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RESPONSABILIDADE MÉDICA
PRESSUPOSTOS
Sumário
Sumário: I- Se a convicção adquirida pelo tribunal a quo que suporta a decisão sobre a matéria de facto, tem sustentação na prova produzida e se mostra conforme com ela, legitimando-se em face da mesma, não aportando a reapreciação dos meios probatórios indicados pelas recorrentes, convicção divergente que evidencie erro na apreciação da prova relativamente aos concretos pontos de facto impugnados, improcede a impugnação. II- A afirmação da responsabilidade médica exige que se prove a violação, por ação ou por omissão, das boas práticas médicas que no caso se impunham e cujo cumprimento era exigível.
Texto Integral
Acordam no Tribunal da Relação de Lisboa:
I-Relatório
1- A…, por si e em representação das filhas menores B… e C…, intentou ação declarativa contra a CUF S.A., pedindo a condenação da ré no pagamento das seguintes quantias às autoras:
-a título de danos patrimoniais o montante global de 2.500€ (Dois Mil e Quinhentos Euros).
-a título de lucros cessantes ou danos futuros da vítima o montante global de 878.064€;
- a título de danos não patrimoniais do lesado, vítima, pelo dano morte o montante global de 100.000€;
- pelo sofrimento do lesado antes da morte o montante global de 15.000€;
- pelo sofrimento pela perda do marido à autora o montante global de 50.000€;
- pelo sofrimento pela perda do pai às autoras menores, cada uma, o montante global de 50.000€.
Alega, em suma, que D…, respetivamente, marido e pai das autoras, faleceu no dia 16 de dezembro de 2019, na sequência do seguinte: no dia 15/12/2019 acordou com uma ferida na língua causada por mordedura durante a noite e deslocou-se às instalações da R., CUF Sintra, onde foi observado, mas não foi sujeito a análises clínicas, tendo a médica pedido que, com urgência, fosse submetido a uma consulta de otorrino que foi agendada para dia 16/12/2019 pelas 18.40h; teve alta clínica nesse dia 15.12.2019; no dia 16/12/2019 acordou com ligeiras dores no peito e uma forte dor no braço esquerdo e pelas 08.44h deu entrada no Hospital CUF de Sintra, onde foi submetido a tomografia e Rx do ombro e foi mandado para casa com indicação para se apresentar pelas 15 horas para consulta de otorrino; já em casa veio a falecer nesse mesmo dia cerca das 14h; a morte ficou a dever-se a enfarte agudo do miocárdio. Mais alega que o enfarte agudo do miocárdio pode ser diagnosticado através da realização de uma radiografia ao tórax, eletrocardiograma ou um cateterismo cardíaco; os médicos da R. nunca solicitaram a realização de eletrocardiograma, radiografia ao tórax, ecocardiograma ou um cateterismo cardíaco; os serviços médicos da R. tinham obrigação de saber que os sinais apresentados pelo D… seriam compatíveis com a possibilidade de o mesmo estar a ter um enfarte do miocárdio e se o D…tivesse permanecido em observações nos serviços da R. a morte do mesmo poderia ter sido evitada;
2- A ré contestou, excecionando a sua ilegitimidade porque o falecido contratou os serviços clínicos da CUF Cascais S.A. onde está integrado o polo/hospital CUF Sintra e não os serviços da ré e, no mais, impugnou os factos.
3- As autoras requereram a intervenção principal da CUF Cascais S.A., a qual foi admitida, vindo a interveniente a contestar a ação, por impugnação, pugnando pela improcedência do pedido e requereu a intervenção da seguradora Fidelidade - Companhia de Seguros, S.A..
4- Por despacho de 6.4.2022 foi admitida a intervenção acessória provocada da Companhia de Seguros Fidelidade, nos termos do disposto nos arts.321.º e ss. do Código de Processo Civil.
5- A seguradora contestou admitindo a celebração de contrato de seguro de responsabilidade civil extracontratual e profissional e, no mais, disse que faz seus os articulados apresentados pela interveniente principal CUF Cascais, aderindo na íntegra à defesa apresentada pela mesma e de onde resulta, diz, a total ausência de responsabilidade direta ou indireta no decesso do marido e pai das autoras.
6-Conhecida no saneador a exceção de ilegitimidade deduzida pela Ré CUF S.A., foi a mesma julgada parte ilegítima e absolvida da instância.
7-Após julgamento foi proferida sentença com o seguinte dispositivo: Julgo totalmente improcedente, por totalmente não provada, a presente ação e, em consequência, absolvo as Intervenientes HOSPITAL CUF CASCAIS, S.A. e FIDELIDADE COMPANHIA DE SEGUROS, S.A. de todos os pedidos deduzidos pelas Autoras, A…, B… e C…
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8-É desta sentença que vem interposto o presente recurso, pelas autoras, que termina com as seguintes conclusões: I Entende o Recorrente que eram essenciais à boa decisão da causa, os seguintes factos invocados pelas Recorrentes e constantes da Petição Inicial, sobre os quais o Tribunal a quo não se pronunciou e deveria ter dado como PROVADOS: 41º O enfarte agudo do miocárdio pode ser diagnosticado através da realização de uma radiografia ao tórax, eletrocardiograma ou um cateterismo cardíaco; 46º Quando o diagnóstico e o tratamento são atempados, é possível salvar o miocárdio e minimizar as complicações do enfarte. 49º A R. tem no seu sítio da internet, https://www.cuf.pt/saude-a-z/enfarte-do-miocardio, a seguinte informação, sobre enfarte do miocárdio: “Pode manifestar-se de diversas formas, por vezes bastante enganadoras. As mais comuns são uma dor em forma de aperto, sensação de peso ou pressão no centro do peito. A dor tende a irradiar para as costas, braço esquerdo, maxilar ou pescoço. A respiração torna-se irregular e rápida, bem como o ritmo cardíaco. Ocorrem tonturas, fraqueza, náuseas e vómitos, sudação e sensação de pânico.” (Vide doc.11) 50º Mais refere a R. no seu sitio da internet: Perante sintomas sugestivos de um enfarte do miocárdio, é essencial recorrer de imediato a um hospital. Quando mais tempo passar, menores são as possibilidades de recuperação. O diagnóstico baseia-se na avaliação clínica, no electrocardiograma e análises ao sangue. Podem ser solicitados exames adicionais, como uma radiografia ao tórax, ecocardiograma ou um cateterismo cardíaco.” (Vide doc.12) II Quanto ao ponto 41º da Petição inicial: 41º O enfarte agudo do miocárdio pode ser diagnosticado através da realização de uma radiografia ao tórax, eletrocardiograma ou um cateterismo cardíaco; O relatório da Consulta técnico científica elaborado em 16/02/2024, foi claro quanto a essa matéria á questão colocada: “24. A autópsia descreve ainda o coração como tendo “cardiopatia hipertrófica do ventrículo esquerdo” Que condição é esta? Corresponde ao diagnóstico da entidade nosológica “miocardiopatia hipertrófica? R: “Cardiopatia hipertrófica do ventrículo esquerdo”, registada no relatório de autópsia, na observação macroscópica do coração, não relatada no exame histológico, significa que existia uma região do ventrículo esquerdo com hipertrofia do músculo cardíaco, caracterizada por um aumento da massa muscular e aumento da espessura da parede do ventrículo esquerdo. Ocorre com maior frequência em casos de hipertensão arterial, sendo designada por hipertrofia ventricular esquerda, facilmente identificada no electrocardiograma ou no ecocardiograma.” Sobre esta matéria prestou declarações o Senhor Perito: M… (por videoconferência), cujo depoimento se encontra gravado no sistema existente no Tribunal Ficheiro de origem: Diligencia_21- 21.0T8SNT_2024-12-05_14-39-50, ouvido em 05/12/2024, pelas 14:39:50, passagens 00:20:50 a 00:22:58; III Quanto ao ponto 46: 46º Quando o diagnóstico e o tratamento são atempados, é possível salvar o miocárdio e minimizar as complicações do enfarte. A prova deste facto resulta, não só daquilo que são as regras da experiência comum, como, principalmente daquelas que foram as declarações da testemunha Dr.ª S…(por videoconferência), médica que observou o C… no infeliz dia do seu falecimento, cujo depoimento se encontra gravado no sistema existente no Tribunal, ficheiro de origem: Diligencia_21- 21.0T8SNT_2024-10-16_14-30-28, ouvida em 16/10/2024, pelas 14:30:28, passagens 00:44:21 a 00:46:20; Igualmente o Senhor Perito: M… (por videoconferência), cujo depoimento se encontra gravado no sistema existente no Tribunal Ficheiro de origem: Diligencia_21-21.0T8SNT_2024-12- 05_14-39-50, ouvido em 05/12/2024, pelas 14:39:50, passagens 00:23:26 a 00:24:26. Ambas as testemunhas assumiram que com tratamento atempado é possível tratar o miocárdio. IV Quanto aos pontos 49 e 50: 49º A R. tem no seu sítio da internet, https://www.cuf.pt/saude-a-z/enfarte-do-miocardio, a seguinte informação, sobre enfarte do miocárdio: “Pode manifestar-se de diversas formas, por vezes bastante enganadoras. As mais comuns são uma dor em forma de aperto, sensação de peso ou pressão no centro do peito. A dor tende a irradiar para as costas, braço esquerdo, maxilar ou pescoço. A respiração torna-se irregular e rápida, bem como o ritmo cardíaco. Ocorrem tonturas, fraqueza, náuseas e vómitos, sudação e sensação de pânico.” (Vide doc.11) 50º Mais refere a R. no seu sitio da internet: Perante sintomas sugestivos de um enfarte do miocárdio, é essencial recorrer de imediato a um hospital. Quando mais tempo passar, menores são as possibilidades de recuperação. O diagnóstico baseia-se na avaliação clínica, no electrocardiograma e análises ao sangue. Podem ser solicitados exames adicionais, como uma radiografia ao tórax, ecocardiograma ou um cateterismo cardíaco.” (Vide doc.12) Os referidos não foram impugnados pela Recorrida, veja-se artigo 26 da sua Contestação. Por outro lado, a prova dos mesmos resulta da prova documental junta pelas Recorrentes, documentos 11 e 12 juntos com a Petição inicial, os quais não foram impugnados. Acresce que esta informação encontra-se e é de acesso público no sitio da internet: https://www.cuf.pt/saude-a-z/enfarte-do-miocardio V Entende o Recorrente que o Tribunal a quo julgou erroneamente os seguintes factos dados como NÃO PROVAOS, a), b), c), d) e) e f), os quais deveriam ter sido dados como PROVADOS. a) Que, no dia 16/12/2019, D…tivesse acordado com ligeiras dores no peito e uma forte dor no braço esquerdo. b) Que os serviços médicos da Interveniente Hospital Cuf Cascais S.A. tivessem obrigação de saber que os sinais apresentados por D… fossem compatíveis com a possibilidade de o mesmo estar a ter um enfarte do miocárdio. c) Que, se o D… tivesse permanecido em observações nos serviços da Interveniente Hospital Cuf Cascais S.A., a morte do mesmo poderia ter sido evitada d) Que as boas práticas médicas obrigassem a que os serviços médicos da Interveniente Hospital Cuf Cascais S.A. submetessem D… a, pelo menos, um eletrocardiograma. e) Que o falecimento de D… fosse consequência da falta e inadequada assistência e acompanhamento clínico do Hospital Cuf Cascais, S.A. f) Que as boas práticas médicas obrigassem os serviços da Interveniente Hospital Cuf Cascais S.A. a manter D… em observações nos serviços clínicos e não a enviá-lo para casa. VI Quanto à alínea a) da matéria de facto NÃO PROVADA, a qual deveria ter sido dada como PROVADA: a) Que, no dia 16/12/2019, D… tivesse acordado com ligeiras dores no peito e uma forte dor no braço esquerdo. A infeliz vítima acordou com ligeiras dores no peito e uma forte dor no braço esquerdo. Esta situação, como o Tribunal a quo constatou foi relatada precisamente pela pessoa que transportou a infeliz vítima ao hospital. Atente-se que as dores impossibilitavam, inclusive, a infeliz vítima de ser ele a conduzir o seu veículo automóvel, o que, com o devido respeito diz bem da situação clínica do D…. O Senhor J… foi a pessoa que socorreu o D… e que este com ele logo após acordar, pelo que, ninguém melhor do que este poderia relatar o que aconteceu, J…, cujo depoimento se encontra gravado no sistema existente no Tribunal, ficheiro de origem: Diligencia_21-21.0T8SNT_2024-10-16_09-48-29, ouvido em 16/10/2024, pelas 09:48:29, passagens 00:06:13 a 00:10:20; Mas mais, também a sogra do D… a testemunha F…, cujo depoimento se encontra gravado no sistema existente no Tribunal, ficheiro de origem: Diligencia_21-21.0T8SNT_2024-10- 16_10-11-07, ouvida em 16/10/2024, pelas 10:11:07, se pronunciou quanto a esta matéria, passagens 00:02:57 a 00:10:20; O Tribunal a quo não colocou em causa a credibilidade a espontaneidade das referidas testemunhas. A Testemunha: G…, cujo depoimento se encontra gravado no sistema existente no Tribunal: Ficheiro de origem: Diligencia_21-21.0T8SNT_2024-10-16_10-42-04, ouvido em 16/10/2024, pelas 10:42:04, relatou, igualmente que na semana anterior ao seu falecimento o D… se queixava de dores no peito, passagens 00:09:36 a 00:10:44 e 00:14:40 a 00:15:19; VII Quanto aos pontos b) e d) os quais entende o Recorrente que deveriam ter sido dados como PROVADOS: b) Que os serviços médicos da Interveniente Hospital Cuf Cascais S.A. tivessem obrigação de saber que os sinais apresentados por D… fossem compatíveis com a possibilidade de o mesmo estar a ter um enfarte do miocárdio. … d) Que as boas práticas médicas obrigassem a que os serviços médicos da Interveniente Hospital Cuf Cascais S.A. submetessem D… a, pelo menos, um eletrocardiograma. O julgador na aplicação da lei tem que ir além dos pareceres médicos, sob pena de quem aplica a Lei serem os próprios médicos. É, em último caso ao juiz que compete apreciar e enquadrar juridicamente a concreta atuação da Recorrida, como se decidiu no Acórdão do Tribunal da Relação do Porto, Processo: 15849/13.6TDPRT.P1, de 30-01-2019, disponível em www.dgsi.pt; Acórdão do Supremo Tribunal de Justiça, processo n.º 804/03.2TAALM.L.S1, de 25-02-2015, disponível em www.dgsi.pt. Resulta dos autos que o Arguido só naquele hospital teve pelo menos duas consultas de Cardiologia em 14/04/2013 e 21/05/2023, veja-se doc. 5, junto com a contestação pela Recorrida, documento referência citius 38298400. Resulta da informação da CUF no seu site oficial, conforme resulta do DOC.11, junto com a petição inicial, documento remetido em 02/01/2021, referência citius 37595423, é a própria Recorrida a alertar que o “Enfarte do miocárdio Pode manifestar-se de diversas formas, por vezes bastante enganadoras. No dia 15/12/2019 a infeliz vítima recorreu aos serviços clínicos da Recorrida por apresentar uma mordedura da língua, não apuraram qual o motivo da referida mordedura!!! Não dispunham de médico Otorrino, pelo que, não foi possível a infeliz vítima ser observada por este; Não realizaram, sequer “Quaisquer análises clínicas”, pelas 10horas e 53 minutos do dia 15/12/2019 foi-lhe atribuída alta hospitalar. A médica que assistiu o Recorrente analisou as dores do Recorrente única e exclusivamente à luz de uma eventual lesão musculo esquelética, pelo que solicitou Raio X e Tomografia computorizada, as quais não revelaram qualquer lesão. A médica que observou o Recorrente teve o cuidado de referir que das análises efetuadas resultou: Análises com destaques para; hgb 15.5, leuc 13.9, Ck 444 A Recorrida levou a cabo todos os exames que lhe permitiram concluir que a infeliz vítima não apresentava uma lesão musculo esquelética, contudo, ignorou por completo aquilo que apregoa nas informações que transmite aos utentes: “Enfarte do miocárdio Pode manifestar-se de diversas formas, por vezes bastante enganadoras. As mais comuns são uma dor de forma de aperto, sensação de peso ou pressão no centro do peito. A dor tende a irradiar para as costas braço esquerdo, maxilar ou pescoço.” No dia 22/10/2024, a Recorrida, através de um requerimento com a referência citius n.