, até outubro/novembro de 2021, referiu que:
. Nos pisos, a olho nu, não viu grandes oscilações.
A opção era não mexer no cerâmico existente, mas não foi essa a solução adotada. A dada altura, fez-se uma medição das humidades no pavimento e reviu-se a solução, que passou a ser a de retirar todo o pavimento cerâmico.
A partir de 00.29.50, sobre a causa do desnivelamento dos pisos, referiu «só posso especular. Para retirar a cerâmica tiveram de picar o chão e depois não fizeram a regularização.».
A partir de 00.52.32, referiu que a origem do desnivelamento foi da execução do pavimento, porque, se foi retirado o cerâmico pré-existente, foi picado o chão e foi preparado o piso para receber o epóxi. Referiu que só o pode inferir porque não esteve lá.
Acrescentou que, antes, estava tudo nivelado, a olho nu, dando como exemplo, as casas de banho, que são compartimentos mais pequenos, em que os cerâmicos da parede correspondiam com aqueles que estavam no chão.
Relativamente às paredes, referiu que havia riscos e mossas.
A testemunha BB, funcionário da empresa subcontratada pela Autora para fazer o pavimento de epóxi, referiu que executou, nas instalações da Ré, dois pavimentos com resina epóxi, na parte de cima - um pavilhão industrial, e na parte de baixo - escritórios.
Na parte de baixo, referiu que o piso estava muito danificado, cheio de buracos. Nessa parte, foi posto um autonivelante cimentício, que, por norma, tapa 2 ou 3 mm, e que não era suficiente para regularizar a base, porque havia muitas lombas.
Referiu que nunca lhe foi solicitado para tratar as espessuras do pavimento. Sempre lhe disseram que não tinham valor para fazer a obra. Fez uma pintura epóxi. Colocou uma argamassa para regularizar minimamente o piso que estava muito deteriorado. Era um edifício antigo.
Referiu que foi o próprio que fez a Nota (que consta da parte final da proposta apresentada pela Autora, que constitui o doc. 1 junto com a p.i.).
Os buracos (no pavimento) resultam da retirada do cerâmico e do facto de ter sido feita uma obra no corredor, para passarem por lá tubos.
Devia ter levado autonivelante, mas ali também não havia cotas, por causa das portas. Para deixar aquilo mesmo direito, tinham que partir o piso todo e fazer tudo de novo. Os pavimentos de epóxi são autoalisantes, não são autonivelantes. Acompanham o que o pavimento tem.
Nas paredes, referiu que, tal como estavam, não conseguia fazer melhor do que aquilo que fez.
Em suma, releva essencialmente o depoimento da testemunha AA, que demonstrou ter um conhecimento direto dos factos, depoimento do qual resultou que o pré-existente de pavimentos e paredes apresentava várias patologias, depressões e cerâmica levantada, características de uma construção já com bastantes anos; que a Ré foi alertada, na pessoa do seu legal representante, para a necessidade de se regularizarem paredes e pavimentos, o que todavia implicava a realização de trabalhos adicionais com os inerentes custos; que algumas das desconformidades (que a testemunha assinalou no relatório que elaborou) não têm a sua origem nos trabalhos executados pela Autora mas na existência, já à data, de uma situação que não estava conforme.
O depoimento da testemunha DD, cujas visitas à obra não eram tão regulares, mostrou-se pouco consistente, porquanto se limitou a inferir, pois como o próprio referiu, só podia especular porque não esteve lá, que a causa do desnivelamento dos pisos se ficou a dever à não regularização do pavimento após a retirada da cerâmica.
A testemunha BB esclareceu sobre o estado do piso, na parte dos escritórios, e referiu que, para além da solução revista para os pisos, que executou, colocou um autonivelante cimentício, uma argamassa para regularizar minimamente o piso que estava muito deteriorado.
Constava, de resto, da proposta apresentada pela Autora, documento cujo teor não foi impugnado, a seguinte Nota, elaborada pela testemunha: «[a]s soluções de pintura/revestimento em causa não permitem eliminar as depressões ou ondulações características dos substratos cimentícios.».
Isto posto, ponderando os referidos elementos probatórios e conjugando os mesmos
com as regras da experiência e da verosimilhança dos factos, gera este Tribunal ad quem uma convicção, segura e objetiva, no sentido de que:
. Previamente à intervenção no edifício pela Autora o pavimento apresentava desníveis entre 10mm a 50mm e as paredes apresentavam mossas, fissuras e outras irregularidades.
. A Ré sabia que a superfície do pavimento e das paredes apresentavam as deficiências e patologias mencionadas no facto anterior.
