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RESPONSABILIDADE PRÉ-CONTRATUAL
RUTURA DAS NEGOCIAÇÕES
DANOS PATRIMONIAIS
DANOS NÃO PATRIMONIAIS
Sumário
Sumário: (da responsabilidade exclusiva da Relatora):
I.Dispõe o art. 227 do CC que quem negoceia com outrem para conclusão de um contrato deve, tanto nos preliminares, como na formação dele, proceder segundo as regras da boa-fé, sob pena de responder pelos danos que culposamente causar à contraparte. II.É pressuposto da responsabilidade civil pré-contratual por rutura das negociações que uma das partes tenha atuado de forma a criar na outra parte uma séria e legítima expectativa de que o contrato seria celebrado.
Texto Integral
Acordam neste Tribunal da Relação de Lisboa:
I – RELATÓRIO:
Valores Diferentes, L.da, AA, BB, CC intentaram ACÇÃO DECLARATIVA DE CONDENAÇÃO contra CAIXA ECONÓMICA MONTEPIO GERAL – CAIXA ECONÓMIA BANCÁRIA, S.A., pedindo a condenação da Ré ao pagamento:
a) À Autora Valores diferentes, L.da: a quantia de 50.391,41€ acrescida de juros vincendos à taxa legal desde a citação até integral e efectivo pagamento; a quantia que se vier a determinar em sede de liquidação de sentença, a título dos prejuízos de lucros cessantes na revenda dos imóveis em causa, decorrentes da sua conduta;
b) Aos autores AA e BB, a quantia de 196.001,31€ acrescida de juros à taxa legal desde a citação até efectivo pagamento.
c) Ao Autor CC a quantia de €39.477,71€ acrescida de juros calculados à taxa legal desde a citação até integral e efectivo pagamento.
Alegam para tanto e em síntese que:
No final de Agosto de 2018, os AA. formularam junto do R. um pedido de concessão de crédito, e, após o cumprimento de todas as formalidades atinentes à concessão do crédito e satisfeitas todas as solicitações da Ré, incluindo aumento de capital social da A. e avaliação de um imóvel, relativamente ao qual seria constituída hipoteca voluntária a favor do mutuante, e mesmo depois de ter descontado várias livranças como adiantamento do financiamento, o R. comunicou-lhes em Janeiro de 2019, a poucos dias da escritura, a recusa do pedido de financiamento formulado, sem qualquer justificação.
Com vista à celebração do referido contrato de mútuo, no decurso das negociações e na perspectiva da sua concessão, os AA. suportaram vários custos.
A recusa do R. em celebrar o mútuo contratado, sem fundamento, causou danos patrimoniais e não patrimoniais aos AA., que o R. está obrigado a ressarcir.
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Regularmente citada para contestar, no prazo e sob a cominação legal, a CEMP – CEB, SA. fê-lo em devido tempo, impugnando os factos alegados pelos autores.
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Realizou-se Audiência prévia, tendo sido elaborado despacho saneador que fixou o objeto do litígio e enunciou os temas da prova.
Procedeu-se a julgamento com a observância de todas as formalidades legais.
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Foi proferida sentença com o seguinte dispositivo: “Pelo exposto, decide-se: 1) Julgar a presente acção parcialmente procedente por parcialmente provada e consequentemente: a) Absolver a Ré do pedido formulado pela A. Valores Diferentes, L.da;
b) Condenar o R. a pagar aos AA. AA e BB: i) a quantia de €31.941,95 a título de indemnização por danos patrimoniais; ii) a quantia de €20.000,00 a cada um destes autores, a título de indemnização por danos não patrimoniais; c) Condenar o R. a pagar ao A. CC: i) - a quantia de 1.677,71€ a título de danos patrimonias; ii) A quantia de 15.000,00€ a títulode danos nãopatrimonais. d) Absolver o R. do demais peticionado. Custas por AA. e R. na proporção do decaimento (art.º 527º do Código de Processo Civil). Registe e notifique.”
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Inconformada, a Ré intentou recurso de apelação (req. de 28.11.2024), apresentando alegações com as seguintes conclusões:
1. A Ré, ora Apelante, não concordando com a Sentença proferida pelo tribunal a quo, vem da mesma recorrer, impugnando, igualmente, a decisão relativa à matéria de facto;
2. Considera-se que devem ser alterados, e dados como não provados nos termos sobreditos, os factos acima descritos e vertidos em 1), nos pontos i), ii), iii), iv), v), vi), vii), viii) e ix) da factualidade dada como provada, correspondentes aos Factos 13), 18), 19), 21), 27), 50), 51), 60), 67), 70), 71), 99) a 114);
3. Considera-se que devem ser dados como provados os factos acima descritos e vertidos em 2), Pontos i) e ii) factualidade dada como não provada, correspondentes às alíneas i) e j);
4. Considera-se que devem ser aditados, devendo ser dado como matéria assente, os factos acima descritos e vertidos em 3), que se assinalam como alíneas a) a g);
5. Decidiu o Tribunal a quo que a Ré incorreu em responsabilidade civil, por factos ilícitos (extracontratual), decorrente de violação do disposto no artigo 227.º do Código Civil, devendo responder pelos prejuízos patrimoniais e danos morais sofridos pelos 2.º, 3.º e 4.º Autores, na sequência da recusa de financiamento bancária.
Contudo,
6. A 1.ª Autora e a Recorrente iniciaram negociações tendentes ao financiamento global pretendido pela primeira para aquisição de dois imóveis, em Coimbra, cujos valores foram sendo financiados em função das necessidades e da capacidade financeira dos mesmos, salvaguardando os interesses de ambas as partes e o risco envolvido.
7. A perspectiva e objectivo da 1.ª Autora para o negócio pressupunham a alienação dos imóveis a adquirir num curto espaco de tempo, considerando o potencial comercial dos mesmos e a existência de compradores “apalavrados”.
Assim,
8. A Recorrente financiou a 1.ª Autora, através do crédito concedido à sociedade Excelbloco, Lda. (garantido pelo penhor sobre o Depósito a Prazo melhor identificado nos autos da titularidade desta sociedade) e do crédito à 1.ª Autora [garantido pelo penhor sobre o Depósito a Prazo titulado pelos 2.º e 3.º Autores – Factos Provados 9) e 11)], permanecendo por aprovar o valor de € 700.000,00 (mais tarde, viria a verificar-se necessitarem os Autores de € 800.000,00 – Cfr. Documento n.º 7, página 4 – e-mail de 18/12/2018 – da Contestação).
9. Tais propostas, sujeitas e submetidas a análise e aprovação superior hierárquica da Recorrente - o que era do conhecimento dos Autores – tratavam-se de operações distintas (e não de uma só operação no valor global), atentas as garantias envolvidas.
10. A operação de financiamento no valor de € 700.000,00 (garantida por aval do 2.º e 4.º Autores, acabou por não ser aceite, atento o risco envolvido face ao valor em causa e garantia prestada, em cumprimento das obrigações bancárias a que a Recorrente está vinculada.
11. Porém, e por forma a reapreciar a aludida proposta de financiamento, solicitou, para o efeito, elementos adicionais (aumento de capital social da 1.ª Autora e reforço de garantias – hipoteca sobre um dos imóveis a adquirir),
12. No decorrer deste processo, e nos seus vários momentos, a Recorrente sempre foi informando os Autores dos desenvolvimentos e contingências das referidas propostas, advertindo das necessidades que se impunham por forma a poder acompanhar comercialmente a Cliente (1.ª Autora) na concretização do seu negócio, comunicando as razões que justificaram a recusa do financiamento no valor de € 700.000,00 garantido pelo aval do 2.º e 4.º Autores [Cfr. Impugnação à matéria de facto – Pontos 1), 2) e 3)]
13. Desta forma, e porque a concessão de crédito implica a reunião de um conjunto de critérios comerciais, resultando de uma análise que pretende salvaguardar os interesses das partes envolvidas (atendendo à capacidade de endividamento e à avaliação prévia do risco associado às respectivas operações), a Recorrente submeteu novamente para análise e aprovação superior tal financiamento, coadjuvado de novos elementos (aumento de capital da 1.ª Autora e reforço de garantias) que lhe permitiriam nova análise de risco.
14. No entanto, entendeu a Recorrente não estarem reunidas as condições para a concessão do financiamento proposto face aos elementos disponíveis, o que foi comunicado por carta e telefonicamente aos Autores.
15. A fraca capacidade / autonomia financeira da 1.º Autora (não obstante o aumento de capital, com recurso a financiamento junto da Recorrente) e a inexistência de actividade, aliadas à ausência de um plano de viabilidade do negócio “projectado” (que permitisse à Recorrente perceber como seria feito o retorno do seu investimento naquele negócio, inexistindo projectos aprovados, licenças) não foram novidade para os 2.º e 4.º Autores – o que de resto, se mostra espelhado nos financiamentos supra indicados concedidos com o risco mitigado pelas garantias associadas e na necessidade da 1.ª Autora financiar-se junto da Recorrente para realizar o aludido aumento de capital.
16. Sendo importante salientar que quem financia tem de conhecer e avaliar o risco do seu investimento, o que implicaria a informação concreta do destino para que ele está desenhado – o que não sucedeu, pois, não obstante a apresentação de garantia hipotecária (cujo valor de avaliação era superior ao valor financiar) - a falta de elementos essenciais para aferir a viabilidade do projecto com os imóveis a adquirir e a simples informação dos Autores quanto aos potenciais interessados nos imóveis e cuja venda se esperava efectuar em “curto prazo” (sem qualquer sustentação técnica - o que decorre do Documento n.º 12, página 6 da Contestação – considerando a data em que foi enviado à Recorrente), foram, a par do sobredito, a razão para a recusa do financiamento.
17. Destaca-se que, a análise de crédito e a sua concessão (ou não) são apenas e só isso, não se garantindo ali aprovação de qualquer operação e cujas condições de financiamento (propostas ou a propor, como seu sendo o caso dos autos) podem ser ajustadas em cada momento.
18. E nessa medida, sabiam os Autores que todas as operações contratualizadas foram aceites pelos próprios, conhecendo e negociando as condições formalizadas, podendo, querendo e a qualquer momento, utilizar no negócio os capitais próprios de que dispunham ou avançar para o financiamento como o fizeram,
19. Não sendo a actuação da Recorrente de molde a criar nos Autores a convicção de que o crédito seria aprovado.
20. A Recorrente agiu lícita e irrepreensivelmente em todo o processo de financiamento (negociação/consulta prévia, submissão de propostas, financiamentos concedidos e recusado), observando os deveres de diligência, competência técnica e informação a que está adstricta (Artigos 73.º, 74.º e 75.º do Decreto-Lei n.º 298/92, de 31 de Dezembro - Regime Geral das Instituições de Crédito e Sociedade Financeiras),
21. Cumprindo para com a 1.ª Autora a prestação que lhe cabia (nos financiamentos concedidos) e esgotando as suas obrigações de mutuante no âmbito da proposta de financiamento recusada (3.ª tranche), não estando obrigada a cumprir qualquer “dever contratual” de aprovar financiamentos para além dos limites razoáveis do seu risco, e recusando legitimamente, e com base em critérios racionais, objectivos e justificados a mencionada proposta de crédito no valor de € 700.000,00.
22. Contrariamente à Sentença recorrida, a conduta da Recorrente não foi, pois, arbitrária e inesperada, mas antes fundamentada na análise de risco efectuada, e sempre mantendo com os Autores, desde a fase que antecedeu a apresentação das propostas de financiamento, informação actualizada, jamais induzindo nos Autores a confiança e expectativa razoável da sua aprovação (nem podia, atenta a hierarquia decisória a que está sujeita pelo Banco de Portugal), sendo a sua recusa (da 3.ª tranche) efectuada com legitima justificação,
23. Não podiam, assim, os Autores criar uma razoável confiança de concessão de financiamento, sem que demonstrassem reunir capacidade financeira para tal, munindo a Recorrente dos elementos necessários para a apreciação da concessão de crédito.
24. A Ré protegeu correctamente como podia (e devia) os interesses dos Autores, nunca deixando que acreditassem que, submetida a proposta a aprovação, a decisão de aceitação do financiamento era “certa” para que o negócio se concretizasse como pretendido pelos Autores,
25. De resto, não foi demonstrado pelos Autores veementemente tal circunstância – artigo 342.º do Código Civil (não podendo, para tanto, a Sentença recorrida basear-se nas declarações de parte do 2.º e 4.º Autor sem suporte de outra prova complementar).
26. Decidir como decidiu a Sentença recorrida, é entender que a Recorrente está obrigada a financiar para além dos limites razoáveis do seu risco, a observar em função de cada operação concreta, o que não se aceita.
27. Não se aceitando, igualmente, que o facto do valor da avaliação de um dos imóveis ser superior ao valor de que os Autores ainda necessitavam para adquirir ambos os prédios, seria uma das razões apontadas ma Sentença em crise para a Recorrente não recusar o financiamento, pois que o valor de avaliação de um imóvel é um (dos vários) indicador auxiliar na análise de risco, porém, não impõe a sua suficiência para efeitos de determinação da idoneidade da garantia prestada (ou a prestar),
28. Ora, a Recorrente quando financia espera ser ressarcida do investimento que faz, pois vende dinheiro e não vende imóveis,
Pelo que,
29. sustentar, como fez o Tribunal a quo, que a Recorrente teria de receber a propriedade do imóvel em questão por conta do valor da sua avaliação superior ao valor a financiar, é legalmente descabido (ex vi Artigo 837.º Código Civil (pagando-se, quem sabe, da quantia exequenda dentro das forças de tal avaliação), é imputando à Recorrente a obrigação de financiar para além do risco que pode e deve assumir, em total subversão das regras da prudência e legais a que está adstricta.
Mais,
30. À semelhança do valor de avaliação e do reforço de garantias, e a par deste indicador, a Recorrente aliçerçou (para fundamentar a análise de risco) a reapreciação da proposta de crédito no valor de € 700.000,00 no aumento de capital da 1.ª Autora, contudo, e não obstante tais novos elementos, mas perante a ausência do plano de viabilidade do negócio e a autonomia financeira reduzida da 1.ª Autora, decidiu não efectuar tal investimento,
31. O pedido de aumento de capital da 1.ª Autora e o reforço de garantia (hipotecária) representaram um dos vários indicadores de análise de crédito/risco no decorrer do acompanhamento regular do processo de financiamento, advertindo-se os Autores das várias contingências e da necessidade de adequar as propostas, alterando e propondo o que foi possível, para salvaguarda dos interesses de ambas as partes e
32. Nessa medida, observado o procedimento comercial habitual em qualquer processo de financiamento e transversal ao sector bancário, em cumprimento das normas regulamentares que a vinculam, o que não consubstancia uma conduta discricionária, e, consequentemente, violadora do dever de lealdade, sequer “condição da aprovação definitiva do financiamento”, susceptível de ter criado qualquer confiança nos Autores.
33. Não colhe a Jurisprudência aportada na sentença recorrida (para sustentação jurídica dos factos que o Tribunal a quo entende terem sido provados e não provados), na medida em que ali – contrariamente ao caso destes autos - “as negociações atingiram acordo sobre todos os pontos do negócio tido em vista e sendo injustificada a recusa de o celebrar …”, por ter ficado provado, para o que aqui releva, que (Ponto 15.º) “Na reunião de 29 de Dezembro de 2004, a autora e a ré encerraram, com sucesso, as negociações para a compra e venda do prédio urbano da segunda, fixando definitivamente o conteúdo das cláusulas a inserir nos documentos que haveriam de formalizar o negócio (resposta ao quesito 10º)” – Cfr. Acórdão do Supremo Tribunal de Justiça, de 31/03/2011 (Processo n.º 3682/05.3TVLSB.L1.S1 - (sublinhado nosso);
34. O que não tem, como demonstrado, qualquer semelhança com o caso em apreço, recusando legitimamente, e com base em critérios racionais, objectivos e justificados a mencionada proposta de crédito, do que foi dado conhecimento à 1.ª Autora (Cfr. Documento n.º 9 e 11 da Contestação) e 2.º Autor.
35. Radicando a razão de ser do artigo 227.º do Código Civil na tutela da confiança e da expectativa criada entre as partes, na fase pré-contratual de um negócio, assegurada pela imposição de comportamentos que devem ser conformes à boa-fé, abrangendo, assim, a fase negociatória que decorre desde o início dos contactos e das negociações até à obtenção de acordo sobre todas as condições e termos tidos como relevantes (incluindo, portanto, a aceitação da proposta contratual) e a fase da perfeição e execução do acordo conseguido que inclui a formalização (se não bastar o mero consenso das partes) e cumprimento do contrato.
36. Na verdade, a relação pré-contratual criada com os contactos e negociações entre as partes e os deveres (integrados nessa relação) de elas se comportarem com lealdade e boa-fé implicam que, se no decurso das negociações uma das partes faz surgir na outra confiança razoável de que o contrato que se negoceia será concluído e, posteriormente, interrompe as negociações ou recusa a conclusão do contrato sem justo motivo, fica obrigada a reparar os danos sofridos pela outra parte com a dita ruptura.
37. Cujos pressupostos são a criação de uma razoável confiança na conclusão do contrato; o carácter injustificado da ruptura das conversações ou negociações; a produção de um dano no património de uma das partes; e a relação de causalidade entre este dano e a confiança suscitada – Cfr. Artigo 227.º do Código Civil.
Com efeito,
38. Demonstrou-se que a 1.ª Autora pôde prosseguir o seu interesse legítimo através da conclusão do contrato definitivo, porquanto o 2.º e 4.º Autores obtiveram financiamentos junto de outras instituição de crédito [provando-se que os Autores trabalhavam com várias entidades bancárias nacionais e ali possuindo património (a par do que detinham junto da Recorrente)], resultando que claramente não estavam dependentes da Recorrente para satisfazer a sua necessidade de financiamento.
39. Sendo relevante que, se mais nenhuma entidade bancária financiou a 1.ª Autora naquelas circunstâncias de tempo e lugar (pois os financiamentos para conclusão do negócio foram obtidos pelos 2.º e 4.º Autores), só demonstra que a análise de risco da Recorrente foi proporcional, igualitária e adequada.
40. Arredando, pois, qualquer responsabilidade da Recorrente pelos alegados danos patrimoniais sofridos (em que foi condenada parcialmente a Recorrente), na medida em que não se verifica qualquer nexo de causalidade entre a sua conduta e os alegados danos,
41. A recusa da Recorrente em continuar o fornecimento de crédito (aprovando a proposta pedida pelos Autores no valor de € 700.000,00) constitui uma prática normal de prudência bancária, um exercício de direito, uma vez existirem indícios de risco na operação proposta,
42. Não incumbindo à Recorrente, como erradamente resulta da Sentença recorrida, financiar a 1.ª Autora “nos termos por esta pretendidos”, mesmo perante as contingências assinaladas e provadas, o que redundaria em escolher deliberadamente correr riscos, conduta que lhe está vedada pelas normas regulamentares e de supervisão do Banco de Portugal respeitantes à análise de crédito (entre as quais se salientam o de avaliar o risco da concessão de crédito, devendo as instituições bancárias adoptar mecanismos para diminuir risco de crédito, risco de mercado, risco operacional e o risco de liquidação).
43. “As instituições apenas devem conceder o crédito – ou, sendo o caso, aumentar o montante total do crédito – se resultar da avaliação da solvabilidade que é provável que o cliente bancário cumpra as obrigações decorrentes do contrato de crédito.
Caso seja recusada a concessão do crédito ou o aumento do montante total do crédito com base na avaliação da solvabilidade, a instituição deve, sem demora injustificada, informar o cliente bancário desse facto.
A instituição apenas está obrigada a informar o cliente das razões da recusa do crédito quando tal seja motivado pela informação que consultou acerca do cliente nas bases de dados de responsabilidades de crédito.
Ainda que o resultado da avaliação da solvabilidade seja positivo, a instituição de crédito não está obrigada a conceder o crédito ou a aumentar o montante total do crédito.” – Cfr. https://clientebancario.bportugal.pt/pt-pt/avaliacao-da-solvabilidade
44. A relação bancária dita, pois, que os bancos sejam obrigados a controlar o risco de crédito do seu cliente, e adaptá-lo à solvabilidade do mesmo, aos riscos do mercado e à situação global da economia, sendo dever legal e prudencial do banco (e não apenas um direito contratual) não conceder crédito para além da capacidade de solvabilidade do seu cliente.
45. Fica, assim, afastada a verificação (cumulativa) dos requisitos determinantes da responsabilidade pré-contratual da Recorrente para com os Autores, a saber: a ilicitude - consubstanciada na própria arbitrariedade do rompimento e violação do dever de lealdade nos termos acima indicados em infracção do disposto no citado artigo 227.º, n.º 1 do Código Civil, e a culpa, baseada no juízo de censura e de reprovação da conduta negocial da Recorrente, concluindo-se pela conduta conduta ilícita da Recorrente, nos termos dos artigos 483.º e 799.º do Código Civil.
46. Importando ressalvar toda a factualidade impugnada e cujo ónus recaía sobre os Autores (artigo 342.º do Código Civil).