º 50237835, juntou a decisão proferida no âmbito do processo de averiguação sumária n.º …./20, na sequência de uma participação da Recorrente onde refere no ponto 29: “Perante o resultado da autópsia pode-se especular que os vários episódios de mordedura da língua e omalgia ocorridos durante o sono poderiam estar relacionados com sincope por isquemia do miocárdio.” Nas análise clínicas efetuadas a infeliz vítima apresentava um resultado Ck 444, esta é uma enzima que permite perceber a existência de uma patologia cardíaca, conforme referiu sobre esta matéria a testemunha: S… (por videoconferência), cujo depoimento se encontra gravado no sistema existente no Tribunal ficheiro de origem: Diligencia_21- 21.0T8SNT_2024-10-16_14-30-28, ouvido em 16/10/2024, pelas 14:30:28, passagens 00:34:38 a 00:36:13. A Dr.ª S…, perante a possibilidade de existir também um problema de natureza cardíaca, optou por seguir a via da lesão musculo esquelética. Sobre esta matéria respondeu, igualmente, a testemunha Dr.ª R…, médica, especialista em medicina interna, cujo depoimento se encontra gravado no sistema interno do Tribunal Ficheiro de origem: Diligencia_21-21.0T8SNT_2024-10-23_10-15-00, ouvida em 23/10/2024, pelas 10:15:00, passagens 00:42:36 a 00:44:10 e 00:46:52 a 00:50:20, onde se resume: “…E a CK, a creatina quinase. Que estava no valor dos quatrocentos, o habitual é ali à volta dos cento e cinquenta, duzentos, mas uma vez mais, é uma proteína… uma isoenzima existente em múltiplos sistemas, portanto, músculo liso, músculo liso é o músculo estriado, portanto, é o músculo… nos vários grupos musculares, músculo cardíaco, no cérebro.” Sobre esta matéria prestou declarações o Senhor Perito: M… (por videoconferência), cujo depoimento se encontra gravado no sistema existente no Tribunal Ficheiro de origem: Diligencia_21- 21.0T8SNT_2024-12-05_14-39-50, ouvido em 05/12/2024, pelas 14:39:50, passagens 00:20:50 a 00:23:00. Acontece, porém, que no caso sub judice, a infeliz vítima não foi sequer sujeita a qualquer controle de tensão arterial, conforme resulta do depoimento da Dr.ª S… (por videoconferência), cujo depoimento se encontra gravado no sistema existente no Tribunal ficheiro de origem: Diligencia_21- 21.0T8SNT_2024-10-16_14-30-28, ouvido em 16/10/2024, pelas 14:30:28, passagens 00:48:47 a 00:50:20; Temos, portanto que associado ás mordidelas de língua, reconhecidas como devidas a efetivas convulsões cuja origem não foi possível apurar temos, ainda, no dia em que foi observado uma alteração comportamental desajustada. Como referiu o Senhor Perito M…, um problema cardíaco pode levar a baixa de oxigénio a nível cerebral, e provocar convulsões, passagens 00:17:15 a 00:17:58; A infeliz vítima apresentava forte dor com erradiação para o braço esquerdo, convulsões, e análises clínicas na referência CK acima da média… A isto acresce que todos os exames realizados para apurar se existia uma lesão musculo esquelética revelaram que essa lesão não existia… Assim, perante tudo o que acima se encontra exposto, deveria o Tribunal a quo ter dado como provado que: “Os serviços médicos da Interveniente Hospital Cuf Cascais S.A. tinham a obrigação de saber que os sinais apresentados por D… fossem compatíveis com a possibilidade de o mesmo estar a ter um enfarte do miocárdio.” … As boas práticas médicas obrigavam a que os serviços médicos da Interveniente Hospital Cuf Cascais S.A. submetessem D… a, pelo menos, um eletrocardiograma. Quanto a este último ponto é a própria Recorrida a anunciá-lo: “Perante sintomas sugestivos de um enfarte do miocárdio, é essencial recorrer de imediato a um hospital. Quando mais tempo passar, menores são as possibilidades de recuperação. O diagnóstico baseia-se na avaliação clínica, no electrocardiograma e análises ao sangue. Podem ser solicitadas exames adicionais… VIII Quanto ao ponto C) c) Que, se o D…. tivesse permanecido em observações nos serviços da Interveniente Hospital Cuf Cascais S.A., a morte do mesmo poderia ter sido evitada Importa, desde logo, para que não restem dúvidas ao contrário daquilo que foi comunicado à Ordem dos Médicos no processo de averiguação Sumária n.º …/20, que foi junto pela Recorrida, em 22/10/2024, referência citius 50237835, foi a Dr.ª S… quem ordenou que a infeliz vítima fosse para casa!!! O D… nunca solicitou que fosse para casa, conforme ficou provado: 24. O D…, ainda com o cateter no braço, foi mandado para casa com indicação para se apresentar pelas 15 horas para consulta de Otorrino. A Ordem dos Médicos na decisão que proferiu lavrou em manifesto erro porquanto foi induzida a considerar que tinha sido a infeliz vítima que pediu para abandonar a unidade hospitalar, o que manifestamente não aconteceu, foi a Dr.ª S… a enviá-lo para casa, o que se veria a revelar fatal. A prova deste facto resulta, não só daquilo que são as regras da experiência comum, como, principalmente daquelas que foram as declarações da testemunha Dr.ª S… (por videoconferência), médica que observou o D… no infeliz dia do seu falecimento, cujo depoimento se encontra gravado no sistema existente no Tribunal, ficheiro de origem: Diligencia_21- 21.0T8SNT_2024-10-16_14-30-28, ouvida em 16/10/2024, pelas 14:30:28, passagens 00:44:21 a 00:46:20; Igualmente o Senhor Perito: M… (por videoconferência), cujo depoimento se encontra gravado no sistema existente no Tribunal Ficheiro de origem: Diligencia_21-21.0T8SNT_2024-12- 05_14-39-50, ouvido em 05/12/2024, pelas 14:39:50, passagens 00:24:30 a 00:27:50, onde se resume: “Exatamente. Exatamente. Exatamente. Se ele tivesse tido a sorte de ter a paragem cardíaca ainda no hospital, provavelmente teria mais possibilidades de sobreviver.” IX Quanto aos pontos e) e f) e) Que o falecimento de D… fosse consequência da falta e inadequada assistência e acompanhamento clínico do Hospital Cuf Cascais, S.A. f) Que as boas práticas médicas obrigassem os serviços da Interveniente Hospital Cuf Cascais S.A. a manter D… em observações nos serviços clínicos e não a enviá-lo para casa. Salvo o devido respeito por opinião diversa, estes pontos são a consequência lógica e coerente de tudo o que acima se encontra exposto. Assim, por questões de economia processual, para não nos tornarmos repetitivos quanto a estes concretos pontos damos aqui, por integralmente reproduzido tudo o que acima se encontrou escrito. X Á matéria de facto dada como provada, devem, ainda ser acrescentados os seguintes pontos: O enfarte agudo do miocárdio pode ser diagnosticado através da realização de uma radiografia ao tórax, eletrocardiograma ou um cateterismo cardíaco; Os médicos da R. nunca solicitaram a realização de eletrocardiograma, radiografia ao tórax, ecocardiograma ou um cateterismo cardíaco Quando o diagnóstico e o tratamento são atempados, é possível salvar o miocárdio e minimizar as complicações do enfarte. A R. tem no seu sítio da internet, https://www.cuf.pt/saude-az/enfarte-do-miocardio, a seguinte informação, sobre enfarte do miocárdio: “Pode manifestar-se de diversas formas, por vezes bastante enganadoras. As mais comuns são uma dor em forma de aperto, sensação de peso ou pressão no centro do peito. A dor tende a irradiar para as costas, braço esquerdo, maxilar ou pescoço. A respiração torna-se irregular e rápida, bem como o ritmo cardíaco. Ocorrem tonturas, fraqueza, náuseas e vómitos, sudação e sensação de pânico.” (Vide doc.11) Mais refere a R. no seu sitio da internet: Perante sintomas sugestivos de um enfarte do miocárdio, é essencial recorrer de imediato a um hospital. Quando mais tempo passar, menores são as possibilidades de recuperação. O diagnóstico baseia-se na avaliação clínica, no electrocardiograma e análises ao sangue. Podem ser solicitados exames adicionais, como uma radiografia ao tórax, ecocardiograma ou um cateterismo cardíaco.” (Vide doc.12) No dia 16/12/2019, D…. acordou com ligeiras dores no peito e uma forte dor no braço esquerdo. Os serviços médicos da Interveniente Hospital Cuf Cascais S.A. tinham obrigação de saber que os sinais apresentados por D… eram compatíveis com a possibilidade de o mesmo estar a ter um enfarte do miocárdio. Se o D… tivesse permanecido em observações nos serviços da Interveniente Hospital Cuf Cascais S.A., a morte do mesmo poderia ter sido evitada As boas práticas médicas obrigavam a que os serviços médicos da Interveniente Hospital Cuf Cascais S.A. submetessem D… a, pelo menos, um eletrocardiograma. O falecimento de D… foi consequência da falta e inadequada assistência e acompanhamento clínico do Hospital Cuf Cascais, S.A. As boas práticas médicas obrigavam os serviços da Interveniente Hospital Cuf Cascais S.A. a manter D… em observações nos serviços clínicos e não a enviá-lo para casa. XI O infeliz D… acreditava que a Recorrida tinha a capacidade e competência para lhe prestar os cuidados de saúde que o mesmo necessitava e para o acompanhar adequadamente e acima de tudo, para diligenciar para que tudo fosse feito para o tratar. XII No caso Sub Júdice pela factologia dada como provada não restam quaisquer dúvidas que os serviços clínicos da Recorrida não actuaram com o cuidado, a perícia e os conhecimentos compatíveis com os padrões por que se regem os médicos sensatos, razoáveis e competentes do seu tempo. XIII Resultou à abundância que os médicos da Recorrida optaram por considerar, mesmo após terem realizado exames que afastavam esse prognóstico, que a infeliz vítima padecia de uma lesão musculo esquelética, quando na realidade o mesmo apresentava sinais de enfarte. XIV A Recorrente dispunha de vários indícios para apurar a existência de problemas cardíacos, contudo, optou por não seguir essa via de análise. XV A Recorrida não realizou um único exame para afastar a possibilidade da infeliz vítima estar a padecer de uma doença cardíaca, bem sabendo, ou tendo obrigação de saber, que existiam sinais dessa patologia… Mais grave, XVI A inexistência de médico Otorrino nas suas instalações levou a que o Recorrido fosse mandado para casa, sem que toda a análise clínica estivesse concluída. XVII Não tendo a infeliz vítima alta, e apesar de o mesmo apresentar sinais preocupantes que obrigaram a médica que o observou a aconselhar o acompanhamento de terceiros, mesmo assim, mandou o Recorrente para casa, onde o mesmo veio a falecer… XVIII Se, ao menos a Recorrida não tivesse enviado o Recorrente para casa e o tivesse mantido em observações no hospital a sua vida poderia ter sido salva!!! XIX No caso sub Júdice, de forma trágica, ficou evidente o erro de diagnóstico. XX “… tem-se entendido que existe violação das leges artis e do dever de cuidado, conducentes a um diagnóstico errado, nos casos em que o médico: … iii) Não realiza todos os exames que se revelariam necessários para apurar o estado clínico do paciente; … vi) Apresente um diagnóstico que desdenha um sintoma evidente do paciente; vii) Conclua o diagnóstico sem ter em conta hipóteses remotas, mas ainda assim possíveis; viii) Não tenha requerido para o diagnóstico eventuais exames complementares, ou não tenham sido os mesmos suficientemente valorados.” Vera Lúcia Raposo, in Do ato médico ao problema jurídico, Almedina, pág. 249 e 250. XXI No caso sub Júdice é flagrante que os serviços da Recorrida: iii) Não realizaram todos os exames que se revelariam necessários para apurar o estado clínico do paciente, nomeadamente, uma simples medição arterial ou a realização de um electrocardiograma; vi) Apresentaram um diagnóstico que desdenha um sintoma evidente do paciente, as dores do lado esquerdo do braço, com situações de convulsões prévias, associadas aos resultados da análise CK, indicavam claramente a infeliz vítima padecer de um problema de natureza cardíaca; vii) Concluíram o diagnóstico sem ter em conta hipóteses remotas, mas ainda assim possíveis; a dor do lado esquerdo, as convulsões, associados aos valores da enzima CK, eram claramente suscetíveis de indicar, mesmo que se considerasse remotamente, o que apenas por mero dever de patrocínio se coloca, um problema de natureza cardíaca. viii) Não requereram para o diagnóstico eventuais exames complementares, não foram realizados quaisquer exames de diagnóstico com vista a apurar se existia um problema de natureza cardíaca. XXII Acresce, ainda que, salvo o devido respeito por opinião diversa, provando se como se provou, que o D… veio a falecer após contactar os serviços da Recorrida, quando não lhe havia sido dada alta e após a médica que o assistia o mandar esperar em casa e regressar mais tarde, dúvidas não podem restar que ficaram demonstrados todos os pressupostos para operar a presunção de culpa da Recorrida. XXIII Ao decidir como decidiu, absolvendo a Recorrida o Tribunal a quo violou os artigos 483º, 487º, 799º e 800º do Código Civil. XXIV As Recorrentes sofreram danos patrimoniais graves cuja reparação se encontra prevista no artigo 562º do C. Civil, para reconstituição da situação que existiria se não se tivesse verificado a trágica morte do marido e pai das Autoras. XXV Nos termos do artigo 495º do C. Civil: no caso de lesão de que proveio a morte, é o responsável obrigado a indemnizar as despesas feitas para salvar o lesado e todas as demais, sem excetuar as do funeral. XXVI Nos termos do artigo 495º n.º3 do C. Civil têm direito a indemnização os que podiam exigir alimentos ao lesado ou aqueles a quem o lesado os prestava no cumprimento de uma obrigação natural. XXVII As Autoras são menores de idade, e sempre teriam direito a que o pai provesse ao seu sustento, pelo menos, até aos 25 anos de idade, se se dedicassem ao Estudo como era intenção do mesmo. XXVIII O montante que o infeliz D… recebia destinava-se às despesas de alimentação, vestuário, habitação e educação das Recorrentes, conforme resultou provado. XXIX A esperança de vida da população portuguesa residente é, segundo as “Estatísticas Demográficas” do Instituto Nacional de Estatística, de 78 anos para os homens, pelo que, a infeliz vítima tinha, pelo menos, uma esperança de vida de mais 44 (quarenta e quatro) anos, ou seja, 528 (Quinhentos e Vinte e Oito) meses. XXX Pelo que, não fosse o falecimento e a infeliz vítima a título de vencimentos receberia, ainda, pelo menos, não tendo em atenção os aumentos anuais, o montante global de 878.064€ (Oitocentos e Setenta e Oito Mil e Sessenta e Quatro Euros) (44 anos X 12 meses X 1.663€ de salários). XXXI Pelo que, a título de danos futuros deveria a Recorrida ter sido condenada a pagar aos Recorrentes o montante global de 878.064€ (Oitocentos e Setenta e Oito Mil e Sessenta e Quatro Euros), artigo 564º do C. Civil. XXXI Em consequência da falta e inadequada assistência e acompanhamento clínico da R. o D…. veio a falecer pelo que pela perda da vida da infeliz vítima as Autoras reclamam o montante global de 100.000€ (Cem Mil Euros). XXXII A título de danos não patrimoniais sofridos pela vítima antes da morte, reclamam as Autores o montante global de 15.000€ (Quinze Mil Euros). XXXIII A título de danos morais decorrentes da perda do seu companheiro a Recorrente deve ser indemnizada no montante global de 50.000€ (Cinquenta Mil Euros). XXXIV Pelo que, a título de danos morais sofridos pelas Recorrentes filhas, menores, deve a Recorrida ser condenada a pagar uma indemnização de 50.000€ (Cinquenta Mil Euros) para cada uma. XXXV A indemnização dos danos não patrimoniais ora invocados tem como objectivo compensar os Autores daqueles danos, através duma quantia em dinheiro que lhe permita um acréscimo de bem-estar e o acesso a bens recreativos e culturais, enquanto naturais contrapontos das dores e angústias passadas e futuras.