. A Ré optou por não realizar os trabalhos necessários para regularizar e nivelar a superfície do pavimento e das paredes, e não retirar o cerâmico pré-existente, nomeadamente, na zona dos vestiários.
. A Autora advertiu a Ré:
- da possibilidade de empolamento do revestimento nos vestiários, em consequência da não retirada do cerâmico pré-existente;
- da impossibilidade de colmatar as irregularidades do pavimento sem que previamente se procedesse à sua regularização e nivelamento, pois a solução de aplicação de um autonivelante apenas permitiria colmatar diferenças até ao máximo de 2mm.
Por conseguinte, não podemos acompanhar os fundamentos que levaram o Tribunal a quo a decidir pela inclusão dos pontos de facto 11, 12, 13 e 14 no elenco dos não provados, os quais devem passar para o elenco dos factos provados.
No que se refere ao ponto de facto 58 do elenco dos factos provados, deve o mesmo ser eliminado da fundamentação de facto, por se tratar de matéria de índole manifestamente conclusiva”2.
Não só pela atenção dada à questão pelo Tribunal recorrido (indiciada pela extraordinária extensão da fundamentação), mas também, e sobretudo, pelo teor dos fundamentos nela contidos, logo se conclui que a pretensão da recorrente não tem qualquer razão de ser.
Cabem, desde logo, alguns esclarecimentos sobre os poderes do Supremo Tribunal de Justiça relativamente à decisão sobre a matéria de facto.
Como é sabido, o Supremo Tribunal de Justiça apenas conhece, em regra, de matéria de direito. No que toca à matéria de facto, os poderes do Supremo Tribunal de Justiça sofrem, com efeito, muitas limitações: apenas é admissível ao Supremo conhecer da decisão sobre a matéria de facto a título residual, com o propósito de garantir a observância das regras de Direito probatório material ou de ampliar a decisão sobre a matéria de facto, conforme resulta das disposições do n.º 3 do artigo 674.º e do n.º 3 do artigo 682.º do CPC3.
Mais precisamente, e como se diz no primeiro destes dispositivos, “[o] erro na apreciação das provas e na fixação dos factos materiais não pode ser objecto de recurso de revista”, só restando a possibilidade de o Supremo Tribunal de Justiça alterar a decisão proferida pelo tribunal recorrido no respeitante à matéria de facto quando, nessa fixação, tenha havido “ofensa de uma disposição expressa da lei que exija certa espécie de prova para a existência do facto ou que fixe a força probatória de determinado meio de prova”.
Quer isto dizer, por outras palavras, que o Supremo Tribunal só pode intervir quando tenha sido dado como provado determinado facto sem que tenha sido produzido o meio de prova de que determinada disposição legal faz depender a sua existência, quando tenha sido dado como provado determinado facto por ter sido atribuído a determinado meio de prova uma força probatória que a lei não lhe reconhece ou quando tenha sido dado como não provado determinado facto por não ter sido atribuído a determinado meio de prova a força probatória que a lei lhe confere4.
É entendimento corrente que, além disto, o Supremo Tribunal de Justiça tem ainda a possibilidade de apreciar o uso que o Tribunal da Relação faz dos poderes que lhe são conferidos pelo artigo 662.º do CPC ((e ainda, é sustentável, de certas disposições associadas, como o artigo 607.º do CPC), sendo o “mau uso”5 (uso indevido, insuficiente ou excessivo) susceptível de configurar violação da lei de processo e, portanto, de constituir fundamento do recurso de revista, nos termos do artigo 674.º, n.º 1, al. b), do CPC6.
Nada disto significa – insiste-se – que o Supremo Tribunal esteja autorizado a controlar a decisão sobre a impugnação da decisão da matéria de facto ou a “imiscuir-se” na valoração da prova feita pelo Tribunal recorrido segundo o critério da sua livre e prudente convicção. Estas são actividades que estão e permanecem interditas a este Supremo Tribunal7.
Voltando ao caso dos autos, salta à vista, em primeiro lugar, que o Tribunal recorrido teve consciência do artigo 662.º do CPC, sendo a norma expressamente referida no enquadramento da apreciação da impugnação da decisão sobre a matéria de facto; salta à vista, em segundo lugar, que que o Tribunal recorrido não excedeu ou exerceu de qualquer forma indevida os poderes-deveres que o artigo 662.º do CPC, em particular o seu n.º 1, que lhe confere expressamente o poder-dever de modificar a decisão sobre a matéria de facto.
No artigo 662.º, n.º 1, do CPC dispõe-se:
"A Relação deve alterar a decisão proferida sobre a matéria de facto, se os factos tidos como assentes, a prova produzida ou um documento superveniente impuserem decisão diversa”.