47. Revelando os factos que cumpriu escrupulosamente os deveres a que está adstritcta, sendo
que também nenhuma responsabilidade lhe pode ser assacada pelo recusa esperada e justificada do financiamento no valor de € 700.000,00, agindo sem que lhe possa ser assacada qualquer culpa, não praticando qualquer facto ilícito, pautando o seu comportamento pelo escrupuloso cumprimento dos deveres que lhe assistem enquanto entidade bancária, regendo-se pelos usos, costumes e práticas bancárias vigentes
48. Os Autores sabiam, ou não podiam ignorar, que as propostas de financiamento, porque sujeitas a aprovação superior, não tinham assegurada a sua concessão, e por essa de razão, a Recorrente não pôde criar com a sua conduta qualquer certeza de aprovação junto dos 2.º e 4.º Autores - não sendo crível que tal pudesse ser anuído com um simples “que estava tudo bem, que o crédito estava aprovado”, desde que interpretado e valorado de acordo com a doutrina da impressão do destinatário (artigo 236.º, n.º 1 do Código Civil),
49. As alegadas perdas patrimoniais sofridas pelos 2.º e 3.º Autor foram uma consequência da expectativa que os mesmos criaram com base nos potenciais interessados (mas nunca demonstrados, de facto) para os imóveis, e não, como provado, decorrente de qualquer ilícito e/ou culpa da Recorrente
50. Não tendo sido a actuação da Recorrente a causa de quaisquer danos patrimoniais sofridos pelos 2.º, 3.º e 4.º Autores, correspondentes, respectivamente, aos juros e custos dos financiamentos que obtiveram junto do BCP, no valor de € 31.941,95 e juros, imposto de selo e despesas bancárias respeitantes ao crédito obtido junto do Banco Santander Totta, no valor de € 1.677,71, não se mostram reunidos os requisitos (cumulativos) necessários à efectivação da responsabilidade civil da Recorrente, previstos no artigo 483.º do Código Civil, porquanto agiu com a diligência que sempre lhe era exigível, não tendo cometido qualquer facto ilícito ou culposo.
51. O facto de a 1.ª Autora ter celebrado o contrato definitivo (com recurso a créditos obtidos
pelos 2.º e 4.º Autores junto das entidades acima indicadas – demonstrativo que a análise de risco da Recorrente foi adequada - outras entidades bancárias a quem pôde (desde sempre) recorrer face aos conhecimentos que tinha junto da banca), a ausência de prova por parte dos Autores que a Recorrente tenha agido visando dolosamente para prejudicá- la, determina a inexistência de relação directa, exclusiva ou absoluta entre a ausência de financiamento e o alegado dano ocorrido,
52. Fica, pois, demonstrado a inexistência de uma relação (necessária) de causa e efeito entre a conduta da Recorrente e os prejuízos invocados pelos Autores, pelo que a pretensão daqueles haverá que ser desatendida, nos termos e para os efeitos dos artigos artigo 342.º, n.º 1, 483.º, 487.º, n.º 1 e 563.º, 798.º e 799, n.º 2 do Código Civil.
53. Igualmente, não se aceita que a conduta da Recorrente tenha sido causa para os danos morais sofridos pelos 2.º, 3.º e 4.º Autores, e, nessa medida, nenhuma quantia deveria ser fixada como o foi na Sentença recorrida, porquanto não existe facto ilícito, não foram demonstrados danos não patrimoniais alegadamente sofridos pelos aludidos Autores, nem, consequentemente, a sua causalidade com a conduta da Recorrente, em face do exposto em sede de impugnação da decisão sobre a matéria de facto [Factos 99 a 114) da matéria assente], bem como as circunstâncias fácticas que resultaram provadas, não assumirem, no caso concreto, uma gravidade que mereça a tutela do direito.
54. Atento o expendido em I., 1), 2) e 3) da Impugnação à matéria de facto, entende-se como razoável que a espera de uma decisão para a obtenção de crédito, a sua recusa e a busca de alternativa a esse financiamento possa causar receio e aflição aos Autores em causa 55. Porém, esse receio não é imputável a qualquer actuação da Recorrente, mas, sim, aos 2.º e 4.º Autores, na medida em que a expectativa que os Autores tinham de adquirir os imóveis e de obter o financiamento “nos termos pretendidos” não resultou de qualquer actuação da Recorrente, não só porque a Recorrente não tinha qualquer obrigação contratual derivada do negócio da 1.ª Autora com os promitentes-vendedores, como as garantias de penhor sobre os Depósitos a Prazo dos 2.º e 3.º Autores foram constituídas para as operações contratualizadas e livremente aceites pelos próprios, conhecendo e negociando as condições formalizadas,
56. Importando salientar que a 1.ª Autora assinou o contrato-prometido para aquisição dos imóveis sem existir ainda qualquer decisão tomada pela Recorrente quanto o financiamento solicitado (e em aprovação) – Cfr. Documento n.º 7 da Contestação,
57. De resto, e como decorre do referido em ix) quanto ao Factos Provados 70), 71 e 112) da matéria assente (cuja prova foi extraída do Documento n.º 23 da Petição Inicial), não se verificou o nexo de causalidade para a necessária imputação que decorre da Sentença recorrida quanto aos danos morais sofridos pelo 4.º Autor em virtude dos financiamentos obtidos junto de familiares e amigos (testemunhas DD e EE), no valor de € 200.000,00, e cuja prova se impunha aos Autores a prova (artigo 342.º Código Civil),
58. Inexistindo prova documental que permitisse dar como provado tais factos (escritura pública legalmente exigida), conforme o disposto nos artigos 1142.º, 1143.º e 220.º, todos do Código Civil, verifica-se preterição de norma imperativa, não podendo dali decorrer qualquer condenação para a Recorrente.
Sem prescindir,
59. Não resulta da prova testemunhal considerada pelo Tribunal a quo que os danos sofridos pelos 2.º, 3.º e 4.º Autores [Factos Provados 99) a 115)] tenham sido graves - situando- se, sim, no plano dos normais transtornos e preocupações sentidos por qualquer pessoa (homem médio) colocado naquelas circunstâncias, sequer, em momento algum, de tal prova (amigos e familiares do 4.º Autor) se retira a existência de danos quanto aos 2.º e 3.º Autores, tão pouco subsumíveis ao artigo 496.º do Código Civil.
60. Colocando-se, temporalmente, tais sentimentos no período de pouco mais de uma semana, entre 21/01 e 28/01/2019 [Factos Provados 102) a 104)], concretizando-se o negócio com a celebração do contrato definitivo, logrando os 2.º e 4.º Autores a obtenção de financiamento junto de outras entidades bancárias [Facto Provado 67) a 71)]
61. Resultando somente da prova testemunhal produzida considerações genéricas, sem especificar, como se impunha, situações, circunstâncias por aqueles vividas que justificassem a decisão tomada, não assumindo gravidade relevante, consubstanciando situações normais decorrentes de uma situação de aguardar a tomada de decisão do seu pedido de financiamento
62. A recusa de financiamento, ainda que indesejável, não tem correspondência com uma efectiva situação de incumprimento contratual, não tendo sido inesperada e injustificada para os Autores, não sendo merecedoras da tutela do direito, nem causa atendível para qualquer compensação, que se entende deve ser totalmente revogada
63. Não se afigura, pois, que o comportamento da Recorrente seja merecedor de especial censura, resultando demonstrado que os próprios Autores quiseram acreditar que a proposta de financiamento “seria aprovada, na certa”, sem que a Recorrente tenha contribuído para tal,
64. Não se evidenciando, no caso em presença, os danos sofridos pelos 2.º, 3.º e 4.º Autores, e a fundamentação de Direito que resulta (a favor daqueles), da sentença recorrida, que mereçam a tutela do direito declarado na aludida sentença, que se entende dever ser totalmente revogada, atenta a desconformidade com os artigos 494.º e 496.º do Código Civil.
À cautela,
65. O montante arbitrado aos 2.º, 3.º e 4.º Autores a título de indemnização por danos não patrimoniais afigura-se manifestamente desajustado, por excessivo, atenta a factualidade julgada provada (e não provada) nos autos – nomeadamente, por terem obtido financiamentos junto de outras entidades bancárias, permitindo-lhes concluir o negócio em causa - e bem assim os critérios jurisprudenciais actualmente seguidos pela nossa jurisprudência para casos semelhantes ao vertente (e até mais graves)
66. Nessa medida, e considerando as exigências de tratamento igualitário de casos análogos, aos Autores jamais pode ser atribuído o quantum indemnizatório a título de danos não patrimoniais que se arbitrou e sem que a situação apurada se revista de gravidade atendível, deverá inevitavelmente, em qualquer caso e por cautela, ser revogada a Sentença.
67. O Tribunal a quo violou, assim, as seguintes disposições legais:
▪ Artigos 8.º, n.º 3, 227.º, 342.º, n.º 1; 483.º, n.º 1, 487.º, n.º 1, 496.º, n.º 1, 563.º, 798.º, 799.º, do Código Civil;
▪ Artigos 73.º, 74.º e 75.º do Decreto-Lei n.º 298/92, de 31 de Dezembro (Regime geral das Instituições de Crédito e Sociedades Financeiras),
▪ Artigo 607.º, n.º 5, do Código de Processo Civil.
Nestes termos, e nos demais de Direito que V. Exas. doutamente suprirão, deve ao presente recurso de apelação ser concedido provimento e, em consequência, ser revogada a Sentença recorrida, sendo substituída douto Acórdão que absolva a Recorrente de todos os pedidos contra si formulados, com todas as consequências legais, assim se fazendo a costumada JUSTIÇA!
*
Os AA também apelaram (req. de 03.12.2024), apresentando alegações com as seguintes conclusões:
I. A sentença de que se recorre julgou o pedido formulado pela primeira recorrente totalmente improcedente, no pressuposto de que a conduta do recorrido descrita nos fatos provados não lhe provocou quaisquer tipos de danos, tendo os pedidos dos restantes sido julgados parcialmente procedentes.
II. Na sua decisão o Tribunal “a quo” omitiu os factos alegados nos artigos 58º,59º, e 66º, da petição inicial que, não se tratando de matéria de direito ou conclusiva, deveriam ser dados por assentes: a matéria do artigo 58º decorre do que resultou provado sob os pontos 42 e 43; já o alegado no artigo 59º, decorre inequívoco da conjugação dos documentos 12, 7 e 23, juntos à p.i.; e o alegado o artigo 66º decorre igualmente dos documentos 2 e 10º juntos à p.i., afigurando-se importante para os cálculos dados como provados nos pontos 94.. 95. e 96.
III. A prova gravada impunha outra decisão quantos aos factos dados por não provados nas alíneas a), b) e h):
IV. Quanto à alínea h) os correspondentes factos, alegados nos artigos 180º e 181º da p.i. deveriam ter sido dados por provados ainda que parcialmente em face da declaração de parte do recorrente AA, que de forma espontânea descreveu que desde a recusa de financiamento não mantém com a esposa um “bom relacionamento por causa desse início (…)”, evidenciando dessa forma as sequelas provocadas no seio familiar.
V. Já as declarações prestadas pelas partes e pela testemunha FF à luz das regras da experiência comum e da conjugação do que ficou demonstrado relativamente à alteração de planos face à recusa repentina de financiamento, impunham necessariamente que os factos constantes das alíneas a) e b) da sentença fossem dadas por assentes, por reporte ao momento em que foram alegadas (dezembro de 2021)
VI. Com efeito, não se compreende como é que o Tribunal “a quo” concluiu que o comportamento do Montepio Geral em recusar o financiamento à aquisição, a poucos dias da escritura de compra e venda, colocando fim a todo um processo pré-negocial que já decorria há quase seis meses – período durante o qual lhes foi continuamente alimentando a confiança, não originasse prejuízos na esfera da recorrente.
VII. Prejuízos esses que já se previam evidentes aquando da sua alegação nos artigos 119º a 125º da petição inicial, numa altura em que não eram ainda passíveis de liquidação, mas que o julgamento veio a revelar como efetivos, através das declarações de parte prestadas pelos segundo e terceiro recorrentes.
VIII. E que decorreram óbvios, do facto de a recorrente ser ver na obrigação de ter de canalizar capital próprio que tinha adstrito à execução dos projetos de urbanização e dotação de infraestruturas de uma parcela das propriedades adquiridas - para posterior revenda num negócio já previamente delineado e apalavrado - para a pagamento de dívidas a curto prazo decorrentes de empréstimos e encargos que tanto a própria como os seus sócios tiveram de contrair, apressadamente, de modo a cumprir os pagamentos parcelares do preço de aquisição dentro dos prazos a que se vinculou (pelo contrato-promessa), motivada pelo segurança de poder contar com um financiamento a essa aquisição que o próprio Montepio Geral se propôs conceder-lhe, dando-o como garantido desde a fase inicial das negociações, mas que a final veio a recusar, sem qualquer tipo de justificação, passados quase seis meses de o ter proposto e depois de satisfeitas todas as suas exigências.
IX. A privação do capital necessário à execução desse projeto determinou a sua paralisação, vendo-se a recorrente constrangida, numa primeira fase, aquando da propositura da ação, a ter de vender os terrenos sem qualquer tipo infraestruturas (ou seja, conforme os comprou), antevendo um prejuízo na ordem dos 600.000,00 €/700.000,00 €.
X. O que na prática veio a ocorrer, já que, de acordo com as declarações de parte produzidas em audiência, para conseguir colmatar a falta de liquidez para as infraestruturas, a recorrente sujeitou-se a um parceiro que veio a financiar tanto o projeto urbanístico como a beneficiação com infraestruturas, situação que minimizando os prejuízos não os eliminou por completo.
XI. E esses prejuízos decorrem como causa e são efeito direto, da recusa da recorrida em conceder o financiamento para aquisição dos imóveis, nos termos e pelo prazos por ela própria propostos e assegurados desde sempre e que foram determinantes, na ponderação e elaboração do projeto de negócio que os recorrentes traçaram para aqueles imóveis.
XII. E impõem que na sentença, se deem como provados os fatos alegados na petição inicial nos artigos 122º e 129º e se eliminem os que não o foram sob as alíneas a) e b).
XIII. Se o Tribunal “a quo” esteve bem ao concluir que efetivamente o recorrido, com a conduta descrita violou o preceituado no artigo 227, nº 1, o C.C., por ter faltado ao dever de lealdade, já não esteve assim tão bem na ponderação dos demais deveres violados e das consequências dessa sua conduta ilícita.
XIV. É que para além da deslealdade, que culminou na rutura injustificada das negociações, a conduta do recorrido dada como assente, é também suscetível de violar os deveres de informação – por falta de verdade ou de exatidão nos esclarecimentos essenciais, necessários à tomada de decisão de contratar aquando da proposta de financiamento (que levaram os recorrentes a alterar os seus planos iniciais de financiamento à aquisição das propriedades, optando pelo financiamento bancário, junto da recorrida) e por total falta de verdade nas informações prestadas ao longo de toda a fase pré-negocial, incutindo-lhes e alimentando-lhes a confiança na concessão desse financiamento que a própria lhe propôs - e os deveres de proteção – induzindo-os, com base na expetativa séria que lhe incutiram na concessão no financiamento, desde o início, a tomar decisões e a praticar atos provisórios (como a emissão de livranças e o resgate de poupanças) que, a final, se vieram a mostrar prejudiciais e lesivos dos seus interesses patrimoniais.
XV. A violação destes deveres de atuação que impendiam sobre recorrido em toda a fase pré-negocial e preparatória do contrato de financiamento, fá-lo incorrer na responsabilidade “in contrahendo” prevista no artigo 227º, do C.C., obrigando-o a reparar os lesados, aqui recorrentes, dos danos causados, não só pelo interesse negativo (os resultantes de ter defraudado a legitima confiança e expetativas de financiamento que lhes incutiu ao longo de toda a fase negocial do contrato) como também pelo interesse contratual positivo (ou seja pelos danos que não ocorreriam se o financiamento em causa tivesse sido concedido nos termos e nos prazos previstos).
XVI. O Interesse contratual negativo fica reposto com a indemnização de todos os danos que decorreram para os recorrentes na fase preliminar das negociações respeitantes ao financiamento pretendido e garantido no balcão de Pombal da recorrida, consistindo este no “financiamento de 2.700.000,00 €, de três a cinco anos, com carência de capital”.
XVII. E esse financiamento não foi pedido em tranches nem se estipulou ser aprovado faseadamente, muito menos por intermédio de descontos com livranças emitidas provisoriamente “para avanço de tesouraria” e pelo prazo de apenas um ano.
XVIII. Conforme decorre provado, a emissão de tais livranças foi a solução encontrada, para, relativamente às duas primeiras e na falta ainda de decisão formal quanto à concessão do financiamento pretendido (ao contrário das expetativas incutidas), que os recorrentes conseguissem cumprir o negócio de aquisição das propriedades e, relativamente à terceira para permitir a realização do aumento de capital social da primeira recorrente, exigido pelo Banco, apenas quatro meses após o início das negociações.
XIX. De resto, não pode deixar de se concluir que, com essas livranças o recorrido acabou por nada financiar aos recorrentes, ao contrário do que é o entendimento plasmado na decisão. Na prática, o Banco apenas se colocou como um “intermediário” da operações financeiras, tituladas por essas livranças, debitando as suas comissões, juros e impostos a elas inerentes, sendo que os verdadeiros financiadores dos capitais por elas titulados, relativamente à primeira, a Sociedade Excelbloco, L.da e relativamente às demais, os recorrentes AA e esposa, que ficaram com os seus capitais próprios cativos de garantia. Ou seja dinheiro garantiu-se com dinheiro, com rendimentos a favor do recorrido que ficou isento de qualquer risco.
XX. Tais livranças, cuja emissão conforme decorre provado partiu de proposta do próprio Banco, refletem exatamente a violação do dever de proteção (acima referido) que sobre ele impendia, não apenas dos recorrentes, como também da própria Excelbloco, L.da que, nada tendo a ver com o financiamento nem com o negócio de aquisição a que aquele se destinara, viu os seus capitais cativos, a conselho do recorrido e como forma de “remendar” a primeira falha emergente: a não aprovação e disponibilização do crédito a tempo dos recorrentes poderem cumprir os prazos e valores previstos para a aquisição das propriedades, conforme lhes tinha sido assegurado (ponto 27. dos factos provados).
XXI. Não pode assim merecer apoio o entendimento plasmado na douta sentença ao considerar apenas como “causais do facto ilícito da Ré os danos patrimoniais sofridos na decorrência da falta de financiamento da 3ª tranche do empréstimo, recusada em Janeiro de 2019” afastando dessa forma a ressarcibilidade dos valores peticionados relacionados com os custos das livranças que, segundo é lá referido “a A. sempre teria de suportar ainda que a R. tivesse financiado o valor final de 700.000,00”.
XXII. Tendo tais livranças sido emitidas por sugestão do recorrido, durante a fase preliminar de negociações e provisórias com o intuito único de sanar as consequências da demora na emissão formal da concessão do financiamento global, faze ao que se havia comprometido, deverá a recorrente ser ressarcida dos respetivos custos e dos juros que com elas suportou, assim como dos custos de avaliação do terreno, no valor liquidado na ação e peticionado de 50.391,41 €, acrescido dos juros de mora desde a citação até pagamento.
XXIII. Já relativamente ao interesse contratual positivo, e resultando provado como acima se pede, que em consequência da conduta do Recorrido, a recorrente deixou de auferir os lucros que antevia caso o financiamento fosse concedido nos termos previstos e garantidos, deverá aquele ser igualmente condenado no prejuízo correspondente, a ser determinado em sede de incidente de liquidação, conforme se pede na p.i.
XXIV. Relativamente aos segundos recorrentes, resultou provado que das aplicações que mantinham no Montepio em Cabo Verde esperariam em três anos um rendimento de 37.311,45 € e ainda que, resgatadas e trazido o respetivo capital para o Montepio em Portugal, tal capital apenas lhes rendeu 4.732,09 €, ficando consequentemente prejudicados no valor de 32.579,36 €, peticionado na ação.
XXV. Mostrando-se a sentença totalmente omissa relativamente a esse pedido, mas tendo aquele prejuízo resultado igualmente da conduta ilícita da recorrida, impõe-se também a condenação na indemnização desse valor, acrescido de juros desde a citação para a ação até integral e efetivo pagamento.
XXVI. Na sentença, o Tribunal “a quo”, sem qualquer justificação, omitiu igualmente da condenação a título de danos patrimoniais, os juros relativamente a eles peticionados, desde a citação para a ação até integral e efetivo pagamento. Não havendo motivo que justifique a não condenação em juros e estando os mesmos legalmente previstos, deverá o dispositivo da sentença ser retificado no sentido de fazer acrescer às indemnizações já fixadas para os danos patrimoniais, os correspondentes juros, à taxa legal, conforme peticionado.
XXVII. Ao decidir como decidiu o Tribunal violou ou, pelo menos, fez incorreta interpretação das normas legais aplicáveis ao caso, nomeadamente, das normas constantes dos artigos 227º, 483º, 562º, 563º, 804º, 805º e 806º do C.C., artigos 413º, 406º, 607º, nº 4 e 5 e 609º, nº 2, do C.P.C. e ainda o artigo 77º, nº 1, do Regime Geral das Instituições de Crédito e Sociedades Financeiras.
Termos em que deve o presente recurso ser julgado procedente, fazendo-se dessa forma a costumada
JUSTIÇA.
*
A Ré apresentou contra-alegações ao recurso intentado pelos AA, com ampliação do objeto do recurso, concluindo da seguinte forma:
1. O Tribunal a quo andou bem ao não considerar como provados os factos alegados pelos Autores nos artigos 58.º, 59.º e 66.º da petição inicial.
