CONTRATO DE ARRENDAMENTO
RESOLUÇÃO
INEFICÁCIA
DENÚNCIA
COMPORTAMENTO CONCLUDENTE
REVOGAÇÃO
PRAZO
AVISO PRÉVIO
DECLARAÇÃO UNILATERAL
CESSAÇÃO POR ACORDO
DECLARAÇÃO TÁCITA
RECURSO DE REVISTA
DUPLA CONFORME
FUNDAMENTAÇÃO ESSENCIALMENTE DIFERENTE
Sumário


I. Como decidido pelo tribunal recorrido, a declaração de resolução infundada do contrato de arrendamento dos autos não pode ser equiparada a denúncia unilateral do mesmo contrato.
II. Concluindo-se que a declaração de resolução infundada do contrato por parte dos réus é ineficaz, e por isso, inapta para pôr termo ao contrato, forçoso é entender que este se manteve em vigor; pelo que a entrega das chaves do imóvel locado e a devolução do valor da caução não podem senão ser considerados como sendo actos concludentes da vontade de ambas as partes fazerem cessar a relação contratual de locação.

Texto Integral


Acordam no Supremo Tribunal de Justiça


I – Relatório

1. AA instaurou a presente acção judicial contra S..., Lda., BB e mulher CC, formulando contra estes os seguintes pedidos:

“a) Decretar-se que os réus procederem à resolução unilateral e imotivada do contrato de arrendamento celebrado em 15 de Novembro de 2022 com o autor tendo por objecto a fracção autónoma “AY” do prédio urbano sito na Rua 1, Matosinhos;

b) Condenar-se os réus a pagar de modo solidário ao autor, por conta da resolução unilateral imotivada, a quantia de 32.400,00€ a título de rendas pelo período de pré-aviso contratual em falta;

c) Condenar-se os réus a pagar de modo solidário ao autor a quantia de 8.500,00€ a título de incumprimento do prazo de antecedência mínima de 120 dias para a denúncia contratual;

d) Condenar-se os réus a pagar de modo solidário ao autor a quantia de 8.180,00€ a título de indemnização devida pelo atraso no pagamento das rendas devidas, no valor correspondente a 20% daquelas;

e) Condenar-se os réus a pagar de modo solidário ao autor a quantia de 2.000,00€ pelo período de ocupação indevida do locado, após a resolução contratual;

f) Condenar-se os réus a pagar de modo solidário ao autor as quantias previstas nas alíneas anteriores, acrescidas de juros de mora, calculados à taxa comercial, desde a data de citação até completo pagamento.”.

Para fundamentar o seu pedido alegou, em síntese, que celebrou com a ré sociedade um contrato de arrendamento de uma fracção urbana para habitação dos réus, os quais outorgaram o contrato na qualidade de fiadores da arrendatária, pelo prazo de cinco anos, com início em 1 de Fevereiro de 2023 e termo em 31 de Janeiro de 2028, mediante o pagamento da renda mensal de €2.000,00, actualizada no segundo ano de vigência para o valor de €2.050,00 e no terceiro para o valor de €2.100,00. Porém, em 3 de Fevereiro de 2023, os réus comunicaram ao autor a resolução do contrato de arrendamento, alegando falsamente que o locado não dispunha de condições mínimas de habitabilidade e solicitando a devolução das quantias entregues, quer a título de rendas, quer a título de caução, sendo que se mantiveram na posse do locado até ao dia 25 de Fevereiro, data em que entregaram ao autor as chaves e este lhes devolveu o valor recebido a título de caução.

Os réus foram citados e apresentaram contestação, defendendo a improcedência da acção. Alegaram que resolveram o contrato com justa causa em virtude das patologias do imóvel que o autor se comprometeu a eliminar até ao início do contrato e outras que, após a entrega do imóvel, ficaram visíveis, as quais comprometiam seriamente as condições de habitabilidade do locado. Mais alegam que a entrega do locado nas condições acordadas e em condições de habitabilidade (à data da entrega do locado) configurava uma condição resolutiva do contrato, assim como dever ser feita a compensação do eventual crédito do autor com o valor de €2.100,00 que os réus pagaram aquando da celebração do contrato, em adiantamento da última renda do contrato; e ainda que o autor arrendou o imóvel logo após a devolução do mesmo pelos réus e, por isso, não lhes pode exigir qualquer indemnização por pré-aviso em falta.

Em reconvenção, pedem a condenação do autor a restituir-lhes a quantia que lhe entregaram a título de pagamento antecipado da renda do mês de Janeiro de 2028, no valor de €2.100,00, bem como a condenação do mesmo no pagamento de uma compensação a cada um dos réus pessoas singulares, no valor de €5.000,00, pelos danos não patrimoniais sofridos e ainda em multa e indemnização como litigantes de má-fé.

O autor respondeu ao pedido reconvencional defendendo a sua improcedência pelos fundamentos da petição inicial.

2. Veio a ser proferida sentença, na qual se julgou a acção parcialmente procedente, declarando-se que os réus procederam à resolução imotivada do contrato de arrendamento e condenando-se os réus, solidariamente, a pagarem ao autor €9.600,00; e julgando-se a reconvenção improcedente, absolvendo-se o autor do pedido reconvencional.

3. Desta decisão, interpôs o autor recurso para o Tribunal da Relação do Porto, pedindo a reapreciação da decisão de direito.

Por acórdão de 21.11.2024 foi proferida a seguinte decisão:

“Pelo exposto, acordam os juízes do Tribunal da Relação julgar o recurso principal improcedente e o recurso subordinado parcialmente procedente; em consequência, revogam a decisão recorrida, julgando a acção improcedente e absolvendo os réus dos pedidos, e julgando a reconvenção parcialmente procedente, condenando o reconvindo a pagar aos reconvintes a quantia de €100 (cem euros).”.

4. Inconformado, veio o autor interpor recurso, por via normal e, subsidiariamente, por via excepcional, para o Supremo Tribunal de Justiça, formulando as seguintes conclusões:

“A. O presente recurso de revista versa sobre o douto Acórdão proferido pelo Tribunal da Relação Porto que julgou totalmente improcedente o recurso principal interposto pelo ora recorrido e parcialmente procedente o recurso subordinado, decretando, em consequência, a revogação da decisão proferida em primeira instância que julgou a ação parcialmente procedente e totalmente improcedente o pedido reconvencional, absolvendo os recorridos dos pedidos e condenado o recorrente ao pagamento da quantia de 100,00€;

B. Foi entendido pelo Tribunal recorrido manter, com o devido louvor, a factualidade dada por provada e não provada, considerando, porém, que a resolução infundada em causa não se equipara a uma situação denúncia unilateral do contrato de arrendamento que torne aplicável o versado nos números 3 e 6 do artigo 1098º do Código Civil e, bem assim, no artigo 1041º do Código Civil.

C. Em sentido distinto, o douto Acórdão recorrido decidiu pela verificação de uma resolução inválida e ineficaz do contrato de arrendamento que não produziu quaisquer efeitos sobre o mesmo, mantendo-se assim em vigor, com todos os direitos e obrigações, decidindo, ainda, por ter existindo de modo concludente um acordo mútuo entre as partes no sentido de colocar termo ao contrato de arrendamento – quando o mesmo havia sido objeto de resolução por invocada “justa causa” – através do ato de restituição do (ex)locado - consequente à dita resolução por invocada “justa causa” – e do ato de restituição da caução - que fora entregue para satisfazer eventuais danos no imóvel e não para satisfazer rendas ou indemnizações, como decorre da factualidade provada, em concreto, do contrato de arrendamento celebrado entre as partes.

D. O recurso de revista ora interposto é admissível a título de revista ordinária, nos termos do artigo 671º nº1 e nº 3 do Código de Processo Civil, na medida em que a douta decisão ora sindicada revoga a decisão de procedência parcial da ação proferida na 1º instância, julga parcialmente procedente o recurso subordinado e julga improcedente o pedido restante deduzido pelo recorrente, com manutenção da decisão proferida em 1º instância mas com fundamentação essencialmente diferente (em primeira instância a figura do abuso de direito e em segunda instância a inaplicabilidade dos preceitos supra constantes dos artigos 1098º números 3 e 6 e 1041º do Código Civil), julgando ainda parcialmente o recurso subordinado quanto ao pedido reconvencional deduzido nos autos.

E. A título subsidiário, o presente recurso de revista sempre se revelaria igualmente admissível a título de revista excecional, nos termos das alíneas a) e b) do número 1 do artigo 672º do Código de Processo Civil, em função da manifesta relevância jurídica dos efeitos jurídicos de uma resolução imotivada de um contrato de arrendamento, assim como da aceitação da entrega de chaves de um locado por conta da mesma e da restituição de caução destinada a assegurar eventuais danos no imóvel, com uma dimensão paradigmática para casos futuros que demonstra necessidade para contribuir para a segurança e certeza do Direito, e respetiva aplicação, sabendo-se que a matéria do arrendamento assume na sociedade civil interesse de particular relevância social em função dos bens jurídicos em discussão.