Bem pelo contrário, aquilo que resulta da desenvolvida fundamentação do Acórdão recorrido é que, depois de ter analisado livre e criticamente as provas e formado uma convicção própria sobre os factos, o Tribunal a quo entendeu que se impunha uma alteração da decisão sobre a matéria de facto nos termos expostos. Ao abrigo e por força do artigo 662.º, n.º 1, do CPC, não só podia como devia fazê-lo.
A recorrente invoca ainda a violação do artigo 607.º, n.ºs 4 e 5, ex vi do artigo 663.º, n.º 2, ambos do CPC.
O artigo 607.º do CPC é uma norma associada ao artigo 662.º do CPC, cujo respeito ou desrespeito pelo Tribunal da Relação ainda se contém nos limites dos poderes de apreciação deste Supremo Tribunal e configura hipótese prevista no artigo 674.º, n.º 1, al. b), do CPC.
O teor dos preceitos mencionados é o seguinte:
“4 - Na fundamentação da sentença, o juiz declara quais os factos que julga provados e quais os que julga não provados, analisando criticamente as provas, indicando as ilações tiradas dos factos instrumentais e especificando os demais fundamentos que foram decisivos para a sua convicção; o juiz toma ainda em consideração os factos que estão admitidos por acordo, provados por documentos ou por confissão reduzida a escrito, compatibilizando toda a matéria de facto adquirida e extraindo dos factos apurados as presunções impostas pela lei ou por regras de experiência.
5 - O juiz aprecia livremente as provas segundo a sua prudente convicção acerca de cada facto; a livre apreciação não abrange os factos para cuja prova a lei exija formalidade especial, nem aqueles que só possam ser provados por documentos ou que estejam plenamente provados, quer por documentos, quer por acordo ou confissão das partes”.
Mas também aqui, pelas razões já expostas, não lhe assiste razão, sendo visível que o Tribunal da Relação observou os comandos contidos nos preceitos e não se configurando, portanto, qualquer violação dos referidos preceitos.
Da condenação da ré / ora recorrente no pagamento à autora / ora recorrida da quantia relativa ao custo da reparação dos vícios das obras
Além e independentemente da decisão sobre a matéria de facto, a ré / ora recorrente pede ainda que seja repristinada a sentença na parte em que condena a autora / ora recorrida ao pagamento do custo da reparação dos defeitos das obras no montante total de € 127.275,15 (€ 103.475,73 + € 23.799,42 correspondente ao IVA).
Os argumentos principais da recorrente são os de que o levantamento do estaleiro, representando o abandono da obra por parte da autora / recorrida, e a recusa desta em receber os documentos que elencavam os defeitos da obra se traduzem numa situação de incumprimento definitivo que dispensa a interpelação a que se refere o artigo 808.º, n.º 1, do CC (cfr. conclusões 3ª, 5ª, 6ª e 7ª); se não se entender assim, deve considerar-se que a carta enviada em 5.01.2021 representa aquela interpelação e pode dar-se por verificado o incumprimento definitivo que é pressuposto do seu direito de indemnização (cfr. conclusão 9ª).
Recorde-se que o Tribunal de 1.ª instância havia condenado a autora / ora recorrida no pagamento deste montante com os seguintes fundamentos:
“Afastadas as situações de redução do preço (por não ter sido a opção da Reconvinte) e de resolução dos contratos (por se não mostrarem preenchidos os necessários pressupostos), resta ainda a possibilidade de indemnização reparatória nos termos gerais que, como vimos, é cumulável com os demais direitos enunciados.
Estando provado que a reparação dos vícios que persistiam em Janeiro de 2022 tinha um custo de 103.475,73 € mais IVA no conjunto das duas obras (€ 54.538,93, acrescido de IVA, quanto aos trabalhos referentes à remodelação da zona administrativa + € 48.936,80, acrescido de IVA, quanto aos trabalhos referentes à execução de pavimento térreo – 1ª Fase -, porta de emergência, portão seccionado e casa de banho em pavilhão na zona de produção) e, bem assim, que os mesmos defeitos diminuem o valor dos edifícios onde foi realizada a obra, no valor correspondente às mesmas reparações necessárias, temos um primeiro dano emergente do defeituoso cumprimento do contrato pela Reconvinda, de 103.475,73 € mais IVA.
Acresce que para a realização dos referidos trabalhos mostra-se necessário parar o funcionamento de seis máquinas CNC que se encontram nas instalações da Ré, desmontá-las e voltar a montá-las depois de concluídos os trabalhos, o que terá um custo de € 9.000,00, acrescido de IVA.