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9- Contra-alegou a recorrida Cuf Cascais S.A., concluindo, ora em sintese, que “as boas práticas médicas não obrigavam a que o Hospital CUF Cascais mantivesse D… em observação clínica no dia 16 de dezembro, e muito menos que a alta hospitalar tenha violado deveres de cuidado ou contribuído para o desfecho trágico que se verificou.” e “…impõe-se reconhecer que a responsabilidade pelos factos não pode ser imputada ao hospital ou à sua equipa médica, devendo ser julgado improcedente o recurso”
10-Contra-alegou, também, a Seguradora Fidelidade S.A., terminando com as seguintes conclusões: A. Andou bem o Tribunal a quo a não incluir na factualidade relevantes os factos alegados nos artigos 41.º, 46.º, 49.º e 50.º na petição inicial já que estes são irrelevantes para a boa decisão da causa. B. Conforme entendeu, e bem, o Tribunal a quo, face à prova produzida em sentido contrário nos presentes autos, é insuficiente o depoimento prestado pelos sogros do Sr. D…, desacompanhado de outro meio de prova, para considerar demonstrado o facto vertido na alínea a) dos factos não provados; C. O depoimento prestado pela testemunha G…, para além de não poder versar sobre as queixas do Sr. D… no dia do seu falecimento, também é inconsistente com o depoimento prestado pela testemunha T…, também colega de trabalho do Sr. D…; D. Conforme resultou do depoimento prestado pelas testemunhas V… e S…, respectivamente enfermeiro e médica que assistiram o Sr. D… no dia 16 de Dezembro de 2019 (conforme trechos dos seus depoimentos, supra identificados), e conforme resulta claro dos registos clínicos juntos aos autos, aquele nunca se queixou de qualquer dor no peito e, caso o tivesse feito, tal estaria, sem qualquer dúvida, reflectido nos registos clínicos; E. Também por ter sido produzida prova em sentido contrário, andou bem o Tribunal a quo a julgar como não provados os factos vertidos nas alíneas b) e d). F. Resultou claro da prova testemunhal produzida nos autos, em especial do depoimento da testemunha S… (em especial dos trechos do seu depoimento, supra identificados no corpo da presente resposta), bem como da prova pericial e documental (designadamente da decisão proferida pelo Conselho Disciplinar Regional do Sul da Ordem dos Médicos) que a dor que o Sr. D… apresentava no ombro era mecânica, e impedia o seu movimento, típica de um problema músculo-esquelético, ao contrário da dor com origem cardíaca, que não causa impotência funcional; G. Resultou provado nos presentes autos que a sintomatologia apresentada pelo Sr. D… não indiciava qualquer problema do foro cardíaco – não sendo sequer expectável uma tal suspeita – e, consequentemente, não justificava a realização de quaisquer exames de diagnósticos adicionais, tais como um electrocardiograma; H. Também andou bem com Tribunal a quo a julgar como não provado o facto vertido na alínea c) já que a situação em apreço não justificava a permanência do Sr. D… no Hospital enquanto aguardava a realização da consulta de ortopedia e aquele se encontrava devidamente acompanhado, tendo a decisão de permitir que doente se ausentasse temporariamente do Hospital respeitado a legis artis; I. Também por ter sido produzida prova em sentido contrário, julgou bem o Tribunal a quo ao ter considerado como não provados os factos vertidos nas alíneas e) e f). J. De toda a prova produzida nos presentes autos, não resulta evidenciada qualquer conduta violadora da legis artis ou qualquer incumprimento dos deveres de diligência e de cuidado por parte dos profissionais de saúde que assistiram o Sr. D… passível de determinar a responsabilidade da Apelada CUF na produção dos alegados danos e, consequentemente, que recaia sobre a Apelada FIDELIDADE qualquer obrigação de indemnizar; K. Para que se verifique a obrigação de indemnizar, seria necessária a verificação dos pressupostos legais da responsabilidade civil sendo que, no caso, não resultou sequer demonstrada a prática de qualquer facto ilícito pelos profissionais de saúde que assistiram o Sr.D…, i.e. não resultou demonstrada qualquer omissão de cuidado e tratamento com vista a diagnosticar que o Sr. D… estava a ter um enfarte do miocárdio, e ao não mantê-lo nas instalações em observação; L. Pelo contrário, resultou demonstrado nos presentes autos que os profissionais de saúde, perante a sintomatologia apresentada, actuaram em estrito cumprimento com as legis artis; M. Perante a situação em concreto, não era exigível aos profissionais de saúde que agissem de modo diverso, designadamente mediante a realização e outros exames ou terapêutica; N. Mesmo que assim não se entenda, o que não se concede, no que aos danos ora peticionados diz respeito, em especial à quantia de € 878.064,00 reclamada a título de lucros cessantes, que, por um lado, os cálculos foram erradamente apurados com base em valores ilíquidos e, por outro, estes pressupõem que o Sr. D… se mantivesse a trabalhar, de forma ininterrupta, até aos 78 anos de idade; O. Quanto aos danos não patrimoniais, o valor ora peticionado pelas Apelantes afigura-se excessivo quando tomadas em consideração os critérios jurisprudenciais vigentes e aplicáveis a situações semelhantes.
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Colhidos os vistos, cumpre apreciar e decidir
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Objeto do recurso/questões a decidir:
Sendo o objeto do recurso balizado pelas conclusões apresentadas, nos termos conjugados dos arts.635.º n.º4 e 639.º n.º1 do CPC, sem prejuízo das questões de que o tribunal possa conhecer oficiosamente (art.608.º, n.º 2, in fine, em conjugação com o art. 663.º, n.º 2, parte final, ambos do CPC), prefiguram-se no presente caso as seguintes questões a decidir:
-impugnação da decisão da matéria de facto.
-na decorrência da alteração da matéria de facto, - ou independentemente dela - apreciação do mérito da decisão.
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II- Fundamentação
2.1- Fundamentação de facto:
2.1.1- Na sentença objeto de recurso constam como provados os seguintes factos: 1. D… nasceu em 24/04/1985. 2. D… faleceu em 16 de dezembro de 2019, no estado de casado com a Autora. 3. D… deixou como seus únicos e legítimos herdeiros as aqui Autoras. 4. A Autora B…, nascida a …/07/2013, é filha da A. A… e de D…. 5. A Autora C…, nascida a …/08/2015, é filha da A. A… e de D…. 6. No dia 15/12/2019, o D… acordou com uma ferida na língua causada por mordedura durante a noite. 7. O D… deslocou-se às instalações da Interveniente Hospital Cuf Cascais, S.A., Polo de Sintra, onde chegou pelas 10 horas. 8. D… foi observado pela Dr.ª T…, a qual escreveu no relatório de informação clínica: “Aparentemente tratam-se de lesões secundarias a mordedura de língua. No entanto não se percebe qual o motivo. PLANO - Medica-se com antibioterapia profilatica e leva colutório com sucralfato +1/2F de morfina + nistanina (bochechar). - Elugel para domicilio; - Consulta de ORL para reavaliação.” 9. A Dr.ª T… solicitou, com caráter de urgência, que o D… fosse submetido a uma consulta de Otorrino. 10. No referido dia não existia médico especialista em Otorrinolaringologia que pudesse observar o D…. 11. No dia 15/12/2019 ficou agendada para o dia 16/12/2019 pelas 18:40 a consulta de otorrinolaringologia com o Dr. E…. 12. No dia 15/12/2019, o D… não foi sujeito à realização de quaisquer análises clínicas. 13. O D… não ficou em observações na Unidade Hospitalar. 14. Pelas 10 horas e 53 minutos do dia 15/12/2019 foi-lhe atribuída alta clínica. 15. No dia 16/12/2019, o D… acordou com dor no ombro esquerdo (omalgia esquerda) com irradiação para o braço esquerdo e não tinha sofrido qualquer situação traumática durante o sono. 16. D… não conseguia conduzir o veículo automóvel, pelo que foi transportado ao Hospital pelo seu sogro, J…. 17. Pelas 08:44, o D… deu entrada no Hospital CUF de Sintra, triagem, tendo sido classificada a sua entrada com a prioridade de “Urgente”. 18. Pelas 08:50 é observado pela Dr.ª S…, a qual fez constar do relatório clínico: “(…) recorre por omalgia esquerda. Acordou com dor, não tem noção de ter tido traumatismo durante a noite. Não dormiu acompanhado. Refere que a esposa, por vezes, refere que tem sono agitado. Refere estar bem disposto. Apresentado bom estado geral, corado, hidratado. Consciente. Dificuldade em falar pelas lesões na língua. Eupneico. Dor intensa á palpação de supraespinhoso esquerdo, não consegue movimentar o braço. Medica-se com AINE Rx ombro sem alterações aparentes: discutido o caso com o Dr. P.., que observará o doente à tarde, caso não melhore. Análises com destaques para; hgb 15.5, leuc 13.9, Ck 444 Plano: peço urina II, TAC-CE e acrescento pedido analises sangue”. 19. Pelas 10:00h é sujeito medição de temperatura tendo apresentado 37,5ºc. 20. Pelas 10:59 o D… foi observado pela Dr.ª S…, a qual fez constar do Resumo de Informação Clínica: “Durante permanência no AP, observada alteração do comportamento (saltos, movimentos de braços fora de contexto), tendo crítica para tal – efeito secundário da morfina? Melhoria da mobilidade do braço mas ainda pouco movimenta antebraço. Acompanhado pelo sogro. Explicado a ambos que deverá estar acompanhado até normalização dos sintomas e que não deve conduzir. Suspende colutório de morfina. Volta pelas 15 horas para avaliação por ortopedia – reavaliar igualmente comportamento.” 21. A médica que assistiu o D… afirmou que a mordedura da língua, assim como a dor apresentada no braço, poderia ter origem em convulsões e que carecia de uma melhor análise. 22. Submetido a Tomografia computorizada crânio-encefálica, o relatório referia: “Sem contraste E.V. Reconstruções sagitais e coronais. Não se identificam alterações das densidades encefálicas. Sistema ventricular com morfologia e dimensões normais. Sulcos corticais cerebrais, cerebelosos e cisternas da base sem alterações. Não há preenchimentos anómalos dos seios perinasais nem dos ouvidos médios CONCLUSÃO: Sem alterações.” 23. Submetido a RX do ombro consta do relatório médico: “Estudo radiográfico do ombro esquerdo, 4 incidências Não observamos alterações relevantes da estrutura dos elementos ósseos visualizados. Estão mantidas as interlinhas articulares gleno-umeral e acrómio-clavicular. Não observamos calcificações de partes moles periarticulares”. 24. O D…, ainda com o cateter no braço, foi mandado para casa com indicação para se apresentar pelas 15 horas para consulta de Otorrino. 25. Ao longo do trajeto para casa, o D…, que seguia no banco do pendura, revelava grande agitação, mexendo as pernas e braços, sem qualquer sentido, à semelhança do que havia acontecido na presença da médica que o assistiu. 26. Ao chegar a casa, o D… recolheu ao quarto para descansar um pouco. 27. A mãe da A. A…, sogra do D…, deslocou-se a casa deste para confecionar alguma coisa para comerem, uma vez que, segundo indicações médicas, tinham que regressar pelas 15 horas ao hospital. 28. Após a refeição estar confecionada, a mãe da A. pediu à Autora menor B… para ir chamar o pai. 29. Quando a menina chegou ao quarto e chamou pelo pai, este já não respondeu. 30. A mãe da A. chamou o INEM, o qual, quando chegou ao local pelas 14 horas, já encontrou o D… morto. 31. Consta do Resumo da Informação clínica do Hospital Cuf Cascais S.A o seguinte: “2019-12-16 15:38, Dr. P…, PMCMARQUES, ORTOPEDIA--- não responde à chamada. 2019-12-16 17:03, Dr.ª S…, , MEDICINA INTERNA CCS --- Não atende o telefone. 2019-12-16 19:42, Dra. S…,, MEDICINA INTERNA CCS--- Não está presente na sala e não atende o telefone.” 32. Submetido D… a Autópsia, o referido relatório veio a concluir que a causa da morte se ficou a dever a “Enfarte agudo do miocárdio”. 33. Mais refere o referido relatório de autópsia: “Coração: Tamanho e forma mantidos. Petéquias sub-epicárdicas. Cardiopatia hipertrófica do ventrículo esquerdo. Ao corte, uma área bem definida de cor pálida, na parede lateral do ventrículo esquerdo, com apagamento da estriação habitual e fronteira hemorrágica – aspecto compatível com enfarte agudo do miocárdio.” 34. As médicas que assistiram o D…, Dra. T… e Dra. S…, não solicitaram a realização de eletrocardiograma, radiografia ao tórax, ecocardiograma ou um cateterismo cardíaco, sendo que o enfarte agudo do miocárdio pode ser diagnosticado através da realização de tais exames. 