F. O douto Tribunal recorrido incorreu na nulidade assente no facto de não especificar fundamentos de facto que justificam a decisão adotada e, por outro lado, no facto de basear-se em fundamentos que estão em oposição com a decisão proferida quanto à matéria de facto dada por provada, cujas nulidades decorrem dos termos das alíneas b) e c) do artigo 615º, ex vi 674º nº1 al. c), todos do Código de Processo Civil.

G. Por um lado, foi entendido existir um comportamento concludente no sentido de se verificar a revogação por mútuo acordo do contrato de arrendamento quando não são especificados quaisquer os fundamentos de facto que justifiquem tal entendimento, inexistindo-os.

H. Por outro lado, verifica-se uma clara oposição do entendimento perfilhado com a decisão proferida sobre a matéria de facto, nomeadamente os factos 12, 23, 24, 25 e 44 do rol de factos dados por provados, uma contradição com a cláusula terceira, alínea b) do contrato de arrendamento, constante de fls dos autos (documento 9 da petição inicial), com a troca de emails, de fls , junta sob. documento 242 da petição inicial, e uma contradição toda a dinâmica conhecida dos autos e subjacente ao litígio entre as partes que assentou numa resolução com invocada “justa causa” da relação contratual que colocou termo ao contrato de arrendamento.

I. Sem prejuízo das nulidades suscitadas, atenta a factualidade provada, o Tribunal incorreu na violação da lei substantiva por erro na interpretação, aplicação e determinação da norma aplicável ao caso em concreto, designadamente, dos números 3 e 6 do artigo 1098º do Código Civil, assim como do artigo 1041º do mesmo diploma, os quais considerou inaplicáveis por entender, erroneamente, que a resolução contratual sem fundamento deverá ser considerada ineficaz, não produzindo quaisquer efeitos, mantendo-se assim em vigor o contrato de arrendamento.

J. Resulta claro, atenta a factualidade provada, designadamente o facto provado 24), que os recorridos quiseram fazer cessar em definitivo o contrato de arrendamento celebrado com o recorrente de modo a que o mesmo não mais produzisse efeitos entre as partes, cuja resolução carece de fundamentos válidos para o efeito, ou seja, carece de “justa causa”.

K. Perante a resolução contratual de um contrato de arrendamento por uma das partes verifica-se a sua cessação definitiva (como assim foi entendido entre as partes) e, por carecer de fundamentos válidos para o efeito, considera-se por verificada uma situação de denúncia unilateral e imotivada do contrato de arrendamento, sujeita à disciplina do número 3 e do número 6 do artigo 1098º Civil, assim como do número 1041º do mesmo diploma.

L. Os citados preceitos normativos possuem natureza imperativa e são o efeito automático (que opera ope legis) de uma denúncia unilateral contratual sem respeito pelos prazos estabelecidos no número 3 do artigo 1098º do Código Civil, por via do número 6 do mesmo diploma.

M. A não se entender enquanto tal, verifica-se o desrespeito pela aplicabilidade dos referidos preceitos normativos que possuem natureza imperativa, convertendo-os em “letra morta”, colocando em crise a necessária segurança, certeza e estabilidade do tráfego jurídico, admitindo ainda resoluções contratuais de contratos de arrendamento sem justificação válida que não produzem quaisquer efeitos ou consequências para o contraente faltoso, num verdadeiro prémio ao incumpridor que fica “imune” às consequências decorrentes de uma atuação infundada.

N. Acresce que do rol de factos dados por provados não resulta provado que tenha existido entre as partes um acordo para cessar o contrato de arrendamento, assim como não resulta por provado ter sido esse o intuito do recorrente e dos recorridos com a entrega do (ex)locado e restituição da caução, nada tendo sido provado no sentido de se concluir por um acordo nesse sentido, cuja matéria de facto dada por provada, acervo documental constante nos autos e dinâmica do contacto entre as partes são concludentes do contrário.

O. Resulta outrossim patente do ponto 24 provado existir numa resolução unilateral do contrato de arrendamento, dando nota o ponto 25 provado da restituição do locado, seguida da restituição da caução, enquanto consequência natural e decorrente daquela mesma resolução contratual no sentido de cessar o contrato de arrendamento, sob pena de uma ou outra parte arcarem com responsabilidades em não o fazerem (uma a ocupação indevida e abusiva do locado, outra a mora do credor).

P. Resulta outrossim provado do ponto 12 dos factos provados, em conjunto com a alínea b) da cláusula terceira do contrato de arrendamento (doc. 9 petição inicial), constante de fls, que a caução se destinou a “12. (…)a assegurar o pagamento de quaisquer danos e despesas que o autor viesse a ter no decurso ou no final do arrendamento, resultante de uma imprudente utilização do locado ou de consumos não pagos, devendo tal caução ser restituída com a entrega do locado, finda a vigência contratual, desde que não se justificasse, por esses motivos, a sua retenção.

Q. Em igual sentido, verifica que a troca de correspondência (emails) feita diretamente entre as partes, resultante do documento 242 que instrui a petição inicial, na sequência daquela cessação do contrato operada pelos recorridos e assumida entre as partes, da exigibilidade do recorrente dos valores peticionados nos autos e da restituição da caução operada por conta de ter sido entregue para salvaguardar danos ou consumos no imóvel.

R. Designadamente: (i) Email de AA, em 23/02/2023, pelas 17:34: (parte final) “(…) Até que, depois disso, mandam-me aquela extinção do contrato que é uma verdadeira infelicidade da vossa parte; (…) Informo que vou restituir a caução na sequência da entrega do apartamento e deduzirei ao valor da renda adiantada o valor da renda devida por este mês. E como se recusaram a ter uma solução consensual, como não me pagaram os valores que mencionei, (…) só me resta exigir tudo quanto me seja de direito”; ii) Email de AA, em 18/02/2023, pelas 00:22 (parte final) “(…) Os contratos são para serem cumpridos. E como resolveram o contrato sem justificação devem-me ressarcir do valor correspondente a 20 meses de renda, sendo os 12 primeiros meses do valor mensal de 2000€ e os 8 restantes meses do valor mensal de 2.050,00€, no valor total de 40.400,00€. A caução só poderá ser restituída se e quando o apartamento for entregue e consoante a vistoria a realizar. Não existe nenhum direito de reterem as chaves e serei obrigado a peticionar o tempo de privação do imóvel, em igual valor de renda”; iii) Email de BB de 15/02/2023, pelas 23:38 (parte final) “(…) Sendo assim, por tudo que já nos foi exposto e pela sua clara falta de interesse em resolver a situação de forma amigável, restou-nos pedir a resolução do contrato e considera-lo sem efeito (…); iv) Email de AA de 14/02/2023 pelas 17:21 (parte final) “(…) Por isso, não existe nenhuma razão que justifique a vossa conduta e terão que me ressarcir do valor devido pela resolução antecipada do contrato, ou seja, por um terço da sua duração contratual como resulta do contrato e da lei vigente. (…) E mantém-se ainda na v/posse o apartamento, cuja caução por vós entregue se destinou a assegurar o estado que se venha a apurar aquando da sua restituição”.

S. Resultou, pois, por demonstrado que a entrega do imóvel e a subsequente entrega da caução não configuraram nenhum ato concludente no sentido de conduzir à revogação do arrendamento por mútuo acordo, não tendo mínimo acolhimento fatual ou legal o entendimento perfilhado pelo Tribunal recorrido no sentido de considerar que a resolução contratual foi inoperante e ineficaz, mantendo-se em vigor o contrato de arrendamento.

T. Por conseguinte, atenta a factualidade provada, uma vez ocorrida a denúncia imotivada do arrendamento e inexistindo acordo em sentido distinto, resta aplicar a cominação legal automática prevista nos números 3 e 6 do artigo 1098º do Código Civil, assim como o artigo 1041º do mesmo diploma, sem causa que exclua a sua aplicabilidade.

U. O douto Acórdão proferido deverá ser revogado e substituído por decisão que julgue a ação totalmente procedente, com a consequente procedência dos pedidos deduzidos contra os recorridos, condenando-os a pagar solidariamente à recorrente as quantias peticionadas, improcedendo, ainda, o pedido reconvencional julgado em duas instâncias, por iguais razões.

V. Foram violados, entre o mais, os artigos 1041º e 1098º nº3 e nº6 do Código Civil.”.

Termina pedindo a revogação do acórdão recorrido e pugnando pela procedência da acção, bem como pela improcedência da reconvenção.