Assim, é de 138.345,15 € (= 112.475,73 € + 25.869,42 € de IVA) o montante da indemnização a suportar pela Reconvinda em consequência dos defeitos da obra por si executada”.
Recorde-se que, depois, o Tribunal da Relação revogou esta decisão, absolvendo a autora / ora recorrida (empreiteira) dizendo, no essencial, que não se verificava o direito da ré / ora recorrente (dona da obra) à indemnização pelo custo de eliminação dos defeitos porque faltava o seu pressuposto, isto é, o incumprimento definitivo dos contratos de empreitada por parte daquela.
Reproduza-se a fundamentação do Acórdão recorrido na parte mais relevante, (que, ainda assim, é extensa):
“(…) revertendo ao caso que nos ocupa, verifica-se que foram celebrados entre as partes dois contratos de empreitada.
No decorrer dos mesmos, foram-se revelando defeitos, parte dos quais a Autora/reconvinda reconheceu e declarou a sua disponibilidade para efetuar os respetivos trabalhos de reparação.
Até à conclusão da obra, a Ré/reconvinte não tinha, no entanto, o direito de exigir da Autora/reconvinda a eliminação dos defeitos, uma vez que não existe, entre as partes, «uma relação de subordinação que admita interferências na actividade do empreiteiro».
A Autora levantou o seu estaleiro em data anterior a 18 de outubro de 2021.
A Ré enviou uma carta à Autora, datada de 5 de novembro de 2021 (documento 7 junto com a contestação), na qual alude a defeitos e vícios constantes de relatórios que junta em anexo à referida carta, e interpelou a Autora para executar e concluir os trabalhos nos termos em que se obrigou, com a advertência de que, «No incumprimento ou no silêncio de V. Exas., no prazo de cinco dias, consideraremos que V. Exas. não querem cumprir com as v/obrigações».
A Autora, por carta datada de 26 de novembro de 2021 (documento 8 junto com a contestação), informou a Ré que «no dia 30 de novembro de 2021, pelas 8:30 Horas iremos entrar em obra, a fim de executar os trabalhos para a sua conclusão e para a eliminação dos defeitos da nossa responsabilidade. Estima-se que todos os trabalhos estejam concluídos até ao dia 10 de dezembro.».
Em 10 de dezembro de 2021, considerou concluídos os trabalhos de reparação, e por emails de 10 e 14 de dezembro de 2021, solicitou à Ré a realização de uma vistoria para efeitos de receção provisória da obra.
A Ré designou o dia 6 de janeiro de 2022, pelas 9h30, para o efeito. No dia e hora designados, Autora e Ré compareceram no local.
Na mesma ocasião, a Ré, através da sua representante, pretendeu entregar à Autora uma cópia do levantamento fotográfico feito pela empresa CGF às patologias da obra e que a Autora assinasse um relatório mandado fazer por si, o que a Autora recusou.
A Ré recusou elaborar o auto de vistoria.
Perante tal recusa, a Autora elaborou um relatório de vistoria que remeteu à Ré por email de 08 de janeiro de 2022
A Ré enviou à Autora a carta de 17 de janeiro de 2022, reproduzida no documento 23 da p.i., nos termos da qual informou a Autora que mantinha integralmente o teor das suas comunicações.
A recusa da Ré de elaborar o auto de vistoria, seguido do envio de uma carta à Autora em que informou manter o teor das suas comunicações, nas quais alude a defeitos constantes de relatórios que igualmente enviou à Autora, solicitando-lhe que proceda à eliminação de tais defeitos, ter-se-á de considerar uma recusa legítima, ainda que tácita, da obra, dada a existência de defeitos aparentes ou conhecidos das partes, recusa essa que produziu os seus efeitos depois de recebida pela Autora.
O Tribunal a quo decidiu que se encontravam afastadas as situações de redução do preço, por não ter sido a opção da Reconvinte, e de resolução dos contratos, porque apesar dos defeitos, a dona da obra podia retirar utilidade da mesma, não estando privada de destinar o edifício à finalidade que desejava, pelo que restava a possibilidade de indemnização reparatória nos termos gerais.
Assim, decidiu que assistia à Reconvinte o direito a uma indemnização, a suportar pela Reconvinda, no montante de € 138.345,15 – € 103.475,7 relativos ao custo da reparação dos vícios que persistiam em janeiro de 2022, mais IVA, no conjunto das duas obras (€ 54.538,93, acrescido de IVA, quanto aos trabalhos referentes à remodelação da zona administrativa + € 48.936,80, acrescido de IVA, quanto aos trabalhos referentes à execução de pavimento térreo – 1ª Fase –, porta de emergência, portão seccionado e casa de banho em pavilhão na zona de produção) – e de € 9.000,00, acrescidos de IVA, relativos ao custo de desmontagem de seis máquinas CNC que se encontram nas instalações da Reconvinte, para a realização dos referidos trabalhos, e remontagem das mesmas depois de concluídos os trabalhos.
