CONTRATO DE ARRENDAMENTO
RESPONSABILIDADE PRÉ-CONTRATUAL
RUTURA DAS NEGOCIAÇÕES
Sumário

Sumário: (da responsabilidade da Relatora)
I - Não há lugar à reapreciação da decisão de facto nos moldes reclamados pela Recorrente quando os factos objecto da impugnação não revestirem qualquer relevância para a decisão da causa, consideradas as várias soluções plausíveis da questão de direito.
II - Apenas quando os meios de prova indicados pelo recorrente imponham uma decisão diversa ao julgador , i.e. deles decorra categórica e inequivocamente a inadmissibilidade do entendimento exarado na decisão recorrida e o carácter imperativo da assunção probatória defendida pelo recorrente procederá a sua pretensão de alteração da decisão sobre a matéria de facto.
III – Existe responsabilidade pré-contratual da Recorrente quando , depois de aceite pela Autora em 15.6.2023 a proposta final por ela apresentada, criando nesta a legítima expectativa que o contrato de arrendamento seria celebrado , a Ré vem posteriormente a comunicar-lhe que deixou de ter interesse na celebração desse contrato .
IV- Não pode considerar-se justificada a actuação da Recorrente por estarem provados os motivos que a levaram a não celebrar o contrato de arrendamento com a Autora porquanto o carácter justificado da retratação na intenção de contratar não se confunde com arbitrariedade, e o critério a ter em conta não é obviamente se o negócio jurídico fazia sentido em termos económicos para a Ré, ponderação aliás que esta deveria ter feito antes de ter actuado de forma a criar na Autora a confiança na celebração do contrato objecto das negociações,
V – A invocação que a actuação da Recorrida concorreu para o dano, o que deveria ter determinado que o tribunal a quo tivesse excluído ou reduzido significativamente nos termos do artigo 570.° do Código Civil a indemnização que atribuiu, configura matéria de excepção que não foi invocada pela Ré em sede de contestação, e que por conseguinte não foi abordada na decisão recorrida.
VI - Trata-se assim de questão nova, cujo conhecimento é vedado ao tribunal de recurso.

Texto Integral

Acordam os Juízes da 8ª Secção Cível do Tribunal da Relação de Lisboa:

I – RELATÓRIO
HIPOGEST – SOCIEDADE IMOBILIÁRIA E DE TURISMO S.A., identificada nos autos, instaurou acção declarativa com processo comum contra BK PORTUGAL S.A., identificada nos autos, pedindo a condenação da Ré a pagar-lhe a quantia de 125 926,32€, acrescida de juros de mora.
Para tanto invocou a responsabilidade pré-contratual da Ré por violação dos deveres de boa-fé na negociação do contrato de arrendamento incidente sobre o imóvel de que é proprietária, e a consequente obrigação da mesma a indemnizar pelo valor de 122 926,32 euros , correspondente às rendas que deixou de auferir por força da revogação do contrato de arrendamento anteriormente existente sobre esse imóvel , e pelo valor de 3 000,00 euros , correspondente ao valor do trabalho desenvolvido pela administradora da Autora no decurso dessas negociações.
A Ré contestou , impugnando a factualidade invocada pela Autora.
Foi proferida sentença julgando a acção parcialmente procedente e em consequência condenando a Ré a pagar à Autora a quantia de 122 926,32 euros, acrescida de juros de mora desde a citação até integral pagamento.
Inconformada com esta decisão a Ré veio recorrer, apresentando as seguintes conclusões, que se transcrevem:
1. O presente recurso é interposto da sentença de 20 de novembro de 2024, nos termos da qual o Tribunal a quo julgou a presente ação parcialmente procedente, condenando a ora Recorrente no pagamento de 122.926,32 €, acrescido de juros de mora desde a citação até integral pagamento.
2. A Recorrida sustenta, essencialmente, que na qualidade de senhoria tinha um contrato de arrendamento de uma loja com uma sociedade designada Daufood, que iria terminar em 2024. A referida Daufood abordou-a acerca da possibilidade de terminar antecipadamente o contrato e a Recorrida anuiu ao solicitado desde que arranjasse um novo arrendatário para a loja. Para o efeito, entrou em contacto com uma sociedade de mediação imobiliária, que apresentou a loja ao ora Recorrente, tendo-se assim iniciado as negociações para o futuro arrendamento.
3. Após a Recorrida e a Recorrente terem acertado as condições gerais do negócio, a Recorrida informou a sua inquilina, a referida Daufood, que podiam fazer cessar o arrendamento.
4. No decurso das negociações contratuais, a Recorrente informou que não tinha mais interesse no imóvel. Segundo a Recorrida, a Recorrente fê-lo em violação do princípio da boa-fé, porquanto tinha gerado naquela a convicção que iria arrendar o imóvel.
5. Ainda segundo a Recorrida, não fora essa confiança gerada na realização do negócio, a mesma nunca teria resolvido o contrato de arrendamento com a sua inquilina, a referida Daufood, pelo que a Recorrente é a responsável pelo recebimento de rendas no valor de 122.926,32 € e no pagamento de despesas em que aquela incorreu.
6. O Tribunal a quo julgou parcialmente procedente a ação, considerando, em síntese, que a ora Recorrente causou a resolução do contrato de arrendamento que estava em vigor entre a Recorrida, na qualidade de proprietária, e a Daufood, na qualidade de inquilina, porque criou a convicção naquela que seria o novo arrendatário da loja. Após criar a convicção na Recorrida de que avançaria com o arrendamento, a Recorrente desistiu, em violação da boa-fé, do negócio, devendo ser responsabilizada pelos prejuízos causados à Recorrida, tratando-se "precisamente de um caso clássico de violação da culpa in contrahendo".
7. Sucede que a sentença recorrida assentou num errado julgamento da matéria de facto e numa errada interpretação e aplicação das normas legais relevantes à matéria dada como provada, em particular os artigos 227.0 e 570.0 do Código Civil, constituindo uma decisão que viola a lei e o direito da Recorrente.
[Erros de julgamento em matéria de facto e reapreciação da prova gravada]
8. Na sentença recorrida, o Tribunal a quo deu como provada uma extensa factualidade alegada pela Recorrida, não tendo considerado determinados factos alegados pela ora Recorrente e que resultaram da prova produzida.
9. No artigo 40.0 da contestação, a Recorrente alegou e transcreveu que "No seu website (www.ghp.pt/pt/imobiliaria-e-engenharia), a HIPOGEST apresenta-se como uma empresa que actua "no sector imobiliário, nas áreas de investimento, gestão de património imobiliário e realização de projetos de engenharia", com "um know-how de 20 anos no desenvolvimento de projetos de engenharia, industriais e imobiliários."
10. Não há dúvidas, até porque não foi impugnado, resulta da respectiva certidão permanente indicada na petição inicial e consta da página internet da Recorrida, transcrita e indicada no artigo 40.0 da contestação da Recorrente, a Recorrida tem 20 anos de know-how no desenvolvimento de projetos de engenharia, industriais e imobiliários.
11. Este facto tem especial relevância porquanto sabendo-se que a Recorrida é uma empresa comercial e experimentada, cai por terra a tese de que a aceitação por parte da Recorrente das condições gerais do arrendamento e as subsequentes negociações foram suficientes para gerar uma confiança de tal forma forte que a levaram a aceitar revogar o contrato com a sua inquilina.
11. Deve, assim, o facto vertido no artigo 40.0 da contestação ser aditado aos factos provados.
12. No artigo 38.0 da contestação a Recorrente, alegou que "a Hipogest decidiu comunicar à Daufood - a 23 de junho de 2023 - a data em que o imóvel teria de ser entregue desocupado, antes sequer de comentar a primeira minuta de contrato enviada pela 8K Portugal - que havia sido enviada a 19 de junho de 2023".
13. O Tribunal a quo não apreciou este facto, que revela que a Recorrida decidiu aceitar a revogação do contrato de arrendamento com a Daufood de forma negligente e inadvertidamente, uma vez que não tinha analisado, sequer, a minuta de contrato de arrendamento proposta pela Recorrente.
14. Este facto revela que a Recorrida causou os prejuízos que a mesma alega ter sofrido (devendo suportar as consequências da sua atuação negligente - "sibi imputet") e que em circunstância alguma se pode entender que a revogação do contrato de arrendamento com a Daufood foi causada pelas negociações com a Recorrente, pois antes mesmo de estas terem atingido qualquer maturidade comercial já a Recorrida estava a comunicar à Daufood que iria cessar o contrato de arrendamento com esta.
16. O facto encontra-se provado pela correspondência negocial trocada entre as partes, em particular pelo e-mail de 19 de junho enviado pelo mediador imobiliário junto como doc. 6 com a contestação, e pelo e-mail de 23 de junho junto como doc. 8 com a contestação.