5. Os recorridos contra-alegaram, concluindo nos termos seguintes:

“A. Insurge-se o Recorrente, quanto à decisão proferida pelo Venerando Tribunal da Relação do Porto, pretendendo, pois, a revogação da decisão recorrida, no sentido da total procedência da lide, contra a improcedência da pretensão dos aqui Recorridos em termos reconvencionais, na medida em que considerou que este incorreu:

i) na nulidade assente no facto de o douto Acórdão não especificar fundamentos de facto que justificam a decisão e, bem assim, no facto de o douto Acórdão basear-se em fundamentos que estão em oposição com a decisão proferida quanto à matéria de facto dada por provada, adotando um raciocínio legal no sentido interpretar factos dados por provados para conduzir a um outro facto não provado, e contraditório com aqueles, com impacto direto no que concerne à decisão proferida, a saber, a manutenção da vigência do contrato de arrendamento (ao arrepio da “resolução contratual”) e a revogação do contrato de arrendamento por mútuo acordo alcançado entre as partes, nos termos das alíneas b) e c) do artigo 615º, ex vi 674º nº1 al. c), todos do Código de Processo Civil;

ii) na violação da lei substantiva por erro na interpretação, aplicação e determinação da norma aplicável ao caso em concreto, designadamente, dos números 3 e 6 do artigo 1098º do Código Civil, e 1041ºdo Código Civil.

B. No entanto, e pelas razões que infra se escalpelizarão, carece o presente recurso, de qualquer sentido útil e/ou fundamento.

Com efeito,

C. Importa, desde logo, referir ser contraditória a argumentação tecida pelo Recorrente, não nos parecendo, salvo o devido que possa co-existir aquela dualidade de causas constitutivas de nulidade da douta sentença recorrida, de acordo com as alíneas b) e c) do artigo 615.º do CPC.

D. E, ainda que assim seja, sempre temos por certo que, desde há muito que, quer a nível doutrinal quer a nível jurisprudencial, pacificamente, se tem considerado que a nulidade prevista na alínea b) do n.º 1 do artigo 615.º do Código de Processo Civil, apenas se verifica quando haja falta absoluta de fundamentos e não quando a fundamentação se mostra deficiente, errada ou incompleta.

E. De modo que, in casu, humildemente, perfilhando nós este referido entendimento, doutrinário e jurisprudencial, desde já se adianta que o Acórdão recorrido não se encontra atingido pelo alegado vício da nulidade, uma vez que o tribunal de recurso observou o dever de fundamentação que se lhe impunha no âmbito do processo.

F. É que, do douto Acórdão em causa constam os factos provados, a motivação da convicção e a fundamentação de direito, conforme supra transcrito, e cujo teor se dá aqui por integralmente reproduzido para todos os devidos e legais efeitos.

G. Por conseguinte, consideramos que a obrigação de fundamentação da sentença foi cumprida, de forma clara, plena e satisfatória, não tendo ficado por “fundamentar” ao Venerando Tribunal recorrido quer fosse de facto quer fosse de direito, como deixamos supra transcrito.

H. Em consequência, não se verifica a situação prevista na alínea b) do n.º 1 do artigo 615.º do Código de Processo Civil, havendo, por conseguinte, de claudicar a instância recursiva a que se responde.

I. Já quanto à alínea c) do n.º 1 do artigo 615.º, tendemos a defender que na sentença recorrida, os fundamentos (factuais e jurídicos) não estão em oposição com a decisão que foi tomada a final; pelo contrário, existe uma linha lógica de raciocínio, que é explicada, conforme supra se deixou transcrito, e que coerentemente conduziu à decisão assumida.

J. Com efeito, os factos provados, de acordo com o declarado pelo tribunal a quo, e não alterados pelo Venerando Tribunal da Relação do Porto, designadamente, em especial destaque, os pontos 11), 12), 25, 45) e 46), permitiram concluir pela formação tácita de um acordo de revogação do contrato;

K. Se o arrendatário entregou as chaves, que o senhorio aceitou, e, ainda, lhe devolveu o valor da caução, logo, tendo arrendado o locado a terceiro passados três dias, facilmente se concluiu que, naquele momento, de comum acordo, foi colocado termo ao contrato em causa. Se o senhorio considerava que o contrato não estava findo tinha de reter a caução entregue, para garantia de bom cumprimento do contrato de arrendamento em causa. O que não sucedeu. Logo, não existe qualquer vício lógico de raciocínio.

L. A decisão que se tomou foi a decisão logicamente expetável face à fundamentação que a antecedeu. Destarte, não se verifica a situação contemplada no segmento da norma que agora se analisa (al. c) do art.º 615.º do CPC).

Outrossim,

M. O Recorrente entende ainda que se verificou uma «violação da lei substantiva por uma errónea interpretação, aplicação e determinação da norma aplicável», na medida em que, perante uma resolução imotivada do contrato de arrendamento por parte dos Réus, sempre haveria que operar automaticamente, ope legis, os artigos 1041.º e 1098.º, n.º 3 e 6 do CC, os quais considera terem sido violados por assim não ter sido o entendimento ora recorrido.

N. No entanto, salvo o devido respeito (que é muito), mais uma vez se entende não assistir qualquer fundamento ao arrazoado pelo Recorrente nos termos das alegações de revista produzidas.

O. Com efeito, desde logo, da factualidade tida como provada, mormente, da conjugação dos factos 14), 17) e 31) a 43), sempre se entende que, a não se defender a solução preconizada no Acórdão recorrido, antes se deveria ter decidido que a resolução do contrato por parte dos Réus, na qualidade de arrendatários, assentou em fundamentos legalmente sustentados e, consequentemente, suscetíveis de determinar a improcedência dos pedidos formulados pelo autor.

P. É que, como nos debatemos supra, até à data da entrega do imóvel, na data designada para o início do arrendamento, como demonstram os factos supra mencionados nos diversos itens dos pontos 14) e 17) supra, não havia o Autor realizado todas as reparações a que se havia obrigado, sob pena de resolução do contrato de arrendamento em causa, razão pela qual, se há-se ter por verificada a condição resolutiva constante da cláusula oitava do contrato de arrendamento.

Q. Sendo que, ainda sem prejuízo do supra alegado, a verdade é que as próprias faltas de condições de habitabilidade e salubridade da habitação, além de fundamentarem o incumprimento das condições contratuais, são também suscetíveis por si só de colocar em crise a própria manutenção do contrato, permitindo a sua resolução, por preencherem a factualidade prevista na alínea b) do artigo 1050º do CC, conferindo aos arrendatários o direito à resolução do contrato, sem necessidade de pré-aviso e por via extrajudicial.

R. Ainda sem prescindir, se assim não fosse, sempre se haveria de concluir como bem entendeu o Tribunal de 1.ª instância, que as concretas circunstâncias do caso em análise, designadamente o facto de o Autor ter logrado, pouco após a entrega do locado pelos Réus, arrendar o mesmo a terceiros, convocam a aplicação do instituto do abuso de direito.

Deste modo, por tudo o quanto nesta sede exposto,

S. Em primeiro lugar e, como dissemos, discordamos, de todo, do raciocínio plasmado nas alegações de revista a que ora se responde, antes se defendendo a manutenção da decisão plasmada no Acórdão recorrido, no sentido da «formação tácita de um acordo de revogação do contrato», e respetivas consequências. Concordámos na íntegra com tal raciocínio, o qual, sempre, haverá de manter-se, após o devido escrutínio desta instância.

T. Sendo que, todavia, se assim não se entender, sempre apraz aos aqui Recorridos pugnar, por um lado, por decisão contrária àquela defendida pelo Recorrente, isto é, porquanto da factualidade provada haveria de concluir-se pelo preenchimento dos pressupostos para a resolução fundada do contrato dos autos pelos aqui Réus; os quais, todavia, mitigados, por força do instituto do abuso do direito.

U. Isto porque, veja-se, o Autor não só não cumpriu com a condição resolutiva supra aludida, como, perante a comunicação de resolução dos aqui Réus, recebeu as chaves dos mesmos e até devolveu a caução que se encontrava na sua posse, tudo no espaço de cerca de 20 dias; além de que, logo de imediato, passado 5 dias, efetuou novo arrendamento do dito locado.

V. Ou seja, o Autor atuou perante os Réus como aceitando a resolução em causa, na data em que a mesma operou – aceitou as chaves e devolveu a caução (só não se entenderam as partes litigantes quanto à devolução do mês de renda já pago pelos Réus, no montante de €: 2.100,00 – donde, ao vir, agora peticionar nos termos em que o faz, litiga com manifesto abuso do direito.

W. Por tudo o exposto, será de concluir que, o exercício de direito por parte do aqui Autor, excede manifestamente os limites impostos pela boa fé tornando-o ilegítimo, nos termos do art. 334º do Código Civil.

X. Deste modo, salvo o devido respeito, em última instância, a procederem as alegações de revista do aqui Autor, no sentido de se declarar a resolução imotivada do contrato por parte dos Réus, sempre se há-de declarar, por força do abuso do direito, nos termos do art.º 334.º do CC, inoperante todo e qualquer direito do aqui Autor sobre os aqui Réus.