O direito a uma indemnização no montante correspondente ao custo de eliminação dos defeitos, à luz do disposto no art.º 798.º, só assiste ao dono da obra, como anteriormente referido, quando se verifica um incumprimento definitivo, imputável ao empreiteiro.
Coloca-se, então, a questão de saber se se verifica tal incumprimento.
A prestação da Autora podia ser realizada, ou seja, os defeitos podiam ser eliminados/suprimidos, dado que nada resultou provado em contrário, nomeadamente, que existisse qualquer impossibilidade, física ou jurídica, objetiva ou subjetiva, de eliminação dos defeitos.
Por outro lado, não resultou provado que a eliminação ocasionasse despesas desproporcionadas em relação ao proveito.
A não conclusão atempada da obra, em conformidade com o que foi convencionado, e sem vícios que excluam ou reduzam o seu valor, ou a aptidão para o uso ordinário ou previsto no contrato, constituiu a Autora em mora (cf. art.º 804.º, n.º 2).
Isto posto, cabia à Ré/reconvinte, interpelar a Autora/reconvinda para proceder à eliminação dos defeitos, fixando-lhe um prazo razoável para o efeito, com a advertência, inequívoca, de que o decurso desse prazo determinaria o fim da possibilidade da própria Autora proceder às obras de reparação.
Ora, não resulta do elenco dos factos provados que a Ré tivesse efetuado à Autora tal interpelação.
A carta da Ré datada de 5 de novembro de 2021 (junta com a contestação/reconvenção como documento 7), para a qual remete a sua carta de 17 de janeiro de 2022, não pode ser considerada uma interpelação admonitória, porquanto não resulta do elenco dos factos provados que o prazo de cinco dias ali concedido, para o cumprimento pela Autora da sua obrigação de eliminar os defeitos, constituísse um prazo razoável para o efeito.
Na verdade, tendo em conta a multiplicidade de defeitos em causa objeto da denúncia, a diferente natureza das intervenções a realizar para a sua eliminação, o tempo de execução de cada uma e do conjunto de todas elas – incluindo, a montagem e desmontagem de máquinas da Ré existentes no local –, seria manifestamente impossível que escassos cinco dias fossem suficientes para o efeito. De outro modo, como se compreenderia que, tendo muito antes sido denunciados tais defeitos, em grande parte reconhecidos pela Autora, permanecessem por reparar pela mesma, quando dessa reparação (em tão exíguo período) dependia o recebimento pela mesma de parte tão significativa do preço (da empreitada) que reclamava da Ré?
O facto constante do ponto 56 do elenco dos factos provados, do qual resulta serem necessários 25 dias para executar e/ou concluir os trabalhos necessários à eliminação dos defeitos subsistentes em janeiro de 2022 atesta, de resto, a irrazoabilidade do prazo concedido pela Ré para a eliminação dos defeitos.
A interpelação admonitória é dispensável se o faltoso declarar, eficazmente, que não vai cumprir, ou se, por comportamentos concludentes – p. ex., o abandono da obra – mostrar uma vontade firme e definitiva de assim proceder.
Todavia, não resulta do elenco dos factos provados que a Autora se tivesse recusado, de forma perentória, a efetuar os trabalhos de eliminação dos defeitos, ou, bem assim, qualquer atitude da Autora suscetível de revelar uma intenção firme e definitiva de não cumprir a sua obrigação contratual de eliminação dos defeitos.
Com efeito, o facto de a Autora ter levantado o seu estaleiro em data anterior a 18 de outubro de 2021 e de ter considerado concluídos os trabalhos de reparação em obra em 10 de dezembro de 2021, não configura tal recusa, uma vez que foi ela própria quem solicitou à Ré, por emails de 10.12.2021 e 14.12.2021, a realização de uma vistoria para efeitos de receção provisória da obra, tendo, inclusivamente, elaborado um Relatório de Vistoria, onde elencou diversas anomalias, o que de modo algum pode ser equiparado a uma recusa de cumprimento da sua prestação.
Ora, se no dito Relatório de Vistoria a própria Autora discrimina os defeitos da obra por si executada é porque, manifestamente, os reconhece; e, de forma necessária (na economia do contrato de empreitada celebrado e tendo em conta a posição que nele ocupa, de empreiteira), reconhece a sua obrigação de os eliminar.