2. Na mesma senda esteve ao dar como não provados os factos resultantes das alíneas a), b) e h), subsumíveis, respectivamente, aos artigos 119.º a 125.º, 180.º e 181.º da petição inicial,
3. Fez, assim, nessa parte, uma correcta aplicação dos factos ao Direito, não sendo merecedor de qualquer reparo.
Sem prejuízo, e caso assim não se entenda,
4. A título subsidiário: Da impugnação da matéria de facto, nos termos e para os efeitos do n.º 2 do artigo 636.º do Código de Processo Civil, em virtude do:
• Erro de julgamento constante da Sentença recorrida quanto aos Ponto 42) e 43) dos factos provados (relacionados pelos Autores/Recorrentes com os artigos 58.º e 59.º da petição inicial), importando que a expressão “provisório” e a frase “ainda apoiados na expectativa de se tratar de uma situação provisória,” sejam retiradas, pois:
a) Nada resultou provado no sentido de que, após as propostas de financiamento constantes do Documento n.º 7 da Contestação, tais valores seriam financiados a título provisório, na medida em que a provisoriedade terminou com a inexequibilidade das propostas de financiamentos suportadas por garantia bancária internacional a emitir pelo Banco Montepio Geral de Cabo Verde [Cfr. Pontos 34) e 40) dos Factos Provados],
b) Sem prejuízo de tratar-se de um valor global o pretendido pelos Autores, o financiamento resulta composto por várias operações (e não de uma operação no valor global) e foi sendo proposto, analisado e decidido com base nas garantias existentes, salvaguardando os interesses de ambas as partes e o risco envolvido, conforme resulta do Documento n.º 7 junto à Contestação.
c) A partir da inviabilidade das propostas de financiamentos acima referidas (envolvendo a mencionada garantia bancária internacional emitida pelo Banco Montepio Geral de Cabo Verde) – o que se deveu não só aos elevados custos inerentes à emissão da referida garantia bancária que seriam suportados pelo cliente e igualmente ponderado o risco financeiro e jurídico para o Grupo Montepio - e dado que a Apelada já se mostrava financiada (com a solução alternativa de garantir o valor a financiar com os depósitos a prazo, mobilizando-os para tanto, atenta a impraticabilidade da garantia bancária) em função das suas necessidades para o negócio,
d) Não se mostrava pendente qualquer decisão sobre o financiamento global pretendido pela Apelada no valor de € 2.700.000,00,
e) Tal resulta da prova documental (Cfr. Documento n.º 7 da Contestação), bem como alegado na Contestação no Ponto II – artigos 21.º a 24.º, 30.º, 32.º a 50.º),
f) E corroborado pela prova testemunhal produzida (GG, aos minutos 10:35 a 11:03; 11:03 a 14:55; 15:01 a 15:10; 15:15 a 16:05; 16:14 a 17:46; 17:50 a 19:09; 24:15 a 24:31, 28:00 a 33:50; 34:30 a 35:16; 38:25 a 39:40; 39:41 a 41:25; 48:00 a 48:50; 49:00 - em declarações prestadas em 14/03/2024 no período de 15:39 a 16:37, bem como HH, aos minutos 06:37 a 08:01; 8:20 a 10:49 - em declarações prestadas em 14/03/2024 no período de 16:38 a 17:07) e II (aos minutos 17:33 a 18:57, em declarações prestadas em 14/03/2024, no período entre 09:54 - 10:45),
g) Não se retirando da prova produzida nos autos qualquer financiamento temporário no sentido atribuído pelos Recorrentes e pela Sentença recorrida,
Dado que,
h) Mostrando-se a 1.ª Autora mutuada no sinal e reforço de sinal do contrato-promessa de compra e venda, concretizando, dessa forma e até então, o pagamento dos valores acordados para o negócio de acordo com o contrato-promessa de compra e venda no montante de € 2.000.000,00 através de operações (e não uma única) totalmente garantidas pelo penhor sobre os depósitos a prazo,
i) Apenas permanecia, em análise e para aprovação superior, a operação de € 700.000,00, com garantia pessoal (aval) prestada pelos 2.º, 3.º e 4.º Autores - operação essa recusada e que, após reanálise de risco/crédito da Ré (alicerçada em novos indicadores financeiros: garantia hipotecária e aumento do capital social da 1.ª Autora), foi superiormente rejeitada, dando origem ao presente litígio – Cfr. Documento n.º 7, páginas 3 e 4,
j) O que importará, contrariamente à decisão sobre a matéria de facto da Sentença recorrida, que tais factos e Pontos 42) e 43) – nas partes sobreditas – sejam retiradas, atenta a contradição do que consta da matéria assente, da documentação de suporte à mesma e à inexistência de qualquer prova testemunhal produzida nesse sentido.
• Erro de julgamento constante da Sentença recorrida quanto aos Ponto 91) a 93) dos factos provados (relacionados pelos Autores/Recorrentes com o artigo 122.º da petição inicial), impondo-se a alteração à decisão da matéria de facto quanto aos Pontos 91), 92) e 93), passando a constar dos Factos Não Provados, porquanto
a) Mal andou a Sentença recorrida ao decidir que “Os factos 91 a 93 assim se consideraram em face dos depoimentos conjugados das testemunhas JJ e KK com as declarações de parte dos AA.” na medida em que tal factualidade não se mostra sequer aflorada nos depoimentos das testemunhas LL e MM,
b) Apenas sendo referida em declarações de parte dos 2.º e 4.º Autores.
c) Da prova testemunhal não foi feita alusão aos Pontos 90) a 93) dos Factos Provados, no sentido de os valores dos financiamentos/empréstimos referidos terem sido pagos pela Apelada “com o produto da venda de património imobiliário que entretanto foi realizando.” e que era sua intenção aplicá-los “nos custos da urbanização e obras de infraestruturas dos imóveis”;
d) Inclusivamente, nenhuma questão foi colocada pela Meritíssima Juiz a quo e/ou pelos Mandatários das partes quanto a essa questão, como se poderá verificar pela audição integral dos depoimentos,
e) Sublinhe-se a ausência de qualquer prova feita pelos Recorrentes da existência do alegado “património imobiliário”,
f) Desconhecendo-se, pois, como é que tais factos efectivamente se concretizaram na versão dada pelos mesmos – o que se lhes impunha por força do artigo 342.º do Código Civil)
g) Impõe-se particular cautela na valoração das declarações de parte, porquanto, e passe-se a redundância, a parte é parcial, sendo que o interesse daquela é manipular, distorcer e apresentar “a sua verdade”, a sua versão dos acontecimentos.
h) As declarações de parte não são suficientes para estabelecer, por si só, qualquer juízo de aceitabilidade final, podendo apenas coadjuvar a prova de um facto desde que em conjugação com outros elementos de prova.
i) Os quais, no caso dos presentes autos, e contrariamente ao decidido, foram absolutamente ausentes,
j) Pelo que, importa decisão diversa da que ora se recorre, em face dos meios de prova existentes no processo, apreciados na sua globalidade e à luz do princípio da livre apreciação da prova.
Termos em que, e nos melhores de Direito que V. Exas. doutamente suprirão, deve ser negado provimento ao recurso interposto, confirmando V. Exas. A decisão recorrida quanto à matéria ora objecto de recurso, tudo com as respectivas consequências legais, assim fazendo a costumada
JUSTIÇA!
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Os AA também responderam ao recurso da Ré, concluindo que:
“Deve consequentemente, ser julgado totalmente improcedente o recurso interposto pela Caixa Económica Montepio Geral, mantendo-se inalterada a decisão quanto à matéria de facto decidida e a consequente decisão de direito.”
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Os recursos foram admitidos como apelações, com subida imediata, nos próprios autos e com efeito devolutivo.
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Colhidos os vistos legais, cumpre decidir:
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II -OBJETO DOS RECURSOS:
Segundo as conclusões dos recursos, as quais definem o respetivo objeto, as questões a apreciar são as seguintes: Recurso dos AA:
- Impugnação da decisão sobre a matéria de facto (com ampliação do objeto do recurso apresentada nas contra-alegações);
- Reapreciação do mérito da causa. Recurso da Ré:
- Impugnação da decisão sobre a matéria de facto;
- Reapreciação do mérito da causa.
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III -FUNDAMENTAÇÃO DE FACTO:
A 1ª instância considerou provada a seguinte factualidade:
1. A primeira autora dedica-se à actividade de compra, venda, permuta e revenda de imóveis e à construção civil para venda e arrendamento (cfr. Doc. 1 da PI)
2. Sendo o seu capital social detido, em partes iguais, pelos segundos (através de quota titulada pelo marido) e terceiro autores e a sua gerência exercida pelo segundo autor marido (doc. 1)
3. A ré, dedica-se à actividade bancária em termos gerais.
4. Sensivelmente em Agosto de 2018, surgiu à primeira autora uma oportunidade de negócio de compra de dois imóveis mistos, conhecidos por “...” e “...”, contíguos entre si, sitos na freguesia de Santo António dos Olivais, em plena cidade de Coimbra,
5. Dada a potencialidade comercial de tais propriedades e os valores envolvidos, o negócio revelou-se promissor e os sócios da Valores Diferentes, L.da ponderaram avançar para a sua concretização.
6. O seu preço era de 2.650.000,00 €, e o objectivo da aquisição era o de urbanizar, beneficiar com infra-estruturas, e posteriormente vender.
7. Nessa altura os segundos autores, detinham em aplicações financeiras, a título pessoal, quase todo o capital necessário à aquisição, que ponderaram, numa primeira abordagem, resgatar e emprestar à primeira autora para o efeito.
8. Desde 2005 que os segundos autores (AA e BB) mantinham relações bancárias com a ré, estabelecidas no seu balcão de Pombal, decorrentes da manutenção de vários contratos de depósito bancário e aplicações de activos financeiros.
9. Só a título pessoal, por essa altura (meados de 2018) tinham-lhe confiado o capital de cerca de 1.532,800,00 € que, por indicação do seu gerente de conta no balcão de Pombal, estava investido há vários anos em aplicações financeiras sedeadas no Montepio Geral Cabo Verde, empresa pertencente, a par com a ré, ao grupo Montepio Geral (doc. 2)
10. AA e BB eram, e são ainda, os únicos sócios e gerentes de uma outra sociedade comercial denominada “Exelbloco – Empreendimentos Imobiliários, L.da”, também sedeada em Coimbra, que mantinha igualmente boas relações bancárias com a ré, mediadas no mesmo balcão (doc. 3 -Certidão comercial permanente)
11. Em 2018 a exelbloco detinha também, titulados pelas contas bancarias nºs 124.15.006380-6 e 124.15.006439-0, dois depósitos a prazo, nos montantes respectivamente de 211.000,00 € e 289.000,00 €, totalmente desonerados, (doc. 4 – extracto bancário).
12. E a própria autora “Valores Diferentes, L.da” mantinha, desde 2012, depósitos bancários sedeados também nesse balcão da ré.
13. Em Agosto de 2018, os autores mencionaram junto desse balcão a intenção da Valores Diferentes, L.da realizar o negócio de compra daquelas propriedades nos termos acima referidos, e foi-lhes proposta, em nome da ré, a concessão do financiamento necessário a essa aquisição que seria aprovado, na certa, caso os segundos autores oferecessem como garantia o capital aplicado em Cabo Verde.
14. Tal solução, garantiram-lhes, permitia a manutenção, não só da aplicação do capital em Cabo Verde, como também a do respectivo rendimento.
15. Relativamente ao valor do financiamento que tais aplicações não fossem susceptíveis de garantir, estudar-se-iam outras soluções de garantia, quer patrimonial, quer pessoal.
16. Os autores ponderaram esta solução e, optaram por acolher a proposta da ré e recorrer ao financiamento bancário para aquisição dos imóveis.
17. Para fazer face ao respectivo preço (2.650.000,00€) e aos custos associados à aquisição (impostos, emolumentos, etc.), foi proposta pela ré a concessão de um financiamento total de 2.700,000,00 € (dois milhões e setecentos mil euros)
18. E tratando-se de prédios que se destinariam a urbanizar para posterior revenda, pretendia-se que o financiamento fosse de três a cinco anos, com carência de capital.
19. Para tal, os segundos e terceiro autores dispuseram-se, em representação da sociedade primeira autora e, também, em nome próprio, a conceder as garantias que se afigurassem necessárias e razoáveis, tanto reais como pessoais, para além dos referidos valores aplicados em Cabo Verde,
20. E o balcão de Pombal da ré comprometeu-se a, juntamente com a administração central, analisar a proposta e elaborar um estudo financeiro adequado ao tipo de operação pretendida, à melhor taxa de juro a aplicar, ao spread, e às demais garantias que seriam exigidas ao financiamento.
21. Tendo ficado de transmitir aos autores, em pouco dias, o resultado desse estudo e as garantias exigidas.
22. À ré foi facultada toda a informação solicitada relacionada com os imóveis para cuja aquisição o financiamento se destinava e esteve desde sempre a par do objectivo dessa aquisição.
23. Os autores avançaram com o negócio de aquisição dos imóveis supra referidos, agendando a celebração do prévio contrato-promessa de compra e venda para o dia 10 de Outubro de 2018, data em que esperariam, de acordo com o que o banco lhes transmitia, ter já em mãos o financiamento aprovado.
24. Por exigência dos vendedores, ficou logo estipulado que, com a assinatura da promessa, teria de ser prestado sinal no valor correspondente a pelo menos 18% do preço total, ou seja 477.000,00 €.
25. Sinal esse que, também por sua exigência, seria reforçado em mais 32% do valor da compra (848.000,00 €) em meados de Novembro de 2018.
26. Sendo que o restante valor do preço, no montante de 1.325.000,00 €, seria pago aquando da celebração do contrato definitivo, a ter lugar impreterivelmente durante o mês de Janeiro de 2019. 27. Todas as referidas datas e valores foram prontamente comunicados à ré, que nunca deixou de asseverar estar tudo bem encaminhado, que o financiamento seria aprovado nos moldes pretendidos e disponibilizado a tempo de a primeira autora os cumprir.
28. A data apalavrada para a celebração do contrato-promessa e prestação do referido sinal aproximou-se, sem que estivesse ainda formulada decisão definitiva quanto ao financiamento. 29. Pelo que no balcão da ré de Pombal foi proposto aos autores, com vista a avançar com o sinal da promessa, a concessão de um empréstimo a título provisório de 500.000,00 €, sob a modalidade de “desconto de livrança” à sociedade “Excelbloco, L.da”. 30. e cujo pagamento a mesma garantiria através dos seus depósitos a prazo nesse mesmo valor, sedeados naquele balcão, 31. Assim, para concretização dessa primeira parte do negócio de compra e venda, em 08/10/2018 foi aceite pela Excelbloco – Empreendimentos Imobiliários, L.da, uma livrança no valor de 500.000,00 €, com vencimento em 06/10/2019, garantida pelos depósitos a prazo de que era detentora (cfr. doc.s 5 e 4).
32. Desse valor, descontados os custos com a contratação, foi disponibilizado pela Ré o montante de 497.497.54 €, que a Excelbloco, L.da, veio a emprestar à primeira autora.
33. Contudo, no dia 03 de Outubro de 2018, do balcão de Pombal foi remetido ao segundo autor-marido um e-mail, dando-lhe conta das operações que estavam em aprovação para “completar o pedido de financiamento de 2.700,000,00 €” (doc. 6)
34. Segundo essa comunicação, para além da operação já então aprovada em nome da Exelbloco, L.da, estariam em aprovação duas outras operações de financiamento em nome da empresa “Valores Diferentes, L.da”, que lhe permitiriam cumprir os termos do contrato-promessa cuja data já estava marcada para ser assinado (doc. 6):
a. A primeira, no montante de 1.500.000,00€ através da modalidade de “Abertura de Crédito de Tesouraria C/C” a contratar até 10/11/2018, a uma taxa de juro diferencial de 0,35% relativamente à taxa média das aplicações detidas no Banco Montepio de Cabo Verde, mediante a emissão de uma garantia bancária de igual valor a emitir por este banco.
b. A segunda, no montante de 700,000,00 €, através do desconto de livrança a contratar até 10/01/2019 pelo prazo de até um ano com uma taxa de juro indexada a Euribor a seis meses acrescida de spread de 1,95 %, garantida pelo aval pessoal dos sócios e cônjuges.
35. Em simultâneo, por esta altura e também por sugestão e intermédio do balcão de Pombal do Montepio Geral e já com o propósito de garantir o financiamento em estudo, no dia 05/10/2018 parte do capital detido pelos segundos autores no Banco Montepio de Cabo Verde foi reconduzido a duas aplicações a prazo, uma no valor de 645.350,00 € e outra no valor 645.300,00 €, ambas remuneradas no primeiro ano a uma taxa de juro de 0,55 % que se elevaria a 0,65 % no 2º ano e a 0,75% no terceiro ano (doc. 2)
36. A par destas, estes segundos autores já lá mantinham, em Cabo Verde, desde 01/03/2016 uma outra aplicação no valor de 242.150,00 € que lhes rendia uma taxa de juro anual de 1,5 % desde o dia 01/03/2018 (doc. 2)
37. Com o valor do financiamento de 500,000,00 € concedido por intermédio da Excelbloco, L.da, o contrato promessa de compra e venda veio a ser formalizado entre as partes na data marcada (10/10/2018), tendo a primeira autora pago o sinal previsto (doc 7).
38. Nesse contrato foi fixada como data para entrega do reforço do sinal de 848.000,00 € (32%), o dia 15 de Novembro de 2018 (cfr. doc. 7 - clausula 2ª, nºs 3, alínea b) e 5).
39. Após a sua celebração, foi disponibilizada ao R. uma cópia do respectivo contrato-promessa (cfr. doc. 8)
40. Em Novembro de 2018 a Ré comunicou aos AA. que as propostas de financiamento em estudo não tinham condições para avançar, uma vez que o capital aplicado em Cabo Verde não era susceptível de o garantir, a partir de lá.
41. Segundo ela, tal capital só poderia ser dado de garantia caso estivesse depositado em Portugal, na Caixa Económica Montepio Geral.
42. A ré sugeriu e propôs aos autores novo empréstimo parcial e provisório, também na modalidade de “desconto de livrança” pelo valor necessário a cumprir o reforço do sinal, através da emissão de uma outra livrança aceite pela primeira autora e garantida pelo capital aplicado em Cabo Verde, que teria de ser objecto de resgate prévio pelo montante necessário e trazido para depósito a prazo, em Portugal.
43. Os autores, pressionados pelo decurso do tempo e pela necessidade de cumprir o reforço do sinal previsto no contrato-promessa, não vislumbraram alternativa imediata e, ainda apoiados na expectativa de se tratar de uma situação provisória, acabaram por ceder.
44. O segundo-autor marido e o terceiro subscreveram a respectiva proposta formal, datada de 12/11/2018 que lhes foi facultada no balcão de Pombal da ré, prévia e integralmente preenchida, para efeitos de “avanço de tesouraria” (doc. 9).
45. Em simultâneo, os segundos autores acederam na liquidação da totalidade da aplicação de 645.350,00€, e parcialmente da de 645,300,00 € pelo valor de 214.650,00€ ambas detidas no Banco Montepio de Cabo Verde, totalizando o valor de 860.000,00 € (doc. 2)
46. Que veio de lá transferido para a sua conta de depósitos à ordem nº 124-10.002098-9, sedeada na dependência de Pombal da ré (doc. 10)
47. Na sequência destas operações, a ré financiou directamente a primeira autora Valores Diferentes, L.da, através do aceite de uma livrança, com data de emissão a 13/11/2018, pelo prazo de um ano, no valor nominal de 856.000,00 € (doc. 11)
48. Do qual deduzidas as despesas e impostos associados (no valor de 4.282,46 €) lhe foram apenas disponibilizados 851.717,54 € (doc. 12)
49. Esse financiamento ficou assim garantido na sua totalidade pela constituição de um penhor sobre o saldo da conta a prazo dos segundos autores no valor de 856.000,00 €, entretanto aberta no balcão de Pombal, também por sugestão da ré, com o produto do resgate das aplicações de Cabo Verde. (doc. 13)
50. Ao aproximar-se o final do ano civil de 2018 a ré transmitiu aos AA. que, como condição da aprovação definitiva do financiamento, seria necessário que a “Valores Diferentes, L.da”, aumentasse o seu capital social, de modo a que no início do ano civil de 2019 já estivesse inscrito no registo um capital de, pelo menos, 405.000,00€ (o seu capital social até aí era de apenas 5.000,00 € - cfr. doc. 1).
51. Mais uma vez apanhados de surpresa, mas tendo chegado a um ponto sem retorno, os autores viram-se constrangidos a satisfazer mais essa exigência.
52. Contudo, para obter a liquidez necessária à realização do aumento de capital exigido, necessitavam que a ré emprestasse à primeira autora o montante necessário e, para tal, teria de ser dada mais uma garantia imediata.