17. O referido facto foi também afirmado pelo mediador imobiliário AA, no minuto 00:54:50 a 00:55:38 do depoimento.
16. Deve, assim, o facto vertido no artigo 38.0 da contestação ser aditado aos factos provados.
18. O Tribunal a quo incluiu indevidamente na matéria assente o facto constante do ponto 22 dos factos provados.
19. Do depoimento do mediador imobiliário AA, decorre que a Recorrente nunca impôs à recorrida a resolução do contrato de arrendamento com a Daufood como condição para a sua entrada (cfr. minuto 00:37:36 a 00:39:24 do depoimento)
20. Do mesmo depoimento resulta que a Recorrente tão pouco impôs à Recorrida uma data de saída da Daufood, o que reforça a ideia de que durante as negociações entre a Recorrente e a Recorrida, a resolução do contrato de arrendamento entre esta e a Daufood nunca foi um tema (cfr. minuto 00:40:41 a 00:48:39).
22. Questionado diretamente pelo Tribunal, o responsável de expansão da Recorrente,…, foi perentório em afirmar que a Recorrente não sabia que o contrato de arrendamento com a Daufood ia ser resolvido (cfr. minuto 00:11:03 a 00:11:39 do depoimento).
23. Assim, seja pelos depoimentos prestados no julgamento, seja pela prova documental existente nos autos (em particular o Doc. 3 junto com a contestação), deve o ponto 22. da matéria de facto assente ser eliminado por não ter resultado da prova produzida.
24. Em consequência do exposto e com base na mesma prova documental e tetemunhal, deve dar-se como provado o facto 5. dos factos não provados, segundo o qual: "Aquando da apresentação da oportunidade de arrendamento à R., em momento algum foi referida a existência de um acordo entre a A. e a anterior arrendatária que condicionava a resolução do contrato em vigor a um novo arrendatário."
25. Deverá, ainda, dar-se como provado o alegado no artigo 57.0 da contestação isto é que "apenas em 19 de Julho de 2023, foram enviados à BK PORTUGAL pela HIPOGEST - via WAY2REALITY - os documentos que deveriam ser anexados ao contrato, nomeadamente plantas diferentes da partilhada aquando da apresentação original do projeto - em Janeiro de 2023 - e o Regulamento do Condomínio aplicável à Loja, cujas cópias de juntam-se sob DOC. 15 e DOC. 16, respetivamente".
26. Com efeito, decorre da correspondência trocada no dia 19 de julho, isto é, 3 dias úteis antes do dia 25 de julho (dia em que Recorrente optou por não prosseguir as negociações), que a Recorrida, através do mediador imobiliário, apenas naquela data enviou à Recorrente as certidões de registo predial, as plantas, a licença de utilização e o regulamento de condomínio (cfr. Doc. 14 junto com a contestação).
27. Deste facto decorre outra conclusão: ao contrário do que foi dado como provado no ponto 23 dos factos provados, não decorre da prova produzida que "No dia 15 de Junho de 2023 a R. aceita a proposta final da A., após várias negociações, e afirma poderem avançar com a parte legal".
28. Com efeito, o que as partes discutiram e o que foi aceite pela Recorrida (e não pela Recorrente) no dia 15 de junho de 2023 foram as condições principais (ou gerais), o "núcleo essencial", nas palavras da sentença recorrida, do futuro contrato de arrendamento e não uma proposta final.
29. Com efeito, não chegou a haver uma proposta final e a aceitação da mesma, que ocorreria com a aceitação da minuta contratual e das respetivas cláusulas, o que não sucedeu, nomeadamente em razão dos relevantes documentos enviados no dia 19 de julho de 2023. Tanto assim é que a seguir à aceitação da suposta proposta final - que mais não era que as condições gerais - seguiu-se uma extensa troca de correspondência, incluindo a respeito de minutas contratuais, e que está junta aos autos.
30. Assim, deve o facto vertido no artigo 57.0 da contestação ser aditado aos factos provados e deve a redacção do ponto 23. da matéria de facto ser alterada, sugerindo-se a seguinte redacção: "No dia 15 de Junho de 2023 a A. aceita a proposta final da R. quanto às condições principais do contrato, após várias negociações, e afirma poderem avançar com a parte legal".
[Do Direito]
31. O Tribunal a quo concluiu que "a situação da A. e da R. é precisamente de um caso clássico de violação da culpa in contrahendo" e que pela violação de deveres de boa-fé a Recorrente causou danos à Recorrida, devendo, por isso, ser responsabilizada.
32. A jurisprudência e doutrina têm configurado os seguintes requisitos da obrigação de indemnização, no âmbito da responsabilidade pré-contratual por rutura das negociações: a criação de uma razoável confiança na conclusão do contrato, o caráter injustificado da rutura das conversações ou negociações, a produção de um dano no património de uma das partes, a relação de causalidade entre este dano e a confiança suscitada.
33. Quanto ao primeiro requisito, afirmou o Tribunal a quo: "A R. criou uma mais que razoável confiança na conclusão do contrato em negociação com a sua aceitação da proposta em 15/6/2023. Faltava apenas a formalização escrita do que foi aceite".
34. Contudo, as partes - na sequência da aceitação das condições gerais em 15 de junho de 2023 - trocaram uma séria de correspondência, a saber:
a. E-mail de 12.07.2023, enviado pelo mediador imobiliário AA às advogadas da Recorrida, com uma nova versão da minuta de contrato de arrendamento. É possível constatar que ainda estavam em aberto várias cláusulas. Em especial, a Recorrente afirma que as condições descritas no considerando D eram tidas como "essenciais" pela Recorrente - Doc. 10 e Doc. 11 juntos com a contestação
b. Minuta alterada pela Recorrida, enviada pelo mediador imobiliário no dia 19.07.2023 - Doc. 12 e Doc. 14 juntos com a contestação.
c. Apenas no dia 19.07.2023 foram enviados à Recorrente os documentos que deveriam ser anexados ao contrato, nomeadamente o regulamento de condomínio e plantas diferentes da partilhada aquando da apresentação original do projeto - cfr. Doc. 14 junto com a contestação).
d. Nova minuta alterada pela Recorrente, enviada à Recorrida no dia 21.07.2023, onde é possível constatar que não existia acordo quanto à limitação do valor máximo do condomínio, o valor da caução e a suspensão da obrigação do pagamento de rendas em caso de força maior - Doc. 13 junto com a contestação.
35. Ora, os deveres de boa-fé que independiam sobre as partes durante as negociações do contrato não podem significar que a Recorrente, depois de aceites as condições principais do arrendamento, estivesse obrigada a aceitar as restantes condições contratuais, especialmente quando estas incluam valor e regulamento do condomínio com impacto na respetiva actividade e nos custos.
36. Com a maior relevância, no dia 21.07.2023, isto é, dois dias úteis antes da Recorrente comunicar à Recorrida a inviabilidade do negócio, o mediador imobiliário AA reputa as últimas alterações propostas pela Recorrente como passíveis de fazer ruir as negociações em curso (cfr. Doc. 14 junto com a contestação e facto 20 dos factos provados).
37. Dos factos acima referidos, que ficaram provados na sentença recorrida (cfr. factos 15, 16 e 20 dos factos provados), é forçoso concluir que a Recorrida estava consciente da possível rutura das negociações, admitindo haver um "dealbreaker", pelo que a alegação de que a Recorrente violou a boa-fé quando pôs termo às negociações é, não só infundada, mas até contraditória, se não abusiva.
38. Qualquer pessoa razoável e medianamente avisada, colocada na posição da Recorrida, para retomar uma expressão utilizada na sentença recorrida, concluiria, face às circunstâncias referidas, que existia uma probabilidade de o negócio não se concluir, pelo que jamais agiria com negligência grosseira, atuando como se as negociações tivessem sido concluídas com sucesso e o novo contrato de arrendamento já tivesse sido celebrado. Sobretudo, tratando-se a Recorrida de uma profissional do setor.
39. Quanto ao segundo requisito, O Tribunal a quo considerou que existiu uma injustificada rutura das negociações "porque de 15 de junho até 25 de julho de 2023, as partes trocam minutas de contratos de arrendamento, e comentários e revisões às mesmas".
40. No entanto, ficou provado no facto 24 dos factos provados que existem várias fases e hierarquias decisórias para aprovação e abertura de uma loja por parte da Recorrente.
41. Ficaram provadas as razões que levaram a Recorrente a não avançar com o negócio, sendo infundado que o Tribunal a quo, face a este facto provado, conclua que existiu uma injustificada rutura das negociações.
42. O terceiro e quarto requisitos também não se verificam, porquanto os danos sofridos pela Recorrida procederam de culpa sua, na medida em que agiu de forma grosseiramente negligente ao revogar o contrato de arrendamento com a Daufood.
43. Atento o respetivo objeto social e a experiência que tem no desenvolvimento de projetos imobiliários, a Recorrida tinha obrigação de saber que a celebração de um arrendamento comercial não é certa sem que sejam discutidos e negociados uma multiplicidade de pontos do respetivo contrato de arrendamento.