De igual modo, não resulta do elenco dos factos provados qualquer facto do qual tivesse resultado, para a Ré, uma perda de interesse na realização da obra, perda essa que teria de ser apreciada objetivamente (cf. art.º 808.º, n.º 2), e sendo certo que aquela, principal interessada nessa verificação, nunca a alegou nos autos.
Com efeito, o facto, realçado na sentença recorrida, da Autora ter proposto à Ré uma solução que não garantia as características de qualidade contratualizadas (porquanto a solução sugerida pela CIN de aplicar uma camada de verniz para minorar os problemas de acabamento da superfície, não assegurava o preenchimento dos requisitos de espessura das camadas dos sistemas de pavimento contratados em ambas as empreitadas), só por si, não justifica uma perda de interesse na eliminação dos defeitos, mediante uma solução capaz de debelar, não só os problemas de acabamento da superfície, como assegurar o preenchimento dos requisitos de espessura das camadas dos sistemas de pavimento contratados em ambas as empreitadas.
Melhor precisando, a solução proposta pela Autora à Ré tinha apenas em vista resolver o problema, verificado e assumido por ela, da existência de uma diferença de tonalidade do acabamento e das “roladas” da aplicação, conforme se infere do alegado no art.º 112.º e ss da réplica e resulta do ponto de facto 34.º do elenco dos factos provados, não permitindo outra e mais ampla interpretação, nomeadamente de que apenas realizaria essa operação para eliminação do concreto defeito apurado e em causa, por a ter como suficiente e idónea para o efeito.
Dir-se-á ainda que não resulta do elenco dos factos provados a correspondência fática entre o objeto da denúncia de 05 de novembro de 2021 (conclusivamente realizada), o objeto concreto dos trabalhos aceites pela Autora ao reentrar na obra (comunicada a 26 de novembro de 2021 e concluída a 10 de dezembro de 2021) e o estado da obra após 10 de dezembro de 2021 e verificado a 06 de janeiro de 2022, que permitisse poder concluir por uma perda de confiança da Ré na capacidade e disponibilidade da Autora para reparar os defeitos.
Dito de outra forma, se a Ré, depois de várias vicissitudes (v.g. execução primitiva dos trabalhos, denúncia de defeitos, eliminação de parte deles), continuou a interpelar a Autora para eliminar os defeitos ainda subsistentes, e não lhe comunicou que lograria por outros meios essa eliminação (v.g. com recurso a terceiros) – nomeadamente, por já não confiar nas suas disponibilidade e capacidade para o efeito –, é porque necessariamente ainda confiava na possibilidade da Autora lograr a eliminação de defeitos pretendida. E tanto confiava que invocou, no artigo 74.º da sua contestação, a faculdade de recusar o pagamento dos valores reclamados pela Autora na presente ação, enquanto os trabalhos não estivessem concluídos nos termos em que esta se obrigou a executá-los – cf. art.º 428.º, n.º 1.
Dir-se-á, por fim, que o único fundamento de incumprimento definitivo invocado pela Ré/reconvinte, no art.º 82.º e ss. da contestação/reconvenção, assentou no facto de a Autora ter levantado o seu estaleiro nas obras, o que, no entender da Ré, configurou um abandono das obras; e este abandono de obra, aliado à interposição da presente ação, revelaria o propósito da Autora de não executar e/ou concluir os trabalhos nos termos em que foram contratados.
Já vimos, no entanto, que o facto de a Autora ter levantado o seu estaleiro em data anterior a 18 de outubro de 2021 não substancia, só por si, uma atitude sua suscetível de revelar uma intenção firme e definitiva de não cumprir a sua obrigação contratual de eliminação dos defeitos, tanto mais que voltou à obra para efetuar trabalhos de reparação, que considerou concluídos em data não posterior a 10 de dezembro de 2021.
Face ao que se vem de enunciar, é imperioso concluir que não se verificava um incumprimento definitivo, imputável à Autora/reconvinda (nomeadamente, por inexistência de qualquer abandono de obra por parte da Autora, de uma prévia interpelação admonitória, com fixação de prazo razoável, para cumprir por parte da Ré, de perda objetiva de interesse desta na prestação daquela ou de perda de confiança na possibilidade da Autora lograr a eliminação de defeitos), encontrando-se a mesma numa situação de simples mora.
Ora, tal situação não confere à Ré/reconvinte o direito a uma indemnização no montante correspondente ao custo de eliminação dos defeitos, porquanto não se apurou, por não terem sido sequer alegados, que a sua eliminação fosse manifestamente urgente, nos termos anteriormente referidos; mas apenas lhe confere o direito à dita eliminação dos mesmos.