ASSIM,

Y. Pelo exposto, e salvo o devido respeito, o certo é que, a douta motivação de recurso ora apresentada pelo Recorrente não colhe qualquer sustentação, devendo, por isso, manter-se a douta decisão ora recorrida.”.

6. Por acórdão da conferência de 10.04.2205, o Tribunal a quo pronunciou-se no sentido da não verificação da invocada nulidade do acórdão recorrido.

II – Admissibilidade do recurso

O presente recurso de revista foi interposto por via normal e, subsidiariamente, por via excepcional.

Analisado o processado, verifica-se que, ainda que alguns pedidos condenatórios sejam, entre si, autónomos e cindíveis (cfr. AUJ n.º 7/2022) e tenham sido decididos no mesmo sentido por ambas as instâncias, tais pedidos são, todos eles, consequenciais em relação ao pedido de declaração da ilicitude da resolução do contrato. Ora, a sentença da 1.ª instância entendeu reconhecer a ilicitude da resolução operada pelos réus, equiparando-a a uma denúncia unilateral do contrato, enquanto o acórdão da Relação, mantendo o juízo de ilicitude, entendeu que o contrato se manteve em vigor até à entrega do locado, acto que considerou configurar uma revogação contratual por mútuo acordo.

Tal diferença essencial de fundamentação impede que, em relação aos pedidos entre si autónomos e cindíveis, ocorra o obstáculo da dupla conforme (cfr. art. 671.º, n.º 3, do CPC). O recurso é, pois, admissível por via normal.

III – Objecto do recurso

Tendo em conta o disposto no n.º 4 do art. 635.º do Código de Processo Civil, o objecto do recurso delimita-se pelo conteúdo da decisão recorrida e pelas conclusões das alegações de recurso, sem prejuízo da apreciação de eventuais questões de conhecimento oficioso.

Deste modo, o presente recurso tem como objecto as seguintes questões:

• Nulidade do acórdão recorrido “por falta de especificação dos factos que justificam a decisão” e “por oposição entre a decisão a matéria de facto”;

• Erro de direito do acórdão recorrido “na interpretação, aplicação e determinação da norma aplicável ao caso em concreto, designadamente, dos números 3 e 6 do artigo 1098º do Código Civil, assim como do artigo 1041º do mesmo diploma, os quais considerou inaplicáveis por entender, erroneamente, que a resolução contratual sem fundamento deverá ser considerada ineficaz, não produzindo quaisquer efeitos, mantendo-se assim em vigor o contrato de arrendamento”;

• Erro de direito do acórdão recorrido ao considerar provado que existiu “entre as partes um acordo para cessar o contrato de arrendamento”.

IV – Fundamentação de facto

1. Foram dados como provados os factos seguintes:

1) O autor é o dono e legítimo proprietário da fracção autónoma, designada pelas letras “AY”, do prédio urbano, constituído em regime de propriedade horizontal, sito na Rua 1, Matosinhos.

2) Trata-se de um apartamento, de tipologia “T3”, com três quartos, sendo dois deles “suite”, com casa de banho privativa completa, uma sala de jantar, uma cozinha montada e equipada, uma lavandaria, uma casa de banho completa e uma casa de banho de serviço, assim como uma varanda (terraço), possuindo sistema de alarme, vidros duplos, estores eléctricos e aquecimento central em todas as suas divisões.

3) Dispõe ainda de garagem privativa coberta (“box”), com capacidade para dois lugares de garagem e uma arrecadação exclusiva para a fracção.

4) O prédio, que é um condomínio privado, com jardins e piscina privativa, localiza-se frente ao mar, na primeira linha da costa marítima, a norte da praia de Leça da Palmeira e defronte da praia do Facho.

5) A fracção em apreço é voltada para o mar, dispondo de vistas para a marginal marítima, para a praia do Facho e para as praias de Leça da Palmeira.

6) De acordo com a certidão matricial e predial, a fracção tem uma área bruta privativa de 170m2 e uma área bruta dependente de 58,38m2, além de uma varanda (terraço) com cerca de 90m2, de uso exclusivo.

7) A primeira ré é uma sociedade comercial que se dedica, entre o mais, às actividades de design gráfico e à prestação de serviços de informática e consultoria.

8) Sendo os segundos réus os seus únicos sócios, cada um dos quais detendo metade do capital social.

9) Por documento particular intitulado “Contrato de Arrendamento Urbano Com Prazo Certo para Fim Habitacional”, datado de 15 de Novembro de 2022 - cuja cópia se encontra junta aos autos como documento 9 da petição inicial - o autor declarou dar de arrendamento para fins habitacionais o imóvel acima descrito à primeira ré, pelo prazo certo de 5 (cinco) anos, com início de vigência em 1 de Fevereiro de 2023 e termo em 31 de Janeiro de 2028, renovando-se por períodos sucessivos de um ano, e mediante o pagamento de uma renda mensal de 2.000,00€, actualizada no segundo ano de vigência para o valor de 2.050,00€ e actualizada no terceiro ano para o valor de 2.100,00€, vigorando tal actualização para os anos subsequentes.

10) O arrendamento em apreço destinou-se a servir de habitação própria e permanente dos segundos réus, apesar de figurar no contrato a primeira ré, como arrendatária, por razões do seu interesse.

11) Com a outorga do contrato de arrendamento, os réus entregaram ao autor, a título de pagamento antecipado da renda devida pelo mês de Janeiro de 2028, a quantia de 2.100,00€.

12) E entregaram também ao autor o valor de 9.000,00€, a título de caução destinada a assegurar o pagamento de quaisquer danos e despesas que o autor viesse a ter no decurso ou no final do arrendamento, resultante de uma imprudente utilização do locado ou de consumos não pagos, devendo tal caução ser restituída com a entrega do locado, finda a vigência contratual, desde que não se justificasse, por esses motivos, a sua retenção.

13) Nos termos da cláusula oitava do contrato de arrendamento foi estipulado, para todos os devidos e legais efeitos, que «o primeiro outorgante obriga-se ainda sob pena de rescisão deste contrato a concluir, até à data de início de vigência do presente contrato de arrendamento, à reparação/substituição dos itens constantes no Anexo 1».

14) Tal anexo 1, subscrito por todos os outorgantes, tem o seguinte teor:

Lista de reparações referente ao contrato de arrendamento urbano com prazo certo fim habitacional, mencionado na cláusula sétima:

1) Substituição do intercomunicador localizado na cozinha.

2) Porta do armário da pia da cozinha avariada.

3) Armário em baixo da pia da casa de banho das suites.

4) Portas das suites que dão para o terraço, trancas, roldanas e persianas dos quartos.

5) Porta de correr para a lavandaria emperrada/desencaixada.

6) Saída de ar da lavandaria está sem tampa.

7) Remoção do varal, pois o mesmo encontra-se em mau estado.

8) Painel da cozinha está partido.

9) Mesa de apoio (chumbada na parede) está com vidro manchado e pés enferrujados.

10) Pedaço da parede amassado/acidentado na entrada e papel de parede estragado.

11) Pintura da parede aquando da remoção das cabeceiras das camas.

12) Fechadura da porta quebrada na primeira suite.

15) Os segundos réus intervieram no contrato de arrendamento na qualidade de fiadores, por forma a assegurarem o bom cumprimento contratual, constituindo-se devedores e principais pagadores das obrigações assumidas por aquela, com renúncia ao benefício da excussão prévia.

16) Por intermédio de uma agente imobiliária, os réus realizaram pelo menos duas visitas presenciais ao imóvel antes da assinatura do referido contrato.

17) Até ao início de vigência do arrendamento, o autor procedeu às seguintes reparações constantes da lista mencionada em 14):

i) Substituiu o intercomunicador da cozinha.

ii) Reparou a porta do armário da pia da cozinha.

iii) Reparou o armário debaixo da pia da casa de banho.

iv) Reparou as portas das suites que dão ao terraço, as trancas, roldanas e persianas, sem contudo, ter colocado o tampão em plástico do sistema de eliminação de água do caixilho das portas de correr.

v) Reparou a porta de correr da lavandaria.

vi) Colocou a tampa de saída de ar da lavandaria.

vii) Retirou o varal (estendal), tendo deixado a base fixa à parede.

viii) Colocou um novo painel na cozinha.

ix) Retirou a ferrugem dos pés da mesa da cozinha e as manchas no vidro da mesa de apoio.

x) Reparou (no possível) o papel de parede.

xi) Pintou a parede após a remoção das cabeceiras das camas.

xii) Reparou a fechadura da primeira suite.

18) O autor deixou ficar na fracção as carpetes da sala e as cortinas da sala e quartos, assim como o móvel TV da sala e a consola do hall.

19) Aquando da entrega do imóvel, a esquina de uma parede, revestida a papel de parede, apresentava uma pequena mossa derivada da abertura e fecho da porta aí existente.

20) A película colocada no tampo de vidro da mesa de apoio da cozinha (chumbada à parede) apresentava falhas.