35. O D… tinha à data da sua morte 34 anos de idade. 36. Exercia as funções de técnico de manutenção na TAP. 37. No ano de 2018, ano anterior ao seu falecimento, D… auferiu rendimentos no montante global de 23.273,99€ (Vinte e Três Mil Duzentos e Setenta e Três Euros e Noventa e Nove Cêntimos) 38. O D… era uma pessoa alegre e bem disposta. 39. Sempre disponível a ajudar as outras pessoas. 40. Antes dos acontecimentos que levaram à sua morte nunca tinha tido qualquer problema de saúde. 41. O D… vivia com a sua esposa aqui Autora e as suas duas filhas. 42. As Autoras menores tinham uma grande ligação com o seu pai. 43. Eram uma família feliz e unida, apoiando-se mutuamente. 44. O D…. tinha gosto em conviver, passear, conhecer sítios novos, fazer amigos. 45. A Autora e o D… tinham muitos projetos de vida entre eles realizarem viagens por vários países do mundo, de modo a permitir que as suas filhas conhecessem novas culturas. 46. O D… sempre foi um pai com preocupação e atenção pelas filhas. 47. O D… ajudava a Autora nas lides domésticas, sendo um amigo e conselheiro. 48. Era um homem tranquilo e sempre bem disposto, tinha uma postura descontraída na vida. 49. Gostava de sair, de fazer compras, de conviver com os amigos. 50. O D… era uma pessoa que facilmente fazia amizades e, por isso, tinha muitos amigos. 51. Os sentimentos de revolta, consternação, profunda depressão e afetação psíquica, motivados pela circunstância em que ocorreu aquela morte, foram muito intensos. 52. A Autora estava casada com o D… desde …/04/2009. 53. Partilhando, leito, casa e projetos de vida. 54. Após a morte do D…, as Autoras passaram grandes dificuldades financeiras. 55. A A. B… encontrava-se a ser acompanhada em consulta de terapia da fala e, após a morte do seu pai, teve que deixar de frequentar essas consultas. 56. Após a morte do D… as Autoras viram-se na contingência de terem que ter ajuda financeira de familiares. 57. Situação que muito envergonha e constrange a Autora. 58. As autoras sentem uma enorme tristeza e angústia pela falta do pai. 59. Não vão poder comemorar o dia do pai na escola como as outras colegas. 60. As Autoras tinham no seu pai um brincalhão e protetor. 61. Era o pai das Autoras que as ajudava a vestir, a escolher a roupa nas lojas. 62. A Interveniente Hospital Cuf Cascais, S.A., transferiu a responsabilidade civil extracontratual e profissional decorrente da exploração de estabelecimentos de saúde para a Império Bonança – Companhia de Seguros, S.A., atualmente Interveniente Fidelidade Companhia de Seguros, S.A., por contrato de seguro titulado pela apólice RC 2….
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2.1.2- Na sentença objeto de recurso foram considerados não provados os seguintes factos: a) Que, no dia 16/12/2019, D… tivesse acordado com ligeiras dores no peito e uma forte dor no braço esquerdo. b) Que os serviços médicos da Interveniente Hospital Cuf Cascais S.A. tivessem obrigação de saber que os sinais apresentados por D… fossem compatíveis com a possibilidade de o mesmo estar a ter um enfarte do miocárdio. c) Que, se o D… tivesse permanecido em observações nos serviços da Interveniente Hospital Cuf Cascais S.A., a morte do mesmo poderia ter sido evitada. d) Que as boas práticas médicas obrigassem a que os serviços médicos da Interveniente Hospital Cuf Cascais S.A. submetessem D… a, pelo menos, um eletrocardiograma. e) Que o falecimento de D… fosse consequência da falta e inadequada assistência e acompanhamento clínico do Hospital Cuf Cascais, S.A. f) Que as boas práticas médicas obrigassem os serviços da Interveniente Hospital Cuf Cascais S.A. a manter D… em observações nos serviços clínicos e não a enviá-lo para casa. g) Que, após ter sido enviado para casa, sem que tivesse sido sujeito a um acompanhamento adequado, o D… tivesse sofrido dores horríveis, receasse pela própria vida e sentisse angústia. h) Que, desde a morte do pai e marido, respetivamente, as Autoras nunca mais tivessem sido capazes de sorrir. i) Que as Autoras perguntem constantemente quando é que o pai vem para brincar com elas. j) Que, com o funeral de D…, a Autora tivesse despendido o montante global de 2.500€ (Dois Mil e Quinhentos Euros). k) Que as Autoras tivessem que abdicar do Seguro de Saúde que tinham porque a Autora não tinha condições económicas para pagar.
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2.2-Fundamentação de direito:
2.2.1- Impugnação da matéria de facto:
Conforme resulta das conclusões do recurso, as recorrentes impugnam a decisão sobre a matéria de facto.
Vejamos:
Nos termos do art.639.º n.º1 do CPC o recorrente deve apresentar a sua alegação na qual conclui, de forma sintética, pela indicação dos fundamentos por que pede a alteração ou anulação da decisão.
Por seu turno, nos termos do art.640.º do CPC que estabelece o “Ónus a cargo do recorrente que impugne a decisão relativa à matéria de facto”: 1 - Quando seja impugnada a decisão sobre a matéria de facto, deve o recorrente obrigatoriamente especificar, sob pena de rejeição: a) Os concretos pontos de facto que considera incorretamente julgados; b) Os concretos meios probatórios, constantes do processo ou de registo ou gravação nele realizada, que impunham decisão sobre os pontos da matéria de facto impugnados diversa da recorrida; c) A decisão que, no seu entender, deve ser proferida sobre as questões de facto impugnadas. 2 - No caso previsto na alínea b) do número anterior, observa-se o seguinte: a) Quando os meios probatórios invocados como fundamento do erro na apreciação das provas tenham sido gravados, incumbe ao recorrente, sob pena de imediata rejeição do recurso na respetiva parte, indicar com exatidão as passagens da gravação em que se funda o seu recurso, sem prejuízo de poder proceder à transcrição dos excertos que considere relevantes; b) Independentemente dos poderes de investigação oficiosa do tribunal, incumbe ao recorrido designar os meios de prova que infirmem as conclusões do recorrente e, se os depoimentos tiverem sido gravados, indicar com exatidão as passagens da gravação em que se funda e proceder, querendo, à transcrição dos excertos que considere importantes. 3 - O disposto nos n.os 1 e 2 é aplicável ao caso de o recorrido pretender alargar o âmbito do recurso, nos termos do n.º 2 do artigo 636.º.
Resulta evidente do artigo transcrito que pretendendo a parte recorrer na parte atinente à decisão de facto, impugnando-a, tem que cumprir diversos ónus, sob pena do recurso quanto à matéria de facto ser rejeitado e, por isso, não chegar a ser apreciado pelo Tribunal da Relação. Por conseguinte, numa primeira linha de exigências (n.º1 do art.640.º), deve obrigatoriamente especificar a) os concretos pontos de facto incorretamente julgados; b) Os concretos meios probatórios que impunham decisão diversa; c) a decisão (diversa) que deve ser proferida. E numa segunda linha de exigência, se os meios indicados como fundamento do erro na apreciação das provas tiverem sido gravados, sob pena de imediata rejeição do recurso, tem o recorrente que indicar com exatidão as passagens da gravação em que se funda.
A jurisprudência é pacífica quando à necessidade de cumprimento de tais ónus. Assim, v.g. Acórdão do STJ Uniformizador de Jurisprudência, de 17.10.2023 onde se diz “Com efeito, no art.º 640, sob a epígrafe “Ónus a cargo do recorrente que impugne a decisão relativa à matéria de facto”, consta do n.º1, Quando seja impugnada a decisão sobre a matéria de facto, deve o recorrente obrigatoriamente especificar, sob pena de rejeição: a) Os concretos pontos de facto que considera incorretamente julgado; b) Os concretos meios probatórios, constantes do processo ou de registo ou gravação nele realizada, que impunham decisão sobre os pontos da matéria de facto impugnados, diversa da recorrida; e quanto ao ora em análise, c) A decisão que no seu entender, deve ser proferida sobre as questões de facto impugnadas. Apontados como ónus primários, pois têm como função delimitar o objeto do recurso, fundando os termos da impugnação, daí a sua falta traduzir-se na imediata rejeição do recurso, em contraposição aos ónus secundários, previstos no n.º2 do art.º640 relativos à alínea b) do n.º1, enquanto instrumentais do disposto no art.º 662, que regula a modificabilidade da decisão sobre a matéria de facto pelos Tribunais da Relação, permitindo assim, um efetivo segundo grau de jurisdição no conhecimento das questões de facto, na procura da sua melhor realização, em termos relevantes, isto é, na busca da verdade material com a decorrente justa composição dos litígios.”; ou nos dizeres do sumário do Ac. TRG de 12.10.2023 (relatora Maria João Matos), “I. O ónus de impugnação da matéria de facto julgada exige que, cumulativamente, o recorrente indique os pontos de facto que considera incorrectamente julgados, os meios probatórios e as exactas passagens dos depoimentos que os integrem que determinariam decisão diversa da tomada em primeira instância - para cada um dos factos que pretende impugnar -, e a decisão que deverá ser proferida sobre as questões de facto impugnadas (art.º 640.º, n.º 1 e n.º 2, do CPC).”, ou ainda no Ac. TRP de 12.7.2023 (Paula Leal de Carvalho) “A impugnação da decisão da matéria de facto deve ser rejeitada quando o Recorrente: não deu cumprimento, nas conclusões, aos requisitos previstos nas als. a) e c) do nº 1 do art. 640º, do CPC pois que não indicou os concretos pontos da decisão da matéria de facto de que discorda e as respostas que, em seu entender, deveriam ter sido dadas, sendo que são estas que delimitam o objeto do recurso; não deu igualmente cumprimento a tais requisitos no corpo das alegações, pois que, aí, limita-se a transcrever os factos provados e não provados e a dizer que o juiz “não poderia ter dado todos os factos acima identificados como não provados” sem concreta indicação das respostas que, em seu entender, deveriam ter sido dadas; não cumpriu o disposto na al. b) do nº 1 do citado art. 640º, mais não fazendo do que uma impugnação em bloco, não conexionando cada facto individualizadamente (ou, pelo menos, grupos de factos que estejam em intimamente relacionados) com os concretos meios de prova que aduz; e não cumpriu o disposto no art. 640º, nº 2, al. a), não localizando, na gravação, o momento temporal (minutos) correspondente aos depoimentos que transcreve.”, ou Ac. TRL de 11.7.2024 (Paulo Fernandes da Silva) “II.–Sob pena de rejeição do recurso da decisão de facto, na impugnação desta o Recorrente tem um triplo ónus: (i) concretizar os factos que impugna, (ii) indicar os concretos meios de prova que justificam a impugnação e impõem uma decisão diversa, sendo que caso tenha havido gravação daqueles deve o Recorrente indicar as passagens da gravação em que funda a sua discordância, e (iii) especificar a decisão que entende dever ser proferida quanto à factualidade que impugna.”, todos acessíveis em www.dgsi.pt.
Haverá ainda de ter em conta que, relativamente à forma/modo de cumprimento do ónus previsto na al. c) do n.º1 do art.640.º, questão que vinha gerando controvérsia, o já mencionado Acórdão de Fixação de Jurisprudência n.º12/2023, de 17.10.2023, com a retificação operada pela declaração de retificação n.º25/23 (DR de 28.11.2023) uniformizou a jurisprudência da forma seguinte: «Nos termos da alínea c) do n.º 1 do artigo 640.º do Código de Processo Civil, o Recorrente que impugna a decisão sobre a matéria de facto não está vinculado a indicar nas conclusões a decisão alternativa pretendida, desde que a mesma resulte, de forma inequívoca, das alegações».
Já quanto ao cumprimento do ónus previsto na al. a) do n.º1 do art.640.º do CPC, como ressalta também desse mesmo acórdão uniformizador, a indicação dos concretos ponto de facto terá, sob pena de rejeição, que constar das conclusões do recurso.
Quanto à indicação dos concretos meios probatórios, constantes do processo ou de registo ou gravação nele realizada, que impunham decisão sobre os pontos da matéria de facto impugnados diversa da recorrida (al. b) do n.º1 do art.640.º), vem sendo entendido que tal ónus se cumpre se for possível extrair com segurança das alegações de recurso a indicação dos concretos meios probatórios em que o recorrente se funda para defender que se impõe decisão diferente sobre cada um dos pontos de facto concretamente impugnados.