44. Uma conduta diligente e zelosa impunha à Recorrida esperar pelo menos pelo início das negociações sobre o texto contratual, antes de comunicar à Daufood que tinha arranjado um arrendatário.
45. Ao revogar o contrato de arrendamento com a Daufood numa fase muito precoce, apenas com as condições gerais acordadas e sem qualquer minuta de texto contratual, a Recorrida agiu negligentemente e provocou (ou, no mínimo, concorreu) para o dano que veio a sofrer.
46. Com efeito, no mínimo a atuação da Recorrida concorreu para o dano, devendo a indemnização concedida ser excluída ou significativamente reduzida, nos termos do artigo 570.° do Código Civil.
47. São 4 os requisitos para se verificar a culpa do lesado: (i) a existência de um facto do lesado, (ii) que esse facto tenha concorrido ou contribuído para o dano, (iii) que o facto do lesado seja culposo e (iv) tenha contribuído para produção ou para o agravamento do dano.
48. O facto do lesado, nos presentes autos, é a revogação antecipada do contrato de arrendamento com a Daufood pela Recorrida, sem ter ainda uma minuta contratual com a Recorrente (cfr. factos 8 e 9 dos factos provados
49. Esse foi o facto que efetivamente causou (ou, no mínimo, concorreu ou contribuiu) para os danos sofridos pela Recorrida, na medida em que foi a revogação antecipada do contrato de arrendamento em vigor com a Daufood (e não qualquer ato da Recorrente) a causa desses danos.
50. O facto do lesado foi culposo, porquanto de acordo com um critério de bom pai de família, a Recorrida devia ter sido mais diligente aquando da revogação antecipada do contrato, visto que, nesse momento as partes não tinham sequer iniciado as negociações da minuta contratual.
51. Termos em que deve o presente recurso ser julgado totalmente procedente e, consequentemente, ser a sentença recorrida revogada e substituída por outra que julgue improcedente a ação e absolva a Recorrente do pedido.
A Recorrida contra-alegou , apresentando as seguintes conclusões , que se transcrevem:
1. Quanto ao objecto do recurso, a Recorrente impugna a sentença proferida em 20 de novembro de 2024, no âmbito do processo n.º 1002/24.7T8LSB, alegando erro na apreciação da matéria de facto e errada aplicação do direito.
2. A decisão recorrida condenou a Recorrente ao pagamento à Autora da quantia de 122.926,32€, acrescida de juros de mora desde a citação até integral pagamento, com fundamento na verificação dos pressupostos da responsabilidade civil pré-contratual.
3. A Recorrente sustenta que não se verifica o nexo de causalidade entre a sua conduta e os danos invocados pela Autora, bem como que a qualificação jurídica dos factos foi incorrectamente efectuada pelo Tribunal a quo.
4. Contudo, os fundamentos invocados pela Recorrente carecem de sustentação jurídica e não infirmam a correcção da sentença recorrida, a qual apreciou correctamente a prova produzida e procedeu à qualificação jurídica dos factos em conformidade com o direito aplicável.
5. A decisão recorrida observou os princípios fundamentais da responsabilidade civil pré-contratual, estando devidamente fundamentada na matéria de facto provada e no quadro normativo aplicável.
6. Assim, não se vislumbra qualquer erro na decisão do Tribunal a quo que justifique a sua revogação ou modificação, impondo-se a manutenção da sentença nos seus exactos termos.
7. Nestes termos, deve o recurso ser julgado improcedente, confirmando-se integralmente a sentença recorrida.
8. O Tribunal a quo apreciou correctamente a matéria de facto, tendo decidido em conformidade com os princípios da responsabilidade civil pré-contratual e da tutela da confiança legítima.
9. A experiência da Recorrida no sector imobiliário é irrelevante para a apreciação da responsabilidade da Recorrente, uma vez que a confiança legítima não depende da experiência da contraparte, mas sim da conduta objectiva adoptada no decurso das negociações.
10. A actuação da Recorrente gerou na Recorrida uma legítima expectativa quanto à celebração do contrato de arrendamento, sendo esta expectativa fundada na conduta objectiva, clara e inequívoca da Recorrente, a qual, ao longo das negociações que levaram o Tribunal a quo a concluir que a Recorrente adoptou um comportamento susceptível de criar uma expectativa legítima quanto à celebração do contrato de arrendamento.
11. Podendo até afirmar-se que foi precisamente o grau de experiência da Recorrida que a levou a acreditar, face ao desenrolar de todo o processo, que a Recorrente iria actuar de acordo com os mais elementares deveres que, na fase negocial em questão, lhe estavam adstritos e que o douto Tribunal a quo, considerou, e bem, terem sido incumpridos.
12. Assim, no que concerne ao pedido de aditamentodoartigo40.º da contestação aos factos provados, o mesmo não deve ser atendido.
13. A Recorrente pretende aditar aos factos dados como provados o facto 38 da Contestação.
14. A Recorrente pretende construir uma narrativa segundo a qual a Recorrida teria agido de forma precipitada ao comunicar à DAUFOOD a necessidade de desocupação do imóvel, alegadamente antes de comentar a primeira minuta do contrato enviada pela Recorrente, a 19 de junho de 2023.
15. A aceitação expressa da proposta a 15 de junho de 2023 consolidou o núcleo essencial do contrato, vinculando as partes quanto aos aspcetos fundamentais do arrendamento, nomeadamente o valor da renda, o prazo de duração, o montante da caução e o período de carência.
16. A partir dessa data, as diligências subsequentes destinavam-se apenas à formalização contratual e não à renegociação dos aspectos essenciais do negócio.
17. A comunicação da necessidade de desocupação do imóvel pela Recorrida à DAUFOOD ocorreu após a aceitação expressa da proposta e na sequência de negociações prolongadas, evidenciando a intenção firme de formalizar o arrendamento.
18. A Recorrente estava plenamente ciente de que a cessação do contrato com a DAUFOOD era uma condição necessária para a celebração do contrato de arrendamento e, ainda assim, recuou na formalização sem justificação válida. 19. Este entendimento encontra suporte inequívoco na prova documental constante dos autos, nomeadamente no e-mail enviado pelo Sr. AA no dia 9 de janeiro de 2023, cfr. Doc. 8 junto com a Petição Inicial.
20. A argumentação da Recorrente, no sentido de que as negociações ainda estavam em curso e que não havia garantia de celebração do contrato, carece de fundamento, pois ignora a sequência cronológica dos actos negociais e os compromissos assumidos.
21. A invocação da possibilidade genérica de não se chegar a um acordo não afasta a responsabilidade da Recorrente, uma vez que o caso concreto demonstra que esta criou uma confiança objectiva e juridicamente tutelada na Recorrida.
22. A prova documental e testemunhal corrobora a tese de que a Recorrida actuou com base na confiança legítima criada pela Recorrente e que esta última violou os deveres pré-contratuais de boa-fé ao recuar injustificadamente na formalização do contrato.
23. Neste sentido, o artigo 38.º da contestação não deve ser aditado aos factos tidos como provados.
24. O douto Tribunal a quo andou bem ao considerar provado que a Recorrente tinha conhecimento de que o imóvel se encontrava arrendado até novembro de 2024 e que a cessação antecipada do contrato da DAUFOOD estava directamente relacionada com a formalização do seu próprio contrato de arrendamento.
25. A argumentação da Recorrente, no sentido de que o Tribunal a quo não dispunha de elementos que permitissem dar como provado o facto 22, não encontra qualquer suporte na prova produzida nos autos, quer documental, quer testemunhal.
26. A prova documental evidencia que as minutas do contrato negociadas entre as partes previam expressamente que o início do arrendamento dependia da entrega do imóvel desocupado (cláusula terceira), demonstrando que a Recorrente sempre teve consciência de que a cessação do contrato da DAUFOOD era um pressuposto essencial do arrendamento.
27. O Considerando H das minutas de contrato reforça que a entrega do imóvel livre e desocupado era uma condição suspensiva da eficácia do contrato, o que evidencia a relação directa entre a cessação do contrato da DAUFOOD e a formalização do arrendamento da Recorrente.
28. O depoimento do Sr. …, responsável de expansão da Recorrente, confirma inequivocamente que esta tinha plena consciência de que a sua entrada no imóvel estava condicionada à saída da DAUFOOD, conforme resulta da gravação da audiência final de 22 de outubro de 2024, gravado digitalmente como Diligencia_1002-24.7T8LSB_2024-10-22_14-42-38.mp3, nos minutos 21:22 a 21:49.
29. A Recorrente alega que não impôs a resolução do contrato de arrendamento da DAUFOOD, sugerindo que a cessação do contrato operada pela Recorrida não decorreu das negociações e que tal já iria acontecer. No entanto, tal argumentação não resiste a uma análise objectiva da realidade contratual.