21) Na véspera do início de vigência do arrendamento, dia 31 de Janeiro de 2023, os réus deslocaram-se ao imóvel.

22) No dia 1 de Fevereiro de 2023, na presença de autor e réu foi realizada uma vistoria por intermédio de um técnico destinada a verificar o estado de uso e conservação do imóvel, dos equipamentos e do mobiliário.

23) Nesse mesmo dia, o autor procedeu à entrega ao réu marido das chaves do apartamento, as quais foram por este recebidas.

24) Em 3 de Fevereiro de 2023, pelas 07h31m, o autor recebeu no seu endereço electrónico, ..., um email endereçado pelo segundo réu marido e gerente da primeira ré, através do seu endereço electrónico ..., com o título “Resolução do contrato de arrendamento”, com o seguinte teor:

Excelentíssimo Senhor AA,

Vimos por este meio comunicar que o apartamento que nos arrendou datado de 07 de Novembro de 2022 não se encontra em estado de habitabilidade, nem sequer com as condições mínimas para que possamos fazer dele a nossa habitação permanente.

Na realidade, além de o apartamento ter sido entregue no dia 01 de Fevereiro de 2023, o mesmo só nesta data foi vistoriado por nós, com reportagem fotográfica e vídeo onde constatamos várias anomalias e defeitos que não permitem ter uma vivência digna e habitável. Aliás, até a data da entrega das chaves, o apartamento foi por nós visitado somente em duas ocasiões, encontrando-se o mesmo totalmente mobilado e ocupado com objectos e móveis de sua propriedade.

Acresce que, no que concerne ao Anexo 1 do aludido contrato de arrendamento, todos os itens ali mencionados encontram-se por concluir. bem como é latente e visível que os electrodomésticos que se encontram no apartamento (placa, forno, exaustor, caldeira e frigorífico) não se encontram em bom estado de conservação, apresentando os mesmos deterioração acentuada e falta evidente de higiene e asseio.

Quando decidimos formalizar o contrato de arrendamento e pagar os montantes ali considerados - quer o valor da renda, quer o valor correspondente à caução - ficaram estipulados como obrigação por parte do senhorio de entregar o imóvel e as respectivas chaves em perfeitas condições de habitabilidade, em termos de conservação e limpeza.

No entanto, não foi o que aconteceu, como se pode constatar da reportagem fotográfica efectuada, onde temos além dos pontos supramencionados (Anexo 1): paredes e tectos com visíveis sinais de humidade e condensação, bem como vidros partidos nas casas de banho, falta de isolamento das janelas, porta para a lavandaria e varandas em mau estado de funcionamento, paredes inacabadas em termos de pintura e com diversas manchas, defeitos nos armários da cozinha, sinais de má conservação da madeira em portas, janelas e piso.

Pelo exposto, manifestamos nossa intenção de rescindir/resolver o contrato de arrendamento de 27 de Novembro de 2022 com a consequente devolução das quantias entregues, quer a título de rendas, quer a título de caução, com fundamento na circunstância de o apartamento, actualmente, no estado em que se encontra, não permitir que a nossa família - composta de eu próprio, minha esposa e duas crianças, uma com 6 anos e outra com 9 meses - tenham que suportar e viver num local que não possui quaisquer condições de salubridade, conforto e bom estado de conservação, o que claramente contraria as várias cláusulas que compõem o contrato entre nós celebrado.

Assim sendo, entendemos que nos assiste razão suficiente para dar sem efeito o contrato de arrendamento entre nós celebrado, uma vez que consideramos termos sido vítimas de erro, logro e engano em tudo que nos foi prometido e em que confiamos.

Com os melhores cumprimentos,

BB.

25) Os réus mantiveram-se na posse do apartamento até o dia 25 de Fevereiro de 2023, data em que entregaram as chaves do mesmo ao autor, após o que o autor lhes restituiu o valor que estes lhe haviam entregue a título de caução.

26) Se o autor não se tivesse obrigado a realizar as reparações mencionadas em 14), os réus não teriam celebrado o contrato de arrendamento, sendo esta situação do conhecimento do autor.

27) No dia 31 de Janeiro de 2023, quando os réus se deslocaram à fracção, o autor ainda se encontrava em processo de mudança ali se encontrando caixas e pertences do autor espalhados por toda a casa.

28) No dia 31 de Janeiro de 2023, os réus manifestaram à agente imobiliária que os acompanhava que não podiam aceitar o imóvel nas condições em que o mesmo se encontrava.

29) Facto que o réu marido transmitiu ao próprio autor durante a vistoria ao imóvel realizada no dia 1 de Fevereiro de 2023.

30) Os réus aceitaram ficar com as chaves do apartamento porque tinham receio que o autor não lhes devolvesse o valor pago a título de caução e adiantamento de renda.

31) A pintura da parede após a remoção das cabeceiras das camas foi executada de forma grosseira, tendo a parede marcas visíveis e empoladas, com diferentes areados.

32) O frigorífico e o forno que se encontrava no imóvel estavam sujos e a parte inferior interna da porta inferior (do congelador) apresenta ferrugem.

33) O chuveiro de uma das casas de banho apresentava sinais de desgaste e marcas brancas.

34) O autor não procedeu à pintura das várias divisões da fracção após a remoção da mobília.

35) O pavimento em madeira da sala apresenta riscos e danos em alguns pontos.

36) O piso em madeira de uma das suites apresenta pequenos riscos derivados do uso.

37) Na zona do quarto dessa suite, o apainelado das portas de acesso ao terraço apresenta desgaste da madeira e fissuras em alguns pontos.

38) O piso em madeira de um dos quartos apresenta pequenos riscos de utilização e pequenos furos próximo da soleira da porta de saída para o terraço.

39) Nesse mesmo quarto, o apainelado das portas de acesso ao terraço, apresenta desgaste da madeira e fissuras em alguns pontos.

40) Numa outra suite, o piso de madeira apresenta pequenos riscos derivados da utilização.

41) Na zona do quarto dessa suite, o apainelado das portas de acesso ao terraço, apresenta desgaste da madeira e fissuras em alguns pontos.

42) Na zona da lavandaria, o pavimento e parede da área destinada à máquina de lavar a roupa apesenta manchas.

43) O painel de vidro da zona do chuveiro também se encontrava rachado.

44) No dia 1 de Fevereiro de 2023, os réus manifestaram ao autor que não pretendiam sequer receber as chaves, uma vez que o imóvel não se encontrava em condições, o que não foi aceite pelo autor.

45) Pelo menos a partir de Março de 2023, o autor havia já arrendado a fracção autónoma a terceiros.

46) Os réus tinham um prazo certo para sair do apartamento que previamente habitavam e, porque rescindiram o contrato com o autor, tiveram de procurar uma outra alternativa para a sua habitação.

2. Foram dados como não provados os factos seguintes:

Não se provaram outros factos entre os alegados pelas partes com relevo para a decisão da causa e designadamente que

a. Os itens mencionados em 18) foram deixados no apartamento por acordo entre autor e réus;

b. Os segundos Réus, cientes do supra referido em 19) e 20) aceitaram que o autor havia cumprido todas as reparações contantes do anexo I acima identificado;

c. Após a comunicação aludida em 24), os réus transmitiram ao autor que só entregariam as chaves do apartamento quando lhes fosse restituído o valor que haviam entregue a título de caução;

d. Na primeira vista que realizaram ao imóvel os réus detetaram manchas de humidade e bolor e cheiro a mofo nos quartos e casas-de-banho;

e. E notaram que as divisões da casa, em particular a zona dos quartos se encontravam gélidas;

f. Tendo inquirido o Autor sobre tal situação, aquele alegou que o ar frio que se fazia sentir, se devia apenas ao facto de ter aberto as janelas antes da visita;

g. Após a recepção da casa, os réus constataram que a mesma não se encontrava devidamente climatizada devido à falta e/ou mau, isolamento e revestimento, das janelas e portas;

h. Para além das reparações mencionadas no anexo ao contrato de arrendamento, o autor também se comprometeu a:

a) Reparar o problema da humidade presente nos quartos (em particular na primeira suíte) e casas-de-banho;

b) Tapar furos e proceder à pintura das divisões depois da remoção da mobília;

c) Garantir que todas as portas funcionam adequadamente e não emperram, que podem ser trancadas e que todas as fechaduras possuem chaves;

d) Garantir que as portas de correr de vidro duplo funcionam adequadamente e não emperram, que podem ser trancadas;

e) Garantir que todos os estores funcionam;

f) Garantir que todas as portas dos armários da cozinha funcionam adequadamente e não emperram;

g) Reparação das ferragens interiores dos armários da cozinha que mostram sinais de ferrugem;

h) Reparação dos móveis dos lavatórios das casas-de-banho;

i) Reparação/substituição do lavatório de vidro da casa de banho que se encontrava partido;

j) Reparação/Substituição dos espelhos das casas de banho que apresentavam sinais de desgaste e manchas na parte superior.