53. Assim, com essa finalidade, a sociedade “Valores Diferentes, L.da”, na sequência de nova proposta de “desconto de livrança” que lhe foi dada a assinar pela ré, também prévia e integralmente preenchida, acabou por aceitar uma nova livrança, também por um ano e com data de emissão de 04/12/2018, desta feita no valor nominal de 654.000,00 € (doc.s 14 e 15)
54. Do qual deduzidos os respectivos encargos, foi disponibilizado na sua conta bancária o montante líquido de 650,727,54 € (doc. 16)
55. E à semelhança do que aconteceu com a livrança anterior, como garantia do seu pagamento, foi, pelos segundos autores, constituído penhor sobre o crédito representado pelo saldo de uma nova conta a prazo desse mesmo valor entretanto constituída (doc. 17),
56. O capital social da sociedade autora foi aumentado e realizado nos termos exigidos (doc. 1) e a ré prontamente informada dessa ocorrência (doc. 18)
57. Aproximando-se a data limite para a celebração da escritura prometida, e com vista a garantir esse financiamento, ou parte dele, a ré propôs aos autores a constituição de uma hipoteca sobre os imóveis prometidos comprar.
58. Possibilidade essa com que estes concordaram de imediato, já desesperados por ver o financiamento aprovado.
59. Nessa sequência, a ré, nos primeiros dias do ano de 2019, procedeu à avaliação de apenas uma das quintas objecto desse contrato (a ...), da qual resultou o valor de 1.559.000,00 € (cfr. doc. 19)
60. A Ré endereçou à primeira autora carta, datada de 21/01/2019 e subscrita no balcão de Pombal, comunicando-lhe não ser possível dar seguimento ao pedido de financiamento, dando por concluído todo o processo (doc. 20)
61. Para pagamento do valor restante do preço da compra, a autora necessitava, neste momento, de 1.325.000,00 €, a que acresceria o valor dos impostos pela aquisição (cfr. doc. 7).
62. E dispunha apenas do valor líquido do último financiamento concedido pela ré para realização do capital social aumentado (650.727,54 € - doc. 16)
63. Pelo que lhe faltava ainda os cerca de 690,000,00 €, que a ré acabou por não financiar.
64. As economias dos segundos autores, haviam sido resgatadas e estavam cativas a garantir por penhor o pagamento das duas últimas livranças.
65. As economias da “Excelbloco, L.da” estavam igualmente cativas, a garantir por penhor, o pagamento da primeira das referidas livranças.
66. A ré ainda comunicou à Central de Responsabilidades de Crédito do Banco de Portugal, a responsabilidade pessoal dos 2º autor marido e 3º autor, enquanto avalistas das livranças aceites pela primeira autora (doc.s 51 e 52)
67. Confrontados com a recusa inesperada de financiamento a uma semana da data estabelecida para a celebração da escritura e com a falta da liquidez necessária a concluir o negócio de aquisição dos imóveis, cada um dos segundos e terceiro autores, tentou pelas formas que tinha ao seu alcance, obter os montantes necessários a cumprir o respectivo contrato-promessa.
68. Os segundos autores lograram, junto do Millenium BCP, a obtenção de um crédito pessoal (nº ...), no montante de 403.055,28 €, cujo valor lhes foi disponibilizado em conta no dia 29/01/2019 (doc. 21), mas cuja remuneração lhe foi imposta a uma taxa de juro de 3,5% que, dada a premência em resolver a situação, não lhes foi possível negociar.
69. O terceiro autor, por sua vez, conseguiu igualmente um crédito pessoal, junto do Banco Santander Totta, no valor de 140.000,00 €, que lhe foi creditado em conta no dia 31/01/2019 (doc. 22)
70. E, junto de familiares e amigos, conseguiu este autor que lhe emprestassem o montante de 200.000,00 €, por três meses.
71. O que permitiu à autora Valores Diferentes, L.da cumprir a promessa de compra e venda dentro do prazo previsto, que veio a ser formalizada por escritura pública no Cartório Notarial de NN, em Lisboa, de fls 68 a fl.s 72 verso, do Livro 82-A, no dia 30 de Janeiro de 2019 (cfr. doc. 23).
72. O empréstimo titulado pela livrança de 500.000,00 € aceite pela Excelbloco, L.da foi pago através da contracção de um novo crédito pelos mesmos método e valor, obtido mediante livrança por ela aceite no dia 22/11/2019 (doc. 24).
73. Que veio a ser integral e definitivamente liquidado à ré no dia 07/10/2020 (doc. 29).
74. Com as operações descritas e por conta delas, veio a ré a debitar na conta bancária da Excelbloco, L.da, no período entre as datas da emissão da livrança inicial e a do pagamento definitivo do seu valor, a quantia total de 19.145,55 € sendo (doc.s 4, 5 e 24 a 29):
a. Comissões ………………………………6.000,00€
b. Juros de descontos bancários ……………7.717,78€
c. Imposto do Selo Livranças ………………5.000,00€
d. Outras despesas bancárias ………………. 427,77€ (imposto de selo por operações bancárias, portes e IVA).
75. Valor do qual a primeira autora Valores Diferentes, L.da ressarciu já a referida Excelbloco, L.da.
76. Já a livrança que titulou o financiamento de 856.000,00 € (doc.s 9, 11 e 12) foi, após o seu vencimento, paga com o produto de um novo crédito efectuado em 08/11/2019 perante a ré, pela mesma forma e com a mesma garantia (doc.s 30 a 32).
77. Tendo o respetivo capital sido integral e definitivamente pago pela autora no dia 12/06/2020 (cfr. doc. 33)
78. Por conta deste financiamento de 856.000,00 € e da sua “renovação”, a primeira autora acabou por suportar custos, que a ré lhe debitou na sua conta bancária, no montante global de 17.415,49 €, sendo:
a. 8.395,94 €, a título de juros = 5.610.37 € + 2785,57 € (doc.s 34 e 35)
b. 8.560,00 €, a título de Imposto de selo - ponto 17.1.2, da tabela (doc.s 12 e36)
c. 459,55 €, com outras despesas bancárias e imposto de selo de operações bancárias (doc.s 12 e 33 a 36).
79. E a livrança aceite para o financiamento de 654.000,00 € (doc.s 14, 15 e 16) foi liquidada em 02/12/2019 com o capital de um novo crédito, contraído nas mesmíssimas condições (doc.s 37 e 38)
80. E garantido por novo penhor constituído sobre a conta de depósito a prazo desse mesmo valor, detido pelos segundos autores no balcão da Ré de Pombal, com o capital que havia provido de Cabo Verde (doc. 39)
81. Tendo o respectivo valor sido integral e definitivamente saldado também no dia 12/06/2020.
82. Com estes aceites, a autora suportou os custos que lhe foram debitados na sua conta bancária num total de 13.002,87 €, sendo:
a. 6.204,83 €, a título de juros - 4.286,43 € + 1918,40 € (doc.s 40 e 41)
b. 6.540,00 €, a título de Imposto de selo - ponto 17.1.2, da tabela (doc.s 16 e42)
c. 258,04 €, com outras despesas bancárias e imposto de selo de operações bancárias (doc.s 16, 40, 41 e 42)
83. Dado que aquando do primeiro vencimento das livranças que titulam os empréstimos de 856.000,00 € e 654.000,00 €, a conta bancária da primeira autora não estava aprovisionada, foram-lhe ainda debitadas comissões de recuperação de valores em dívida no montante total de 520,00 € (doc.s 43 e 44).
84. Assim como lhe havia sido debitada, em 19/12/2018, uma comissão relativa à avaliação a que a ré sujeitou o prédio prometido comprar, para efeitos de eventual hipoteca, no valor de 307,50 € = 250,00 € + IVA (doc. 45)
85. Já o montante do empréstimo pessoal contraído pelos segundos autores junto do Millenium BCP (empréstimo nº ...) veio a ser pago no dia do seu vencimento, com o produto de um outro empréstimo que se viram também constrangidos a contrair em 30/01/2020 pelo valor de 402.004,81 € (empréstimo nº ...) mas desta feita pelo prazo de seis meses, (doc.s 21, 46,47, 48 e 49)
86. Que por sua vez veio a ser pago no seu vencimento com o produto de um novo crédito junto do BCP (contrato nº ...), no valor de 401.521,83 € (doc. 50).
87. Que foi definitivamente liquidado em 28/10/2020 (doc. 50)
88. Com todas as operações de financiamento junto do BCP, os segundos autores suportaram juros e custos no total de 31.941,95€ (doc.s 21 e 46 a 50)
89. Já o terceiro autor, procedeu à liquidação total do empréstimo que contraiu junto do Banco Santander Totta no dia 01/07/2019 (doc. 22)
90. Tendo suportado juros, imposto de selo e demais despesas bancárias no montante total de 1.677,71 € (doc. 22).
91. Os valores dos financiamentos/empréstimos referidos foram pagos pela primeira autora, com o produto da venda de património imobiliário que entretanto foi realizando.
92. Produto esse que era intenção inicial dos autores, caso o financiamento tivesse ocorrido nos termos planeados e garantidos pela ré, aplicar nos custos da urbanização e obras de infraestruturas dos imóveis.
93. Assim, tendo canalizado esses valores para o pagamento dessas livranças e empréstimos, a primeira autora viu-se (e vê-se ainda) totalmente descapitalizada de verba que lhe permita avançar com as infraestruturas então previstas.
94. No que diz respeito às aplicações de 645.350,00 € e 645.300,00 €, o rendimento no primeiro ano em Cabo Verde seria de 0,55 %, que se elevaria para 0,65 % no 2º ano e para 0,75 % no terceiro (doc. 2), pelo que, em três anos, estes autores esperavam obter destas duas aplicações rendimentos no valor bruto de 26.414,70 €.
95. Já a aplicação de 242,150,00 €, rendia aos autores uma taxa de 1,5% que, em três anos, perfaria o valor total bruto de 10.896,75 € (doc. 2)
96. Resgatado e trazido para o Montepio Geral em Portugal, tal capital rendeu-lhes apenas o valor bruto de 4.732,09 € (doc. 2)
97. Apesar de manterem residência em Portugal, os segundos autores vivem em França, tendo-se deslocado várias vezes a Portugal para tratar do financiamento junto da Ré.
98. O terceiro autor, residente em Coimbra, durante esse mesmo período de tempo, deslocou-se ao balcão de Pombal da Ré várias vezes, para subscrever expediente e entregar documentação por ela solicitada e para se inteirar pessoalmente sobre o estado do financiamento.
99. Com esta situação os segundos AA. sofreram transtornos e sentiram um profundo medo de perder as economias de uma vida inteira de trabalho, bem como as quantias da Excelbloco, L.da.
100. A demora na resposta da Ré fez com que os AA. vivessem atormentados e angustiados,
101. Sentimentos que se agudizaram gradualmente à medida em que essa resposta persistia em tardar.
102. E com a notícia de que a ré não concederia o financiamento (na parte restante), a escassos dias da data agendada para a celebração da escritura de compra e venda, sentiram-se desesperados.
103. Nesses dias praticamente não dormiram, não conseguindo evitar pensar que aquele negócio constituiria a sua ruina financeira e a perda das poupanças de uma vida de trabalho.
104. Foi uma semana de absoluta aflição, a que viveram nos dias que precederam a celebração da escritura de aquisição dos imóveis.
105. Aflição essa agravada por se encontrarem ausentes do país, sentindo-se impotentes na resolução do problema.
106. Por outro lado, sentiram-se, e sentem-se ainda, profundamente ofendidos e traídos pela ré, até aí “parceira” de vários negócios ao longo de décadas, com quem mantiveram sempre as melhores relações, quer em termos pessoais quer como representantes das sociedades de que são sócios (Execelbloco, L.da e Valores Diferentes, L.da)
107. A desilusão e a incredulidade ainda persistem nos dias de hoje.
108. O terceiro R., recebeu com estupefacção a notícia inesperada do corte de financiamento por parte da ré.
109. E também não dormiu na semana que precedeu a celebração da escritura.
110. Dominado por sentimentos de desânimo, ansiedade e, até, de revolta.
111. Ao mesmo tempo que, por seu turno, também tentava fazer a sua parte na resolução do problema.
112. Vendo-se forçado a pedir a familiares e amigos dinheiro emprestado e por conseguinte, a expor uma parte da sua vida que, de outra maneira, não lhes interessaria nem lhes diria respeito.
113. Ficou abalado e incrédulo quando se viu, no Banco de Portugal, como responsável pessoal, enquanto avalista, de uma quantia superior a 1.500.000,00 €, à qual não prestou qualquer aval.
114. O que diminuiu de forma substancial a sua capacidade, aquando do crédito pessoal que se viu constrangido a contrair aquando da recusa da ré no financiamento “prometido”, obrigando-o a recorrer ao crédito junto de particulares.
115. A Ré solicitou junto do Banco de Portugal a rectificação do registo de centralização de responsabilidades de crédito em 17.12.2019 (doc. 13 da cont.)
E não provada a seguinte factualidade:
a. Que a A. tenha que revender os imóveis conforme os comprou.
b. Que ao revender os imóveis, sem as devidas infraestruturas, a autora “Valores Diferentes, L.da”, atendendo ao comportamento atual do mercado no setor em causa, irá consequentemente sofrer um prejuízo, decorrente de lucros cessantes, não inferior a 600.000,00 €/700.000,00 €.
c. Entre a primeira abordagem tendente ao financiamento (agosto de 2018) e o momento em foram saldados todos os empréstimos supra referidos (outubro de 2020), estes autores tiveram de se deslocar propositadamente a Portugal mais de uma dúzia de vezes,
d. Em todas estas deslocações, suportaram não só o custo das viagens, em montante não inferior a 6.480,00 € (calculado a um custo médio de 270,00 €/por pessoa e viagem de ida e volta entre França e Portugal)
e. Como deixaram de auferir rendimentos do seu trabalho pelo período em que estiveram dele ausentes (mais de 30 dias úteis), em valor não inferior a 10.000,00 €.
f. Os segundos autores trabalham em França, país onde estão emigrados há décadas e onde mantêm o seu domicílio fiscal.
g. Em deslocações ao balcão de Pombal o 3º R. suportou despesas, em combustível e portagens, de montante não inferior a 800,00 € (calculado a uma média de 40,00 € por cada deslocação)
h. A situação descrita colocou em risco a sua vida dos segundos AA., enquanto casal, tendo as discussões e o mau estar sido inevitáveis no seio familiar, colocando em risco a continuidade de um casamento de décadas.
i. Que a operação de financiamento da 3ª tranche, de 700.000,00€ foi superiormente recusada face à ausência de garantias reais e ao valor em causa, do que foram informados os AA.
j. que nos dias que antecederam a informação da decisão de recusa, o balcão da ré deu nota ao 2º Autor da séria eventualidade de não aprovação da operação, mesmo após inserção de garantia hipotecária na proposta, referindo que seria importante procurar alternativa.
***
IV-FUNDAMENTAÇÃO DE DIREITO: Da impugnação da decisão da matéria de facto:
Dispõe o art. 640º do CPC, com a epigrafe “Ónus a cargo do recorrente que impugne a decisão relativa à matéria de facto”, que: 1 - Quando seja impugnada a decisão sobre a matéria de facto, deve o recorrente obrigatoriamente especificar, sob pena de rejeição: a) Os concretos pontos de facto que considera incorretamente julgados; b) Os concretos meios probatórios, constantes do processo ou de registo ou gravação nele realizada, que impunham decisão sobre os pontos da matéria de facto impugnados diversa da recorrida; c) A decisão que, no seu entender, deve ser proferida sobre as questões de facto impugnadas. 2 - No caso previsto na alínea b) do número anterior, observa-se o seguinte: a) Quando os meios probatórios invocados como fundamento do erro na apreciação das provas tenham sido gravados, incumbe ao recorrente, sob pena de imediata rejeição do recurso na respetiva parte, indicar com exatidão as passagens da gravação em que se funda o seu recurso, sem prejuízo de poder proceder à transcrição dos excertos que considere relevantes; b) Independentemente dos poderes de investigação oficiosa do tribunal, incumbe ao recorrido designar os meios de prova que infirmem as conclusões do recorrente e, se os depoimentos tiverem sido gravados, indicar com exatidão as passagens da gravação em que se funda e proceder, querendo, à transcrição dos excertos que considere importantes. 3 - O disposto nos n.os 1 e 2 é aplicável ao caso de o recorrido pretender alargar o âmbito do recurso, nos termos do n.º 2 do artigo 636.º.”
O Acórdão Uniformizador de Jurisprudência proferido pelo STJ em 17.10.2023 no proc. 8344/17.6T8STB.E1-A.S1 uniformizou jurisprudência nos seguintes termos: “Nos termos da alínea c), do n.º 1 do artigo 640.º do Código de Processo Civil, o Recorrente que impugna a decisão sobre a matéria de facto não está vinculado a indicar nas conclusões a decisão alternativa pretendida, desde que a mesma resulte, de forma inequívoca, das alegações.”
Assim, embora tenha que constar nas conclusões do recurso a indicação dos concretos factos incorretamente julgados, já não tem necessariamente que constar nas mesmas a decisão alternativa pretendida, desde que a mesma resulte, de forma inequívoca, do corpo das alegações do recurso. E também não tem que constar nas conclusões a indicação dos meios probatórios de suporte à pretendida decisão alternativa, podendo tal indicação ser efetuada no corpo das alegações.
Para além do cumprimento dos ónus referidos no art 640º do CPC, o recurso da decisão sobre a matéria de facto pressupõe ainda a utilidade ou pertinência da pretendida alteração da matéria de facto, de acordo com a regra prevista no art 130º do CPC, aplicável a todos os atos processuais, segundo a qual “Não é lícito realizar no processo atos inúteis.”
Ou seja, a alteração pretendida deverá ser relevante para a decisão da causa.
Veja-se, a este propósito, o Ac. do STJ de 19.05.2021 proferido no Proc. 1429/18.3T8VLG.P1.S1, onde se sumaria que: “O Tribunal da Relação pode recusar-se a conhecer do recurso de impugnação da matéria de facto relativamente àqueles factos concretos objeto da impugnação, que careçam de maneira evidente de relevância jurídica à luz das diversas soluções plausíveis da questão de direito, evitando, de acordo com o artigo 130.o do CPC, a prática de um ato inútil.”
Uma última nota:
Conforme referem António Santos Abrantes Geraldes, Paulo Pimenta e Luís Filipe Pires de Sousa in CPC Anotado, Vol. I, Almedina, 3ª ed., pag. 858, na anot. 5 ao art. 662º, desde que se mostrem cumpridos os requisitos formais que constam do art. 640º, a Relação não está limitada à reapreciação dos meios de prova indicados pelas partes, devendo atender a todos quantos constem do processo, independentemente da sua proveniência (art 413º) sem exclusão sequer da possibilidade de efetuar a audição de toda a gravação se esta se revelar oportuna para a concreta decisão. Mais acrescentam os referidos Autores que tendo a Relação reapreciado os meios de prova indicados relativamente aos pontos de facto impugnados pelo recorrente, não está o Tribunal da Relação impedido de alterar outros pontos da matéria de facto, cuja apreciação não foi requerida, desde que essa alteração tenha por finalidade ou por efeito evitar contradição entre a factualidade que se pretendia alterar e foi alterada e outros factos dados como assentes em sede de julgamento.
Feito este enquadramento, passemos a apreciar a impugnação da decisão sobre a matéria de facto que integra o objeto dos recursos, o que faremos por ordem cronológica de apresentação dos recursos.
- Recurso da Ré:
Considera a Ré que os factos contidos nos pontos 13 e 17 da matéria de facto dada como não provada devem ser considerados Não provados, apontando para o efeito o documento 7 da contestação e os depoimentos de OO e PP, e desvalorizando as declarações de parte dos AA CC e AA.
Está em causa a factualidade atinente à comunicação aos AA de que o empréstimo seria aprovado.
Entendemos que assiste razão à apelante Ré, inexistindo prova segura de expressa comunicação nesse sentido.
O e-mail de PP que integra o documento 7 da contestação (e-mail correspondente ao doc. 6 da p.i.) dirigido a AA é claro quando refere que as operações aí referidas estão em aprovação, tratando-se de condições propostas pelo balcão, sendo a decisão do Conselho de Administração.
Acresce que do depoimento das testemunhas OO e PP resultou não ter sido efetivamente assegurada tal aprovação, a qual caberia ao Conselho de Administração, o mesmo resultando do depoimento da testemunha QQ, tendo este referido ter explicado ao Senhor AA que atualmente o papel do gerente da agência já não tem aquele peso que tinha anteriormente.
Mas mais: O próprio AA, nas suas declarações, apesar de ter referido que até à última hora sempre lhe terem garantido que não havia problema, acabou também por referir que o SR PP sempre disse que a decisão era de Lisboa, não era ele que aprovava.
Todos estes elementos probatórios apontam no sentido de não ter sido efetivamente assegurada aos AA a aprovação do empréstimo, pelo que ainda que o declarante CC tenha referido que lhes tenha sido dito que estava tudo a correr bem e que o crédito seria aprovado, não há, objetivamente, prova bastante de que foi assegurada aos AA a aprovação do empréstimo.
Haverá, pois, que retirar do facto 13 a parte correspondente à menção de que a concessão do financiamento seria aprovada na certa, e do facto 27 a menção de que a Ré nunca deixou de asseverar que o financiamento seria aprovado e disponibilizado a tempo, menções que passam a integrar a matéria não provada.
Assim os factos 13 e 27 da matéria provada passam a ter a seguinte redação:
13. Em Agosto de 2018, os autores mencionaram junto desse balcão a intenção da Valores Diferentes, L.da realizar o negócio de compra daquelas propriedades nos termos acima referidos, foi-lhes proposta, em nome da ré, a concessão do financiamento necessário a essa aquisição, caso os segundos autores oferecessem como garantia o capital aplicado em Cabo Verde.