Por outro lado, ainda, não há lugar a convite ao aperfeiçoamento, tendo em vista o cabal cumprimento dos ónus impostos ao recorrente quando impugna a decisão sobre a matéria de facto (Ac. STJ de 25.11.2020 (Paula Sá Fernandes) “II. Omitindo a Recorrente o cumprimento dos ónus processuais a que se refere o artigo 640.º do CPC, impõe-se a imediata rejeição da impugnação da matéria de facto, não sendo aplicável o convite ao aperfeiçoamento das conclusões a que se refere o n.º1, b) do artigo 652.º do CPC.”; Ac. STJ de 14.2.2023 (Jorge Dias), “III - No recurso sobre a matéria de facto se as conclusões forem deficientes, obscuras, complexas ou nelas se não contemple o estatuído no art. 640.º, o relator não tem o dever de convidar o recorrente a completá-las, esclarecê-las ou sintetizá-las, na parte afetada. IV - Ou seja, quando o recurso da matéria de facto se apresenta deficiente, sem dar cumprimento ao disposto no art. 640.º do CPC, não há lugar a despacho de convite ao aperfeiçoamento.”, - acessíveis em www.dgsi.pt.
Acresce, que o conhecimento da impugnação da matéria de facto, pelo Tribunal da Relação, haverá de se revelar necessário e relevante para a apreciação das questões objeto do recurso, donde, evidenciando-se que a alteração dos factos pretendida não tem a virtualidade de se repercutir, alterando ou modificando os termos da questão a apreciar no recurso, o tribunal superior não tem que conhecer do recurso sobre a impugnação da matéria de facto, ou conhecê-lo na sua totalidade, podendo a apreciação cingir-se aqueles concretos pontos de factos relevantes e cuja alteração, supressão ou aditamento, tenham a virtualidade de se puderem repercutir na decisão final do recurso, em face das demais questões objecto do mesmo. Neste sentido, entre outros, Ac. STJ de 3.11.2023 (Mário Belo Morgado), em cujo sumário se exarou: “I- O julgamento da matéria de facto está limitado aos factos articulados pelas partes, nos termos do art. 5º, nº 2, do CPC [sem prejuízo das circunstâncias particulares contempladas nas alíneas a) a c) deste mesmo nº 2]. II- Se determinados pontos não foram alegados pelas partes, nem constam do elenco dos factos provados e não provados constantes da sentença da primeira instância, eles são insuscetíveis de constituir o objeto de impugnação da decisão de facto dirigida a aditá-los à factualidade provada. III- Nos recursos apenas se impõe tomar posição sobre as questões que sejam processualmente pertinentes/relevantes (suscetíveis de influir na decisão da causa), nomeadamente no âmbito da matéria de facto. IV- De acordo com os princípios da utilidade e pertinência a que estão sujeitos todos os atos processuais, o exercício dos poderes de controlo sobre a decisão da matéria de facto só é admissível se recair sobre factos com interesse para a decisão da causa, segundo as diferentes soluções plausíveis de direito que a mesma comporte. V- Deste modo, o dever de reapreciação da prova por parte da Relação apenas existe no caso de o recorrente respeitar os ónus previstos no art.640.º, n.º 1 do CPC, e, para além disso, a matéria em causa se afigurar relevante para a decisão final do litígio. VI- Na parte em que na revista se visa (em última análise) que a Relação adite à matéria de facto determinados pontos que são insuscetíveis de influir na decisão da causa (à luz das diversas soluções plausíveis da questão de direito), o recurso é inútil, o que obsta ao conhecimento do respetivo objeto.”; Ac. TRL de 26.9.2019 (Carlos Castelo Branco) – “I)– Não se deverá proceder à reapreciação da matéria de facto quando os factos objecto de impugnação não forem susceptíveis, face às circunstâncias próprias do caso em apreciação, de ter relevância jurídica, sob pena de se levar a cabo uma actividade processual que se sabe ser inútil, o que contraria os princípios da celeridade e da economia processuais (arts. 2º, nº 1, 137º e 138º, todos do C.P.C.).”; Ac. TRC de 25.10.2022 (João Moreira do Carmo) - “I - Não há lugar à reapreciação da matéria de facto quando o facto concreto objecto da impugnação for insusceptível de, face às circunstâncias próprias do caso em apreciação, ter relevância, importância ou suficiência jurídica para a solução de direito e mérito do recurso, sob pena de se levar a cabo uma actividade processual que se sabe, de antemão, ser inconsequente; Ac. TRG de 22.10.2020 (Maria João Matos) -” V. Por força dos princípios da utilidade, da economia e da celeridade processual, o Tribunal ad quem não deve reapreciar a matéria de facto quando o(s) facto(s) concreto(s) objecto da impugnação for(em) insusceptível(eis) de, face às circunstância próprias do caso em apreciação e às diversas soluções plausíveis de direito, ter(em) relevância jurídica, sob pena de se levar a cabo uma actividade processual que se sabe ser inútil.” (acessíveis em www.dgsi.pt)
Em face do que fica dito, vejamos o caso dos autos.
Pretendem as recorrentes, por referência aos correspondentes artigos da p.i., que seja aditado à matéria de facto provada o seguinte: 41º O enfarte agudo do miocárdio pode ser diagnosticado através da realização de uma radiografia ao tórax, eletrocardiograma ou um cateterismo cardíaco; 46º Quando o diagnóstico e o tratamento são atempados, é possível salvar o miocárdio e minimizar as complicações do enfarte. 49º A R. tem no seu sítio da internet, https://www.cuf.pt/saude-a-z/enfarte-do-miocardio, a seguinte informação, sobre enfarte do miocárdio: “Pode manifestar-se de diversas formas, por vezes bastante enganadoras. As mais comuns são uma dor em forma de aperto, sensação de peso ou pressão no centro do peito. A dor tende a irradiar para as costas, braço esquerdo, maxilar ou pescoço. A respiração torna-se irregular e rápida, bem como o ritmo cardíaco. Ocorrem tonturas, fraqueza, náuseas e vómitos, sudação e sensação de pânico.” 50º Mais refere a R. no seu sitio da internet: Perante sintomas sugestivos de um enfarte do miocárdio, é essencial recorrer de imediato a um hospital. Quando mais tempo passar, menores são as possibilidades de recuperação. O diagnóstico baseia-se na avaliação clínica, no electrocardiograma e análises ao sangue. Podem ser solicitados exames adicionais, como uma radiografia ao tórax, ecocardiograma ou um cateterismo cardíaco.”
Essa matéria foi efetivamente alegada na petição.
Quanto ao citado ponto 41.º, vista a matéria de facto provada constante da sentença recorrida, constatamos que o que as recorrentes pretendem que agora seja dado como provado já consta, com suficiência, provado no ponto 34 dos factos provados, onde se diz «…sendo que o enfarte agudo do miocárdio pode ser diagnosticado através da realização de tais exames.». Assim, não tem qualquer pertinência nem fundamento a pretensão deduzida neste particular, a qual só pode derivar de alguma desatenção das recorrentes na leitura integral desse ponto 34 da factualidade provada. Neste segmento está prejudicada a impugnação.
As recorrentes, quanto aos pontos 49.º e 50.º estribam-se nos documentos 11 e 12 juntos com a p.i. e que correspondem a prints da página da internet do hospital Cuf.
Convém salientar que o tribunal a quo imediatamente antes do elenco dos factos provados, consignou, na sentença, o seguinte “Discutida a causa, resultaram provados os seguintes factos com relevância para a decisão da causa, com exclusão da matéria irrelevante (v.g. art.º 22º, porquanto não se provou que D… tivesse dor no peito – cfr. facto não provado constante da alínea a)) ou com teor conclusivo (v.g. art.º 46º da p.i.) ou de direito: (…)”. Efetivamente, o tribunal não tem que se pronunciar sobre todos os factos alegados pelas partes, mas apenas sobre a factualidade que seja relevante em face das diversas soluções plausíveis de direito, razão pela qual podem ter sido alegados factos pelas partes que não mereceram apreciação – quer seja levando-os ao elenco dos factos provados, quer seja levando-os ao elenco dos factos não provados – sem que com isso se possa configurar qualquer erro de julgamento sobre a matéria de facto. E por isso se compreende que se tenha antecipado acima que vem sendo entendido que só cabe apreciar em recurso a impugnação sobre a matéria de facto relativamente aos concretos pontos de facto que se mostrem relevantes para a resolução das questões que sejam colocadas em recurso. Ora, relativamente aos pontos 49.º e 50.º sobre a informação que a ré tem no seu sítio da internet, o certo é que a prova dessa factualidade, a nosso ver, nada acrescenta para a resolução das questões que são colocadas nos autos as quais dependem da prova de outros factos que não já dessa informação, tornada pública no mencionado sítio da Internet. Ademais, o facto que seria pertinente, em certa perspetiva, é o que já consta do antes mencionado ponto 34 dos factos provados na sentença, nada acrescentando de relevante à decisão a transcrição nos factos provados do teor dos citados documentos, os quais, não obstante, continuarão com a feição de elementos probatórios. Assim, neste segmento, por irrelevante para a decisão, não se aprecia em maior detalhe a impugnação.
Quanto ao “facto” 46, o tribunal a quo considerou-o conclusivo como se extrai da parte da sentença acima transcrita. O certo é que se trata da afirmação de uma possibilidade abstrata e, nessa perspetiva, mesmo que se entendesse que não é tão só uma conclusão, ainda que se provasse tal possibilidade, dela nada relevaria para as questões concretas que são colocadas em recurso. Ou seja acrescentar tal facto aos factos provados é irrelevante para aferir sobre a responsabilidade que é imputada pelas autoras à interveniente Cuf Cascais, S.A., pelo que, também neste segmento não se impõe apreciar a impugnação.
Mais invocam as recorrentes (conclusão v) que o tribunal a quo julgou erroneamente os seguintes factos dados como não provados e que deveriam ter sido considerados provados: a) Que, no dia 16/12/2019, D… tivesse acordado com ligeiras dores no peito e uma forte dor no braço esquerdo. b) Que os serviços médicos da Interveniente Hospital Cuf Cascais S.A. tivessem obrigação de saber que os sinais apresentados por D… fossem compatíveis com a possibilidade de o mesmo estar a ter um enfarte do miocárdio. c) Que, se o D… tivesse permanecido em observações nos serviços da Interveniente Hospital Cuf Cascais S.A., a morte do mesmo poderia ter sido evitada d) Que as boas práticas médicas obrigassem a que os serviços médicos da Interveniente Hospital Cuf Cascais S.A. submetessem D… a, pelo menos, um eletrocardiograma. e) Que o falecimento de D… fosse consequência da falta e inadequada assistência e acompanhamento clínico do Hospital Cuf Cascais, S.A. f) Que as boas práticas médicas obrigassem os serviços da Interveniente Hospital Cuf Cascais S.A. a manter D… em observações nos serviços clínicos e não a enviá-lo para casa.
Vejamos:
As recorrentes identificam claramente os pontos de facto que consideram erradamente julgados e indicam a decisão diferente que propugnam, dando cumprimento aos ónus legais respetivos. Ver-se-á, em seguida, se e em que termos, quanto a cada um desses pontos de facto, se mostra cumprindo o ónus de indicação dos meios de prova que sustentam a decisão diversa pretendida.
Na sentença recorrida, quanto à fundamentação da decisão que considerou tais factos não provados escreveu-se o seguinte, que se transcreve na íntegra (com correção de alguns lapsos de escrita na parte atinente às respostas da perícia e que não constam do documento de onde foram colhidos) para melhor compreensão: “Quanto aos factos não provados, atendeu-se à falta ou à insuficiência de produção de meios de prova objetivos e consistentes sobre os mesmos que os demonstrassem ou à prova do contrário. Quanto ao facto não provado constante da alínea a), apenas a testemunha J…, sogro de D… e pai da A…, referiu que este tinha dor no peito, sendo que esta queixa nunca foi mencionada nas informações clínicas constantes dos episódios de urgência dos dias 15/12/2019 e 16/12/2019, as quais são efetuadas com base nas queixas transmitidas pelo doente (plasmados nos Doc. 5, 8 e 9, juntos com a petição inicial a fls.20 verso, 22, 22 verso, 23 e 23 verso), referindo-se apenas a omalgia esquerda, pelo que se nos afigura insuficiente o depoimento desta testemunha, desacompanhado de outro meio de prova, para demonstrar tal facto. Quanto ao facto não provado consistente no facto de D… ter acordado com dor forte no braço esquerdo, atendeu-se à ausência de meios de prova produzidos que sustentassem tal facto. A testemunha V…, enfermeiro que fez a triagem a D… no dia 16/12/2019 (conforme consta na informação clínica constante do episódio de urgência do dia 16/12/2019 junta com a petição inicial como Doc. 9, a fls. 23 e 23 verso), afirmou que se o doente se tivesse queixado de dor no peito teria registado e que se não escreveu é porque o doente nunca registou qualquer queixa de dor no peito, tendo registado no item Queixa «Cliente recorre por omalgia esquerda moderada com irradiação para o membro superior. Refere impotência funcional». A testemunha S…, médica que observou D… no dia 16/12/2019 (conforme consta na informação clínica constante do episódio de urgência do dia 16/12/2019 junta com a petição inicial como Doc. 9, a fls. 23 e 23 verso), afirmou que o mesmo não se queixou de dor no peito, mas apenas de dor no ombro, sendo que, se se queixasse de dor no peito, teria registado porque seria muito relevante. Salientou que D… não se queixou de mais nada do que dor no ombro. Quanto aos factos não provados constantes nas alíneas b), c), d), e) e f), atendeu-se ao teor do Relatório emitido pelo Conselho Médico-Legal da Ordem dos Médicos, junto aos autos em 20/04/2024 (fls. 164 a 170), cujas passagens mais relevantes se destacam a sublinhado, com especial enfoque nas respostas aos quesitos 6º, 10º, 11º, 12º, 13º, 14º, 15º, 16º, 18º, 20º, 28º e 29º, em conjugação com o teor dos esclarecimentos prestados em julgamento pelo Relator do mesmo Relatório, Dr. M…. Atendeu-se ainda ao teor da decisão proferida pelo Conselho Disciplinar Regional do Sul da Ordem dos Médicos, datada de 23/04/2024, junta a fls. 210 a 218, objeto de recurso pela Autora, proferida no âmbito do processo de averiguação sumária, no qual são participadas as médicas Dra. T…e a Dra. S…. Por último, atendeu-se aos depoimentos das testemunhas S… e T…, médicas que assistiram D… nos dias 16/12/2019 e 15/12/2019, respetivamente. O Relatório emitido pelo Conselho Médico-Legal da Ordem dos Médicos, junto aos autos em 20/04/2024 (fls. 164 a 170), respondeu aos quesitos nos termos seguintes:
1. «Tendo em conta que o doente recorreu ao atendimento hospitalar por “lesão com sinais inflamatórios na região da língua e durante esta noite sangrante", não evidenciando hemorragia activa, sendo que na triagem o doente negou trauma e referiu ter dor na língua toda a semana, mas sem lesão, apresentando uma temperatura de 36.5ºC é ou não correto atribuir à situação de prioridade deste utente a classificação de pouco urgente (verde)?