i) Na data da assinatura do contrato, as partes acordaram verbalmente que o imóvel seria entregue 15 (quinze) a 20 (vinte) dias antes do início da vigência do contrato para que os Réus pudessem verificar a qualidade das reparações e iniciar antecipadamente o processo da mudança, uma vez que, estes têm duas filhas menores e não possuem família em Portugal;

j) Apesar de terem tentado realizar uma vistoria ao imóvel e iniciar o processo de mudança durante o mês de janeiro de 2023, apenas no dia 31 desse mesmo mês lhes foi permitido deslocar-se à fracção;

k) Aquando da visita realizada no dia 31 de Janeiro de 2023, verificavam-se humidades, bolor e o cheiro a mofo continuavam nos quartos e casas de banho;

l) Ainda no dia 31 de Janeiro de 2023, o réu transmitiu, via telefone, à agente imobiliária que uma vez que, as reparações não haviam sido efectuadas, havia perdido todo o interesse no arrendamento;

m) A agente imobiliária informou os réus que o autor lhe havia transmitido que ou estes aceitavam o imóvel ou iria exigir-lhes uma indemnização;

n) Na data da entrega do imóvel, a porta da lavandaria estava desencaixada;

o) Para além do mencionado em 32), nessa mesma data, os electrodomésticos que se encontravam no apartamento e que eram parte integrante do contrato de arrendamento (placa, forno, exaustor, caldeira e frigorífico) não se encontravam em bom estado de conservação e manutenção;

p) E, bem assim, as portas superiores dos armários da cozinha não fechavam, ficando permanentemente abertas, e bem assim, as prateleiras interiores em metal mostravam sinais de desgaste e ferrugem;

q) Nas paredes e tectos das casas-de-banho e dos quartos, permaneciam as manchas de humidade e bolor, nada tendo sido feito pelo Autor para as eliminar e/ou diminuir;

r) O lavatório de vidro de uma das casas de banho estava partido, o que permitia que a água se infiltrasse e danificasse o móvel do lavatório, bem como;

s) O chuveiro de uma das casas de banho apresentava sinais profundos de desgaste, marcas brancas e de ferrugem;

t) Em várias paredes da fracção existiam marcas de arranhadelas, mossas profundas e furos;

u) O autor havia acordado com os réus tapar os buracos existentes nas paredes e proceder à pintura das várias divisões da fracção após a remoção da mobília;

v) Os estores não fechavam completamente, o que permitia a entrada de luz;

w) Para além do mencionado nos pontos 39) e 41), a caixilharia e o pavimento de madeira em toda a fracção, apresentavam sinais de má conservação e manutenção, com mossas, riscos e descolorações;

x) Todas as divisões da casa, mas em particular a zona dos quartos eram extremamente frias, não possuindo um revestimento/isolamento adequado nas zonas das janelas e portas, deixando, dessa forma, o ar frio do exterior transparecer para o interior do imóvel;

y) Para além do mencionado em 42), no pavimento e parede da lavandaria, em concreto na área destinada à máquina de lavar a roupa, eram visíveis marcas profundas de humidade, bolor e de sujidade, sendo que inclusive o móvel que se situava junto ao local destinado àquela máquina apresentava marcas de humidade e o seu revestimento na base estava a descascar;

z) A devolução das chaves ao autor ocorreu no dia 25 de Fevereiro de 2023, uma vez que foi apenas nessa data que o autor manifestou a sua disponibilidade para as receber;

aa) O autor promoveu o (novo) arrendamento do imóvel antes de receber as chaves do mesmo dos réus;

bb) Os réus sentiram-se desesperados, tristes, ansiosos, desgostosos, com dificuldade a nível de sono e falta de apetite por não poderem ocupar o imóvel que arrendaram ao autor;

V – Fundamentação de direito

1. Recorde-se que o recurso tem como objecto as seguintes questões:

• Nulidade do acórdão recorrido “por falta de especificação dos factos que justificam a decisão” e “por oposição entre a decisão a matéria de facto”;

• Erro de direito do acórdão recorrido “na interpretação, aplicação e determinação da norma aplicável ao caso em concreto, designadamente, dos números 3 e 6 do artigo 1098º do Código Civil, assim como do artigo 1041º do mesmo diploma, os quais considerou inaplicáveis por entender, erroneamente, que a resolução contratual sem fundamento deverá ser considerada ineficaz, não produzindo quaisquer efeitos, mantendo-se assim em vigor o contrato de arrendamento”;

• Erro de direito do acórdão recorrido ao considerar provado que, com a entrega da coisa locada ao autor, ocorreu uma revogação do contrato por mútuo acordo.

2. Alega o recorrente que o acórdão recorrido padece de nulidade “por falta de especificação dos factos que justificam a decisão” e “por oposição entre a decisão a matéria de facto”.

Por acórdão da conferência supra referido, no ponto 6 do relatório do presente acórdão, pronunciou-se o Tribunal a quo nos seguintes termos, que merecem a nossa inteira concordância:

“I. O autor veio interpor recurso de revista para o Supremo Tribunal de Justiça do Acórdão proferido nesta Relação, arguindo nas respectivas alegações a nulidade do Acórdão.

Alega para o efeito que o Acórdão é nulo por «carecer da especificação de fundamentos de facto que justifiquem a decisão … de concluir pela manutenção do contrato de arrendamento em vigor e pela cessação contratual [por] revogação … por mútuo acordo, considerando a restituição do imóvel e a entrega da caução», o que gera a «nulidade prevista na alínea b) do número 1 do artigo 615º do Código de Processo Civil».

Mais alega que esse «entendimento perfilhado pelo Tribunal recorrido encontra-se ainda em oposição com a decisão proferida sobre a matéria de facto (já assente), considerando os factos 12, 23, 24, 25 e 44 do rol de factos dados por provados», o que gera a «nulidade prevista na alínea c) do número 1 do artigo 615º do Código de Processo Civil».

Cumpre apreciar a questão da nulidade (artigos 666.º e 617.º do Código de Processo Civil).

II. O artigo 666.º do Código de Processo Civil dispõe sobre os vícios e reforma do acórdão, estabelecendo que é aplicável à decisão da 2.ª instância sobre o recurso o que se acha disposto nos artigos 613.º a 617.º do mesmo diploma, sendo que a rectificação ou reforma do acórdão, bem como a arguição de nulidade, são decididas em conferência.

Resulta assim que nos termos do artigo 615.º, aplicável por força da aludida norma, o Acórdão é nulo, além do mais, se não especificar os fundamentos de facto e de direito que justificam a decisão ou os fundamentos estiverem em oposição com a decisão [alíneas b) e c) do n.º 1 do artigo 615.º].

É fácil de demonstrar que o recorrente não tem razão e que faz por confundir a discordância da interpretação e qualificação jurídica dos factos a que a Relação procedeu com a nulidade do Acórdão, reiterando uma prática forense anquilosada e desconforme com os dados legais.

No Acórdão afirma-se que «resulta da fundamentação de facto … que o contrato se manteve na referida data, mas extinguiu-se por revogação por mútuo acordo de ambas as partes no dia 25 de Fevereiro de 2023, data em que os réus entregaram ao autor as chaves do arrendado e este lhes restituiu a caução que tinha recebido. A entrega e a recepção das chaves e a devolução da caução acarretam a cessação do gozo do imóvel pela arrendatária e a restituição do valor recebido pelo senhorio para caucionar o cumprimento das obrigações da arrendatária, sinal de que não há mais risco de incumprimento que justifique a caução. Porquê? Porque o contrato está extinto! Nessa medida, tais actos não podem deixar de ser representar actos concludentes da intenção de extinguir a relação contratual existente entre as partes e por isso a formação tácita de um acordo de revogação do contrato.»

Por outras palavras, a Relação considerou que o facto provado segundo o qual no dia 25 de Fevereiro de 2023, os réus entregaram as chaves do apartamento ao autor e este restituiu-lhes o valor que os réus lhe haviam entregue a título de caução, consubstancia um mútuo acordo para revogação do contrato de arrendamento.

Esse facto consta do ponto 25 da matéria de facto, razão pela qual pode-se discordar da interpretação e qualificação jurídica do facto, mas não sustentar que não existe fundamentação de facto que suporte esse entendimento.

Por outro lado, não se vislumbra qualquer contradição entre essa decisão e os factos dos pontos 12, 23, 24, 25 e 44, colocados na sua sequência cronológica correcta.

Se um acto jurídico está subordinado a pressupostos, ou estes estão verificados e o acto jurídico pode ser praticado de modo eficaz, ou não estão verificados e o acto jurídico não produz os efeitos que visava.

Tal como não se pode afirmar, por exemplo, que existe responsabilidade civil se não estiverem preenchidos todos os pressupostos do artigo 483.º do Código de Processo Civil, também não se pode sustentar, por exemplo, que um contrato de arrendamento foi validamente resolvido pelo senhorio se o fundamento que ele invoca não permite a resolução.