Contudo, a Ré/reconvinte optou por não exercer o único direito que a lei lhe permitia exercer primacialmente (de exigir a eliminação dos defeitos denunciados pela Autora/reconvinda, face à já referida subsidiariedade de exercício dos direitos outorgados ao dono da obra pelo regime legal do contrato de empreitada).
Como tal, apenas lhe assiste o direito a uma indemnização nos termos do disposto no art.º 1223.º, no montante de € 9.000,00, acrescidos de IVA (correspondente ao custo de desmontagem de seis máquinas CNC que se encontram nas suas instalações, para a realização dos trabalhos de reparação, e remontagem das mesmas, depois de concluídos os trabalhos, e que se traduz num prejuízo colateral, provocado pelos defeitos da obra).
Posto isto, fica prejudicada a apreciação das questões suscitadas pela recorrente sob as letras PP, QQ, RR, SS e TT das conclusões do recurso.
Procede, assim, o presente recurso, no que respeita ao montante de € 127.275,15 (€ 103.475,73 acrescidos de IVA) relativo ao custo da reparação dos vícios que persistiam em janeiro de 2022 (…)”.
É impossível não ver o cuidado posto pelo Tribunal recorrido na exposição dos motivos que o conduziram a esta decisão. O seu raciocínio é claro e está sustentado, a par e passo, nos dados resultantes da decisão sobre a matéria de facto; são convocadas as normas aplicáveis e considerados os contributos relevantes da doutrina e da jurisprudência para a respectiva interpretação. Acima de tudo, analisando o teor dos seus fundamentos, não há como não compreender e aderir plenamente a eles e à decisão.
Perante a completude dos fundamentos expostos no Acórdão recorrido e para evitar a sua repetição, opta-se por sintetizar a (confirmação da) decisão nestes termos:
- o direito a indemnização da dona da obra pelos custos da reparação dos vícios depende do incumprimento definitivo dos contratos de empreitada pela empreiteira;
- atendendo aos factos provados in casu, não há tal incumprimento definitivo;
- não havendo tal incumprimento definitivo, a dona da obra não estava autorizada a realizar a reparação dos vícios da obra e imputá-los, a título de direito de indemnização, à empreiteira.
Os argumentos aduzidos pela recorrente para sustentar a existência de uma situação de incumprimento definitivo são facilmente refutáveis – e foram refutados no Acórdão recorrido.
O levantamento do estaleiro (cfr. facto provado 42) não representa o abandono da obra por parte da empreiteira / recorrida, logo, não se traduziu numa situação de recusa de cumprimento / incumprimento definitivo, que dispensasse a interpelação que se refere o artigo 808.º, n.º 1, do CC, e a recusa da empreiteira / recorrida em receber os documentos que elencavam os defeitos da obra tão-pouco se traduziu numa situação de recusa de cumprimento / incumprimento definitivo, que dispensasse aquela interpelação.
Repare-se que a empreiteira / recorrida solicitou à dona da obra / recorrente, por emails de 10.12.2021 e 14.12.2021, a realização de uma vistoria para efeitos de recepção provisória da obra (cfr. facto provado 47); além disso elaborou um relatório de vistoria que remeteu à dona da obra / recorrente por email de 8.01.2022 (cfr. facto provado 53). Tudo isto indicia, pelo contrário, disponibilidade da empreiteira / recorrida para reconhecer os defeitos e proceder, ulteriormente, à reparação.
Por sua vez, a carta enviada pela dona da obra / recorrente à empreiteira / recorrida em 5.11.2021, da qual constava que «No incumprimento ou no silêncio de V. Exas., no prazo de cinco dias, consideraremos que V. Exas. não querem cumprir com as V/obrigações» (facto provado 44), não tem o significado que a recorrente pretende atribuir-lhe – uma declaração séria no sentido de interpelar a recorrida para a reparação dos defeitos da obra. A interpelação prevista no artigo 808.º, n.º 1, do CC pressupõe a fixação pelo credor de um “prazo razoável” para a realização da prestação pelo devedor; ora, salta à vista que o prazo (cinco dias) concedido in casu para este efeito não é um prazo minimamente razoável, estando, aliás, provado que a reparação dos defeitos verificados em Janeiro de 2022 sempre implicaria 25 dias (cfr. facto provado 56).
Não há ao contrário do que alega a recorrente (cfr. conclusões 4ª, 5ª, 8ª e 10ª), qualquer violação da lei, nomeadamente dos artigos 798.º, 799.º, 801.º, 808.º, 1208.º, 1221.º e 1223.º do CC.