R/ A classificação de prioridade de atendimento no Serviço de Urgência obedece a algoritmos aplicados pelos enfermeiros que realizam a triagem, chamada Triagem de Manchester. Neste caso, com lesão da língua, no momento não sangrante, sem hemorragia activa e com 6 dias de evolução, parece-nos correto e adequado a atribuição de prioridade pouco urgente. (sublinhado nosso)
2. Face à observação da médica, onde é referido que: "Homem de 34 anos, saudável. Sem alergias medicamentosas conhecidas. Nega hábitos tabágicos e alcoólicos. Vem por lesão sangrante a nível do rebordo esquerdo da língua com 6 dias de evolução. Inicialmente com melhoria das queixas no entanto com agravamento nas últimas 24h. Nega febre, perda de peso, outros sintomas constitucionais. Bom estado geral. Nega episódios de maior stress ou sono agitado. Nega cansaço após despertar. À observação: Lesão com cerca de 5 cm de longitude, hiperemio e fibrina. Na mucosa jugal do mesmo lado também com 2 lesões de menores dimensões (apenas com fìbrina). Sem adenopatias cervicais. Aparentemente tratam-se de lesões secundárias a mordedura de língua. No entanto não se percebe qual o motivo". É correcto ou não, tendo em conta as leges artis medicar o doente com antibioterapia profilática e colutório com sucralfato + ½ F de morfina + nistatina (bochechar) e elugel para domicílio e encaminhar o doente para uma consulta de otorrinolaringologia em regime ambulatório?
R/ Sim, entendemos que foi correta a prescrição com antibiótico e antifúngico, como medida de prevenção e analgésico de aplicação local. Consideramos como correta e adequada a decisão de encaminhar o doente para uma consulta de especialidade em problemas da cavidade oral, como é otorrinolaringologia. (sublinhado nosso)
3. Ainda face ao quadro clínico que se expôs, a situação clínica do doente e as queixas que apresentava exigiam pedido de exame complementar de diagnostico em ambiente de urgência?
R/ Não. O quadro clínico apresentado não exigia o pedido de exames complementares de diagnóstico em contexto de urgência. (sublinhado nosso)
4. Não havendo evidência de instabilidade hemodinâmica, tratando-se de ferida com evolução de vários dias, e tendo sido administrada terapêutica sintomática e antibiótica de imediato, existia indicação para observação de otorrinolaringologista emergente no próprio dia?
R/ Não, não se impunha uma observação emergente por especialidade de otorrinolaringologia no mesmo dia. (sublinhado nosso)
5. Perante uma "omalgia esquerda moderada com irradiação para o membro superior" e tendo sido na triagem referido pelo doente uma "impotência funcional" é ou não correto atribuir à situação de prioridade deste utente a classificação de urgente (amarela)?
R/ Sim, conforme afirmámos na resposta ao quesito 1, a classificação de prioridade de atendimento no Serviço de Urgência obedece a algoritmos aplicados pelos enfermeiros que realizam a triagem, chamada Triagem de Manchester. Podemos estar de acordo que uma situação clínica de dor moderada do ombro esquerdo com impotência funcional do braço homolateral, surgida durante a noite, ou seja, com poucas horas de evolução, possa ser classificada como uma situação urgente.
6. Perante um quadro de "omalgia esquerda com irradiação para o membro superior", estando o utente em termos gerais bem disposto, corado e hidratado, com dificuldade em falar pelas lesões na língua, mas consciente e eupneico, sem febre, mas apresentando dor intensa à apalpação de supraespinhoso esquerdo, apresentando limitação no movimento do braço, é ou não de acordo com as leges artis medicar com AINE (anti-inflamatório não esteroide), mais concretamente cetorolac 30 mg?
R/ Sim, todo o quadro clínico apontava para um distúrbio osteomuscular agudo, com dor à pressão do supraespinhoso, com estabilidade hemodinâmica e radiografia do ombro sem alterações, pelo que entendemos que foi correta a prescrição dum anti-inflamatório não esteroide, como o cetoroloc por via endovenosa, não havendo indícios de violação das leges artis. (sublinhado nosso)
7. É, ou não, aconselhável, face ao quadro clínico exposto, solicitar a realização de um Rx do ombro, análise laboratorial (sangue e urina), bem como um TAC (crânio)?
R/ Sim, era aconselhável requisitar uma radiografia do ombro e, eventualmente, análises com marcadores inflamatórios. Por haver suspeita de ocorrência de eventual trauma craniano durante a noite, apesar do doente estar consciente e bem disposto, conforme os registos clínicos, consideramos como aceitável a realização de TAC craniano.
8. Uma discreta elevação dos parâmetros analíticos de infeção pode ser atribuível à presença das lesões da língua?
R/ Sim, uma discreta elevação dos parâmetros inflamatórios, como a proteína C reactiva (6.7 mg/dl) e a velocidade de sedimentação (10 mm/h), podem estar relacionados com a lesão da língua, que o doente apresentava nessa altura.
9. Tendo sido possível observar, durante a permanência no atendimento permanente, movimentos de braços fora do contexto, é ou não possível atribuir isso ao efeito secundário dos bochechos de colutório contendo pequena quantidade de morfina?
R/ Sim, é possível. A aplicação de morfina em forma líquida em bochechos, de absorção rápida e fácil pela mucosa oral, pode, em doentes mais suscetíveis, provocar efeitos laterais, como movimentos involuntários, como foi registado neste caso.
10. Não mostrando os exames complementares de diagnóstico alterações de relevo e dado o facto de o utente se ter apresentado com estabilidade hemodinâmica, vigil, orientado e colaborante, com insight para a própria situação clínica, sem outra sintomatologia valorizável, respeita as leges artis entender não ser necessária a permanência do doente, que se encontrava acompanhado, no atendimento permanente, enquanto esperava pela consulta de ortopedia que aconteceria nessa tarde?
R/ Sim, como o doente estava hemodinamicamente estável, vigil, orientado e colaborante, com estudo analítico e radiografia do ombro sem alterações relevantes, foi correta a decisão de não manter o doente em observações no atendimento permanente, aguardando a observação por Ortopedia que aconteceria nessa tarde, respeitando, desta forma, as leges artis. (sublinhado nosso)
11. Em algum dos momentos do atendimento permanente, era previsível que o doente pudesse vir a ter uma morte súbita?
R/ Não, nada indiciava que viesse o ocorrer morte súbita. (sublinhado nosso)
12. Uma dor com características eminentemente mecânicas, num indivíduo jovem e sem patologia prévia, na ausência de outra sintomatologia acompanhante relevante, remete, ou não, para a hipótese de patologia músculo-esquelético? (sublinhado nosso)
R/ Sim, uma dor com as características referidas, remete para uma patologia músculo-esquelética, como causa mais provável. (sublinhado nosso)
13. E despoleta, ou não, qualquer necessidade de exames adicionais além dos específicos para melhor clarificação da etiologia músculo-esquelética em questão?
R/ Sim, não se tornava necessário requisitar outros exames complementares de diagnóstico, além da radiografia do ombro e análises clínicas. (sublinhado nosso)
14. Os síndromes coronários agudos (enfarte agudo do miocárdio e angina instável) apresentam-se habitualmente com dor ou desconforto torácico anterior, tipo aperto, mais frequentemente a nível da região precordial, que irradia habitualmente para o pescoço ou membro superior esquerdo ou para o dorso, associada a outra sintomatologia como dificuldade respiratória, pele suada e fria, sensação de náusea e/ou vómito, sensação de arritmia, astenia e fraqueza ou desfalecimento?
R/ Sim, é o quadro clinico mais típico.
15. Quando a dor de etiologia cardíaca irradia para o membro superior esquerdo, tem características mecânicas? E provoca impotência funcional do membro?
R/ Não, não tem características mecânicas. Habitualmente, apresenta-se com dor de tipo não mecânico e não provoca impotência funcional. (sublinhado nosso)
16. A creatinofosfoquinase é uma enzima que atua e existe, principalmente, nos tecidos musculares, no cérebro e no coração, estando a sua concentração elevada no sangue quando há lise ou destruição de fibras musculares?
R/ Sim, é uma enzima que se eleva quando há lesão ou traumatismo muscular. (sublinhado nosso)
17. Existem múltiplas causas para elevação deste parâmetro?
R/ Sim, há múltiplas causas.
18. Uma crise convulsiva pode provocar elevação moderada da CK?
R/ Sim, pode subir quando há um episódio de crise convulsiva.
19. É frequente identificar-se na prática clínica situações de elevação ligeira a moderada de CK em indivíduos saudáveis, na sequência de atividades comuns de dia-a-dia que impliquem alguma atividade física (corrida, treino em ginásio, musculação, andar de bicicleta, outras)?
R/ Sim, é frequente nessas atividades surgir elevação moderada da enzima CK.
20. Era exigível a suspeita de isquemia do miocárdio no caso de um doente jovem e previamente saudável, apresentar um valor de CK ligeiramente elevado isoladamente, sem sintomatologia concomitante sugestiva de síndrome coronário agudo? (sublinhado nosso)
R/ Não, não era exigível e nada fazia suspeitar dum quadro clínico de isquemia do miocárdio perante uma situação clínica de um jovem, previamente saudável e com uma elevação ligeira de CK isolada e sem sintomatologia sugestiva. (sublinhado nosso)
21. Atendendo ao relatório da autópsia, qual a causa de morte deste paciente?
R/ Atendendo ao relatório de autópsia a causa de morte foi enfarte agudo do miocárdio.
22. Neste relatório, é descrita a ausência de doença aterosclerótica das artérias coronárias? O que significa?
R/ Sim. Está descrito no relatório da autópsia "artérias coronárias sem alterações macroscópicas aparentes". Significa que as artérias coronárias não estão envolvidas por placas de aterosclerose e não apresentam qualquer grau de oclusão.
23. Na ausência de factores de risco para doença cardiovascular, de sintomas prévios sugestivos de doença cardíaca, perante ainda os sintomas não sugestivos de angina de peito no momento da observação e reconhecendo a ausência de doença aterosclerótica coronária na autópsia, poderá ser considerada outra causa para a morte súbita do doente, em que a zona de enfarte observada na autópsia é consequência da paragem cardíaca e não a sua causa?
R/ Segundo a autópsia há uma zona, na parede do ventrículo esquerdo, de enfarte agudo do miocárdio, que, muito provavelmente, levou à ocorrência de morte súbita do doente. Está registado "Ao corte, uma área bem definida de cor pálida, na parede lateral do ventrículo esquerdo, com apagamento da estriação habilual e fronteira hemorrágica, aspecto compatível com enfarte agudo do miocárdio". Assim, foi observada uma zona do miocárdio do ventrículo esquerdo compatível com o diagnóstico de enfarte agudo do miocárdio, que levou à ocorrência de morte súbita, com paragem cardíaca e morte.
24. A autópsia descreve ainda o coração como tendo "cardiopatia hipertrófica do ventrículo esquerdo". Que condição é esta? Corresponde ao diagnóstico da entidade nosológica "miocardiopatia hipertrófica"?
R/ "Cardiopatia hipertrófica do ventrículo esquerdo", registada no relatório da autópsia, na observação macroscópica do coração, não relatada no exame histológico, significa que existia uma região do ventrículo esquerdo com hipertrofia do músculo cardíaco, caracterizada por um aumento da massa muscular e aumento da espessura da parede do ventrículo esquerdo. Ocorre com maior frequência em casos de hipertensão arterial, sendo designada por hipertrofia ventricular esquerdo, facilmente identificada no electrocardiograma ou no ecocardiograma. A cardiomiopatia hipertrófìca é, por outro lado, uma doença cardíaca bem definida, congénita, autossómica dominante, caracterizada por hipertrofia da parede livre do ventrículo esquerdo e/ou do septo interventricular, com distribuição assimétrica e com importante alteração morfológica das fibras musculares, sem dilatação cardíaca, que surge na ausência de doença cardíaca ou sistémica que justifique essa hipertrofio. Caracteriza-se por uma grande sobrecarga ventricular, provocando disfunção essencialmente diastólica. Pode surgir sem sintomas ou manifestar-se por dor torácica, dispneia de esforço, arritmias, síncope e morte súbita. É uma situação que ocorre em 0.2% da população, sobretudo em jovens, tanto homens como mulheres. O diagnóstico é efetuado com a realização de ecocardiograma ou por ressonância magnética. No relatório da autópsia não há qualquer referência à existência desta patologia. Cardiopatia hipertrófica e cardiomiopatia hipertrófica, em conclusão, não são as mesmas entidades clínicas, embora tenham algumas semelhanças quanto à sintomatologia.
25. Como se manifesta usualmente esta patologia? Poderá ser através de uma arritmia maligna, com morte súbita?
R/ Prejudicado pela resposta ao quesito 24.
26. Esta é uma causa comum de morte súbita em jovens?
R/ Sim, a cardiomiopatia hipertrófica pode ocorrer em jovens e ser causa de morte súbita, como afirmamos na resposta ao quesito 24. A cardiopatia hipertrófica, hipertrofia ventricular esquerda, surge associada a outras doenças, como hipertensão arterial, doença aórtica, hipertiroidismo, exercício exagerado e outros. Pode, igualmente, manifestar-se por morte súbita, geralmente dependente da doença subjacente ou em situações de enfarte do miocárdio, como ocorreu no caso em apreço.
27. Podemos suspeitar que possa ter sido esta a causa primária de morte deste doente?
R/ A causa primária da morte do doente foi o enfarte agudo do miocárdio, que pode, indiretamente, estar relacionado com a cardiopatia hipertrófica do ventrículo esquerdo (hipertrofia ventricular esquerda), podendo provocar morte súbita. A cardiomiopatia hipertrófica, que não foi descrita no relatório de autópsia, pode, igualmente, provocar morte súbita, como afirmámos nas respostas aos quesitos anteriores.
28. Algum dos sintomas apresentados pelo doente, quando foi observado, permitia suspeitar do diagnóstico de miocardiopatia hipertrófica e de uma eventual complicação fatal relacionada com esta patologia?