27. Todas as referidas datas e valores foram prontamente comunicados à ré, que nunca deixou de asseverar estar tudo bem encaminhado.
Considera também a Ré que o facto 18 da matéria provada deve passar a integrar a matéria não provada, invocando para o efeito e-mail de CC que integra o doc. 7 da contestação, e os depoimentos de OO e PP, e desvalorizando as declarações de parte de AA.
Também aqui assiste razão à Ré.
Embora AA tenha referido que pediram um financiamento por 3 a 5 anos, o que é certo é que isso não se mostra sustentado no e-mail de PP que integra o documento 7 da contestação (e-mail correspondente ao doc. 6 da p.i), dirigido ao próprio AA, onde se referem as operações em aprovação, uma com prazo de seis meses, renovável, e outra com prazo até um ano (mais se aludindo no final do e-mail ao previsível curto prazo da operação), sendo certo que o próprio Autor CC, no e-mail de 18.12.2018 que integra o mesmo documento 7, assume que têm em perspetiva efetuar a venda do imóvel num prazo de um ano.
Estes elementos objetivos apontam para um financiamento de curto prazo, inexistindo, portanto, prova bastante do aludido prazo de 3 a 5 anos, prazo que também as testemunhas OO e PP não confirmaram.
Logo, o ponto 18 passa a integrar a matéria não provada.
Quanto ao facto 19, entende também a Apelante Ré que a respetiva factualidade deverá integrar os factos não provados, alicerçando-se nos depoimentos de OO e RR e invocando ainda contradição com outros pontos da Matéria provada.
Ora, face ao e-mail de 03.10.2018 enviado por PP a AA, o qual integra o doc. 6 da p.i. e o doc.7 da contestação, verifica-se que não estavam então em causa quaisquer garantias reais, mas antes uma garantia bancária, e aval pessoal dos sócios; e no final explica-se que a proposta não inclui outro tipo de garantia (hipoteca), tanto pelo facto de não ter sido abordada essa possibilidade, como também face ao previsível curto prazo da operação.
A testemunha OO também situou a avaliação ao prédio para efeitos de hipoteca após a livrança não ter sido aceite, e a testemunha PP situou-a em Dezembro, e o próprio AA também referiu a avaliação do terreno 2/3 meses depois do pedido de empréstimo.
Portanto, na fase inicial das negociações não estavam em causa garantias reais.
Assim, deverá expurgar-se do ponto 19 a parte referente a garantias reais (parte que passa para a matéria de facto não provada), pelo que o ponto 19 da matéria de facto provada passará a ter a seguinte redação:
19. Para tal, os segundos e terceiro autores dispuseram-se, em representação da sociedade primeira autora e, também, em nome próprio, a conceder garantias pessoais, para além dos referidos valores aplicados em Cabo Verde.
Avaliemos agora o ponto 21.
Considera a Ré apelante que o mesmo deverá integra a matéria não provada, por não ter sido produzida prova de que o balcão tenha ficado de transmitir aos AA o resultado “em poucos dias”.
Todavia no e-mail de 03.10.2018 suprarreferido (enviado por SS a AA) consta a seguinte frase: “Informamos que aguardamos no corrente mês a decisão sobre estas operações.”
Assim, mantêm-se como integralmente provada a factualidade constante do ponto 21.
Relativamente aos pontos 50 e 51, pugna a Ré apelante, com base nos depoimentos de TT, OO, PP, e QQ, que os mesmos devem passar a integrar a matéria não provada.
Os referidos pontos têm a seguinte redação:
50. Ao aproximar-se o final do ano civil de 2018 a ré transmitiu aos AA. que, como condição da aprovação definitiva do financiamento, seria necessário que a “Valores Diferentes, L.da”, aumentasse o seu capital social, de modo a que no início do ano civil de 2019 já estivesse inscrito no registo um capital de, pelo menos, 405.000,00€ (o seu capital social até aí era de apenas 5.000,00 € - cfr. doc. 1).
51. Mais uma vez apanhados de surpresa, mas tendo chegado a um ponto sem retorno, os autores viram-se constrangidos a satisfazer mais essa exigência.
Ora, efetivamente não foi feita prova de que o aumento do capital tenha sido uma exigência da Ré como condição da aprovação financiamento definitiva do financiamento.
Conforme dos depoimentos das testemunhas PP e OO resulta, o aumento do capital social prender-se-ia com uma questão de maior viabilidade de concessão do empréstimo e não de uma condição exigida para a respetiva aprovação. E embora AA tenha referido que mandaram aumentar o capital social e CC também tenha referido o pedido de aumento do capital social, não disseram que lhes foi transmitido ser essa uma condição para aprovação do financiamento.
Assim, expurgar-se-á dos pontos em causa a parte referente à necessidade/exigência do aumento de capital como condição de aprovação do financiamento (que passa para a matéria não provada), passando os pontos 50 e 51 da matéria provada a ter seguinte redação:
50. Ao aproximar-se o final do ano civil de 2018 a ré propôs aos AA que, para efeitos de aprovação do financiamento, a “Valores Diferentes, L.da” aumentasse o seu capital social, de modo a que no início do ano civil de 2019 já estivesse inscrito no registo um capital de, pelo menos, 405.000,00€ (o seu capital social até aí era de apenas 5.000,00 € - cfr. doc. 1).
51. O que os autores satisfizeram.
Quanto ao ponto 60, pretende a Ré apelante, com base no doc. 20 da p.i., a alteração de redação para a seguinte: “60. A Ré endereçou à primeira autora carta, datada de 21/01/2019 e subscrita no balcão de Pombal, comunicando-lhe não ser possível dar seguimento ao pedido de financiamento, nas condições atualmente propostas, dando por concluído todo o processo (doc. 20)”
E, efetivamente, o texto do doc. 20 inclui a expressão “nas condições atualmente propostas”, pelo que se altera a redação do ponto 60 da matéria assente para a seguinte:
“60. A Ré endereçou à primeira autora carta, datada de 21/01/2019 e subscrita no balcão de Pombal, comunicando-lhe não ser possível dar seguimento ao pedido de financiamento, nas condições atualmente propostas, dando por concluído todo o processo (doc. 20)”.
Quanto ao ponto 67) dos factos provados, a Recorrente Ré não aceita a parte
“Confrontados com a recusa inesperada de financiamento”, por entender que se demonstrou que a Recorrente, através do seu Balcão, e o 2.º Autor iam comunicando entre si, mantendo contacto e transmitindo informação actualizada sobre os financiamentos, entendendo que tal excerto deve ser retirado no Ponto 67) dos Factos Provados.
Baseou-se nas declarações do segundo Autor e nos depoimentos de PP e OO.
Ora, desde já se refere que a adjetivação da recusa como inesperada tem caracter conclusivo, incorporando um juízo, e, como tal, essa adjetivação não pode integrar a matéria provada.
“No âmbito da vigência do actual CPC, a decisão sobre a matéria de facto deve estar expurgada de afirmações genéricas, conclusivas ou que comportem matéria de direito.” – cf Ac. do TRE de 28-06-2018 proferido no Processo nº 170/16.6T8MMN.E1.
“Sempre que um ponto da matéria de facto integre uma afirmação ou valoração de factos que se insira na análise das questões jurídicas que definem o objecto da acção, comportando uma resposta, ou componente de resposta àquelas questões, o mesmo deve ser eliminado.” – cf. Ac do TRE de 28.06.2018 supramencionado.
Assim, sem necessidade de mais considerações, altera-se a redação do ponto 67 para a seguinte:
67. Confrontados com a recusa de financiamento a uma semana da data estabelecida para a celebração da escritura e com a falta da liquidez necessária a concluir o negócio de aquisição dos imóveis, cada um dos segundos e terceiro autores, tentou pelas formas que tinha ao seu alcance, obter os montantes necessários a cumprir o respectivo contrato-promessa.
Quanto aos pontos, 70, 71 e 112 da matéria de facto provada entende a Ré apelante que o respetivo conteúdo não pode ser dado como provado, porquanto da escritura publica de 31/01/2019 celebrada no Cartório Notarial de NN) não se retira que tenha existido recurso financeiro “a familiares ou amigos” e que tais “financiamentos” tenham permitido que a 1.ª Autora celebrasse a escritura. E que a prova de tal factualidade com base no depoimento das testemunhas que referem ter emprestado quantias ao 4.º Autor (DD, aos minutos 04:42 a 05:32; 15:37 a 16:03 e EE, aos minutos 09:44 a 09:53), sem que tenha sido apresentado por parte do 4.º Autor qualquer prova documental da existência de tais financiamentos consubstancia erro de julgamento, pois que configura preterição de norma imperativa (Cfr. Artigo 1142.º, 1143.º e 220.º, todos do Código Civil),impondo-se, para prova da mesma e da validade do alegado pelo 4.º Autor, que se observasse o sobredito.
Ora, entendemos que não tem que constar da escritura pública de compra e venda dos imóveis a proveniência dos fundos para a respetiva aquisição. Por outro lado, a entrega de quantias a título de empréstimo, enquanto facto material, pode ser provada por depoimentos de testemunhas que tenham entregue esse dinheiro; se esses empréstimos são válidos ou são nulos, por observarem ou não a forma prescrita no art. 1142º do CC, é questão diversa e que nesta sede não releva, respeitando aos efeitos jurídicos dos mesmos empréstimos.
Assim, mantêm-se os pontos 70, 71 e 112 da matéria de facto provada.
Quanto aos factos 99 a 111 da matéria provada, considera a Ré apelante que não se encontram suficientemente suportados nos depoimentos de UU, VV, WW, XX e KK.
Não lhe assiste razão, na medida em que da conjugação dos depoimentos em causa e das declarações de parte de CC e AA resulta demonstrada a situação emocional vivida por aqueles dois Autores nos termos descritos nos factos em causa.
Os quais se mantêm, pois, como provados.
Quanto aos factos 113 e 114, considera a apelante Ré que os mesmos não encontram suporte nas declarações das referidas testemunhas.
E desta feita com razão, pois as testemunhas não associaram a situação emocional do A CC à sua situação de registo junto do Banco de Portugal, mas antes à questão da perda do financiamento necessário à conclusão do negócio de aquisição dos imóveis.
Assim, a factualidade contida nos pontos 113 e 114 passa a integrar a matéria não provada.
Considera ainda a Ré apelante que a factualidade contida nas alíneas i) e j) da matéria de facto não provada deverá passar a integrar a matéria de facto provada.
Alicerça a sua posição nos depoimentos de PP, TT, e OO e nas declarações do 2º Autor.
Ora, do documento 20 da p.i. não consta qualquer justificação concreta para a recusa do financiamento dos €700.000,00 (apenas se aludindo às condições atualmente propostas), sendo que também CC, nas suas declarações, disse que não foram informados do motivo da recusa. Acresce que resultou do depoimento de TT que a questão central para a recusa foi a falta de apresentação do plano de negócios que permitisse aferir a viabilidade do projeto de investimento.
Razão pela qual não se poderia provar que a operação de financiamento foi recusada por ausência de garantias reais, até porque resulta do provado sob os pontos 57 a 59 -matéria de facto não impugnada pela Ré- que os AA aceitaram a constituição de hipoteca sobre os imoveis, tendo inclusivamente sido feita uma avaliação para o efeito.
A factualidade constante da alínea i) deverá manter-se como não provada.
Quanto à al. j) entende a recorrente Ré que a respetiva factualidade deve ser dada como provada com base no depoimento das testemunhas PP e OO.
Olvida que nas declarações de parte de AA este referiu que até à última hora sempre lhe garantiram que não havia problema, tal como CC referiu que lhes tenha foi dito que estava tudo a correr bem, o que se coaduna com o teor dos e-mails trocados em Janeiro de 2019 entre OO e CC (mails juntos à contestação) onde nada consta sobre qualquer séria eventualidade de não aprovação da operação e necessidade de se procurar alternativa. Aliás, não é sequer crível, em termos de experiência comum, que com a aproximação da data de celebração da escritura para a qual os AA careciam do financiamento, aqueles, caso tivessem sido advertidos da possibilidade séria de recusa de financiamento e da importância de procurar alternativa, não o tenham feito. Mais a mais tendo em conta o montante em causa, que não é objetivamente fácil de angariar num prazo curto.
Não há, pois, prova bastante da factualidade contida na al. j), a qual se deverá, pois, manter como não provada.
Por último pretende a Ré o aditamento à matéria provada da seguinte factualidade: “a) Os Autores transmitiram à Ré que, a aquisição destes imóveis seria efectuada em várias tranches (Primeira e Segunda, para pagamento do sinal e reforço do sinal, aquando da celebração do contrato-promessa de compra e venda e Terceira, para pagamento do remanescente aquando da celebração do contrato definitivo) e considerado o potencial comercial dos imóveis em causa, o pedido de crédito seria de prazo reduzido (máximo de um ano), b) A perspectiva e objetivo dos Autores era a alienação dos imóveis nesse curto prazo, na medida em que, por apresentarem “potencialidade comercial”, já existiam, segundo informação daqueles, compradores interessados nos mesmos c) A Ré sempre informou o 2.º e 4.º Autor que as propostas de financiamento encontravam- se para aprovação (e não aprovadas ou garantidas), que não dependia do Balcão, estando sujeita a decisão superior do Conselho de Administração. d) O 2.º Autor foi informado do desenrolar do processo de financiamento, das contingências que foram surgindo, sempre actuando a Ré com transparência e zelo para com os Autores. e) Sem existir ainda qualquer decisão tomada pela Ré quanto ao financiamento solicitado, em 10/10/20218, os Autores, imprudentemente, celebraram o contrato-prometido 10-10- 2018; f) Sem prejuízo da renitência dos Autores em oferecer mais garantias (além do aval – objecto de recusa por parte da Ré), foi transmitido, desde logo, que haveria viabilidade de reanálise da proposta com a apresentação de outras garantias (nomeadamente, hipotecárias), o que, de resto, já havia sido indicado em conversações anteriores, mas sem sucesso, porquanto os Autores entendiam ter já prestado garantias suficientes (Depósitos a Prazo indicado, a título pessoal e a sociedade Excelbloco, Lda. e aval, g) Os Autores foram, novamente, informados da incerteza da aprovação da proposta e que tais factores (aumento de garantias e do capital social da 1.ª Autora) foram indicados pela análise de risco/crédito da Ré, como condição para submeter a proposta a aprovação (e não condição para aprovação); h) A operação de financiamento de € 700.000,00, com garantia hipotecária de um dos imóveis a adquirir, foi, após pareceres das várias áreas técnicas envolvidas e conhecido o risco do seu investimento, superiormente recusado pela Ré, porquanto: • “Apesar do aumento de capital social e do património em nome de AA mencionado (atente-se que um dos imóveis, conforme Certidão Predial anexa à proposta, parece estar onerado), atendendo a: - Inexistência de faturação em 2016/2017/2018 (e em 2015 também é irrelevante). - Não apresentar capacidade de libertação de meios. EBITDAs negativos em todo o quadriénio 2015/2018. - Ainda que ultrapassada a situação de falência técnica em 2018, o grau de autonomia financeira é reduzido. - Scoring 16. - Continuar a não ser fornecido qualquer elemento concreto, quer sobre a venda de parte do terreno, quer sobre o projecto imobiliário a que é feita alusão nas propostas. - Com a presente proposta, ser à CEMG a financiar a totalidade da transacção do terreno. Somos de parecer desfavorável.” E • “Não obstante a estratégia comercial e os interesses dos Clientes levados a cabo nas negociações, no sentido de evitar a desmobilização de recursos dos Clientes e de financiar projecto eventualmente interessante e rentável, mas não dispondo de elementos que permitissem aferir da viabilidade de construção que o Cliente pretendia realizar (nomeadamente, projectos aprovados / licenças) e do retorno previsional do investimento, ainda que nesta primeira fase apenas no âmbito do referido negócio de venda parcial dos imóveis,” i) Sopesando o risco envolvido e atendendo aos conhecimentos / relações comerciais e património que os Autores têm com / e na banca, a proposta não foi aceite. j) A Ré admitiu reapreciar o financiamento com informação objectiva e suportada sobre o destino a dar ao imóvel (apresentado pelo 2.º Autor como hipoteca), e que permitisse percepcionar como seria feito o retorno desta operação k) A ausência de financiamento por parte da Ré foi, assim, legitima e justificada.”
Sustenta que tal factualidade foi alegada nos arts 14.º, 15.º, 22.º, 26.º, 38.º, 41.º 46.º, 47.º, 48.º a 50.º, 55.º, 71.º e 88.º da Contestação,
Para tanto “reitera o sobredito acerca dos Factos 13) a 67) – em i) a vii), nomeadamente pela prova testemunhal produzida, não podendo, pois, com os invocados fundamentos, deixar de dar-se como provada factualidade decorrente dos assinalados Pontos a) a g), os quais deverão ser aditados aos Factos Provados.”
Ora, parece-nos evidente que esta remissão genérica para a prova testemunhal invocada a propósito dos factos 13 a 67 não observa os ónus previstos no art. 640 nº1. Al b) e 2 al a) do CPC.
Referem António Santos Abrantes Geraldes, Paulo Pimenta e Luís Filipe Pires de Sousa in CPC Anotado, Vol I, Almedina, 3º ed, pag 831, na anotação 4 ao art 640, que: “Nos termos do nº1, al. b), recai sobre o apelante o ónus de fundamentar a discordância quanto à decisão de facto proferida, ónus esses que atua numa dupla vertente: cabe-lhe rebater, de forma suficiente e explicita, a apreciação critica da prova feita no tribunal a quo e tentar demonstrar que tal prova deve conduzir a uma outra versão dos factos. Deve o recorrente aduzir argumentos no sentido de infirmar os termos do raciocínio probatório adotado pelo Tribunal a quo, evidenciando que o mesmo é injustificado e consubstancia um exercício incorreto da hierarquização dos parâmetros de credibilização dos meios de prova produzidos, ou seja, que é inconsistente.”
A ora recorrente não o faz, limitando-se a remeter, repete-se, de forma genérica, para os meios de prova (testemunhas) invocados na impugnação de uma miríade de outros factos, sem explicar minimamente em que medida esses meios de prova - e, tratando-se de testemunhas, a especifica parte dos depoimentos - são relevantes para a prova de cada um dos diversos factos ora em causa.
Não cumpre o ónus previsto na al. b) do nº1 do art. 640º do CPC, e, consequentemente, também não cumpre o ónus previsto na al a) do nº2 do mesmo artigo, já que está em causa prova testemunhal gravada.
Pelo exposto, rejeita-se, nesta parte, o recurso da matéria de facto.
Vejamos agora a impugnação da matéria de facto apresentada na apelação deduzida pelos Autores.
Pretendem estes que os factos alegados nos artigos 58º,59º, e 66º da petição inicial sejam dados por assentes.
Consideram que a matéria do artigo 58º decorre do que resultou provado sob os pontos 42 e 43; que o alegado no artigo 59º decorre inequívoco da conjugação dos documentos 12, 7 e 23, juntos à p.i.; e que o alegado o artigo 66º decorre igualmente dos documentos 2 e 10º juntos à p.i., afigurando-se importante para os cálculos dados como provados nos pontos 94, 95, e 96.
Relativamente ao alegado art. 58º da p.i., desde já se refere que os AA/recorrentes não cumprem o ónus previsto na al. b) do nº1 do art. 640º do CPC, pois não indicam os meios de prova de suporte à sua pretensão, limitando-se a invocar para o efeito outros factos provados, invocação que não supre a necessidade de cumprimento do referido ónus.
Pelo que se rejeita, nesta parte, o recurso.
Relativamente ao alegado no art 59º da p.i. – “Com o produto deste segundo “empréstimo”, a primeira Autora cumpriu o reforço do sinal previsto no contrato promessa, no valor de 848.000,00€, e continuou a aguardar, por parte da Ré uma decisão”- os AA invocam, para a respetiva prova, os docs. 7 , 12 e 23 da p.i. (respetivamente, contrato promessa de compra e venda celebrado a 10.10.2018, aviso de crédito, e escritura de compra e venda realizada a 30.01.2019).
E, efetivamente, da conjugação desses elementos documentais resulta que o financiamento referido nos arts. 55 e 56 da p.i. (artigos correspondentes aos factos provados 47 e 48) terá servido para o cumprimento do reforço do sinal previsto no contrato promessa, pelo que essa parte da alegação do art. 59º da p.i. se deverá dar como provada; todavia, tais documentos não demonstram o alegado na segunda parte do referido art. 59, ou seja, que a 1ª Autora continuou a aguardar uma decisão da Ré.
Assim sendo, adita-se à matéria de facto assente um novo facto, com a numeração 49-A e a seguinte redação: “Com o produto deste segundo “empréstimo”, a primeira Autora cumpriu o reforço do sinal previsto no contrato promessa, no valor de 848.000,00€.”
Relativamente à factualidade alegada no art. 66 da p.i. – “Com o capital que resgataram, para esse efeito, em 05.12.2018 das aplicações que detinham em Cabo Verde- o restante da aplicação de 645.300,00€ e o montante de 219.000,00€ da aplicação de 242.150,00€.”-, invocam os AA os documentos 2 e 10 da p.i., ou seja, o mail enviado por QQ ao Autor AA com informação sobre as aplicações detidas por este e pesquisa do movimento de conta deste Autor.
Tal factualidade reporta-se ao financiamento alegado nos arts. 63 e 64 da p.i., com a garantia alegada no art, 65 da p.i. (factualidade dada como provada nos pontos 53 a 55 da matéria provada).