30. Ainda que a Recorrente não tenha imposto directamente a resolução do contrato da DAUFOOD, exigiu como condição essencial para a eficácia do arrendamento que o imóvel lhe fosse entregue desocupado.
31. Ora, se o imóvel se encontrava ocupado por um contrato válido até novembro de 2024 e a Recorrente pretendia iniciar a exploração do espaço antes do final de 2023, a única forma de garantir essa desocupação era através da resolução antecipada do contrato com a DAUFOOD.
32. O e-mail de 5 de junho de 2023, enviado pelo então responsável de expansão da Recorrente, BB, demonstra que a intenção da Recorrente era iniciar a exploração do espaço antes do final de 2023, o que pressupunha necessariamente a cessação antecipada do contrato da DAUFOOD.
33. O e-mail de 25 de julho de 2023, junto como Doc. 19 da Petição Inicial, confirma que a pressão negocial incidia sobre a viabilização do projecto antes do Natal de 2023, reforçando que a Recorrente pretendia tomar posse do imóvel antes do termo natural do contrato da DAUFOOD.
34. A Recorrente tenta ainda construir a narrativa de que a cessação do contrato de arrendamento com a DAUFOOD era alheia ao processo negocial, procurando, assim, dissociar-se de qualquer ligação com a desocupação do imóvel.
35. No entanto, essa alegação é refutada pela prova documental e testemunhal, que demonstramque a questão da desocupação nunca foi tema de negociação entre as partes, pois a Recorrida já havia assegurado essa realidade, e a Recorrente partiu do pressuposto de que o imóvel estaria disponível quando avançasse com o arrendamento. Cfr. Doc. 8 à Petição Inicial.
36. Por essa razão, a desocupação do imóvel nunca foi objecto de discussão directa com a Recorrente, que sempre assumiu que o espaço estaria disponível no momento em que avançasse com o arrendamento.
37. O Tribunal a quo apreciou correctamente a prova e concluiu que a Recorrente não só tinha conhecimento da necessidade de desocupação do imóvel, mas também que esta resultava da sua própria exigência de receber o espaço livre como condição para a eficácia do contrato.
38. A tentativa da Recorrente de distanciar-se da relação entre o seu contrato e a cessação antecipada do contrato da DAUFOOD não resiste à análise da prova produzida, que demonstra que esta sempre partiu do pressuposto de que o imóvel estaria disponível quando avançasse com o arrendamento.
39. A impugnação da Recorrente quanto ao facto 22 deve ser rejeitada, uma vez que os elementos constantes dos autos comprovam, de forma inequívoca, que a Recorrente estava plenamente ciente das condições de desocupação do imóvel e da relação entre a cessação do contrato da DAUFOOD e a formalização do seu arrendamento.
40. Deve, igualmente, ser rejeitada qualquer pretensão de dar como provado o facto 5 dos factos não provados, porquanto tal alegação não encontra suporte na prova documental e testemunhal constante dos autos.
41. A alegação da Recorrente de que a entrega tardia de documentos influenciou a sua decisão de não avançar com o contrato de arrendamento não tem qualquer fundamento e constitui uma reformulação extemporânea dos motivos da sua desistência.
42. A documentação relevante, nomeadamente a planta do imóvel e as despesas do condomínio, já havia sido facultada à Recorrente muito antes de 19 de julho de 2023, conforme resulta do Doc. 8 da Petição Inicial
43. A Recorrente teve conhecimento directo das características do imóvel através de várias vistorias presenciais, incluindo a realizada a 16 de maio de 2023, na qual esteve presente a arquitecta responsável pelo projecto da loja BK Portugal, circunstância que foi considerada provada pelo Tribunal a quo.
44. Não pode, pois, a Recorrente sustentar que a entrega dos documentos a 19 de julho de 2023 teve qualquer impacto na sua decisão, quando é evidente que as informações que esses documentos continham já lhe haviam sido facultadas muito antes dessa data.
45. Razão pela qual foi possível, no dia 15 de junho de 2023 consolidar as condições essenciais do contrato de arrendamento, antes da suposta "entrega tardia" dos documentos.
46. O depoimento do Sr. …, gravado digitalmente na audiência final, confirma que as partes haviam consolidado “as bases do negócio”, gravado digitalmente como Diligência_1002-24.7T8LSB_2024-10-22_14-42-38.mp3, nos minutos 23:59 a 24:27.
47. A argumentação da Recorrente sobre a entrega tardia dos documentos não é apenas desprovida de fundamento, mas também contraditória com a sucessão cronológica dos factos e com as justificações inicialmente apresentadas para a sua desistência.
48. Na altura da ruptura das negociações, a Recorrente invocou como fundamento para a sua desistência a morfologia do imóvel e as suas limitações estruturais, factores que eram do seu conhecimento desde o início das negociações e que não sofreram qualquer alteração ao longo do processo.
49. O depoimento do Sr. CC, Director de Expansão da Recorrente, prestado em sede de audiência final, gravado digitalmente como Diligencia_1002-24.7T8LSB_2024-10-22_16-04-13.mp3nos minutos 19:15 a 21:16 confirma que a decisão de não avançar com o contrato resultou de um parecer interno relacionado com a operacionalidade do espaço e não da alegada entrega tardia de documentos.
50. O próprio testemunho do Sr. CC, gravado digitalmente como Diligência_1002-24.7T8LSB_2024-10-22_16-04-13.mp3, nos minutos 21:16 a 23:35, demonstra que a Recorrente aceitou a proposta e só depois decidiu submetê-la à aprovação do seu Board, sem nunca ter comunicado à Recorrida que tal revisão interna poderia colocar em causa a formalização do contrato.
51. O Tribunal a quo apreciou correctamente a prova produzida e concluiu que a Recorrente não pode recuar na aceitação da proposta com base em processos internos desconhecidos da contraparte, dado que quem negoceia com a Recorrente não está obrigado a antecipar as suas deliberações internas e a conhecer os seus procedimentos internos.
52. A impugnação da matéria de facto pela Recorrente deve ser rejeitada, uma vez que os factos constantes dos artigos 38.º, 40.º e 57.º da contestação não se encontram provados e não há qualquer fundamento para a eliminação do facto 22 ou alteração do facto 23 dados como provados.
53. O douto Tribunal a quo fundamentou devidamente a decisão sobre a matéria de facto, inexistindo qualquer erro de valoração que justifique a sua modificação.
54. Assim, deve ser mantida integralmente a decisão do Tribunal a quo quanto à matéria de facto, julgando-se improcedente a impugnação apresentada pela Recorrente.
55. O Tribunal a quo interpretou correctamente o artigo 227.º do Código Civil ao condenar a Recorrente com fundamento na violação do dever de boa-fé na fase pré-contratual.
56. Para que se verifique a responsabilidade civil pré-contratual, devem estar preenchidos os seguintes pressupostos: (i) A criação de uma razoável confiança na celebração do contrato; (ii) A ruptura injustificada ou arbitrária das negociações; (iii) A produção de um dano no património da parte não desistente; (iv) O nexo de causalidade entre esse dano e a confiança gerada.
57. No caso concreto, todos estes requisitos encontram-se preenchidos, conforme correctamente reconhecido pelo Tribunal aquo, tratando-se de um“casoclássico de violação da culpa in contrahendo”.
58. Neste caso, a Autora e a Ré, aqui Recorrida e Recorrente negociaram durante muito tempo, ao ponto de chegaram à consolidação das condições essenciais do contrato, estando em falta somente a formalização daquilo que tinham acordado, tal como afirma o douto Tribunal a quo.
59. De acordo com as palavras do douto Tribunal a quo: “É aqui que reside a responsabilidade daR.. Elacriou aconvicçãode ir aceitar arrendar, faltandosóassinar o contrato pois todas as condições estavam assentes e acordadas e sabia que a loja tinha de ser desocupada antes do arrendamento em vigor terminar. Ou seja, sabia que a A. tinha de fazer cessar o arrendamento.” (sublinhados nossos).
60. A ruptura unilateral e inesperada das negociações por parte da Recorrente, após meses de negociações e aceitação das condições essenciais, configurou uma violação do dever de boa-fé e um abuso da liberdade de contratar.
61. A liberdade contratual não pode ser exercida de forma abusiva ou arbitrária, especialmente quando a contraparte já tomou decisões baseadas na confiança gerada durante o processo negocial.
62. Assim sendo, a confiança que já tinha sido gerada com as negociações em curso aumentou com a aceitação da proposta no dia 15 de junho de 2023, e foi aumentando com a troca de minutas, comentários e revisões às mesmas.
63. As negociações chegaram ao ponto de criar na Recorrida uma situação de confiança efectiva e expectativa razoável de concretização do contrato de arrendamento, o que a levou a aceitar a revogação, por acordo do contrato de arrendamento em vigor com a sociedade DAUFOOD.