R/ Não, nada indiciava um problema cardíaco, atendendo às queixas apresentadas pelo doente. (sublinhado nosso)
29. Os sintomas reportados pelo doente aquando da sua observação médica podiam apontar de alguma forma para este diagnóstico? (sublinhado nosso)
R/ Não, como afirmámos na resposta ao quesito anterior». (sublinhado nosso) O Relatório supra transcrito é claro ao afirmar, à pergunta se «Algum dos sintomas apresentados pelo doente, quando foi observado, permitia suspeitar do diagnóstico de miocardiopatia hipertrófica e de uma eventual complicação fatal relacionada com esta patologia?», que «nada indiciava um problema cardíaco, atendendo às queixas apresentadas pelo doente» (vide quesito 28 e sua resposta), e à pergunta «Os sintomas reportados pelo doente aquando da sua observação médica podiam apontar de alguma forma para este diagnóstico?», que «Não, como afirmámos na resposta ao quesito anterior» (vide quesito 29 e sua resposta). O Relator do Parecer, Dr. M.., emitido pelo Conselho Médico-Legal da Ordem dos Médicos, junto em 20/04/2024 (fls. 164 a 170), prestou esclarecimentos em audiência de julgamento na sessão de 05/12/2024, tendo corroborado o teor do mesmo Parecer. O Relator do mencionado Parecer afirmou, designadamente que: - uma dor originada por enfarte de miocárdio não dá impotência funcional no braço; o doente pode mexer o braço sem problemas; - nada impedia que o doente recebesse alta, pois não havia qualquer razão para manter o doente em observação no hospital, o doente estava estável; - não altera nenhuma das respostas do parecer que relatou; - pela sintomatologia do exame físico ao doente nada justificava a realização de um eletrocardiograma; - o Conselho Médico-Legal da Ordem dos Médicos é constituído por 22 membros, sendo 3 juristas e os restantes médicos. A decisão proferida pelo Conselho Disciplinar Regional do Sul da Ordem dos Médicos, datada de 23/04/2024, junta a fls. 210 a 218, objeto de recurso pela Autora, proferida no âmbito do processo de averiguação sumária, no qual são participadas as médicas Dra. T… e a Dra. S…, refere designadamente: «9. Dissecados os registos clínicos existentes, coloca-se em evidência que a sintomatologia apresentada pelo doente, dia 15/12/2019 era substancialmente diversa da sintomatologia apresentada no segundo episódio de urgência, no dia seguinte (…). (sublinhado nosso) 29.Perante o resultado da autópsia pode-se especular que os vários episódios de mordedura da língua e omalgia ocorridos durante o sono poderiam estar relacionados com sincope por isquemia do miocárdio. 30.Não obstante, face à sintomatologia apresentada, não restam dúvidas que a situação presente constitui um caso muito difícil de diagnóstico, tendo as médicas participadas atuado de acordo com a leges artis, não havendo negligência na orientação do doente. (sublinhado nosso) 31.Por outro lado, em relação ao facto do doente ter saído do Serviço de Urgência sem alta, embora este devesse ter assinado um documento a responsabilizar-se pela ida a casa, a decisão foi tomada de acordo com o próprio e o acompanhante, com a intenção de promover o bem-estar do doente. A forma cuidadosa como foi planeada esta decisão está bem documentada nos registos clínicos. (sublinhado nosso) 32.Destarte, não se verifica a existência de qualquer infração, por ação ou omissão, por parte das médicas participadas, que cumpriram com os deveres especiais e deontológicos, através do desempenho da profissão de acordo com a leges artis, conforme preceituado nos art.ºs 4º, 5º, 6º, todos do Código Deontológico da Ordem dos Médicos. (sublinhado nosso) 33.Sem necessidade de mais considerações, nem se descortinando qualquer outro tipo de ato instrutório necessário, propõe-se ao Conselho Disciplinar Regional do Sul o arquivamento do presente processo de averiguação sumária.
ACÓRDÃO
Acordam os membros do Conselho Disciplinar Regional do Sul da Ordem dos Médicos em que o Processo de Averiguação Sumária nº …/20, no qual são participadas as médicas Dra. T… (CP…) e a Dra. S… (CP…), seja arquivado, nos termos e pelas razões expostas pelo Vogal Relator Prof. Doutor Z.., na sua Proposta de Arquivamento». Os meios de prova supra enunciados, conjugados e concordantes entre si, sustentam os factos não provados constantes das alíneas b), c), d), e) e f). Todos os meios de prova supra elencados apontam no sentido de que as queixas apresentadas por D… não justificavam a realização de exames cardíacos, uma vez que a dor no ombro era mecânica, e não é típica de um problema cardíaco, mas sim de um problema músculo-esquelético.”
Resulta da descrita motivação do tribunal a quo que o mesmo se sustentou quanto à resposta de não provado concernente ao facto da alínea a), na conjugação do depoimento da testemunha J… e informações clínicas que constituem os documentos 5, 8 e 9 juntos com a petição inicial, fazendo a análise crítica de tais elementos probatórios para concluir que o declarado pela testemunha se mostra insuficiente para a prova dessa factualidade, concretamente a dor no peito, que não é mencionada em nenhuma das ditas informações clínicas. Relevaram ainda, como se vê dessa motivação, os depoimentos das testemunhas V… e S… que não corroboram tais factos. As recorrentes indicam como meios probatórios que sustentariam a prova dessa factualidade, o depoimento das testemunhas J…, F… e G…, nas passagens que assinalam. Os depoimentos das testemunhas indicadas pelas recorrentes não têm, contudo, a virtualidade de suportar a conclusão por este tribunal de que a decisão do tribunal a quo se mostra errada nesse segmento; ao invés, temos por impressivo, o que também foi destacado pela 1.ª instância, que nas informações clínicas relativas aos episódios de urgência dos dias 15 e 16 de dezembro, não conste nenhuma referência a queixa do doente relativa a dor no peito. Note-se que no dia 15.12, a informação clínica (doc.5 junto com a p.i.), não faz nenhuma alusão a queixas de dor no peito nem no braço nem no ombro. E a informação clínica da ida às urgências do dia 16 refere que o recurso às urgências se deve a omalgia esquerda, constando ainda da mesma “dor intensa à palpação de supraespinhoso esquerdo, não consegue movimentar o braço”, sem nenhuma referência a dor no peito. Por outro lado, o que consta dessa informação relativamente ao exarado pelo enfermeiro que procedeu à triagem pelas 8,44h, como o tribunal a quo também destacou, é igualmente queixa relativa a omalgia esquerda moderada com irradiação para o membro superior. Quer o enfermeiro V…, que exarou a informação de triagem quer a médica S…, com quem o doente foi consultado nesse dia 16, nos respetivos depoimentos negam ter havido queixa de dor no peito. Neste contexto temos por inverosímil que estando o doente com dores no peito não tenha feito essa queixa aquando da sua consulta nas urgências, ou mesmo logo quando vai à triagem sobretudo no dia 16 e sabido que é do conhecimento geral que são também as queixas e sintomas que são apresentados que determinam, justamente na triagem, a maior ou menor urgência no atendimento; temos, também, por inverosímil que queixando-se o doente de dores no peito tal facto não tivesse sido mencionado na informação clínica em qualquer dos citados momentos, não se descortinando qualquer razão para, a ter sido feita tal queixa, a mesma não tivesse sido referenciada nas informações clínicas, tanto mais que, como refere a testemunha S…, mas se crê até sobressair das regras da experiência comum, a queixa de dor no peito é considerada muito relevante pelo que se tivesse sido feita a teria registado. Por conseguinte, o depoimento da testemunha G…, que afirmou que D…, após a primeira ida às urgências lhe transmitiu (e à equipa - entenda-se colegas de trabalho, como se extrai do declarado) que lhe doía o peito, não convence, tanto mais que a mesma testemunha não logra precisar as datas em que tais queixas lhe foram transmitidas e estabelece uma dilação de cerca de uma semana entre as idas à urgência por parte de D…, o que, como se sabe, não tem nenhuma correspondência com a realidade e, por outro lado, ocorrendo as idas às urgências em dois dias seguidos, sendo invocadas dores apenas no segundo episódio, resulta insustentado o declarado por tal testemunha relativamente à existência dessas dores contemporaneamente às lesões na língua que determinaram a primeira deslocação ao hospital, no dia 15. Ademais, nem se compreende, sobretudo se atendermos ao depoimento da testemunha F…, que aponta no sentido de D… não ter ido trabalhar nos dias em causa, em que altura o mesmo poderia ter feito tais queixas à testemunha. Donde, o depoimento desta testemunha é manifestamente inconsistente para determinar a prova dos factos em análise e não tem a virtualidade de credibilizar os depoimentos das duas outras testemunhas em que as recorrentes se sustentam. De facto, quanto ao depoimento da testemunha J…, sogro de D… e que o acompanhou ao hospital no dia 16, em face do que já acima se destacou, embora mencione que “ele tinha uma dor no braço esquerdo e no peito”, não permite sanar a dúvida que ressalta, indubitável, da circunstância já destacada relativa à inexistência de qualquer queixa de dor no peito nas informações clínicas; ademais, a testemunha diz que após a triagem o D… mencionou que lhe disseram que tinha uma tendinite no ombro esquerdo, o que mal se harmoniza com queixas de dores no peito e sua transmissão ao enfermeiro, enfatizando, ao invés, as queixas de dor no ombro. E o mesmo se impõe concluir do depoimento da testemunha F…, sogra de D…, que alude que nesse dia 16, este ao acordar disse que lhe doía um braço e na interlocução que teve com ele este mencionou-lhe “é mais o ombro e assim o peito”, o que, na conjugação com todos os restantes meios de prova em que o tribunal a quo firmou a sua convicção, se mostra insuficiente para gerar convicção segura da ocorrência destes factos e daqui extrair que a convicção adquirida pela 1.ª instância consubstancia-se em erro porque não se mostra fundada nem sustentada na prova produzida. Analisados, pois, os depoimentos dessas testemunhas, que são os meios de prova que no entender das recorrentes impunham decisão diversa, mas sem se puder descurar que a convicção que determinou a não prova desse facto resulta da análise, também, dos meios de prova destacados na decisão pelo tribunal recorrido, impõe-se concluir que a decisão de considerar não provado o que consta da alínea a) dos factos não provados não merece censura, compatibilizando-se e harmonizando-se com uma análise crítica do conjunto da prova, e neste, com particular relevância para as informações clínicas como já se destacou, não permitindo adquirir convicção segura em sentido oposto sobre a verificação dessa factualidade. Improcede nesta parte a impugnação, mantendo-se nos factos não provados o constante da alínea a).
Quanto aos factos não provados das alíneas b) e d), visto o que consta da conclusão vii do recurso, constata-se que as recorrentes discordam da decisão do tribunal a quo, tanto quanto se alcança por ter tomado apenas em consideração o teor da perícia médico-legal constante dos autos, defendendo que o “julgador tem que ir além dos pareceres médicos sob pena de quem aplica a lei serem os próprios médicos”, propugnando pela diferente decisão a partir de um conjunto de circunstâncias – umas extraídas dos factos provados outras não fazendo parte deles – que, em seu entender, deviam ter determinado resposta positiva à factualidade objecto desta parte da impugnação. Do arrazoado do que vem dito a este respeito, embora se impusesse às recorrentes maior clareza quanto à indicação dos meios probatórios em que se arrimam para defender a errada decisão que pretendem ver revertida, afigura-se-nos ainda ser possível extrair que apelam ao que consta do ponto 20 da decisão proferida no âmbito do processo de averiguação sumária n.º…/20, documento a que o tribunal a quo também atendeu na motivação que exarou na sentença, em conjugação com o facto de ter resultado das análises clínicas um valor elevado da enzima ck (cfr. ponto 18 dos factos provados) em conjugação com o depoimento das testemunhas S… e R…, de onde extraem que aquele valor elevado permitia perceber a existência de uma patologia cardíaca. Em síntese, as recorrentes, neste particular, vêm defender a prova dos factos em apreciação a partir, como resulta da abordagem inicial que fazem na conclusão vii, da desconsideração do resultado da perícia (o qual, como as recorrentes acabam por, pelo menos implicitamente, admitir, não dá cobertura à sua pretensão), e da atribuição de prevalência às ilações que entendem derivar, como já se aflorou, das circunstâncias que assinalam (v.g. “os serviços clínicos da Recorrida não conseguiram diagnosticar o motivo da referida mordedura / convulsões”; “não realizaram “análises clínicas” e, pelas 10 horas e 53 a médica que assistiu o Recorrente analisou as dores do Recorrente única e exclusivamente à luz de uma eventual lesão musculo esquelética, pelo que solicitou Raio X e Tomografia computorizada, as quais não revelaram qualquer lesão.”, “Nas análise clínicas efetuadas a infeliz vítima apresentava um resultado Ck 444.”). Não cremos, contudo, que a partir das mencionadas circunstâncias, sobretudo as que têm respaldo nos factos provados e, ainda que com apelo aos depoimentos das testemunhas indicadas nas passagens que as recorrentes assinalam, se logre chegar ao resultado pretendido de considerar provados os factos em causa, ao arrepio do que resulta da perícia médico legal ou desvalorizando as respostas dos peritos. E daí não resulta evidentemente que se deixe a decisão aos peritos médicos. Ora analisada a perícia médica, cujas respostas o tribunal a quo transcreveu na motivação da sentença e que acima também já se deixou exarado, constata-se que o que se tentou através desse meio de prova foi justamente aquilatar se os procedimentos e decisões médicas que concretamente foram tomados nos serviços de urgência estão ou não, face às circunstâncias, conformes com o que seria imposto pelas leges artis. E tendo em conta as perguntas colocadas aos peritos, a perícia incidiu sobre as diversas “questões” que a impugnação das recorrentes tem subjacente, desde logo e com particular relevância a questão relativa à existência e verificação pela médica que assistiu o doente do parâmetro da enzima ck; mas, afigura-se-nos, o relevante não é tão só, como parecem defender as recorrentes, saber se esse parâmetro elevado pode estar relacionado com problemas cardíacos, o que as testemunhas que as recorrentes invocam não escamoteiam, mas apurar se no caso, em face do seu concreto circunstancialismo, se impunha uma “diferente leitura” desse dado, um procedimento diferente por parte do médico, por forma a concluir como concluem as recorrentes. E a este nível é a perícia médica em que o tribunal a quo se sustentou o meio de prova, diferenciado, juntamente com os esclarecimentos do perito médico relator, M…, que este tribunal também ouviu na íntegra, que melhor esclarecem essa factualidade. Em conformidade não podemos conceder na desconsideração das respostas constantes da perícia e que não suportam nem acomodam convicção positiva sobre a factualidade em análise, para, à margem, extrair das circunstancias mais ou menos objetivas mencionadas pelas recorrentes a conclusão de que os factos em apreciação devem ser considerados provados. Assim, quer a análise critica que as recorrentes fazem neste segmento, quer os meios de prova que invocam não se revelam bastantes para afastar o que resulta da perícia em que o tribunal de primeira instância se baseou com maior prevalência e, nessa decorrência, concluir que a decisão recorrida fez errada apreciação da prova; ao invés concorda-se com a conclusão tirada na sentença recorrida de que “Todos os meios de prova supra elencados apontam no sentido de que as queixas apresentadas por D… não justificavam a realização de exames cardíacos, uma vez que a dor no ombro era mecânica, e não é típica de um problema cardíaco, mas sim de um problema músculo-esquelético.” e, em face de tal conclusão, a decisão de considerar não provada a factualidade ora impugnada deve ser mantida.