E cotejados tais documentos entre si e com os documentos 14 a 17 da p.i., entende-se que resulta provada a factualidade alegada no art. 66 da p.i..
Pelo que se adita à matéria de facto assente um novo facto, com a numeração 55-A e a seguinte redação:” Com o capital que resgataram, para esse efeito, em 05.12.2018 das aplicações que detinham em Cabo Verde- o restante da aplicação de 645.300,00€ e o montante de 219.000,00€ da aplicação de 242.150,00€.”
Pretendem também os AA que se dê como provada a factualidade que consta nas alíneas a), b) e h) da matéria de facto não provada.
Quanto à alínea h) invocam as declarações de parte de AA, que descreveu que desde a recusa de financiamento não mantém com a esposa um “bom relacionamento por causa desse início (…)”.
Quanto às alíneas a) e b) invocam as declarações prestadas pelas partes e pela testemunha FF à luz das regras da experiência comum e da conjugação do que ficou demonstrado relativamente à alteração de planos face à recusa repentina de financiamento.
Vejamos.
Quanto à alínea h), entendemos que as declarações de AA no sentido de não manter com a esposa um bom relacionamento “por causa desse início” são vagas, não permitindo prova segura da concreta factualidade aludida na alínea.
Quanto à factualidade descrita nas alíneas a) e b), também não há prova bastante, na medida em que dos meios de prova invocados não resultou que a Autora tenha que revender os imóveis conforme os comprou e que por via disso irá sofrer um prejuízo.
Aliás, das declarações dos AA AA e CC, designadamente do primeiro, resulta que os imóveis estão urbanizados e em processo de venda, o que colide com a factualidade constante das referidas alíneas.
Tais AA relacionaram os prejuízos que dizem ter sofrido com o atraso no processo de urbanização, o que, para além de não estar sustentado em quaisquer elementos documentais que constem do processo, designadamente quaisquer estudos/relatórios económicos, configura uma versão diferente daquela que consta na al h).
Logo, a factualidade constante das alíneas a), b) e h) da matéria não provada mantém-se como não provada.
Vejamos agora a impugnação da matéria de facto apresentada pela Ré em sede de ampliação do recurso deduzido pelos AA, nos termos do art 636 nº2 do CPC.
Estão em causa os factos provados 42 e 43 e 91 a 93.
Considera a Ré que do facto provado 42 deve ser retirada a expressão “provisório”, e do facto 43 a expressão “ainda apoiados na expectativa de se tratar de uma situação provisória”.
Para tanto invoca o doc. 7 da p.i. e os depoimentos de PP, TT, e OO.
Assiste-lhe razão pois, conforme resulta dos meios de prova testemunhal invocados, não há prova segura de que o financiamento aludido nos factos 42 e 42 tenha sido feito a título provisório, mas tão só que foi um financiamento parcial. Veja-se que a testemunha PP explicou que os empréstimos se compunham de livranças, não tendo sido feito contrato de mútuo, só livranças (o que foi corroborado por TT e OO), mais esclarecendo que não foi possível a solução de financiamento de 1.500.000,00€ com a garantia bancária do Banco de Cabo Verde que tonha sido proposta, pelo que tiveram que reformular a operação. Esclarecimento esse que colide com a alegada provisoriedade do financiamento por desconto de livrança da quantia necessária ao reforço do sinal, verificando-se antes, segundo o que resulta do depoimento em causa, a reformulação da operação.
Aliás o A CC referiu que a concessão do empréstimo foi sendo adiada, pelo que a solução mais simples para prosseguir o negócio eram as livranças, o que também aponta para a reformulação da operação aludida por PP. Também o e-mail de 18.12.2018 de CC a enviar documentos para o financiamento de 800,000,00 em forma de livrança (documento junto à contestação) denota a referida reformulação da operação em empréstimos por livrança.
Logo, os factos 42 e 43 da matéria provada passam a ter a seguinte redação:
42. A ré sugeriu e propôs aos autores novo empréstimo parcial, também na modalidade de “desconto de livrança” pelo valor necessário a cumprir o reforço do sinal, através da emissão de uma outra livrança aceite pela primeira autora e garantida pelo capital aplicado em Cabo Verde, que teria de ser objecto de resgate prévio pelo montante necessário e trazido para depósito a prazo, em Portugal.
43. Os autores, pressionados pelo decurso do tempo e pela necessidade de cumprir o reforço do sinal previsto no contrato-promessa, não vislumbraram alternativa imediata e acabaram por ceder.
Quanto aos factos 91 a 93, entende a Ré que devem ser dados como não provados, considerando que os depoimentos das testemunhas WW e KK que foram invocados pelo Tribunal a quo para a prova dos mesmos não comprovam tais factos, e que as declarações de parte dos 2º e 3º Autores não são idóneas para o efeito.
Relativamente aos factos 91 e 92, verificamos que eles encontram efetiva sustentação, não na prova testemunhal referida, mas sim nas declarações de parte dos AA AA e CC, que os confirmaram, inexistindo prova em sentido contrário, pelo que a respetiva factualidade se deve manter como provada.
Relativamente ao facto 93, tendo em conta que das declarações dos AA AA e CC resulta que os imóveis estão urbanizados e em processo de venda, não poderá efetivamente dar-se como provada a descapitalização da primeira Autora de verba que lhe permita avançar com as infra-estruturas.
Razão pela qual tal factualidade passa para a matéria não provada.
Em face da procedência parcial da impugnação da decisão da matéria de facto apresentada pelas partes, passa-se a reproduzir a versão final da matéria de facto dada como provada:
1. A primeira autora dedica-se à actividade de compra, venda, permuta e revenda de imóveis e à construção civil para venda e arrendamento (cfr. Doc. 1 da PI)
2. Sendo o seu capital social detido, em partes iguais, pelos segundos (através de quota titulada pelo marido) e terceiro autores e a sua gerência exercida pelo segundo autor marido (doc. 1)
3. A ré, dedica-se à actividade bancária em termos gerais.
4. Sensivelmente em Agosto de 2018, surgiu à primeira autora uma oportunidade de negócio de compra de dois imóveis mistos, conhecidos por “...” e “...”, contíguos entre si, sitos na freguesia de Santo António dos Olivais, em plena cidade de Coimbra,
5. Dada a potencialidade comercial de tais propriedades e os valores envolvidos, o negócio revelou-se promissor e os sócios da Valores Diferentes, L.da ponderaram avançar para a sua concretização.
6. O seu preço era de 2.650.000,00 €, e o objectivo da aquisição era o de urbanizar, beneficiar com infra-estruturas, e posteriormente vender.
7. Nessa altura os segundos autores, detinham em aplicações financeiras, a título pessoal, quase todo o capital necessário à aquisição, que ponderaram, numa primeira abordagem, resgatar e emprestar à primeira autora para o efeito.
8. Desde 2005 que os segundos autores (AA e BB) mantinham relações bancárias com a ré, estabelecidas no seu balcão de Pombal, decorrentes da manutenção de vários contratos de depósito bancário e aplicações de activos financeiros.
9. Só a título pessoal, por essa altura (meados de 2018) tinham-lhe confiado o capital de cerca de 1.532,800,00 € que, por indicação do seu gerente de conta no balcão de Pombal, estava investido há vários anos em aplicações financeiras sedeadas no Montepio Geral Cabo Verde, empresa pertencente, a par com a ré, ao grupo Montepio Geral (doc. 2)
10. AA e BB eram, e são ainda, os únicos sócios e gerentes de uma outra sociedade comercial denominada “Exelbloco – Empreendimentos Imobiliários, L.da”, também sedeada em Coimbra, que mantinha igualmente boas relações bancárias com a ré, mediadas no mesmo balcão (doc. 3 -Certidão comercial permanente)
11. Em 2018 a exelbloco detinha também, titulados pelas contas bancarias nºs 124.15.006380-6 e 124.15.006439-0, dois depósitos a prazo, nos montantes respectivamente de 211.000,00 € e 289.000,00 €, totalmente desonerados, (doc. 4 – extracto bancário).
12. E a própria autora “Valores Diferentes, L.da” mantinha, desde 2012, depósitos bancários sedeados também nesse balcão da ré.
13. Em Agosto de 2018, os autores mencionaram junto desse balcão a intenção da Valores Diferentes, L.da realizar o negócio de compra daquelas propriedades nos termos acima referidos, foi-lhes proposta, em nome da ré, a concessão do financiamento necessário a essa aquisição, caso os segundos autores oferecessem como garantia o capital aplicado em Cabo Verde.
14. Tal solução, garantiram-lhes, permitia a manutenção, não só da aplicação do capital em Cabo Verde, como também a do respectivo rendimento.
15. Relativamente ao valor do financiamento que tais aplicações não fossem susceptíveis de garantir, estudar-se-iam outras soluções de garantia, quer patrimonial, quer pessoal.
16. Os autores ponderaram esta solução e, optaram por acolher a proposta da ré e recorrer ao financiamento bancário para aquisição dos imóveis.
17. Para fazer face ao respectivo preço (2.650.000,00€) e aos custos associados à aquisição (impostos, emolumentos, etc.), foi proposta pela ré a concessão de um financiamento total de 2.700,000,00 € (dois milhões e setecentos mil euros)
19. Para tal, os segundos e terceiro autores dispuseram-se, em representação da sociedade primeira autora e, também, em nome próprio, a conceder garantias pessoais, para além dos referidos valores aplicados em Cabo Verde.
20. E o balcão de Pombal da ré comprometeu-se a, juntamente com a administração central, analisar a proposta e elaborar um estudo financeiro adequado ao tipo de operação pretendida, à melhor taxa de juro a aplicar, ao spread, e às demais garantias que seriam exigidas ao financiamento.
21. Tendo ficado de transmitir aos autores, em pouco dias, o resultado desse estudo e as garantias exigidas.
22. À ré foi facultada toda a informação solicitada relacionada com os imóveis para cuja aquisição o financiamento se destinava e esteve desde sempre a par do objectivo dessa aquisição.
23. Os autores avançaram com o negócio de aquisição dos imóveis supra referidos, agendando a celebração do prévio contrato-promessa de compra e venda para o dia 10 de Outubro de 2018, data em que esperariam, de acordo com o que o banco lhes transmitia, ter já em mãos o financiamento aprovado.
24. Por exigência dos vendedores, ficou logo estipulado que, com a assinatura da promessa, teria de ser prestado sinal no valor correspondente a pelo menos 18% do preço total, ou seja 477.000,00 €.
25. Sinal esse que, também por sua exigência, seria reforçado em mais 32% do valor da compra (848.000,00 €) em meados de Novembro de 2018.
26. Sendo que o restante valor do preço, no montante de 1.325.000,00 €, seria pago aquando da celebração do contrato definitivo, a ter lugar impreterivelmente durante o mês de Janeiro de 2019.
27. Todas as referidas datas e valores foram prontamente comunicados à ré, que nunca deixou de asseverar estar tudo bem encaminhado.
28. A data apalavrada para a celebração do contrato-promessa e prestação do referido sinal aproximou-se, sem que estivesse ainda formulada decisão definitiva quanto ao financiamento.
29. Pelo que no balcão da ré de Pombal foi proposto aos autores, com vista a avançar com o sinal da promessa, a concessão de um empréstimo a título provisório de 500.000,00 €, sob a modalidade de “desconto de livrança” à sociedade “Excelbloco, L.da”.
30. e cujo pagamento a mesma garantiria através dos seus depósitos a prazo nesse mesmo valor, sedeados naquele balcão,
31. Assim, para concretização dessa primeira parte do negócio de compra e venda, em 08/10/2018 foi aceite pela Excelbloco – Empreendimentos Imobiliários, L.da, uma livrança no valor de 500.000,00 €, com vencimento em 06/10/2019, garantida pelos depósitos a prazo de que era detentora (cfr. doc.s 5 e 4).
32. Desse valor, descontados os custos com a contratação, foi disponibilizado pela Ré o montante de 497.497.54 €, que a Excelbloco, L.da, veio a emprestar à primeira autora.
33. Contudo, no dia 03 de Outubro de 2018, do balcão de Pombal foi remetido ao segundo autor-marido um e-mail, dando-lhe conta das operações que estavam em aprovação para “completar o pedido de financiamento de 2.700,000,00 €” (doc. 6)
34. Segundo essa comunicação, para além da operação já então aprovada em nome da Exelbloco, L.da, estariam em aprovação duas outras operações de financiamento em nome da empresa “Valores Diferentes, L.da”, que lhe permitiriam cumprir os termos do contrato-promessa cuja data já estava marcada para ser assinado (doc. 6):
a. A primeira, no montante de 1.500.000,00€ através da modalidade de “Abertura de Crédito de Tesouraria C/C” a contratar até 10/11/2018, a uma taxa de juro diferencial de 0,35% relativamente à taxa média das aplicações detidas no Banco Montepio de Cabo Verde, mediante a emissão de uma garantia bancária de igual valor a emitir por este banco.
b. A segunda, no montante de 700,000,00 €, através do desconto de livrança a contratar até 10/01/2019 pelo prazo de até um ano com uma taxa de juro indexada a Euribor a seis meses acrescida de spread de 1,95 %, garantida pelo aval pessoal dos sócios e cônjuges.
35. Em simultâneo, por esta altura e também por sugestão e intermédio do balcão de Pombal do Montepio Geral e já com o propósito de garantir o financiamento em estudo, no dia 05/10/2018 parte do capital detido pelos segundos autores no Banco Montepio de Cabo Verde foi reconduzido a duas aplicações a prazo, uma no valor de 645.350,00 € e outra no valor 645.300,00 €, ambas remuneradas no primeiro ano a uma taxa de juro de 0,55 % que se elevaria a 0,65 % no 2º ano e a 0,75% no terceiro ano (doc. 2)
36. A par destas, estes segundos autores já lá mantinham, em Cabo Verde, desde 01/03/2016 uma outra aplicação no valor de 242.150,00 € que lhes rendia uma taxa de juro anual de 1,5 % desde o dia 01/03/2018 (doc. 2)
37. Com o valor do financiamento de 500,000,00 € concedido por intermédio da Excelbloco, L.da, o contrato promessa de compra e venda veio a ser formalizado entre as partes na data marcada (10/10/2018), tendo a primeira autora pago o sinal previsto (doc 7).
38. Nesse contrato foi fixada como data para entrega do reforço do sinal de 848.000,00 € (32%), o dia 15 de Novembro de 2018 (cfr. doc. 7 - clausula 2ª, nºs 3, alínea b) e 5).
39. Após a sua celebração, foi disponibilizada ao R. uma cópia do respectivo contrato-promessa (cfr. doc. 8)
40. Em Novembro de 2018 a Ré comunicou aos AA. que as propostas de financiamento em estudo não tinham condições para avançar, uma vez que o capital aplicado em Cabo Verde não era susceptível de o garantir, a partir de lá.
41. Segundo ela, tal capital só poderia ser dado de garantia caso estivesse depositado em Portugal, na Caixa Económica Montepio Geral.
42. A ré sugeriu e propôs aos autores novo empréstimo parcial, também na modalidade de “desconto de livrança” pelo valor necessário a cumprir o reforço do sinal, através da emissão de uma outra livrança aceite pela primeira autora e garantida pelo capital aplicado em Cabo Verde, que teria de ser objecto de resgate prévio pelo montante necessário e trazido para depósito a prazo, em Portugal.
43. Os autores, pressionados pelo decurso do tempo e pela necessidade de cumprir o reforço do sinal previsto no contrato-promessa, não vislumbraram alternativa imediata e acabaram por ceder.
44. O segundo-autor marido e o terceiro subscreveram a respectiva proposta formal, datada de 12/11/2018 que lhes foi facultada no balcão de Pombal da ré, prévia e integralmente preenchida, para efeitos de “avanço de tesouraria” (doc. 9).
45. Em simultâneo, os segundos autores acederam na liquidação da totalidade da aplicação de 645.350,00€, e parcialmente da de 645,300,00 € pelo valor de 214.650,00€ ambas detidas no Banco Montepio de Cabo Verde, totalizando o valor de 860.000,00 € (doc. 2)
46. Que veio de lá transferido para a sua conta de depósitos à ordem nº 124-10.002098-9, sedeada na dependência de Pombal da ré (doc. 10)
47. Na sequência destas operações, a ré financiou directamente a primeira autora Valores Diferentes, L.da, através do aceite de uma livrança, com data de emissão a 13/11/2018, pelo prazo de um ano, no valor nominal de 856.000,00 € (doc. 11)
48. Do qual deduzidas as despesas e impostos associados (no valor de 4.282,46 €) lhe foram apenas disponibilizados 851.717,54 € (doc. 12)
49. Esse financiamento ficou assim garantido na sua totalidade pela constituição de um penhor sobre o saldo da conta a prazo dos segundos autores no valor de 856.000,00 €, entretanto aberta no balcão de Pombal, também por sugestão da ré, com o produto do resgate das aplicações de Cabo Verde. (doc. 13.
49-A. “Com o produto deste segundo “empréstimo”, a primeira Autora cumpriu o reforço do sinal previsto no contrato promessa, no valor de 848.000,00€.”
50. Ao aproximar-se o final do ano civil de 2018 a ré propôs aos AA que, para efeitos de aprovação do financiamento, a “Valores Diferentes, L.da” aumentasse o seu capital social, de modo a que no início do ano civil de 2019 já estivesse inscrito no registo um capital de, pelo menos, 405.000,00€ (o seu capital social até aí era de apenas 5.000,00 € - cfr. doc. 1).
51. O que os autores satisfizeram.
52. Contudo, para obter a liquidez necessária à realização do aumento de capital exigido, necessitavam que a ré emprestasse à primeira autora o montante necessário e, para tal, teria de ser dada mais uma garantia imediata.
53. Assim, com essa finalidade, a sociedade “Valores Diferentes, L.da”, na sequência de nova proposta de “desconto de livrança” que lhe foi dada a assinar pela ré, também prévia e integralmente preenchida, acabou por aceitar uma nova livrança, também por um ano e com data de emissão de 04/12/2018, desta feita no valor nominal de 654.000,00 € (doc.s 14 e 15)
54. Do qual deduzidos os respectivos encargos, foi disponibilizado na sua conta bancária o montante líquido de 650,727,54 € (doc. 16)
55. E à semelhança do que aconteceu com a livrança anterior, como garantia do seu pagamento, foi, pelos segundos autores, constituído penhor sobre o crédito representado pelo saldo de uma nova conta a prazo desse mesmo valor entretanto constituída (doc. 17),
55-A.” Com o capital que resgataram, para esse efeito, em 05.12.2018 das aplicações que detinham em Cabo Verde- o restante da aplicação de 645.300,00€ e o montante de 219.000,00€ da aplicação de 242.150,00€.”
56. O capital social da sociedade autora foi aumentado e realizado nos termos exigidos (doc. 1) e a ré prontamente informada dessa ocorrência (doc. 18)
57. Aproximando-se a data limite para a celebração da escritura prometida, e com vista a garantir esse financiamento, ou parte dele, a ré propôs aos autores a constituição de uma hipoteca sobre os imóveis prometidos comprar.
58. Possibilidade essa com que estes concordaram de imediato, já desesperados por ver o financiamento aprovado.
59. Nessa sequência, a ré, nos primeiros dias do ano de 2019, procedeu à avaliação de apenas uma das quintas objecto desse contrato (a ...), da qual resultou o valor de 1.559.000,00 € (cfr. doc. 19)
60. A Ré endereçou à primeira autora carta, datada de 21/01/2019 e subscrita no balcão de Pombal, comunicando-lhe não ser possível dar seguimento ao pedido de financiamento, nas condições atualmente propostas, dando por concluído todo o processo (doc. 20)”.
61. Para pagamento do valor restante do preço da compra, a autora necessitava, neste momento, de 1.325.000,00 €, a que acresceria o valor dos impostos pela aquisição (cfr. doc. 7).
62. E dispunha apenas do valor líquido do último financiamento concedido pela ré para realização do capital social aumentado (650.727,54 € - doc. 16)
63. Pelo que lhe faltava ainda os cerca de 690,000,00 €, que a ré acabou por não financiar.
64. As economias dos segundos autores, haviam sido resgatadas e estavam cativas a garantir por penhor o pagamento das duas últimas livranças.
65. As economias da “Excelbloco, L.da” estavam igualmente cativas, a garantir por penhor, o pagamento da primeira das referidas livranças.
66. A ré ainda comunicou à Central de Responsabilidades de Crédito do Banco de Portugal, a responsabilidade pessoal dos 2º autor marido e 3º autor, enquanto avalistas das livranças aceites pela primeira autora (doc.s 51 e 52)
67. Confrontados com a recusa de financiamento a uma semana da data estabelecida para a celebração da escritura e com a falta da liquidez necessária a concluir o negócio de aquisição dos imóveis, cada um dos segundos e terceiro autores, tentou pelas formas que tinha ao seu alcance, obter os montantes necessários a cumprir o respectivo contrato-promessa.
68. Os segundos autores lograram, junto do Millenium BCP, a obtenção de um crédito pessoal (nº ...), no montante de 403.055,28 €, cujo valor lhes foi disponibilizado em conta no dia 29/01/2019 (doc. 21), mas cuja remuneração lhe foi imposta a uma taxa de juro de 3,5% que, dada a premência em resolver a situação, não lhes foi possível negociar.