64. O Tribunal a quo considerou, com base na prova documental e testemunhal, que os motivos invocados pela Recorrente para a sua desistência eram infundados e contraditórios, pois assentavam em factores que já eram do seu conhecimento desde o início das negociações.
65. A liberdade contratual permite que existam mudanças de ideia, no entanto, como bem afirma o douto Tribunal a quo “não se pode olvidar que incumprir os acordos efectuados pode causar prejuízos à contra parte e por esses danos tem de ser responsabilizados quem os causa.”
66. Isto porque, o facto ilícito que está na origem da convocação do regime do artigo 227.º do CC não é o abandono das negociações, mas sim o desrespeito pelas regras da boa-fé.
67. No e-mail enviado pela Recorrida no dia 25 de julho de 2023, o motivo apresentadopara não assinarocontratoprendeu-se coma existência de novos equipamentos e a limitação estrutural da loja.
68. De referir, tal como referir o douto Tribunal a quo: “Ora, não apenas os “novos” equipamentos não foram sequer alegados na contestação como fundamento de rompimento das negociações (nem no julgamento), como o motivo invocado pela R., da “limitação estrutural da loja” era algo que existia desde o início das negociações. A loja não mudou de área e layout entre o momento da aceitação da proposta para avançar (em 15 de Junho) até ao momento do recuo da R. em 25 de julho”
69. Portanto, a “limitação estrutural da loja” ou a “morfologia da loja” invocados pela Recorrente era um facto preexistente e conhecido desde o início das negociações, dado que a mesma não sofreu alterações.
70. Se as limitações estruturais eram um obstáculo à viabilidade do negócio, esse era um aspecto que a Recorrente já conhecia quando manifestou a intenção de formalizar o contrato de arrendamento. Ao vir posteriormente invocar este fundamento para a desistência, a sua conduta revela-se contraditória e indicativa de actuação de má-fé.
71. A alegação da Recorrente de que a decisão final ainda estava sujeita a aprovação interna não tem relevância jurídica, pois tais processos internos não foram comunicados à Recorrida, que legitimamente confiou na aceitação da proposta como definitiva.
72. Nos termos do artigo 227.º do CC, a responsabilidade civil pré-contratual não só impõe um dever de boa-fé nas negociações, como também responsabiliza a parte que, violando esse dever, cause danos à contraparte.
73. O Tribunal a quo reconheceu que a ruptura das negociações causou danos patrimoniais concretos à Recorrida, nomeadamente a perda das rendas que seriam pagas pela DAUFOOD até novembro de 2024, no montante de 122.926,32€.
74. A ruptura arbitrária e injustificada da Recorrente gerou consequências patrimoniais directas para a Recorrida, as quais se encontram demonstradas nos autos e devidamente reconhecidas pelo Tribunal a quo.
75. A responsabilidade da Recorrente pelos prejuízos causados decorre do facto de ter conduzido as negociações até um estado de confiança legítima na celebração do contrato, levando a Recorrida a adoptar decisões irreversíveis, das quais resultaram danos concretos.
76. A decisão de revogar o contrato com a DAUFOOD não foi uma iniciativa isolada da Recorrida, mas sim uma consequência directa da conduta da Recorrente, que criou uma expectativa razoável de que o contrato seria celebrado. Assim, o nexo de causalidade entre a actuação da Recorrente e o dano sofrido pela Recorrida é directo e inquestionável.
77. A Recorrente não pode, assim, invocar o argumento de que os danos decorreramde culpa da própria Recorrida, uma vez que foi a sua conduta que determinou a cessação do arrendamento anterior.
78. A argumentação da Recorrente, no sentido de que a indemnização arbitrada deve ser reduzida ao abrigo do artigo 570.º do Código Civil, não tem fundamento, pois a Recorrida não teve qualquer comportamento culposo ou negligente na condução das negociações.
79. A responsabilidade da Recorrente decorre exclusivamente da sua conduta, que criou na Recorrida uma expectativa legítima quanto à celebração do contrato, vindo posteriormente a recuar de forma abrupta e sem justificação válida.
80. O Tribunal a quo rejeitou correctamente qualquer culpa concorrente da Recorrida, esclarecendo que “não é qualquer ruptura nas negociações que origina o dever de indemnizar, mas sim a ruptura de negociações quando se criam convicções legítimas na contraparte e têm reflexos patrimoniais causadores de prejuízos”.
81. Face ao exposto, deve ser integralmente mantida a condenação da Recorrente, nos termos fixados na decisão recorrida.
II – OBJECTO DO RECURSO
O âmbito do recurso delimita-se pelas conclusões formuladas pelo Recorrente na motivação do recurso em apreciação, estando vedado a este Tribunal conhecer de questões aí não contempladas, sem prejuízo daquelas cujo conhecimento oficioso se impõe (artigos 635º, nº 2, 639, nº1 e nº 2, 663º, nº2 e 608º, nº 2, do C.P.C.)
Deste modo, as questões que cumpre apreciar são as seguintes:
- impugnação da decisão de facto;
- erro de direito conducente à improcedência do pedido.
III- FUNDAMENTAÇÃO DE FACTO
A)
O Tribunal a quo julgou provados os seguintes factos:
1. A Autora é uma sociedade comercial que se dedica à compra e venda de imóveis e gestão dos mesmos, conforme se retira da consulta da certidão comercial com o código de acesso 4681-0135-8132;
2. A Ré é uma sociedade comercial que se dedica à actividade de restauração e explora, em Portugal, a marca Burguer King;
3. A A. é dona e legítima proprietária de uma Loja composta pelas fracções “A” e “B” (adiante Loja) do prédio urbano sito na …, n.º …, em Lisboa, freguesia de …, concelho de Lisboa, descritas na Conservatória do Registo Predial de Lisboa sob o nº … e inscrito na matriz predial urbana daquela freguesia sob o artigo …;
4. As Lojas foram dadas de arrendamento pela Autora, em 6 de novembro de 2014, à sociedade comercial DAUFOOD PORTUGAL, UNIPESSOAL, LDA., com início em 11 de novembro de 2014 e termo em 10 de novembro de 2024, em termos e condições que constam de fls. 23 a 29 dos autos e cujo o conteúdo se dá por integralmente reproduzido;
5. No mês de outubro de 2022 a referida DAUFOOD PORTUGAL, UNIPESSOAL, LDA., entrou em contacto com a Autora solicitando a possibilidade de terminarem o contrato de arrendamento antes da data a que se havia obrigado;
6. A Autora informou que tal só seria possível se conseguisse obter novo arrendatário para a Loja;
7. Ficou assim acordado que o contrato celebrado com a DAUFOOD PORTUGAL, UNIPESSOAL, LDA., e a Autora, poderia ser objecto de revogação caso esta conseguisse dar de arrendamento a Loja a terceiros;
8. No dia 22 de junho de 2023, a Autora transmitiu à DAUFOOD PORTUGAL, UNIPESSOAL, LDA., que tinha um arrendatário para a Loja, e que a mesma teria de ser entregue à Autora, sem os equipamentos, no dia 30 de setembro de 2023, em termos e condições que constam de fls. 29 vs. a 31 dos autos e cujo o teor se dá por integralmente reproduzido;
9. Com data de 4/12/2023 foi assinado o acordo de revogação do Contrato de Arrendamento das lojas entre a aqui Autora e a Daufood com efeitos retroactivos revogados a 01-10-2023 em termos e condições que constam de fls. 32 a 34 dos autos e cujo o teor se dá por integralmente reproduzido;
10. O valor da renda mensal paga pela DAUFOOD PORTUGAL, UNIPESSOAL, LDA. à Autora era, à data da revogação, de 10.243,86 (dez mil e duzentos e quarenta e três euros e oitenta e seis cêntimos);
11. Na sequência do acordado com a DAUFOOD PORTUGAL, UNIPESSOAL, LDA., a Autora entrou em contacto com a sociedade de mediação imobiliária denominada WAY2REALTY –Sociedade de Mediação Imobiliária, Lda., com a licença AMI n.º 22177, e NIPC 517381508 para que esta procurasse encontrar um arrendatário para as Lojas;
12. No dia 9 de janeiro de 2023, a referida WAY2REALTY, através do seu Managing Partner, …, apresentou a Loja ao Director de Expansão da Ré, …, com o envio da planta da mesma;
13. Em 23 de janeiro de 2023 a Ré solicitou à WAY2REALTY, uma reunião com a Autora, a qual ocorreu no dia 25 de janeiro de 2023, para início de negociações com vista à celebração do contrato de arrendamento da Loja;
14. No dia 28 de abril de 2023, a Ré solicitou à WAY2REALTY, nova reunião com a Autora por forma a continuar com as negociações e apresentar um novo elemento da equipa de expansão responsável pela zona sul, reunião essa que ocorreu no dia 3 de maio de 2023;
15. Entre Autora e Ré (e ainda a Imobiliária Way2Realty) foi trocada a correspondência negocial que se iniciou a 05-05-2023 a fls. 45 vs. dos autos, tendo a Autora aceite a última proposta da Ré em 15-06-2023 em termos de fls. 42 vs. a 46 dos autos e cujo o teor se dá por integralmente reproduzido;
16. Entre a Autora, Ré, e a Imobiliária Way2Realty foi trocada a correspondência para assinatura do Contrato de Arrendamento que consta de fls. 46 vs. a 79 dos autos e cujo o teor se dá por integralmente reproduzido;
17. A 25-07-2023 a Ré envia à Imobiliária Way2Realty a comunicação de fls. 80 dos autos e cujo o teor se dá por integralmente reproduzido, referido que não é viável o projeto de Telheiras, em termos e condições e cujo o teor se dão por integralmente reproduzido;
18. A Imobiliária Way2Realty responde a esta missiva em termos de fls. 80 vs. e 81 dos autos e cujo o teor se dá por integralmente reproduzido;
19. A oportunidade de utilização da Loja para instalação de um restaurante “Burger King” foi pela primeira vez formalmente apresentada à equipa de expansão da Ré, através de um e-mail datado de 09 de Janeiro de 2023, enviado pelo Managing Partner da WAY2REALIT com o seguinte teor:

20. Entre a imobiliária e a Ré foi trocada a 21/07/2023 a correspondência de fls. 154 a 165 dos autos e cujo o teor se dá por integralmente reproduzido;
21. No dia 16 de maio de 2023, a Ré na pessoa da arquitecta responsável pelo projecto Burger King, visitaram a Loja com a WAY2REALTY.