No que concerne à matéria das alíneas c), e) e f) dos factos não provados, também impugnada pelas recorrentes, tem igual pertinência as razões já expostas na análise feita anteriormente, posto que relativamente a esta matéria relevou, como sobressai da motivação constante da sentença, a perícia médico legal junta aos autos a 20.2.2024 (apesar do tribunal a quo a designar, cremos que por lapso, como relatório emitido pelo Conselho Médico-Legal da Ordem dos Médicos, trata-se de perícia solicitada ao IML e no âmbito dessa solicitação efetuada, tratando-se de parecer aprovado pelo conselho médico-legal do Instituto de Medicina Legal). Relativamente à matéria da alínea c), avançam as recorrentes que a prova desse facto resulta das regras da experiência comum e dos depoimentos da testemunhas S… e M…, nas passagens que indicam. Vistos tais depoimentos, mesmo à luz das regras da experiencia comum a que apelam as recorrentes, não resulta evidenciado que a morte poderia ter sido evitada se tivesse permanecido no hospital, sendo que o que se evidencia do testemunho da última das citadas testemunhas, na passagem, aliás, transcrita na conclusão viii, é tão só que a probabilidade da dita possibilidade ocorrer seria maior, o que não é exatamente o mesmo. E também o depoimento da outra das indicadas testemunhas, nas passagens indicadas não sustenta por si a pretensão das recorrentes, posto que a testemunha o que reconhece é que a celeridade do socorro aumenta a chance de a pessoa ser salva, ainda assim antecipando que os procedimentos a seguir em caso de enfarte depende do tipo de enfarte diagnosticado. Acrescente-se que relativamente a este ponto, o que vem ainda mencionado pelas recorrentes quanto ao eventual erro em que incorreu a Ordem dos Médicos na decisão do processo de averiguação sumária, irreleva para a convicção atinente ao facto em análise, já que se prenderia com a circunstância do doente ter sido mandado para casa, o que, aliás, nessa decisão não foi considerado incorreto ou atentar contra as boas práticas em face da situação clínica do doente, a parte a questão da subscrição do termo de responsabilidade. Em conclusão, tais meios de prova não determinam a alteração da decisão recorrida de considerar tal facto não provado, nem evidenciam por isso qualquer erro de julgamento de facto sobre esta matéria, pelo que, improcede a impugnação neste particular.
E quanto aos factos constantes das alíneas e) e f), as recorrentes não indicam, nem nas conclusões nem nas alegações de recurso, quais os meios de prova que sustentam decisão diferente, limitando-se a dizer que “estes pontos são a consequência lógica e coerente de tudo o que acima se encontra exposto. Qualquer homem médio, com um mínimo de conhecimento teria que concluir desta forma. (…)por questões de economia processual, para não nos tornarmos repetitivos quanto a estes concretos pontos damos aqui, por integralmente reproduzido tudo o que acima se encontrou escrito.”. Desta feita, as recorrentes não deram cumprimento quanto a esta impugnação do ónus previsto no art.640.º n.º1 alínea b) do CPC já que não indicam os concretos meios probatórios constantes do processo ou de registo ou gravação nele realizada, que impunham decisão sobre os pontos da matéria de facto impugnados diversa da recorrida, não se podendo conceder que o cumprimento desse ónus resulte da remissão para tudo o que antes disseram na restante impugnação, mormente quando nesta restante impugnação apelam a diferentes meios de prova indicando diferenciadas passagens dos depoimentos gravados, o que não permite apreender em que meios probatórios se sustentam para pretender a prova desta factualidade. Diga-se, ainda, que a prova desta factualidade não resulta imposta em direta decorrência de qualquer decisão tomada a respeito da impugnação antes apreciada, pelo que, também por aqui, contrariamente o que vem dito, se impunha naturalmente que as recorrentes indicassem os concretos meios de prova em que se estribam. Por conseguinte, nesta parte, rejeita-se a impugnação.
Por conseguinte, improcede a impugnação da decisão de facto, mantendo-se a decisão do tribunal recorrido quanto à matéria de facto.
2.2.2- Mérito da decisão
Mantendo-se a matéria de facto tal como vinha fixada na primeira instância, cumprirá ainda analisar se a decisão recorrida será de manter ou se o recurso, nesse particular, pode proceder, embora se nos afigure, mormente em face da conjugação do que vem dito nas conclusões recursivas xx e seguintes que a procedência do recurso com a condenação da interveniente no pedido formulado pelas autoras, pressupunha a alteração da matéria de facto, posto que as razões invocadas pelas recorrentes se colocam em face da matéria de facto que as mesmas defendiam dever ser considerada provada e elencada na mencionada conclusão xx. Não tendo as recorrentes logrado ver provados os factos que entendiam incorretamente julgados, mantendo-se as alíneas impugnadas da matéria de facto não provada, resta analisar se a sentença recorrida fez correta aplicação do direito aos factos assentes. O tribunal a quo, depois de discorrer sobre o enquadramento legal da responsabilidade imputada à interveniente, responsabilidade civil por actos médicos, enquadrando-a na responsabilidade contratual, entendeu que não se encontram preenchidos os respetivos pressupostos legais, que elencou da seguinte forma: “a) A falta de cumprimento duma obrigação emergente de contrato, negócio jurídico unilateral ou imposta por lei, seja por incumprimento absoluto e definitivo, seja por mera mora, seja por cumprimento defeituoso; b) A ilicitude, que resulta da constatação da desconformidade objetiva entre a conduta devida e o comportamento observado pelo devedor, por não ser correspondente ao exercício legítimo de um direito, ou ao cumprimento de um dever imposto por lei ou negócio jurídico, nem a comportamento cuja ilicitude a lei tenha por excluída ou justificada; c) A culpa, que resulta de um juízo de censurabilidade e reprovabilidade sobre a conduta do lesante, baseado no reconhecimento de que o devedor, não só deveria, como poderia agir doutro modo, sendo este o único pressuposto que a lei presume, em atenção ao disposto no art.º 799.º do CC; d) O dano, correspondente ao prejuízo, ou prejuízos, sofridos; e e) O nexo causal entre o comportamento ilícito e culposo e os danos considerados”, e desde logo falharia o primeiro deles, como expressamente se refere na sentença “…não se verifica a falta de cumprimento duma obrigação emergente de contrato, negócio jurídico unilateral ou imposta por lei, seja por incumprimento absoluto e definitivo, seja por mera mora, seja por cumprimento defeituoso, pelo que fica prejudicada a apreciação da ilicitude, da culpa, do dano e do nexo de causalidade entre a falta e o dano.”. Para tanto expendeu-se na sentença que “Considerando que o D… tinha impotência funcional no braço esquerdo (não conseguia movimentar o braço esquerdo) e que uma dor originada por enfarte de miocárdio não causa impotência funcional do braço e o doente pode mexer o braço sem problemas, e que não apresentava nenhum sintoma que sugerisse um problema cardíaco, conclui-se no sentido de que não houve incumprimento dos deveres de diligência e cuidado da parte das médicas que prestaram assistência ao D… no serviço de urgência. Ou seja, não resultou demonstrado que as médicas que assistiram o D… deveriam ter agido de modo diverso no sentido de terem errado no diagnóstico e na terapêutica perante os sintomas e as queixas que o paciente apresentou. Pelo contrário, resultou demonstrado que as médicas que assistiram o D…, perante as queixas que o mesmo relatou, atuaram de acordo com os conhecimentos técnicos da Ciência Médica (legis artis) existentes à data. Não tendo ficado demonstrado que a Interveniente Hospital Cuf Cascais, S.A., tenha incumprido a sua obrigação de meios, conclui-se no sentido de que não há ilícito contratual e, consequentemente, não há obrigação de indemnizar.”. As autoras assentam a presente demanda – e em conformidade o sustentam no recurso – defendendo que havia sinais indicadores de que se poderia estar perante uma situação de ataque cardíaco, e os serviços médicos da R. tinham obrigação de saber que os sinais apresentados pelo D… seriam compatíveis com a possibilidade de o mesmo estar a ter um enfarte do miocárdio e se este tivesse permanecido em observações nos serviços da R. a morte poderia ter sido evitada, do que concluem terem sido violadas as leges artis porque que as boas práticas médicas obrigavam a que os serviços médicos da R. submetessem D… a, pelo menos, um eletrocardiograma e as mesmas boas práticas médicas obrigavam os serviços da R. a mantê-lo em observações nos serviços clínicos e não a enviá-lo para casa. Ou seja, as recorrentes entendem que os serviços médicos da interveniente agiram negligentemente porque não lograram diagnosticar que o paciente estava a ter um enfarte e, por outro lado, ao enviá-lo para casa após consulta de urgência no período que medeia até à consulta de especialidade, ao invés de o manter em observação, violaram também as boas práticas médicas. Os factos de suporte à responsabilidade assim assacada aos serviços médicos do hospital, onde se incluem as médicas que assistiram o paciente nas urgências, são os que vieram a constar das alíneas a) a f) da matéria de facto não provada, pelo que, as autoras não lograram provar: i) que o sintoma atinente a dor no peito - o qual erigiam em sinal indicador do enfarte – existia (apesar de, como é evidente, o relevante continuava a ser se tal sintoma foi transmitido às médicas/serviços hospitalares); ii) não lograram provar que os serviço médicos tivessem obrigação de saber que os sinais apresentados por D… fossem compatíveis com a possibilidade de estar a ser um enfarte; iii) que as boas práticas médicas obrigassem a que tivesse sido determinada a realização de eletrocardiograma (exame que como resulta dos factos provados poderia detetar o enfarte); iv) que as boas práticas médicas obrigassem os serviços médicos a manter o paciente em observação ao invés de o mandar para casa. Nas circunstâncias do caso, as recorrentes não lograram demonstrar que os serviços médicos incumpriram os deveres de cuidado/assistência a que estavam obrigados pela prestação de meios a que se vincularam, concretamente, noutra perspetiva, que lhes era exigível nas concretas circunstâncias outros procedimentos, designadamente, a sujeitação do paciente a eletrocardiograma que teria permitido outro diagnóstico e/ou a manutenção do doente em observação. Não resulta, assim, dos factos provados que os serviços médicos da interveniente tenham violado, por ação ou por omissão, as boas práticas médicas que no caso se impunham e cujo cumprimento lhe era exigível. Embora se tenha verificado um resultado nefasto não resulta provado, concomitantemente, a violação e/ou inobservância das legis artis, por forma a considerar verificado um facto ilícito (na perspetiva da responsabilidade civil extracontratual) ou um incumprimento contratual (incluindo o cumprimento defeituoso) consubstanciado na violação dos deveres que integram a prestação a cargo do hospital em virtude do contrato celebrado com o doente. Ora como se referencia na sentença com apelo à jurisprudência nela mencionada, para se obter a condenação do obrigado à prestação de cuidados de saúde, não basta que se invoque a verificação de um resultado danoso, é mister “que exista uma desconformidade entre as obrigações assumidas e devidas pelo médico e as que foram efectivamente realizadas pelo profissional de saúde. Sendo que as obrigações do médico são tidas como devidas caso estejam em conformidade com as regras gerais da ciência médica (ou legis artis) que, por sua vez, prevêem as condutas médicas diligentes que poderão ser esperadas de um bom profissional da medicina. Caso ocorra um distanciamento entre a conduta efectivamente adoptada pelo profissional e estas obrigações devidas, configurar-se-á a ilicitude do acto, dando azo a uma pretensão indemnizatória.” (Kylie Michelle Cardoso Barra, O Ónus da Prova na Responsabilidade Civil Médica, acessível em https://repositorio.ulisboa.pt/bitstream/10451/19872/1/ulfd130228_tese.pdf). Como se escreve no sumário do Ac. STJ de 15.12.2020 (relator Ricardo Costa), acessível em www. dgsi.pt: “(…); a lesão da pessoa tutelada - o paciente - deve considerar-se ilícito na forma de violação contratual (positiva, enquanto defeito de cumprimento), resultante do dever de cuidado necessário para evitar esse dano pessoal, susceptível de ser desencadeado pela actividade que a parte devedora está obrigada a executar ou legitimada para realizar contratualmente. O "erro médico" consiste na consecução dessa obrigação de meios com descaracterização e desadequação aos fins do procedimento ou tratamento, numa acção ou omissão reveladas numa tríptica perspectiva comportamental: imprudência, imperícia e negligência. IV - A referida obrigação de meios, integrada num quadro abstracto, típico e comum de actuação onde se subsume a situação concreta, exige que o profissional médico realize e concretize os procedimentos que, com a certeza possível e adquirida de acordo com as práticas médicas estabelecidas e disponíveis (não sendo a medicina uma ciência dotada de exactidão plena) e as evidências conhecidas e cognoscíveis à data da intervenção e/ou da tomada de decisão, sejam aptos a evitar e a impedir as lesões ou as perturbações da incolumidade física e psicológica do paciente, para além daquela ou daquelas que são inerentes à própria intervenção em que consiste o acto médico "invasivo" (se assim for). Não é de exigir que se adoptem procedimentos que se destinam a evitar cenários que se colocam no domínio da anormalidade (absoluta ou relativa) e/ou da imprevisibilidade manifesta - enquanto inibições para actuar em ordem à evitabilidade objectiva do resultado -, à luz de um padrão de tratamento aceite pela comunidade científica no momento da intervenção médica, a seguir pelo agente médico medianamente competente, prudente, informado e sensato, acrescido da exigência adicional que é de solicitar a um profissional com a qualidade de especialista, com maior grau esperado de conhecimento, perícia e competência, agindo nas mesmas e análogas circunstâncias.”
Assim, no caso, entendemos que a sentença recorrida ao concluir que os factos provados não permitem imputar à interveniente qualquer omissão de cuidado e tratamento com vista a diagnosticar que o D… estava a ter um enfarte do miocárdio e ao não mantê-lo nas suas instalações em observação, dando-lhe alta médica, não habilitando a concluir pelo incumprimento/cumprimento defeituoso do contrato de prestação de serviços médicos à luz das leges artis, deve ser mantida, com a decorrente improcedência do recurso.
III- Decisão:
Pelo exposto, acordam os juízes da 8.ª Secção Cível, em julgar improcedente o recurso e confirmar a sentença recorrida.
Custas pelas recorrente.