69. O terceiro autor, por sua vez, conseguiu igualmente um crédito pessoal, junto do Banco Santander Totta, no valor de 140.000,00 €, que lhe foi creditado em conta no dia 31/01/2019 (doc. 22)
70. E, junto de familiares e amigos, conseguiu este autor que lhe emprestassem o montante de 200.000,00 €, por três meses.
71. O que permitiu à autora Valores Diferentes, L.da cumprir a promessa de compra e venda dentro do prazo previsto, que veio a ser formalizada por escritura pública no Cartório Notarial de NN, em Lisboa, de fls 68 a fl.s 72 verso, do Livro 82-A, no dia 30 de Janeiro de 2019 (cfr. doc. 23).
72. O empréstimo titulado pela livrança de 500.000,00 € aceite pela Excelbloco, L.da foi pago através da contracção de um novo crédito pelos mesmos método e valor, obtido mediante livrança por ela aceite no dia 22/11/2019 (doc. 24).
73. Que veio a ser integral e definitivamente liquidado à ré no dia 07/10/2020 (doc. 29).
74. Com as operações descritas e por conta delas, veio a ré a debitar na conta bancária da Excelbloco, L.da, no período entre as datas da emissão da livrança inicial e a do pagamento definitivo do seu valor, a quantia total de 19.145,55 € sendo (doc.s 4, 5 e 24 a 29):
a. Comissões ………………………………6.000,00€
b. Juros de descontos bancários ……………7.717,78€
c. Imposto do Selo Livranças ………………5.000,00€
d. Outras despesas bancárias ………………. 427,77€ (imposto de selo por operações bancárias, portes e IVA).
75. Valor do qual a primeira autora Valores Diferentes, L.da ressarciu já a referida Excelbloco, L.da.
76. Já a livrança que titulou o financiamento de 856.000,00 € (doc.s 9, 11 e 12) foi, após o seu vencimento, paga com o produto de um novo crédito efectuado em 08/11/2019 perante a ré, pela mesma forma e com a mesma garantia (doc.s 30 a 32).
77. Tendo o respetivo capital sido integral e definitivamente pago pela autora no dia 12/06/2020 (cfr. doc. 33)
78. Por conta deste financiamento de 856.000,00 € e da sua “renovação”, a primeira autora acabou por suportar custos, que a ré lhe debitou na sua conta bancária, no montante global de 17.415,49 €, sendo:
a. 8.395,94 €, a título de juros = 5.610.37 € + 2785,57 € (doc.s 34 e 35)
b. 8.560,00 €, a título de Imposto de selo - ponto 17.1.2, da tabela (doc.s 12 e36)
c. 459,55 €, com outras despesas bancárias e imposto de selo de operações bancárias (doc.s 12 e 33 a 36).
79. E a livrança aceite para o financiamento de 654.000,00 € (doc.s 14, 15 e 16) foi liquidada em 02/12/2019 com o capital de um novo crédito, contraído nas mesmíssimas condições (doc.s 37 e 38)
80. E garantido por novo penhor constituído sobre a conta de depósito a prazo desse mesmo valor, detido pelos segundos autores no balcão da Ré de Pombal, com o capital que havia provido de Cabo Verde (doc. 39)
81. Tendo o respectivo valor sido integral e definitivamente saldado também no dia 12/06/2020.
82. Com estes aceites, a autora suportou os custos que lhe foram debitados na sua conta bancária num total de 13.002,87 €, sendo:
a. 6.204,83 €, a título de juros - 4.286,43 € + 1918,40 € (doc.s 40 e 41)
b. 6.540,00 €, a título de Imposto de selo - ponto 17.1.2, da tabela (doc.s 16 e42)
c. 258,04 €, com outras despesas bancárias e imposto de selo de operações bancárias (doc.s 16, 40, 41 e 42)
83. Dado que aquando do primeiro vencimento das livranças que titulam os empréstimos de 856.000,00 € e 654.000,00 €, a conta bancária da primeira autora não estava aprovisionada, foram-lhe ainda debitadas comissões de recuperação de valores em dívida no montante total de 520,00 € (doc.s 43 e 44).
84. Assim como lhe havia sido debitada, em 19/12/2018, uma comissão relativa à avaliação a que a ré sujeitou o prédio prometido comprar, para efeitos de eventual hipoteca, no valor de 307,50 € = 250,00 € + IVA (doc. 45)
85. Já o montante do empréstimo pessoal contraído pelos segundos autores junto do Millenium BCP (empréstimo nº ...) veio a ser pago no dia do seu vencimento, com o produto de um outro empréstimo que se viram também constrangidos a contrair em 30/01/2020 pelo valor de 402.004,81 € (empréstimo nº ...) mas desta feita pelo prazo de seis meses, (doc.s 21, 46,47, 48 e 49)
86. Que por sua vez veio a ser pago no seu vencimento com o produto de um novo crédito junto do BCP (contrato nº ...), no valor de 401.521,83 € (doc. 50).
87. Que foi definitivamente liquidado em 28/10/2020 (doc. 50)
88. Com todas as operações de financiamento junto do BCP, os segundos autores suportaram juros e custos no total de 31.941,95€ (doc.s 21 e 46 a 50)
89. Já o terceiro autor, procedeu à liquidação total do empréstimo que contraiu junto do Banco Santander Totta no dia 01/07/2019 (doc. 22)
90. Tendo suportado juros, imposto de selo e demais despesas bancárias no montante total de 1.677,71 € (doc. 22).
91. Os valores dos financiamentos/empréstimos referidos foram pagos pela primeira autora, com o produto da venda de património imobiliário que entretanto foi realizando.
92. Produto esse que era intenção inicial dos autores, caso o financiamento tivesse ocorrido nos termos planeados e garantidos pela ré, aplicar nos custos da urbanização e obras de infraestruturas dos imóveis.
94. No que diz respeito às aplicações de 645.350,00 € e 645.300,00 €, o rendimento no primeiro ano em Cabo Verde seria de 0,55 %, que se elevaria para 0,65 % no 2º ano e para 0,75 % no terceiro (doc. 2), pelo que, em três anos, estes autores esperavam obter destas duas aplicações rendimentos no valor bruto de 26.414,70 €.
95. Já a aplicação de 242,150,00 €, rendia aos autores uma taxa de 1,5% que, em três anos, perfaria o valor total bruto de 10.896,75 € (doc. 2)
96. Resgatado e trazido para o Montepio Geral em Portugal, tal capital rendeu-lhes apenas o valor bruto de 4.732,09 € (doc. 2)
97. Apesar de manterem residência em Portugal, os segundos autores vivem em França, tendo-se deslocado várias vezes a Portugal para tratar do financiamento junto da Ré.
98. O terceiro autor, residente em Coimbra, durante esse mesmo período de tempo, deslocou-se ao balcão de Pombal da Ré várias vezes, para subscrever expediente e entregar documentação por ela solicitada e para se inteirar pessoalmente sobre o estado do financiamento.
99. Com esta situação os segundos AA. sofreram transtornos e sentiram um profundo medo de perder as economias de uma vida inteira de trabalho, bem como as quantias da Excelbloco, L.da.
100. A demora na resposta da Ré fez com que os AA. vivessem atormentados e angustiados,
101. Sentimentos que se agudizaram gradualmente à medida em que essa resposta persistia em tardar.
102. E com a notícia de que a ré não concederia o financiamento (na parte restante), a escassos dias da data agendada para a celebração da escritura de compra e venda, sentiram-se desesperados.
103. Nesses dias praticamente não dormiram, não conseguindo evitar pensar que aquele negócio constituiria a sua ruina financeira e a perda das poupanças de uma vida de trabalho.
104. Foi uma semana de absoluta aflição, a que viveram nos dias que precederam a celebração da escritura de aquisição dos imóveis.
105. Aflição essa agravada por se encontrarem ausentes do país, sentindo-se impotentes na resolução do problema.
106. Por outro lado, sentiram-se, e sentem-se ainda, profundamente ofendidos e traídos pela ré, até aí “parceira” de vários negócios ao longo de décadas, com quem mantiveram sempre as melhores relações, quer em termos pessoais quer como representantes das sociedades de que são sócios (Execelbloco, L.da e Valores Diferentes, L.da)
107. A desilusão e a incredulidade ainda persistem nos dias de hoje.
108. O terceiro R., recebeu com estupefacção a notícia inesperada do corte de financiamento por parte da ré.
109. E também não dormiu na semana que precedeu a celebração da escritura.
110. Dominado por sentimentos de desânimo, ansiedade e, até, de revolta.
111. Ao mesmo tempo que, por seu turno, também tentava fazer a sua parte na resolução do problema.
112. Vendo-se forçado a pedir a familiares e amigos dinheiro emprestado e por conseguinte, a expor uma parte da sua vida que, de outra maneira, não lhes interessaria nem lhes diria respeito.
115. A Ré solicitou junto do Banco de Portugal a rectificação do registo de centralização de responsabilidades de crédito em 17.12.2019 (doc. 13 da cont.)
Da reapreciação do mérito da causa (recursos dos AA e da Ré):
A decisão recorrida condenou a Ré a pagar aos AA. AA e BB a quantia de €31.941,95 a título de indemnização por danos patrimoniais, e a quantia de €20.000,00 a cada um destes autores, a título de indemnização por danos não patrimoniais; e a pagar ao A. CC a quantia de 1.677,71€ a título de danos patrimoniais e a quantia de 15.000,00€ a título de danos não patrimoniais.
Fê-lo com base no instituto da culpa in contrahendo previsto no art. 227º do CC.
Com o seu recurso, a Ré pretende afastar tal condenação, pugnando pela inexistência de ato ilícito da sua parte, e consequentemente pela inexistência de relação causal com os danos sofridos pelos AA, pelo que requer a revogação da sentença; à cautela, requer também a revogação da sentença, por considerar inexistirem danos morais decorrentes da atuação da Ré, sendo que os que constam na matéria dada como provada não assumem com gravidade que mereça a tutela do direito, e que o montante arbitrado é excessivo.
Por sua vez, os AA pretendem a condenação da Ré a pagar à 1ª Autora os valores peticionados relativamente a custos de todas as livranças emitidas, no valor de €50.391,41, e respetivos juros de mora, e os lucros cessantes a determinar em incidente de liquidação de sentença; e aos segundos recorrentes o valor de €32.579,36 correspondente ao diferencial entre o que valor das suas aplicações renderia se não tivessem sido resgatadas e o valor que o respetivo capital lhes rendeu após o resgate, e respetivos juros de mora; e ainda juros de mora sobre a indemnização referente aos danos patrimoniais já fixados.
Importa, pois, reapreciar, no âmbito dos dois recursos, o mérito da causa, o que se passará a fazer.
Concluiu o Tribunal a quo, em conformidade com o invocado pelos AA, haver lugar a responsabilidade civil pré contratual, por aplicação do preceituado no art.º 227º do Código Civil.
E fê-lo por considerar, entre o mais, que: “(…)a forma como a ré conduziu e orientou o pedido de financiamento da A., criou legitimas espectativas de que o mesmo seria concedido. Efectivamente quer pelo tempo decorrido (de Agosto a Janeiro) na análise do mesmo, quer pelos pedidos que foram sendo efectuados e aceites pelos AA., quer, ainda, pela proposta de subscrição de livranças como forma de adiantamento da quantia global do financiamento, usando para garantia verbas próprias dos AA., e que estes poderiam ter utilizado directamente para pagamento das quantias contratualmente devidas (sem os encargos bancários) se não tivessem sido levados a acreditar pela conduta da Ré que o empréstimo seria concedido, importa concluir que a Ré agiu, para com os AA.. de forma ilícita. Efectivamente, as negociações entre AA. e R. chegaram ao ponto de criar nos autores uma situação de confiança efectiva e expectativa razoável de concretização do contrato de financiamento, o que os levou a aceitar as várias propostas efectuadas pelo Banco. Daí que a recusa de concessão do crédito por parte da Ré, na fase negocial em que se encontrava, e sem que se compreenda as razões que levaram a tal decisão (quando os empréstimos já concedidos através de livrança se encontravam garantidos por capitais próprios dos AA. e quando o valor da avaliação de apenas um dos dois imóveis que a A. se propunha adquirir era superior ao valor de que os AA. ainda necessitavam para adquirir ambos os prédios) após a satisfação de todas solicitações da Ré, esteja eivada de arbitrariedade, violando o dever de lealdade, em infracção do disposto no art.º 227º do Código Civil. A ruptura injustificada e inesperada das negociações a poucos dias da celebração do contrato de compra e venda, constitui uma violação dos deveres de boa fé que norteiam a fase pré contratual e, na medida em que causaram um dano, constitui a lesante na obrigação de indemnizar os AA.(…)”
Está, pois em causa, a rutura injustificada e inesperada das negociações para a concessão de crédito.
Dispõe o art. 227 do CC que quem negoceia com outrem para conclusão de um contrato deve, tanto nos preliminares, como na formação dele, proceder segundo as regras da boa-fé, sob pena de responder pelos danos que culposamente causar à contraparte.
Sobre este tema, designadamente no que à rutura das negociações respeita, veja-se o Acórdão do STJ de 22-11-2018 proferido no Processo 1156/12.5TVLSB.L1.S1 (Relator: SOUSA LAMEIRA), com o seguinte sumário: I - O fundamento da responsabilidade pré-contratual reside na culpa na formação do contrato – art. 227.º, n.º 1, do CC – e assenta na violação do dever de boa-fé que também tem de estar presente na fase pré-contratual. II - Se é certo que a liberdade contratual, princípio basilar do nosso direito, não impõe às partes o “dever pré-contratual de celebrar o contrato final” a verdade é que o mesmo sistema legal afirma que aquele que negoceia o deve fazer observando o dever de boa-fé, sob pena de responder pelos danos que culposamente causar à outra parte. III - Tendo sido criada na contraparte uma expectativa, uma confiança tão grande e séria, de que o contrato final seria celebrado, não pode uma das partes recusar, sem mais, a celebração do contrato. IV - Numa situação de responsabilidade pré-contratual, como a em causa nos autos, a indemnização deverá abranger apenas a indemnização do dano negativo, pois esta visa repor o lesado na situação em que estaria se não tivesse iniciado as negociações para a celebração do contrato.
Bem como o Ac. do STJ de 31-03-2011 proferido no Processo 3682/05.3TVSLB.L1.S1 (Relator: FERNANDO BENTO), com o seguinte sumário: “I - Incorre em responsabilidade pré-contratual por culpa in contrahendo quem, depois de negociações com vista à celebração de determinado contrato e durante as quais foram acordadas todas as cláusulas relevantes faltando apenas a formalização, recusa outorgar o contrato. II – A responsabilidade decorre do facto de uma das partes ter gerado na outra a confiança e a expectativa legítima de que o contrato seria concluído e não da ruptura das negociações, da não conclusão ou da recusa de celebração do do contrato; III – Logo, o facto que obriga à reparação é a confiança violada por inobservância das regras da boa-fé e não a ruptura das negociações, a não conclusão ou a recusa de celebração do contrato por inexistência de obrigação legal ou contratual de prosseguir negociações, de concluir ou de celebrar o contrato. IV – A indemnização pelo interesse negativo do contrato (dano de confiança) é medida pela diferença entre a situação patrimonial actual do lesado e a que existiria se não houvesse, por haver confiado, encetado as negociações V – Por conseguinte, só serão indemnizáveis os prejuízos que consistiram nas despesas efectuadas com as (e nas) negociações por haver confiado na conclusão do contrato (danos emergentes) e não também, por não estar em causa um incumprimento contratual, os lucros cessantes decorrentes da frustração das expectativas de ganho fundadas no contrato não concluído.”
É, assim, pressuposto da responsabilidade civil pré- contratual por rutura das negociações que uma das partes tenha atuado de forma a criar na outra parte uma séria e legítima expectativa de que o contrato seria celebrado.
Está em causa a tutela dessa situação de confiança.
Vejamos então se estamos perante uma situação em que a Ré gerou na pessoa dos AA a expectativa legitima de que a concessão de crédito seria efetuada.
Entendemos que sim.
Da matéria provada resulta que a sociedade Autora (cujo capital social é detido pelos segundos e terceiro AA) quis comprar dois imóveis pelo preço de 2.650.000,00, sendo que os segundos AA detinham em aplicações financeiras quase todo o capital necessário a tal aquisição, o qual ponderaram utilizar para o efeito; em Agosto de 2018 no balcão da Ré foi proposta, em nome da ré, a concessão do financiamento necessário a essa aquisição, caso os segundos autores oferecessem como garantia o capital aplicado em Cabo Verde, o que lhes permitiria a manutenção, não só da aplicação do capital em Cabo Verde, como também a do respetivo rendimento, sendo que relativamente ao valor do financiamento que tais aplicações não fossem suscetíveis de garantir, estudar-se-iam outras soluções de garantia; os autores acolheram a proposta da ré de recorrer ao financiamento bancário para aquisição dos imóveis, pelo para fazer face ao respectivo preço (2.650.000,00€) e aos custos associados à aquisição (impostos, emolumentos, etc.), foi proposta pela ré a concessão de um financiamento total de 2.700,000,00 € (dois milhões e setecentos mil euros); para tal, os segundos e terceiro autores dispuseram-se, em representação da sociedade primeira autora e, também, em nome próprio, a conceder garantias pessoais, para além dos referidos valores aplicados em Cabo Verde; e o balcão de Pombal da ré comprometeu-se a, juntamente com a administração central, analisar a proposta e elaborar um estudo financeiro adequado ao tipo de operação pretendida, à melhor taxa de juro a aplicar, ao spread, e às demais garantias que seriam exigidas ao financiamento, tendo ficado de transmitir aos autores, em pouco dias, o resultado desse estudo e as garantias exigidas.
Mais se provou que os autores avançaram com o negócio de aquisição dos imóveis supra referidos, agendando a celebração do prévio contrato-promessa de compra e venda para o dia 10 de Outubro de 2018, data em que esperariam, de acordo com o que o banco lhes transmitia, ter já em mãos o financiamento aprovado, sendo que, por exigência dos vendedores, ficou logo estipulado que, com a assinatura da promessa, teria de ser prestado sinal no valor correspondente a pelo menos 18% do preço total, ou seja 477.000,00 €, sinal que seria reforçado em mais 32% do valor da compra (848.000,00 €) em meados de Novembro de 2018; o restante valor do preço, no montante de 1.325.000,00 €, seria pago aquando da celebração do contrato definitivo, a ter lugar impreterivelmente durante o mês de Janeiro de 2019. Todas as referidas datas e valores foram prontamente comunicados à ré, que nunca deixou de asseverar estar tudo bem encaminhado.
Também se provou que a data apalavrada para a celebração do contrato-promessa e prestação do referido sinal aproximou-se, sem que estivesse ainda formulada decisão definitiva quanto ao financiamento, pelo que no balcão da ré de Pombal foi proposto aos autores, com vista a avançar com o sinal da promessa, a concessão de um empréstimo a título provisório de 500.000,00 €, sob a modalidade de “desconto de livrança” à sociedade “Excelbloco, L.da” (cujo capital social é detido pelos segundos AA) e cujo pagamento a mesma garantiria através dos seus depósitos a prazo nesse mesmo valor, sedeados naquele balcão, pelo que para concretização dessa primeira parte do negócio de compra e venda, em 08/10/2018 foi aceite pela Excelbloco – Empreendimentos Imobiliários, L.da, uma livrança no valor de 500.000,00 € garantida pelos depósitos a prazo de que era detentora, sendo que descontados os custos com a contratação, foi disponibilizado pela Ré o montante de 497.497.54 €, que a Excelbloco, L.da, veio a emprestar à primeira autora.
E ainda que no dia 03 de Outubro de 2018, do balcão de Pombal foi remetido ao segundo autor-marido um e-mail, dando-lhe conta das operações que estavam em aprovação para “completar o pedido de financiamento de 2.700,000,00 €” , nos termos da qual para além da operação já então aprovada em nome da Exelbloco, L.da, estariam em aprovação duas outras operações de financiamento em nome da empresa “Valores Diferentes, L.da”, que lhe permitiriam cumprir os termos do contrato-promessa cuja data já estava marcada para ser assinado: uma, no montante de 1.500.000,00€ através da modalidade de “Abertura de Crédito de Tesouraria C/C” a contratar até 10/11/2018, a uma taxa de juro diferencial de 0,35% relativamente à taxa média das aplicações detidas no Banco Montepio de Cabo Verde, mediante a emissão de uma garantia bancária de igual valor a emitir por este banco; e outra, no montante de 700,000,00 €, através do desconto de livrança a contratar até 10/01/2019 pelo prazo de até um ano com uma taxa de juro indexada a Euribor a seis meses acrescida de spread de 1,95 %, garantida pelo aval pessoal dos sócios e cônjuges. Por esta altura e também por sugestão e intermédio do balcão de Pombal do Montepio Geral e já com o propósito de garantir o financiamento em estudo, no dia 05/10/2018 parte do capital detido pelos segundos autores no Banco Montepio de Cabo Verde foi reconduzido a duas aplicações a prazo, uma no valor de 645.350,00 € e outra no valor 645.300,00 €, ambas remuneradas no primeiro ano a uma taxa de juro de 0,55 % que se elevaria a 0,65 % no 2º ano e a 0,75% no terceiro ano.