Assim, se o direito de resolução está subordinado a pressupostos legais, e por isso a resolução não pode ser feita de forma válida e eficaz se esses pressupostos não estiverem verificados, não se vislumbra onde pode haver contradição em considerar que como os respectivos pressupostos não estavam preenchidos a resolução não produziu efeitos e, consequentemente, o contrato que se queria resolver não foi resolvido de modo eficaz, logo, manteve-se em vigor.

De novo, pensamos, pode-se concordar ou não com essa interpretação, mas de forma nenhuma considerar que a mesma consubstancia uma nulidade do Acórdão.

Nesse contexto, impõe-se considerar totalmente improcedente a arguição de nulidade do Acórdão.

III. Pelo exposto, acordam, em conferência, os juízes do Tribunal da Relação em julgar que o Acórdão proferido não enferma de nulidade, mantendo o respectivo conteúdo e decisão, sem prejuízo do que superiormente venha a ser entendido pelo Supremo Tribunal de Justiça.”.

Acompanhando-se esta detalhada fundamentação, conclui-se pela não verificação das invocadas nulidades.

3. Antes de se passar a conhecer dos invocados erros de direito, importa referir que, com a presente acção, pretende o autor que seja declarada a ilicitude da declaração de resolução, por parte da sociedade ré, do contrato de arrendamento entre aquele e esta celebrado; e que, consequentemente, sejam os réus condenados no pagamentos dos valores peticionados.

Como acima se referiu, ambas as instâncias reconheceram ser infundada e ilícita a resolução do contrato pela sociedade ré, diferindo, porém, no entendimento quanto à repercussão que esse reconhecimento tem sobre a vigência do contrato:

A 1.ª instância considerou que a resolução infundada do contrato de arrendamento pelo arrendatário deve equiparar-se à denúncia unilateral; consequentemente aplicou ao caso o regime da denúncia sem respeito pelo prazo legal de pré-aviso, ainda que, no que concerne aos diversos pedidos indemnizatórios, tenha paralisado os efeitos da aplicação de tal regime com fundamento em abuso do direito.

Já o Tribunal da Relação, reapreciando a questão de forma muito circunstanciada, concluiu, diversamente, que, sendo a declaração de resolução infundada, é a mesma ineficaz, não podendo ser equiparada a uma denúncia unilateral; sendo, pois, de afastar a aplicação do regime desta última. Entendeu, assim, que o contrato se manteve em vigor, vindo a cessar com a entrega da coisa locada ao autor, acto que é de qualificar como correspondendo a uma revogação por mútuo acordo.

4. É este entendimento que vem posto em causa pelo autor, ora recorrente, o qual invoca que o acórdão recorrido padece de erro de direito por considerar que a resolução contratual infundada deverá ser considerada ineficaz, mantendo-se em vigor o contrato de arrendamento.

Alega a esse respeito essencialmente o seguinte:

- Atenta a factualidade provada, designadamente o facto provado 24, os recorridos quiseram fazer cessar em definitivo o contrato de arrendamento celebrado com o recorrente de modo a que o mesmo não mais produzisse efeitos entre as partes;

- Perante a resolução contratual de um contrato de arrendamento por uma das partes verifica-se a sua cessação definitiva, e, por carecer de fundamentos válidos para o efeito, considera-se verificada uma situação de denúncia unilateral e imotivada do contrato de arrendamento, sujeita à disciplina dos n.ºs 3 e 6 do art. 1098º Civil, assim como do art. 1041º do mesmo diploma;

- Estes preceitos normativos possuem natureza imperativa e são o efeito automático de uma denúncia unilateral contratual sem respeito pelos prazos estabelecidos no n.º 3 do artigo 1098º do Código Civil, aplicável por via do n.º 6 do mesmo preceito.

Os recorridos contra-alegaram pugnando pela improcedência do recurso.

Quid iuris?

Está em causa a questão de saber se a resolução infundada do contrato de arrendamento dos autos deve ser equiparada à sua denúncia unilateral sem respeito pelo prazo de pré-aviso. Tratando-se de questão de natureza intrinsecamente jurídica, a sua resolução não depende da factualidade provada nem da qualificação feita pelas partes, tanto no que se refere à rejeição da referida consequência, como no que concerne ao consequente afastamento do regime do art. 1098.º do Código Civil.

Apreciados os termos em que o acórdão recorrido analisou tal questão, merecem os mesmos inteira concordância:

“O que cabe então perguntar é o que sucedeu ao contrato perante a comunicação ineficaz de resolução por parte da arrendatária.

Na sentença recorrida entendeu-se que «a resolução infundada do contrato de arrendamento pelo arrendatário deve equiparar-se à denúncia unilateral do contrato pela arrendatária», mas que como o contrato foi celebrado por cinco anos, só podia ser denunciado no fim dos primeiros 20 meses (1/3 da duração), razão pela qual o senhorio é credor do valor da renda correspondente a esses 20 meses (direito de crédito que depois se impediu com recurso à figura do abuso de direito).

Salvo melhor opinião e o devido respeito, esta interpretação das regras jurídicas não é feliz.

Se a parte comunica à outra que resolve o contrato por incumprimento desta, mas se apura que ela não tinha fundamento para o resolver ou não procedeu validamente a essa resolução, a consequência é a de que a comunicação (sem fundamento) é ineficaz, não produz efeito. Se a comunicação não produz efeitos, não gera o efeito visado pela mesma, ou seja, pura e simplesmente, não produz a extinção do contrato. Em boa lógica cartesiana, se o contrato não se extingue, continua em vigor e a vincular as partes nos seus precisos termos!

Pode eventualmente interpretar-se a comunicação de resolução do contrato como uma vontade firme de lhe pôr termo, mesmo que não haja fundamento para tanto. É nessa situação (que não decorre de nenhuma norma ou princípio jurídico, mas sim da interpretação da comunicação, uma vez que não cabe ao julgador decidir sobre o contrato em vez da parte que fez a comunicação inválida) que se pode entender que a resolução inválida consubstancia uma denúncia imotivada do contrato, ou seja, que como não existia fundamento para a resolução tudo se passa como se a parte fizesse extinguir o contrato pela forma que não carece de fundamento: a denúncia.

Esta interpretação tem, contudo, um pressuposto necessário. Isso só pode ser assim nos casos em que o regime jurídico da relação contratual atribua à parte o direito de denunciar validamente o contrato por mera decisão sua, isto é, sem necessitar de invocar qualquer fundamento. O que não é possível é equiparar uma resolução inválida e ineficaz a uma denúncia igualmente inválida ou ineficaz … por não estarem verificados os respectivos pressupostos.

Logo, quando o tribunal a quo concluiu, bem, que a arrendatária não podia denunciar o contrato de arrendamento urbano para habitação porque este foi celebrado pelo prazo certo de 60 meses e nos termos do artigo 1098.º, n.º 3, do Código Civil, o arrendatário só o podia denunciar «decorrido um terço do prazo de duração inicial do contrato ou da sua renovação» (termo que não havia sido atingido porque a resolução foi comunicada no terceiro dia após o início do prazo do contrato), devia ter concluído também que nessa situação, se a resolução era ineficaz, a denúncia era igualmente ineficaz, não podendo substituir aquela.

A isso não obsta o disposto no n.º 6 do artigo 1098.º que, cremos bem, também não foi devidamente interpretado pelo tribunal a quo.

Esta disposição estabelece que «a inobservância da antecedência prevista nos números anteriores não obsta à cessação do contrato, mas obriga ao pagamento das rendas correspondentes ao período de pré-aviso em falta, excepto se resultar de desemprego involuntário, incapacidade permanente para o trabalho ou morte do arrendatário ou de pessoa que com este viva em economia comum há mais de um ano».

Devidamente lida, a factispécie da norma não é a inobservância de todos os prazos previstos nos números anteriores, é sim a inobservância (dos prazos) da antecedência prevista em tais disposições. O que a norma tem em vista é o não acatamento dos prazos de antecedência ou pré-aviso com que as comunicações têm de ser feitas por referência à data em que produzirão efeitos – i.e., os prazos das alíneas a) a d) do n.º 1, das alíneas a) e b) do n.º 3, e do n.º 4 -.

O n.º 3 da norma menciona dois prazos distintos: o prazo da duração (mínima) do contrato que tem de ter sido ultrapassado para que o arrendatário possa denunciar validamente o contrato; o prazo de antecedência da comunicação da denúncia sobre a data em que se pretende que ela produza efeito, extinguindo o contrato. O primeiro prazo não consubstancia qualquer antecedência, leia-se, distância em relação a um evento futuro; ao invés, traduz uma duração do contrato, um espaço temporal desde um facto passado - o início do contrato.