22. Na sequência das negociações entre as partes a R. sabia que a loja em apreço estava arrendada até novembro de 2024 e que o contrato ia ser resolvido pela A., para a loja ficar desocupada, assim que fosse formalizada a intenção de arrendamento;
23. No dia 15 de Junho de 2023 a R. aceita a proposta final da A., após várias negociações, e afirma poderem avançar com a parte legal;
24. Na R. existem diversas fases e hierarquias decisórias para aprovação de abertura de uma loja e foi concluído pela inviabilidade do mesmo, por força dos seguintes fatores:
a) O valor elevado da renda e condomínio tendo em conta a área da Loja;
b) Valor do investimento em obras de adaptação da Loja;
c) A reduzida dimensão da Loja que limitava as opções para disposição do layout da Loja (área para clientes, colocação de mesas, lotação máxima do restaurante), o que tem uma implicação directa na rentabilidade do investimento;
e) Regulamento de Condomínio muito restritivo, o que poderia ter impacto na exploração dos serviços de Take Away e Home Delivery (entregas ao domicílio) da BK PORTUGAL e, nomeadamente, conduzir a litígios com a HIPOGEST e/ou com outros condóminos.
B)
O Tribunal a quo julgou não provados os seguintes factos:
1. A Autora alocou tempo de trabalho, recursos humanos, nas negociações e revisão das diversas minutas de contrato de arrendamento que foram sendo trocadas entre as Partes;
2. A Administradora da Autora, responsável do departamento legal, alocou 20 horas do seu trabalho ao projceto em causa;
3. O valor hora da Administradora é de 150€ euros;
4. A R. sabia que o arrendamento da loja com o anterior arrendatário da A. ia ser resolvido em setembro de 2023;
5. Aquando da apresentação da oportunidade de arrendamento à R., em momento algum foi referida a existência de um acordo entre a A. e a anterior arrendatária que condicionava a resolução do contrato em vigor a um novo arrendatário.
IV – FUNDAMENTAÇÃO DE DIREITO
Impugnação da decisão sobre a matéria de facto
A Recorrente veio impugnar a decisão sobre a matéria de facto pugnando pela inclusão no segmento dos Factos Provados desta decisão da matéria constante dos artigos 38º , 40º e 57º da contestação , sustentando tratar-se de matéria relevante para a decisão da causa.
No entanto os factos objecto da impugnação que desta forma a Recorrente pretende ver aditados à decisão de facto não revestem interesse para a decisão da causa consideradas todas as soluções plausíveis da questão de direito.
Com efeito não reveste qualquer relevância para a apreciação da invocada responsabilidade pré-contratual da Ré , e da imputada violação dos deveres de boa-fé que impendem sobre as partes na negociação dos contratos o facto da Autora se apresentar no seu site como empresa que actua "no sector imobiliário, nas áreas de investimento, gestão de património imobiliário e realização de projetos de engenharia", com "um know-how de 20 anos no desenvolvimento de projetos de engenharia, industriais e imobiliários.
Tão pouco releva para essa decisão saber se quando a Autora comunicou à DAUFOOD a 23 de Junho de 2023 a data em que o imóvel teria de ser entregue desocupado ainda não tinha comentado a primeira minuta de contrato enviada pela Ré que havia sido enviada a 19 de Junho de 2023 quando a Autora tinha aceite em 15.6.2023 a proposta final apresentada pela Ré.
Efectivamente os factos objecto da impugnação da Recorrente não são constitutivos do direito invocado pela Autora , nem são constitutivos de excepções invocadas pela Ré.
Conforme escreveu Ferreira de Almeida, “o juízo de indispensabilidade deve ter em mira os factos (relevantes/pertinentes) conexionados com alguma das soluções plausíveis da questão de direito, face ao objecto do recurso e aos demais elementos oficiosamente atendíveis “.(Direito Processual Civil , volume II , 3ªed. , pág.589 )
A pretensão recursória de alteração da decisão de facto proferida em 1ª instância visa “ possibilitar alterar a matéria de facto que o tribunal a quo considerou provada ou não provada, para que, face à eventual nova realidade a que se chegou, se possa concluir que afinal existe o direito que foi invocado, ou que não se verifica um outro cuja existência se reconheceu. Isto é, que o enquadramento jurídico dos factos tidos por provados ou não provados conduz a decisão diferente da anteriormente alcançada. Assim, se por qualquer motivo, o facto a que se dirige aquela impugnação for irrelevante ou insuficiente para a solução da questão de direito e para a decisão a proferir, então torna-se inútil a actividade de reapreciar o julgamento da matéria de facto, pois nesse caso mesmo que, em conformidade com a pretensão do recorrente, se modifique o juízo factual anteriormente formulado, sempre o facto que agora se considerou provado ou não provado continua a ser juridicamente destituído de eficácia, por não interferir com a solução de direito encontrada e com a decisão tomada”. (Acórdão da Relação de Coimbra de 25.10.2022, rel. Moreira do Carmo, disponível em www.dgsi.pt)
Tem assim de se entender que “ de acordo com os princípios da utilidade e pertinência a que estão sujeitos todos os actos processuais , o exercício de poderes de controlo sobre a decisão de matéria de facto só é admissível se recair sobre factos com interesse para a decisão da causa ,segundo as diferentes soluções plausíveis do direito que a mesma comporte “. (Acórdão do S.T.J. de 3.11.2023, rel. Mário Morgado; no mesmo sentido Acórdãos do S.T.J. de 29.3.2020, rel. Jorge Dias, da Relação de Coimbra de 25.10.2022, rel. Moreira do Carmo, da Relação de Guimarães de 28.9.2017, rel. Maria de Fátima Andrade, e da Relação de Guimarães de 28.4.2018, rel. Maria João Matos, todos disponíveis em www.dgsi.pt)
Efectivamente, “respeitando o princípio da limitação dos actos, consagrado no artigo 130º do Código de Processo Civil, o direito à impugnação da decisão sobre a matéria de facto assume um carácter instrumental face à decisão de mérito do pleito, pelo que, para não praticar actos inúteis e inconsequentes, por força dos princípios da utilidade, economia e celeridade processual, o tribunal ad quem não deve reapreciar a matéria de facto quando a factualidade objecto de impugnação for insusceptível de, face às circunstâncias próprias do caso em apreciação e às diversas soluções plausíveis de direito, ter relevância jurídica “. (Acórdão da Relação de Lisboa de 17.6.2025, rel. Edgar Taborda Lopes, disponível em www.dgsi.pt)
Não há assim lugar à reapreciação da decisão de facto nos moldes reclamados pela Recorrente por os factos objecto da impugnação não revestirem qualquer relevância para a decisão da causa, consideradas as várias soluções plausíveis da questão de direito.
Por outro lado no que respeita à matéria do artigo 57º da contestação a própria Autora reconhece que a matéria em causa já consta do artigo 16º do segmento dos Factos Provados da sentença recorrida, tornando-se assim desnecessária a pretendida alteração da decisão da matéria de facto.
Improcede por conseguinte nesta parte o recurso.
A Recorrente veio ainda impugnar a decisão sobre a matéria de facto pugnando pela alteração desta no sentido de ser dado como não provado o facto constante do artigo 22º do segmento dos Factos Provados e de ser julgado provado o facto constante do artigo 5º que o tribunal a quo julgou não provado.