Provou-se ainda que em Novembro de 2018 ( já após a celebração do contrato promessa cuja cópia foi disponibilizada á Ré) e pagamento do sinal, a Ré comunicou aos AA que as propostas de financiamento não tinham condições para avançar, uma vez que o capital aplicado em Cabo Verde não era suscetível de o garantir, a partir de lá, sendo que tal capital só poderia ser dado de garantia caso estivesse depositado em Portugal, na Caixa Económica Montepio Geral. E propôs aos autores novo empréstimo parcial, também na modalidade de “desconto de livrança” pelo valor necessário a cumprir o reforço do sinal, através da emissão de uma outra livrança aceite pela primeira autora e garantida pelo capital aplicado em Cabo Verde, que teria de ser objeto de resgate prévio pelo montante necessário e trazido para depósito a prazo, em Portugal, tendo os AA acedido, e os segundos AA liquidado a totalidade da aplicação de 645.350,00€, e parcialmente a de 645,300,00, € pelo valor de 214.650,00€ ambas detidas no Banco Montepio de Cabo Verde, transferido os valores para a sua conta de depósitos à ordem sedeada na dependência de Pombal da ré. Na sequência destas operações, a ré financiou a primeira autora Valores Diferentes, Lda, através do aceite de uma livrança, com data de emissão a 13/11/2018, no valor nominal de 856.000,00 €, do qual deduzidas as despesas e impostos associados (no valor de 4.282,46 €) lhe foram disponibilizados 851.717,54 €, financiamento que ficou garantido na sua totalidade pela constituição de um penhor sobre o saldo da conta a prazo dos segundos autores no valor de 856.000,00 €, entretanto aberta no balcão de Pombal de Cabo Verde, tendo, com o produto deste segundo “empréstimo”, a primeira Autora cumprido o reforço do sinal previsto no contrato promessa, no valor de 848.000,00€.
Por último, provou-se ainda ao aproximar-se o final do ano civil de 2018 a ré, para efeitos de aprovação do financiamento, propôs aos AA que a “Valores Diferentes, L.da” aumentasse o seu capital social, de modo a que no início do ano civil de 2019 já estivesse inscrito no registo um capital de, pelo menos, 405.000,00€, o que os autores satisfizeram, e para obter a liquidez necessária à realização do aumento de capital exigido, a sociedade “Valores Diferentes, L.da aceitou uma nova livrança no valor nominal de 654.000,00 €, do qual deduzidos os respectivos encargos, foi disponibilizado na sua conta bancária o montante líquido de 650,727,54 €, sendo que, como garantia do seu pagamento, foi, pelos segundos autores, constituído penhor sobre o crédito representado pelo saldo de uma nova conta a prazo desse mesmo valor entretanto constituída com o capital que resgataram, para esse efeito, em 05.12.2018 das aplicações que detinham em Cabo Verde- o restante da aplicação de 645.300,00€ e o montante de 219.000,00€ da aplicação de 242.150,00€; e, apesar do aumento de capital da Ré e da ré ter proposto aos autores a constituição de uma hipoteca sobre os imóveis prometidos comprar, com o que os AA concordaram, tendo sido para o efeito avaliado um dos imoveis, a Ré a 21.01.2019 comunicou aos AA a recusa de financiamento, sendo que ficou a faltar aos AA a quantia de 690.000,00€ para pagamento do valor restante do preço dos imóveis (com escritura agendada para final de Janeiro). Sendo que as economias dos segundos AA e da Excelbloco estavam cativas para garantir o pagamento das três livranças já emitidas.
Em suma: A Ré propôs aos AA um financiamento global de €2700.000,00 para que a Sociedade Autora pudesse adquirir dois imoveis, objetivo que era do seu conhecimento, tendo, com conhecimento das condições e datas estipuladas no contrato promessa de compra e venda dos imóveis, disponibilizado através do desconto de três livranças, fundos que permitiram o pagamento do sinal, do reforço do sinal, e parte do remanescente valor do preço, mas, a dez dias da data marcada para a escritura da compra e venda, negou a concessão do dito necessário ao pagamento integral da compra e venda, tendo ficado a faltar aos AA a quantia de 690.000,00€ para pagamento do valor restante do preço dos imóveis, sendo certo que as economias dos segundos AA e da Excelbloco estavam cativas para garantir o pagamento das três livranças já emitidas.
Ora, tendo a Ré promovido junto dos AA o financiamento de um montante global para aquisição de dois imóveis, e concedido as tranches necessárias ao pagamento dos respetivos sinal e reforço do sinal, e considerando ainda as démarches propostas pela própria Ré, e aceites pelos AA, para efeitos de viabilizar a última tranche (necessária ao pagamento da remanescente parte do preço) - como foi o caso do aumento de capital da Sociedade Autora, e da avaliação, para hipoteca, de um dos imóveis a adquirir - , é quanto a nós claro que a Ré atuou de forma a criar nos AA uma séria e legítima expectativa de que a última parte do financiamento seria também aprovada e o correspondente crédito concedido.
E que, portanto, se verificou, da parte da Ré, uma recusa ilegítima da contratação do crédito, mais a mais, a meros dez dias da data da escritura de compra e venda para a qual os AA careciam desse financiamento, o que a Ré conhecia, sendo certo que do provado não resulta sequer que a Ré tenha comunicado aos AA o concreto fundamento para a recusa de concessão do crédito.
Tal atitude da Ré viola a boa fé que deve presidir à fase de negociações para celebração de um contrato, constituindo especificamente violação do dever de lealdade que deve nortear tais negociações – art 227 do CC e art. 74º do RGIFC
O que constitui fundamento para responsabilidade civil pré- contratual, por rutura ilegítima das negociações.
Os AA/apelantes invocam no seu recurso também a violação dos deveres pré-contratuais de informação e proteção (cf. conclusão XIV): violação dos deveres de informação por falta de verdade ou exatidão nos esclarecimentos essenciais necessários à tomada da decisão de contratar aquando da proposta de financiamento e por total falta de verdade nas informações prestadas ao longo de toda a fase pré-negocial, incutindo-lhes e alimentando-lhes a confiança na concessão que a própria Ré propôs; e violação dos deveres de proteção por os induzir desde o inicio a tomar decisões e praticar atos provisórios (como a emissão de livranças e o resgate de poupanças) que se vieram a revelar lesivas aos seus interesses.
Discordamos. A matéria provada não confirma a falta de verdade ou exatidão nos esclarecimentos essenciais necessários à decisão de contratar, pois quando os AA acolheram a proposta da ré de recorrer ao financiamento bancário para aquisição dos imoveis, o Banco comprometeu-se a analisar a proposta e elaborar um estudo financeiro adequado ao tipo de operação pretendida, à melhor taxa de juro a aplicar, ao spread e às demais garantias que seriam exigidas ao financiamento, situação que nos parece objetivamente adequada aos valores envolvidos, não sendo exigível que imediatamente o Banco estivesse em condições de prestar com exatidão todas as informações concretas do financiamento.
Tanto que para além de um primeiro financiamento para permitir o cumprimento do sinal previsto no contrato promessa entretanto assinado pela Autora (financiamento que desde logo o Banco propôs com informação sobre o valor, modalidade e garantia, nos termos descritos em 29 e 30), o Banco deu ainda informação sobre as outras duas operações em aprovação, nos termos descritos nos pontos 32 e 33 da matéria provada, detalhando-as.
E posteriormente comunicou aos AA que as propostas de financiamento em estudo não tinham condições de avançar e porquê (pontos 40 e 41).
Foram posteriormente feitos mais dois financiamentos parciais, por desconto de livrança (ambos garantidos por saldos bancários cujos valores provinham do resgate de aplicações dos segundos AA); ora para além de estarem em causa operações (descontos de livrança garantidos por saldos bancários) que não são objetivamente de difícil apreensão, mais a mais para uma empresa e para empresários que movimentam valores consideráveis, em nenhum ponto da matéria provada consta que os AA tenham manifestado quaisquer dúvidas quanto ao tipo e características das referidas operações.
Não se deteta, pois, a violação de deveres de informação que fossem exigíveis, conforme defendem os AA.
Também não se deteta a violação de deveres de proteção. É que, com exceção do desconto da primeira livrança – financiamento proposto a titulo provisório pelo Banco para permitir o cumprimento do sinal previsto no contrato promessa entretanto assinado pela Autora, tratando-se, pois de uma operação que beneficiou aquela A -, não se provou que as demais operações aceites pelos AA tenham configurado atos provisórios, o que desde logo afasta o fundamento invocado pelos AA apelantes para a invocada violação dos deveres de proteção.
Portanto, conforme acima referimos, a atuação do Banco violou o dever de lealdade que deve nortear as negociações pré-contratuais com os seus clientes (e não os deveres de informação e proteção), configurando uma rutura ilegítima das negociações, geradora de responsabilidade civil pré- contratual.
Importa, assim, verificar se, para além deste facto ilícito, ocorrem in casu os demais pressupostos da responsabilidade civil geradora da obrigação de indemnização, ou seja, a imputação do facto ilícito ao lesante (culpa), o dano (prejuízo), e o nexo de causalidade entre o facto e o dano.
Ora, é notório que o facto ilícito (a rutura ilegítima das negociações) é culposo, pois o Banco poderia ter agido de outra forma, não se tendo apurado qualquer causa de exclusão da culpa.
Vejamos agora os danos e o seu nexo de causalidade com o facto ilícito e culposo.
O tribunal a quo considerou, quanto a danos patrimoniais, o seguinte: “Entende-se, porém, que apenas serão causais do facto ilícito da Ré os danos patrimoniais sofridos na decorrência da falta de financiamento da 3ª tranche do empréstimo, recusada em Janeiro de 2019. Quanto aos demais valores peticionados, relacionados com os custos das livranças, entende-se que a A. sempre teria que os suportar ainda que a R. tivesse financiado o valor final de 700.00,00€. Assim, considerando a factualidade provada, em consequência da sua conduta a Ré terá que indemnizar os 2ºs AA. da quantia referente a juros e custos do financiamento que estes suportaram junto do BCP no valor de €31.941,95 (facto 88); e terá que indemnizar o 3º A. da quantia referente a juros, imposto de selo e despesas bancárias relativas ao empréstimo junto do BST no valor de 1.677,71€ (facto 89/90); No que respeita aos lucros cessantes, tendo resultado não provado o facto constante na al. b), afigura-se que não lograram os Aa. fazer prova destes.”
Concorda-se com o Tribunal a quo. Os danos patrimoniais referentes a juros e custos do financiamento a que os 2ºs AA tiveram que recorrer na sequência da recusa por parte da Ré de financiamento da última parte do empréstimo pretendido e negociado, juros e custos no valor de €31.941,95 (facto 88), têm como causa adequada a atuação da Ré; o mesmo se diga quanto aos danos patrimoniais referentes a juros, imposto de selo e despesas bancárias relativas ao empréstimo a que o 3º R teve que recorrer, no valor de 1.677,71€ (factos 89/90).
Tais montantes são, pois, devidos pela Ré aos referidos AA, acompanhados pelos respetivos juros de mora, à taxa legal para as obrigações civis, contados desde a data da citação da Ré até integral pagamento, conforme pugnam os apelantes AA na conclusão XXVI – cf. art 805 nº3 do CC.
Já os custos de todas as livranças emitidas pela Ré, no valor de €50.391,41, as quais correspondem aos próprios empréstimos que a Ré concedeu sob a forma de desconto de livrança, não têm como causa adequada a rutura ilegítima das negociações/recusa de financiamento da última parte do empréstimo negociado, pois tais livranças situam-se a montante da referida rutura de negociações. Tais custos sempre seriam suportados pela 1 ª Autora, mesmo que a última parte do financiamento tivesse também sido concedida pela Ré.
A rutura ilegítima das negociações/recusa de financiamento da última parte do empréstimo negociado também não constitui causa adequada do dano relativo ao diferencial entre o valor que as aplicações dos segundos AA renderiam se não tivessem sido resgatadas e o valor que o respetivo capital lhes rendeu após o resgate (diferencial no valor de €32.579,36); o resgaste das aplicações é anterior, e como tal independente, da referida recusa de financiamento.
Portanto, não há fundamento para condenar a Ré a ressarcir à 1ªA o referido valor de €50.391,41 e aos segundos AA o valor de €32.579,36, e, consequentemente, a pagar os respetivos juros de mora.
Quanto aos danos invocados relativamente a lucros cessantes, os mesmos não se demonstraram, conforma resulta da inclusão da correspondente alegação nas alíneas a) e b) da matéria de facto não provada.
E consequentemente não há que condenar a Ré no pagamento de qualquer indemnização por lucros cessantes a determinar em incidente de liquidação de sentença, pois sem a prova da ocorrência de lucros cessantes, não se aplica o disposto no art. 564.º n. 2 do CC e no artigo 609.º n.º 2 do CPC (liquidação de sentença); efetivamente, não estamos perante uma mera falta de prova do quantum do dano, mas antes perante a falta de prova da verificação do próprio dano.
Por último, analisemos os danos morais.
O Tribunal fixou a indemnização correspondente a danos morais em €20.000,00 para cada um dos segundos AA e em €15.000,00 para o 3º Autor.
Insurge-se a Ré por considerar inexistirem danos morais decorrentes da atuação da Ré, e que os que constam na matéria dada como provada não assumem gravidade que mereça a tutela do direito, e ainda que o montante arbitrado é excessivo.
O Tribunal a quo fundamentou, nesta matéria, a sua decisão nos seguintes termos: “Ora, considerando que os AA. tinham a espectativa de adquirir 2 imóveis, que se viram na eminência de não conseguir outorgar a escritura de compra e venda, perdendo, consequentemente, as quantias já entregues, que ascendiam a cerca de 2.000.000,00€, assim perdendo as poupanças de uma vida e a possibilidade de negócio. Considerando ainda a necessidade que o 3º A. teve de recorrer a familiares e amigos, tendo que expor as suas dificuldades e fragilidades, entende-se que a situação verificada e o mal-estar gerado, traduzido na factualidade apurada relativamente aos danos não patrimoniais sofridos pelos Autores, se situa para além dos normais incómodos, transtornos e preocupações que são frequentemente sofridos pelos contraentes em caso de incumprimento contratual. Revestem por isso uma gravidade suficiente para merecerem a tutela do direito, entendendo-se, contudo, serem superiores os danos sofridos pelos 2ªs RR., desde logo pelo receio, gerador de elevada ansiedade de perder todo o dinheiro já entregue a título de sinal correspondentes às poupanças de toda a vida. Entende-se, pois, equitativo, arbitrar a este título uma indemnização no valor de €20.000,00 a cada um dos 2ºs RR. e de 15.000,00€ ao 3º R.(calculados por referência à presente data).”.
Entendemos que os factos provados 97 a 107 (referentes aos segundos AA) e 98 a 112 (referente ao 3º A) refletem danos morais causalmente decorrentes da conduta ilícita da Ré (rutura ilegítima das negociações), porquanto resultam diretamente de tal conduta, prendendo-se com o sofrimento sentido na sequência da mesma.
O facto de a 1ª A ter assinado o contrato promessa para aquisição dos imoveis sem existir qualquer decisão da recorrente quanto ao financiamento solicitado e em aprovação não desvirtua aquela causalidade. Trata-se um facto muito anterior à ocorrência dos danos morais e que em si mesmo não foi gerador de sofrimento.
E acrescente-se que a Ré não é sequer alheia a esse facto. A Ré sempre soube que o financiamento se destinava à aquisição dos imóveis (facto 22), tendo ficado de dar resposta em poucos dias (facto 21), pelo que os AA agendaram a celebração do contrato promessa para data em que esperariam, de acordo com o que o banco lhes transmitia, ter em mãos o financiamento aprovado (23). E, conforme resulta dos factos 28 e 29, a data marcada para o contrato promessa aproximou-se sem que houvesse decisão definitiva do financiamento, sendo a própria Ré quem propôs aos AA uma solução de financiamento que lhes permitia avançar com o sinal da promessa. Ou seja, a Ré promoveu e facilitou a solução para permitir o pagamento do sinal na data do contrato promessa, não podendo ora eximir-se à sua responsabilidade pelos danos morais causados pela sua conduta (rutura ilegítima das negociações) com base num facto para o qual contribuiu.
O Art. 496º do Código Civil prevê a ressarcibilidade dos danos não patrimoniais que, pela sua gravidade, mereçam a tutela do direito.
Na nossa perspetiva os danos sofridos pelos segundos e terceiro AA são merecedores dessa tutela.
Efetivamente não se podem menosprezar, e portanto, considerar como meros incómodos, a aflição e desespero sentidos pelos segundos AA com a notícia de que a ré não concederia o financiamento (na parte restante) a escassos dias da data agendada para a celebração da escritura de compra e venda, não tendo nesses dias praticamente dormido, não conseguindo evitar pensar que aquele negócio constituiria a sua ruina financeira e a perda das poupanças de uma vida de trabalho. Ou o sentimento de ofensa e traição sentidos, bem como a desilusão e incredulidade que ainda persistem.
O mesmo se diga relativamente ao desânimo, ansiedade e revolta sentidos pelo 3º A com a notícia do corte de financiamento por parte da ré, o qual também não dormiu na semana que precedeu a celebração da escritura, e que se viu forçado a pedir a familiares e amigos dinheiro emprestado e por conseguinte, a expor uma parte da sua vida que, de outra maneira, não lhes interessaria nem lhes diria respeito.
E, como tal, tais danos são indemnizáveis.
Para tanto impõe a lei o recurso à equidade tendo em atenção os danos causados, o grau de culpa, a situação económica do lesante e do lesado e as demais circunstâncias do facto - art. 496º nº 1 e nº 4 e art. 494º do Código CIvil.
A Ré apelante considera excessivo o valor fixado relativamente aos danos morais, com recurso à equidade, pelo Tribunal a quo - €20.000,00 para cada um dos 2ºs AA, e 15.000,00€ para o 3º A.
Para tanto defende que os AA lograram obter financiamento junto de outras entidades bancárias que lhes permitiu concluir o negócio que pretendiam.
Ora, tal situação não invalida nem diminui os danos morais que os segundo e terceiro A sentiram anteriormente, não devendo, pois, influir na fixação do respetivo montante indemnizatório.
Refere também a Ré que o valor das indemnizações em causa é excessivo face aos critérios jurisprudenciais seguidos para casos semelhantes e até mais graves.
Invoca para tal o “Acórdão do Tribunal da Relação de Lisboa de 02/10/2022 (Processo n.º 946/20.0T8LSB.L1-2)” e o “Acórdão do Supremo Tribunal de Justiça de 18/12/2012 (Processo n.º 1610/07.0TMSNT.L1.S1)”.
O seu dissentimento não procede. Nos casos tratados nos referidos Acórdãos (sendo que o Acórdão do TRL data de 10.02.2022, e não de 02.10.2022, conforme, certamente por lapso, se escreveu nas alegações dos AA) os danos morais não foram tão intensos, pois, por exemplo, os lesados não ficaram vários dias sem dormir, como aconteceu no caso dos presentes autos.
E, portanto, o montante a arbitrar nos presentes autos terá que ser necessariamente superior àquele que foi fixado nos citados casos (sendo que o montante fixado no caso tratado no Acórdão do STJ se encontra nitidamente desatualizado, atento o elevado número de anos entretanto decorrido).
Assim, partindo da indemnização por danos morais fixada no citado Ac. do TRL de 10.02.2022 (€10.000,00), e tendo em conta que no caso dos presentes autos, como se disse, os danos são mais intensos, pois os lesados ficaram vários dias sem conseguir dormir, não nos parece que os montantes fixados pela 1ª instância (recorde-se: €20.000,00 para os AA AA e BB; e €15.000,00 para o YY) sejam manifestamente excessivos.
Como tal, não se vê fundamento para alterar os montantes indemnizatórios fixados relativamente aos danos morais.
Do supra exposto resulta que o recurso apresentado pelos AA procede apenas relativamente ao pedido de juros de mora sobre o montante indemnizatório fixado pelo Tribunal a quo relativamente a danos patrimoniais, e improcede quanto ao demais, com custas a cargo dos AA e da Ré na proporção dos respetivos decaimentos (art. 527 nºs 1 e 2 do CC).
O recurso apresentado pela R improcede, com custas a cargo desta (art 527 nº1 e 2 do CC).
***
V- DECISÃO:
Pelo exposto acordam as Juízes desta 8ª seção do Tribunal da Relação de Lisboa em julgar parcialmente procedente a apelação dos AA e improcedente a apelação da Ré, e em consequência:
- Revogam o segmento condenatório 1 b) i da sentença recorrida, o qual substituem pelo seguinte: “Condenar o R. a pagar aos AA. AA e BB a quantia de €31.941,95 a título de indemnização por danos patrimoniais, acrescida de juros de mora à taxa vigente para as obrigações civis, contados desde a data da citação da Ré até integral pagamento. - Revogam o segmento condenatório 1 c) i da sentença recorrida, o qual substituem pelo seguinte: “Condenar o R. a pagar ao A. CC a quantia de 1.677,71€ a título de danos patrimoniais, acrescida de juros de mora à taxa vigente para as obrigações civis, contados desde a data da citação da Ré até integral pagamento.;”
- No mais, mantêm a sentença recorrida.
As custas do recurso apresentado pelos AA serão suportadas pelos AA e pela Ré na proporção dos respetivos decaimentos (art. 527 nºs 1 e 2 do CC).
As custas do recurso apresentado pela R serão suportadas por esta (art. 527 nº1 e 2 do CC).
Notifique.
Lisboa, 11.09.2025
Carla Matos
Teresa Sandiães
Maria Carlos Calheiros