Os factos provados 59 a 62 contrariam a existência de uma situação de falta culposa de cumprimento por parte do devedor (cfr. artigos 798.º e 799.º do CC).
Decorre deles:
Previamente à intervenção no edifício pela Autora o pavimento apresentava desníveis entre 10mm a 50mm e as paredes apresentavam mossas, fissuras e outras irregularidades.
A Ré sabia que a superfície do pavimento e paredes apresentavam as deficiências e patologias mencionadas no facto anterior.
A Ré optou por não realizar os trabalhos necessários para regularizar e nivelar a superfície do pavimento e das paredes, e não retirar o cerâmico pré-existente, nomeadamente, na zona dos vestiários.
A Autora advertiu a Ré:
- da possibilidade de empolamento do revestimento nos vestiários, em consequência da não retirada do cerâmico pré-existente;
- da impossibilidade de colmatar as irregularidades do pavimento sem que previamente se procedesse à sua regularização e nivelamento, pois a solução de aplicação de um autonivelante apenas permitiria colmatar diferenças até ao máximo de 2mm.
Nada na decisão sobre a matéria de facto indicia que haja impossibilidade de cumprimento (cfr. artigo 801.º do CC), estando, como se disse, assente que a reparação dos defeitos subsistentes em Janeiro de 2022 importaria determinados custos (cfr. facto provado 55) e que teria certa duração (cfr. facto provado 56), logo, era possível.
Não há factos provados que comprovem a existência de perda de interesse por parte do devedor, que é objectivamente apreciada (cfr. artigo 808.º do CC), logo, tão-pouco por esta via há incumprimento definitivo.
Não existem sinais de desproporcionalidade ou de excessiva onerosidade da reparação (cfr. artigo 1221.º do CC), pelo que a dona da obra teria o direito de exigir do empreiteiro a sua eliminação (cfr. artigo 1221.º do CC).
Veja-se, por último, o disposto na norma – central – do artigo 1223.º do CC:
“O exercício dos direitos conferidos nos artigos antecedentes não exclui, o direito a ser indemnizado nos termos gerais”.
Como explica João Cura Mariano, o artigo 1223.º do CC deixa claro que, para lá do direito específico de eliminação dos defeitos (a que o autor chama um “direito de indemnização sob a forma específica”), existe um direito geral de indemnização para compensar o dono da obra dos prejuízos decorrentes do cumprimento defeituoso, que é residual relativamente àquele outro direito bem como aos direitos de realização de nova obra, de redução do preço e de resolução do contrato, isto é, apenas se justifica quando existam danos que não logrem reparação pela via do exercício destes outros direitos8.
Sucede, porém, que o que está em causa no presente recurso é o conjunto de danos que eram susceptíveis de reparação pela via do direito à reparação (defeitos elimináveis), pelo que a norma é inaplicável.
Pelo exposto, nega-se provimento à revista e confirma-se o Acórdão recorrido.
Catarina Serra (relatora)
Maria da Graça Trigo
Ana Paula Lobo
___________
1. Comentando a norma, diz Abrantes Geraldes (Recursos em Processo Civil, cit., p. 144): “se porventura fosse vedada ao recorrido a possibilidade de promover a ampliação do objecto do recurso, poderia ver-se definitivamente prejudicado pela resposta que o tribunal ad quem viesse a dar às questões suscitadas pelo recorrente, num momento em que já não teria capacidade para reagir” (sublinhados do autor).
3. Sobre isto cfr. Abrantes Geraldes, Recursos no Código de Processo Civil, Coimbra, Almedina, 2020 (6.ª edição), pp. 453 e s. e pp. 489 e s.
4. Cfr., neste sentido, por exemplo, o Acórdão do Supremo Tribunal de Justiça de 21.10.2009 (Proc. n.º 474/04.0TTVIS.C1.S1).
5. Partilha-se a expressão usada no Acórdão do Supremo Tribunal de Justiça de 9.07.2015 (Proc. 284040/11.0YIPRT.G1.S1).
6. Sobre isto cfr., entre muitos, os Acórdãos do Supremo Tribunal de Justiça de 11.02.2016 (Proc. 907/13.5TBPTG.E1.S1) e de 30.05.2019 (Proc. 156/16.0T8BCL.G1.S2).
7. Cfr., neste sentido, por todos, o Acórdão do Supremo Tribunal de Justiça de 8.10.2009 (Proc. 1834/03.0TBVRL-A.S1).
8. Cfr. João Cura Mariano, Responsabilidade contratual do empreiteiro pelos defeitos da obra, Coimbra, Almedina, 2020 (7.ª edição), pp. 136 e s. (esp. pp. 136-137).