Para tanto sustenta que que os depoimentos das testemunhas …. e o teor do documento 3 junto com a contestação impunham que o tribunal a quo decidisse em conformidade com o que propugna em sede de recurso.
Efectuada a audição dos depoimento das referidas testemunhas passa-se a apreciar a impugnação da decisão sobre esta matéria de facto.
Ora a testemunha …, mediador imobiliário que teve intervenção nas negociações e contactos que tiveram lugar entre Autora e Ré relativamente ao arrendamento da fracção, ao contrário do que sustenta a Recorrente, fazendo apelo a excertos desgarrados do contexto em que foram proferidos e à interpretação que faz dos mesmos sem sustento no depoimento prestado em sede de julgamento, não confirmou a versão dos factos apresentada pela Recorrente.
Por outro lado tão pouco o faz o email de 9.1.2023 invocado pela Recorrente, que a mesma privilegia em detrimento de um email da mesma data da testemunha …, no âmbito do qual o mesmo , respondendo à questão da Ré quando ficaria livre o espaço , lhe comunica que “ a loja fica disponível em data a acordar, desde que formalizada intenção de arrendamento com o futuro ocupante “ .
Por último do depoimento da testemunha … não decorre que a Ré não sabia que o contrato de arrendamento incidente sobre a fracção ia ser resolvido para esta ficar desocupada assim que fosse formalizada a intenção de arrendamento entre Autora e Ré.
A Recorrente veio igualmente impugnar a decisão sobre a matéria de facto , pugnando pela alteração da redacção dada ao artigo 23º do segmento dos Factos Provados da sentença recorrida no sentido de aí passar a constar que :
“ No dia 15 de Junho de 2023 a A. aceita a proposta final da R. quanto às condicões principais do contrato, após várias negociações, e afirma poderem avançar com a parte legal. “
Para tanto invoca que os documentos 5 , 10 , 11 , 12 13 e 14 juntos com a contestação impõem que seja dado como provado o facto nos termos constantes das conclusões do recurso.
No entanto o que os documentos em causa comprovam é que no dia 15 de Junho de 2023 a A. aceita a proposta final da R., após várias negociações, e afirma poderem avançar com a parte legal, verficando-se o apontado lapso na redacção desse ponto da decisão sobre a matéria de facto , mas não a versão que a Recorrente pretende ver consagrada .
Aliás o email de 21.7.2023 que consta do documento 14 resume de forma inequívoca o desenrolar da relação entre Autora e Ré quando o mediador imobiliário que teve intervenção nas negociações consigna que “ este novo pedido de alterações de condições contratuais de redução de 3 rendas para 2 rendas na caução vai causar desconforto junto do proprietário e temo que venha a ser um dealbreaker. Peço que reconsiderem a revisão deste último email a manter as condições que já estavam acordadas, sendo a última versão do contrato a ser assinada.” …
Ora , “a alteração da matéria de facto só deve ser efectuada pelo Tribunal da Relação quando o mesmo, depois de proceder à audição efectiva da prova gravada, conclua, com a necessária segurança, no sentido de que os depoimentos prestados em audiência, conjugados com a restante prova produzida, apontam em direcção diversa, e delimitam uma conclusão diferente daquela que vingou na 1ª Instância.”(Acórdão da Relação de Guimarães de 10.7.2019 , rel. Maria João Matos , disponível em www.dgsi.pt )
Conforme decidido pelo Acórdão do S.T.J. de 21.6.2022 , não se pode olvidar que o “Tribunal da Relação no âmbito da reapreciação da matéria de facto tem autonomia decisória que lhe permite formar a sua própria convicção (livre valoração), pelo que o controle sobre a convicção alcançada pelo tribunal da 1ª instância, embora exija uma avaliação da prova (e não apenas uma mera sindicância do raciocínio lógico) deve, no entanto, restringir-se aos casos de flagrante desconformidade entre os elementos de prova e a decisão, já que se impõe a ocorrência de erro de julgamento, sendo o nosso sistema de reponderação.” (rel. Jorge Arcanjo, disponível em www.dgsi.pt)
Na reapreciação da prova o tribunal tem de ter em conta que “ para que um facto se considere provado é necessário que, à luz de critérios de razoabilidade se crie no espírito do julgador um estado de convicção, assente na certeza relativa do facto “ , e essa“ certeza subjectiva com alto grau de probabilidade, há-de resultar da conjugação de todos os meios de prova produzidos sobre um mesmo facto, ponderando-se a coerência que exista num determinado sentido e aferindo-se esse resultado convergente em termos de razoabilidade e lógica. Se pelo contrário, existir insuficiência, contradição ou incoerência entre os meios de prova produzidos, ou mesmo se o sentido da prova produzida se apresentar como irrazoável e ilógico, então haverá uma dúvida séria e incontornável quanto à probabilidade de os factos em causa serem certos, obstando a que se considere o facto provado “. (Acórdão da Relação do Porto de 27.4.2020, rel. Jerónimo Freitas, disponível em www.dgsi.pt)
Como tal “quando o pedido de reapreciação da prova se baseie em elementos de características subjectivas , a respectiva sindicação tem de ser exercida com o máximo cuidado, e só deve o tribunal de 2ª instância alterar os factos incorporados em registos fonográficos quando efectivamente se convença, com base em elementos lógicos ou objectivos e com uma margem de segurança muito elevada, que houve errada decisão na 1ª instância, por ser ilógica a resposta dada em face dos depoimentos prestados ou por formal ou materialmente impossível , por não ter qualquer suporte para ela “. ( Acórdão do S.T.J. de 20.5.2010 , rel. Mário Cruz , disponível em www.dgsi.pt; no mesmo sentido ver Acórdãos da Relação de Coimbra de 24.1.2023 , rel. Moreira do Carmo , da Relação do Porto de 21.6.2021 , rel. Pedro Damião e Cunha e da Relação de Guimarães de 10.7.2019, rel. Maria João Matos, Acórdão da Relação de Coimbra de 25.3.2025 , rel. Luís Miguel Caldas, todos disponíveis em www.dgsi.pt)
Deste modo apenas quando os meios de prova indicados pelo recorrente imponham uma decisão diversa ao julgador, i.e. deles decorra categórica e inequivocamente a inadmissibilidade do entendimento exarado na decisão recorrida e o carácter imperativo da assunção probatória defendida pelo recorrente procederá a sua pretensão de alteração da decisão sobre a matéria de facto.(por todos ver Acórdãos da Relação de Évora de 11.1.2024 , rel. Tomé de Carvalho e de 13.2.2025, rel. Cristina Dá Mesquita, disponíveis em www.dgsi.pt)
Não sendo isso o que sucede no caso em análise a discordância manifestada pela Recorrente não é suficiente para afastar o acerto do juízo probatório efectuado pelo tribunal de 1ª instância.
Não pode olvidar-se que é o tribunal de 1ª instância que se encontra nas melhores condições para exarar um juízo crítico sobre a prova produzida atenta a indesmentível percepção que a imediação e a oralidade lhe conferem.
Fazendo-se apelo ao decidido pelo Acórdão da Relação de Coimbra de 25.3.2025 “o controlo da matéria de facto, pelo tribunal da Relação, não pode subverter ou destruir a livre apreciação da prova do julgador da 1ª instância, construído na base da imediação e da oralidade, sendo certo que na formação dessa convicção intervêm factores que são imperceptíveis na audição da prova grava, tais como os movimentos corpóreos, olhares, hesitações e gestos dos depoentes”.( rel. Luís Miguel Caldas , disponível em www.dgsi.pt )
Com efeito, “o tribunal da Relação só deve alterar a matéria de facto se concluir, com a necessária segurança, no sentido de que a prova aponta em direcção diversa e delimita uma conclusão diferente da que vingou na 1ª instância (impunha-se uma distinta decisão), usando um critério de razoabilidade ou de aceitabilidade dessa decisão ( que conduz a confirmar a decisão recorrida), não apenas quando for indiscutível que é correcta, mas também quando se reconheça situar-se numa margem de razoabilidade ou de aceitabilidade “.( Acórdão da Relação de Lisboa de 17.6.2025, rel. Edgar Taborda Lopes, disponível em www.dgsi.pt )
Improcede assim nesta parte o recurso, à excepção do apontado lapso de escrita, alterando-se em conformidade a redacção do artigo 23º do segmento dos Factos Provados da sentença recorrida nos seguintes termos:
“No dia 15 de Junho de 2023 a A. aceita a proposta final da R., após várias negociações, e afirma poderem avançar com a parte legal. “
Erro de direito conducente à improcedência do pedido
Insurge-se a Recorrente contra a decisão do tribunal a quo de julgar que in casu se verificou a responsabilidade pré-contratual da Ré por culpa in contrahendo, com a consequente obrigação da mesma pagar à Autora a quantia 122 926,32 euros, correspondente aos doze meses de renda que deixou de auferir em virtude da cessação antecipada do contrato de arrendamento incidente sobre a fracção cujo arrendamento a Autora e a Ré negociavam.