Por isso, quando o n.º 6 estabelece que o desrespeito pela «antecedência prevista nos números anteriores» não obsta à cessação do contrato, mas obriga ao pagamento das rendas correspondentes «ao período de pré-aviso em falta», o que está a estabelecer é que nos contratos de arrendamento com prazo certo igual ou superior a um ano, se o arrendatário denunciar o contrato para uma data situada menos de 120 dias depois da denúncia, a falha não impede a cessação do contrato na data pretendida mas o arrendatário terá de pagar a renda correspondente à parte que faltar desses 120 dias.

A norma não estabelece, insiste-se, que o arrendatário poderá denunciar o contrato antes de o contrato atingir 1/3 da sua duração, estabelece somente o que sucede se o prazo de pré-aviso da denúncia não tiver sido respeitado.

Como a denúncia só pode ser feita de forma válida e eficaz depois de o contrato atingir aquela duração mínima, a questão da antecedência só se coloca se a data do termo pretendido do contrato se situar para além dessa duração mínima. Antes de o contrato atingir 1/3 da sua duração, a denúncia não é válida e qualquer que seja a antecedência da comunicação isso mantém-se. O que significa que o contrato não se extingue e, porque se mantém, a obrigação de pagamento da renda subsiste, não por efeito do n.º 6 do artigo 1098.º, mas por efeito da alínea a) do artigo 1038.º do Código Civil.

Deste modo, no caso, tal como não tinha fundamento para resolver o contrato por incumprimento do senhorio, a arrendatária não podia denunciar validamente o contrato de arrendamento na data em que fez a comunicação para produzir efeitos imediatos. Por isso, pese embora a comunicação feita pela arrendatária, o contrato não se extinguiu com a comunicação de 3 de Fevereiro de 2023, tendo-se mantido em vigor.

Em consequência o senhorio não tem direito a qualquer renda com fundamento em o «contrato ter sido denunciado sem respeitar a antecedência de 120 dias».”. [bold nosso]

Insurge-se o recorrente contra este entendimento, limitando-se a afirmar o carácter imperativo das normas do art. 1098.º do Código Civil, sem, contudo, impugnar a análise técnico-jurídica levada a cabo pelo Tribunal da Relação.

Ora, dúvidas não subsistem quanto à natureza imperativa de tais normas nos casos em que sejam aplicáveis. Sucede, porém, que, como analisado circunstanciadamente na fundamentação do acórdão recorrido, a declaração de resolução infundada do contrato de arrendamento dos autos não pode ser equiparada a um acto de denúncia unilateral do mesmo contrato.

Alega ainda o recorrente que a não aplicação das referidas normas levará a admitir “resoluções contratuais de contratos de arrendamento sem justificação válida que não produzem quaisquer efeitos ou consequências para o contraente faltoso, num verdadeiro prémio ao incumpridor que fica “imune” às consequências decorrentes de uma atuação infundada”.

Para que não restem dúvidas sobre a correcção e razoabilidade da solução adoptada, sublinhe-se que – ao considerar-se que a declaração de resolução por parte da ré locatária sendo ilícita é necessariamente ineficaz, mantendo-se o contrato de arrendamento em vigor, bem como os direitos e obrigações dele decorrentes, entre os quais se inclui o direito do locador ao pagamento da renda mensal pela locatária –, se assegura plenamente a satisfação dos interesses do contraente não faltoso. A situação apenas se alterará se sobrevier a cessação do contrato por outra causa, como o tribunal a quo entendeu que sucedeu no caso dos autos.

Mas isso corresponde já à apreciação de uma outra questão recursória.

4. Com efeito, invoca o recorrente a existência de erro de direito ao ter o acórdão recorrido considerado provado que, com a entrega da coisa locada ao autor, ocorreu uma revogação do contrato de arrendamento por mútuo acordo.

Importa ter presente que, foi dado como provado que, após a declaração de resolução infundada do contrato (em 5 de Fevereiro de 2023), “[o]s réus [se] mantiveram (…) na posse do apartamento até o dia 25 de Fevereiro de 2023, data em que entregaram as chaves do mesmo ao autor, após o que o autor lhes restituiu o valor que estes lhe haviam entregue a título de caução” (facto 25).

Tendo em conta tal factualidade o acórdão recorrido apreciou a situação da seguinte forma:

“O que entendemos que resulta da fundamentação de facto é que o contrato se manteve na referida data, mas extinguiu-se por revogação por mútuo acordo de ambas as partes no dia 25 de Fevereiro de 2023, data em que os réus entregaram ao autor as chaves do arrendado e este lhes restituiu a caução que tinha recebido.

A entrega e a recepção das chaves e a devolução da caução acarretam a cessação do gozo do imóvel pela arrendatária e a restituição do valor recebido pelo senhorio para caucionar o cumprimento das obrigações da arrendatária, sinal de que não há mais risco de incumprimento que justifique a caução. Porquê? Porque o contrato está extinto! Nessa medida, tais actos não podem deixar de ser representar actos concludentes da intenção de extinguir a relação contratual existente entre as partes e por isso a formação tácita de um acordo de revogação do contrato.

É absolutamente irrelevante a intenção que levou ambas as partes a aceitarem reciprocamente a realização desses actos; o que importa é a natureza concludente dos mesmos. Se o autor não reconhecia aos réus fundamento para extinguirem o contrato e pretendia mantê-lo em vigor devia continuar a proporcionar aos réus o gozo do arrendado, para o que não podia ter aceite de volta as chaves do arrendado e o próprio arrendado que, aliás, logo tratou de arrendar de novo a terceiros, numa manifestação inequívoca de que também ele considerava extinto o contrato celebrado com os réus.”. [bold nosso]

Contra este entendimento alega o recorrente essencialmente o seguinte:

- Não está provado que tenha existido entre as partes um acordo para fazer cessar o contrato de arrendamento, assim como não está por provado ter sido esse o intuito do recorrente e dos recorridos com a entrega do locado e a restituição da caução;

- Está antes provado existir numa resolução unilateral do contrato de arrendamento, dando nota o ponto 25 provado da restituição do locado, seguida da restituição da caução, enquanto consequência natural e decorrente daquela mesma resolução contratual no sentido de fazer cessar o contrato de arrendamento, sob pena de uma ou outra parte arcarem com responsabilidades em não o fazerem (uma a ocupação indevida e abusiva do locado, outra a mora do credor);

- Está também provado pelo ponto 12 dos factos provados, em conjunto com a alínea b) da cláusula terceira do contrato de arrendamento que a caução se destinou a “12. (…) a assegurar o pagamento de quaisquer danos e despesas que o autor viesse a ter no decurso ou no final do arrendamento (…)”;

- Em igual sentido, verifica-se que a troca de correspondência (emails) entre as partes na sequência daquela cessação do contrato operada pelos réus que foi nesse contexto e com esse significado que a partes entenderam a exigência de restituição da caução;

- Deste modo, a entrega do imóvel e a subsequente entrega da caução não configuraram qualquer acto concludente no sentido de conduzir à revogação do arrendamento por mútuo acordo.

Pugnam os recorridos pela improcedência do recurso.

Vejamos.

A cessação do contrato por mútuo acordo implica necessariamente a existência de declarações negociais convergentes. De acordo com o n.º 1 do art. 217.º do Código Civil:

“A declaração negocial pode ser expressa ou tácita: é expressa, quando feita por palavras, escrito ou qualquer outro meio directo de manifestação da vontade, e tácita, quando se deduz de factos que, com toda a probabilidade, a revelam.”.

A vontade de fazer cessar uma relação contratual pode, assim, ser manifestada através de actos que, com toda a probabilidade, a revelem.

Deste modo, concluindo-se, como se concluiu, que a declaração de resolução infundada do contrato de arrendamento (emitida a 05.02.2023) por parte dos réus, ora recorridos, é ineficaz, e por isso, inapta para pôr termo ao contrato, forçoso é entender – como fez o acórdão recorrido – que o mesmo contrato se manteve em vigor. Pelo que, quando (a 25.02.2023) os réus entregaram as chaves do imóvel locado ao autor e este devolveu àqueles o valor da caução, tais actos não podem senão ser considerados como sendo actos concludentes da vontade de ambas as partes fazerem cessar a relação contratual de locação.

Se a existência de um acordo negocial, ainda que tácito, pressupõe a existência da vontade convergente de ambas as partes – no caso, da vontade convergente do autor e da ré sociedade – de fazerem cessar a relação contratual entre ambas existente, já a qualificação jurídica de tal acordo não depende da vontade das partes.

Ora, neste aspecto, como nos demais analisados, acompanha-se o juízo do Tribunal da Relação, considerando-se estarmos perante um acordo de revogação do contrato de arrendamento.

Conclui-se, também aqui, pela não verificação do invocado erro de direito, nada mais havendo a apreciar.

VI – Decisão

Pelo exposto, julga-se o recurso improcedente, confirmando-se a decisão do acórdão recorrido.

Custas pelo recorrente.

Lisboa, 18 de Setembro de 2025

Maria da Graça Trigo (relatora)

Carlos Portela

Catarina Serra