Sustenta a Recorrente que sendo requisitos da obrigação de indemnização no âmbito da responsabilidade pré-contratual por ruptura das negociações a criação de uma razoável confiança na conclusão do contrato, o caráter injustificado da ruptura das conversações ou negociações, a produção de um dano no património de uma das partes, a relação de causalidade entre este dano e a confiança suscitada, estes requisitos não se mostram preenchidos no caso concreto.
Defendendo a Recorrente que não se verificou a criação de uma razoável confiança na conclusão do contrato esta discordância pressupunha uma alteração da matéria de facto no sentido defendido em sede de recurso que não veio a ter lugar, assentando numa conclusão que não é suportada pelos factos julgados provados pelo tribunal a quo.
A norma do artigo 227º do C. Civil impõe um dever geral de boa fé às partes no decurso do processo negocial conducente à celebração de um contrato, consagrando a responsabilização pela violação desse dever, designada por responsabilidade pré-contratual ou responsabilidade in contrahendo.
Deste modo, “o princípio da boa fé , densificado através do princípio da confiança, implica uma restrição do (sub)princípio da liberdade de conclusão do contrato, na sua dimensão negativa – liberdade de não conclusão do contrato - : aquele a quem seja imputável uma situação de confiança justificada na continuação das negociações ou na conclusão do negócio jurídico terá um dever jurídico de actuação consequente ( conforme às expectativas ), concretizado no dever jurídico de continuar as negociações para a conclusão do negócio ou no dever de o concluir “.(Nuno Pinto de Oliveira , Princípios de Direito dos Contratos , 2011 , pág. 217)
Com efeito “ existe responsabilidade pré-contratual quando no decurso das negociações preliminares uma das partes assumiu um comportamento que razoavelmente criou na outra parte a convicção de que o contrato se formaria , assim a predispondo a acções ou omissões que não teria adoptado se não tivesse aquela conclusão como certa “. (Acórdão do S.T.J. de 6.12.2018, rel. Ilídio Sacarrão Martins, disponível em www.dgsi.pt)
Deste modo a" culpa in contrahendo funciona quando a violação dos deveres de protecção, de informação e de lealdade conduz à frustração da confiança criada na contraparte pela actividade anterior do infractor. "(Acórdão do STJ de 10 / 12 / 2009, Rel. Salazar Casanova).
Assim sucedeu no caso em análise quando depois de aceite pela Autora em 15.6.2023 a proposta final apresentada pela Ré, criando esta última na primeira a legítima expectativa que o contrato de arrendamento seria celebrado, a Ré vem posteriormente a comunicar-lhe que deixou de ter interesse na celebração desse contrato.
Contesta ainda a Recorrente a conclusão do tribunal a quo no sentido de se verificar uma injustificada ruptura das negociações por entender que estando provados os motivos que a levaram a não celebrar o contrato de arrendamento com a Autora se mostra justificada a sua actuação.
Não merece no entanto acolhimento esta objecção porquanto o carácter justificado da retratação na intenção de contratar não se confunde com arbitrariedade, e o critério a ter em conta não é obviamente se o negócio jurídico fazia sentido em termos económicos para a Ré, ponderação aliás que esta deveria ter feito antes de ter actuado de forma a criar na Autora a confiança na celebração do contrato objecto das negociações,
Sustenta ainda a Recorrente a inexistência da obrigação de indemnizar invocando que os danos sofridos pela Autora procederam de culpa sua por a mesma ter revogado o contrato de arrendamento com a anterior arrendatária sem a formalização do contrato de arrendamento com a Autora.
A este propósito consignou o tribunal a quo :
“ A R. violou a boa fé a que estava adstrita por ter criado a convicção de ter aceite um negócio e depois ter recuado no mesmo. E sabia que a aceitação desse negócio implicava a cessação de outro por banda da A. pois foi informada que o arrendamento só cessava em novembro de 2024 e que o arrendatário iria sair quando fosse formalizada a intenção (sublinhe-se intenção e não o próprio arrendamento) de arrendamento. A intenção de arrendar foi formalizada em junho de 2023. A formalização do arrendamento nunca chegou a sê-lo. E ao não ser constituiu-se a R. responsável pelo dano que se reflectiu na esfera jurídica da A.. Esta cessou um contrato de arrendamento antecipadamente, não recebendo rendas do mesmo, para permitir à R. entrar no locado, o que não sucedeu porque esta injustificadamente, após ter aceite contratar voltou atrás na sua palavra e violou a boa fé que deve reger as partes nas relações contratuais. Se a R. não cuidou de atentar no prejuízo que causou na A. foi porque não quis pois foi informada de modo claro que o locado estava ocupado até novembro de 2024. Não é qualquer ruptura nas negociações que origina o dever de indemnizar. É a ruptura de negociações quando se cria convicções legítimas na contra parte e têm reflexos patrimoniais causadores de prejuízos. A A. não teria resolvido o arrendamento com a Daufood se não tivesse a certeza da intenção da R. avançar com o arrendamento. “
Não merece censura nesta parte a decisão recorrida.
Efectivamente “no âmbito da responsabilidade da culpa in contrahendo os danos indemnizáveis são aqueles que resultam da actuação da parte contrária à boa fé, ou seja, os danos que o lesado não teria sofrido se não tivesse confiado na expectativa negocial criada pela parte contrária. “(Acórdão da Relação de Lisboa de 4.7.2024, rel. Inês Moura, disponível em www.dgsi.pt)
Improcede assim nesta parte o recurso.
Por último pugna a Recorrente pela exclusão ou pela significativa redução da indemnização arbitrada com fundamento no disposto no artigo 570º do C. Civil, que dispõe que quando um facto culposo do lesado tiver concorrido para a produção ou agravamento dos danos, cabe ao tribunal determinar, com base na gravidade das culpas de ambas as partes e nas consequências que delas resultaram, se a indemnização deve ser totalmente concedida, reduzida ou mesmo excluída.
Para tanto sustenta que a actuação da Recorrida concorreu para o dano, o que deveria ter determinado que o tribunal a quo tivesse excluído ou reduzido significativamente nos termos do artigo 570.° do Código Civil a indemnização que atribuiu.
Sucede que esta questão configura matéria de excepção que não foi invocada pela Ré em sede de contestação, e que por conseguinte não foi abordada na decisão recorrida.
Trata-se assim de questão nova, cujo conhecimento é vedado ao tribunal de recurso.
Ora “os recursos visam o reexame, por parte do tribunal superior , de questões precedentemente resolvidas pelo tribunal a quo, e não a pronúncia pelo tribunal a quem sobre questões novas”.(Acórdão do S.T.J de 7.4.2005 , rel. Ferreira Girão , disponível em www.dgsi.pt; no mesmo sentido ver Acórdãos do S.T.J. de 8.10.2020, rel. Ilídio Sacarrão Martins; da Relação de Guimarães de 8.11.2018, rel. DD; da Relação de Coimbra de 15.2.2011, rel. EE; da Relação de Lisboa de 8.2.2000, rel. Ponce Leão; do S.T.A. de 23.11.2000, rel. Nuno Salgado, todos disponíveis em www.dgsi.pt)
Efectivamente “os recursos são um instrumento processual para reapreciar questões concretas, de facto ou de direito, que se consideram mal decididas e não para conhecer questões novas, não apreciadas e discutidas nas instâncias, sem prejuízo das que são de conhecimento oficioso”. (Acórdão da Relação de Coimbra de 15.2.2011, rel. EE, disponível em www.dgsi.pt)
Importa não olvidar que “por definição a figura do recurso exige uma prévia decisão desfavorável, incidente sobre uma pretensão colocada pelo recorrente perante o tribunal recorrido, pois só se recorre de uma decisão que analisou uma questão colocada pela parte e a decidiu em sentido contrário”. (Acórdão da Relação de Guimarães de 8.11.2018, rel. DD, disponível em www.dgsi.pt)
Deste modo o tribunal de recurso não pode pronunciar-se sobre questões que não foram invocadas pelas partes, e como tal não foram apreciadas e decididas na decisão recorrida, excepto quando a lei assim o determine ou se trate de questão de conhecimento oficioso.
Não sendo este o caso dos autos improcede nesta parte o recurso.
V – DECISÃO
Nos termos e com os fundamentos expostos, acordam os juízes da 8ª Secção Cível do Tribunal da Relação de Lisboa em negar provimento ao recurso interposto e, em consequência, confirmam a sentença recorrida,
Custas pela Recorrente (artigo 527º, do C.P.C.).

Lisboa, 11 de setembro de 2025
Maria Carlos Duarte do Vale Calheiros
Rui Oliveira
Carla Matos